Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9423/21.0YPRT-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: INJUNÇÃO
RECONVENÇÃO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO FUNDADO EM RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Data do Acordão: 09/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE PENICHE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: DECRETO-LEI N.º 269/98, DE 1 DE SETEMBRO, E ARTIGOS 76.º, N.ºS 1 E 2, 577.º E 578.º, TODOS DO CPC
Sumário: I - Os procedimentos especiais a que se reporta o DLei n.º 269/98, de 01/09, mormente de injunção, traduzem mecanismos marcados pela simplicidade e celeridade, vocacionados para a cobrança simples de dívidas, de molde a aliviar os tribunais da massificação decorrente de um exponencial aumento de ações de pequena cobrança de dívidas.

II - O procedimento de injunção, direcionado para exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, tal como a decorrente ação declarativa especial transmutada (procedimento/ação de cumprimento), com o figurino processual que o legislador quis manter até ao presente (mesmo após a entrada em vigor do NCPCiv., com a filosofia e soluções incorporadas por este), não constituem meio processualmente adequado para discutir obrigação indemnizatória fundada em incumprimento contratual do senhorio quanto à sua obrigação de realização de obras necessárias no prédio urbano locado (ação de responsabilidade).

III - Nem para dirimir litígios referentes a relações contratuais de natureza complexa/duradoura, com múltiplas atribuições patrimoniais reciprocas pelas partes e decorrentes deveres contratuais e legais.

IV - Não sendo o procedimento adotado pela parte o meio adequado, existe um obstáculo processual impeditivo do conhecimento de meritis, ocasionando exceção dilatória inominada, a determinar a absolvição da instância.

V - Porém, sendo a parte demandada em procedimento de injunção, ao deduzir oposição, a formular reconvenção, para pedir aquela indemnização fundada em incumprimento contratual do senhorio, é de rejeitar tal reconvenção, por inadmissibilidade legal face à forma de processo, incluindo a ação declarativa especial (transmutada) para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                 ***

I – Relatório

D... Lda”, com os sinais dos autos,

apresentou requerimento de injunção – que passou a correr como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias – contra

G..., Lda”, também com os sinais dos autos,

pedindo o pagamento da quantia de € 6.702,00, correspondente a € 6.600,00 de capital e € 102,00 de taxa de justiça.

Para tanto, alegou ter celebrado com a sociedade demandada um contrato de arrendamento em 30/05/2017, que a R. resolveu em 10/11/2020, tendo ficado por pagar as faturas correspondentes às rendas dos meses de junho a novembro de 2020.

A R. deduziu oposição, defendendo-se por exceção – invocou, para além do mais, a exceção de não cumprimento do contrato de arrendamento urbano (para fins não habitacionais), alegando que a A. inviabilizou a utilização do imóvel em causa pela R., ao não ter realizado as obras a que estava obrigada e que lhe foram solicitadas, com os consequentes danos suportados pela arrendatária.

Alegou ainda o pagamento de uma caução de € 1.100,00 aquando da assinatura do contrato de arrendamento, pretendendo que se operasse o respetivo desconto se algum montante fosse considerado em dívida pela demandada.

E deduziu reconvenção, peticionando a condenação da A. nos seguintes pedidos reconvencionais:

«1) (…) QUE SEJA JULGADO PROCEDENTE O PEDIDO RECONVENCIONAL FORMULADO, CONDENANDO-SE A REQUERENTE AO PAGAMENTO DE UMA INDEMNIZAÇÃO DE € 5.500,00 (…) A TÍTULO DE COMPENSAÇÃO PELOS PREJUÍZOS SOFRIDOS.

OU, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, O QUE POR MERO DEVER DE PATROCÍNIO SE PONDERA,

2) SEJA JULGADA PROCEDENTE A EXCEPÇÃO (…) DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO POR INAPTIDÃO DO BEM LOCADO AO FIM A QUE SE DESTINA E POR CULPA DA REQUERENTE, COM A CONSEQUENTE ABSOLVIÇÃO DA REQUERIDA DO PEDIDO.

3) SEJA JULGADO PROCEDENTE O PEDIDO RECONVENCIONAL DEDUZIDO, CONDENANDO-SE A REQUERENTE AO PAGAMENTO DE UMA INDEMNIZAÇÃO NO VALOR DE € 10.376,66 A TÍTULO DE COMPENSAÇÃO PELOS PREJUÍZOS SOFRIDOS.

4) OU SEJAM OS CRÉDITOS COMPENSADOS, DEVENDO A REQUERENTE PAGAR À REQUERIDA O MONTANTE DE € 6.600 (…).» (sic, com destaques aditados).

A A. pronunciou-se pelo indeferimento liminar da oposição por apresentação extemporânea, com as devidas consequências legais.

Depois de remetidos os autos à distribuição, com transmutação em ação especial para “cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato”, o Tribunal decidiu no sentido da tempestividade da oposição apresentada, após o que conheceu da questão da (in)admissibilidade legal da reconvenção, nos seguintes termos:

«A autora D... Lda. intentou requerimento de injunção contra a ré G..., Lda., peticionando a condenação desta no pagamento do montante global de € 6.702,00. Para o efeito, alegou que o contrato de arrendamento que vigorava entre as partes foi resolvido e que a ré não pagou as rendas que melhor identifica no requerimento.

A ré deduziu oposição e deduziu ainda pedido reconvencional, a que atribuiu o valor de 10.876,50€.

Atendendo ao valor da injunção (inferior a €15.000,00), o processo foi distribuído como ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato (art. 16º nº 1 do regime anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de setembro).

Este processo especial apenas comporta dois articulados, não sendo legalmente admissível resposta à contestação e, por conseguinte, a reconvenção (art. 1º nº 4 do regime anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de setembro), tendo em vista a celeridade e simplificação que presidem a esta forma processual (entre outros, vejam-se os Acs. do TRE de 03-12-2015, proc. 51776/15.9YIPRT-A.E1, e do TRC 07-06-2016, proc. 139381/13.2YIPRT.C1, www.dgsi.pt).

Além disso, in casu, não estamos perante obrigações emergentes de transacções comerciais, abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 62/2013, o que, a ser o caso e face ao aumento do valor da acção por virtude da dedução do pedido reconvencional, acarretaria a alteração para a forma de processo comum (artigo 10º nº 4 do referido DL).

Sem prejuízo, verifica-se que o fundamento fáctico invocado pela ré para suportar o seu pedido reconvencional (recusa na realização de obras pelo autor e impossibilidade do locado) funda-se nos mesmos factos alegados que suportam a excepção de não cumprimento do contrato pela autora (artigos 46º a 57º da oposição), estando, por essa via, garantido o seu direito de defesa.

Donde, o Tribunal apreciará os factos atinentes à recusa de obras no locado e impossibilidade do seu uso, como factos integradores da invocada excepção peremptória de não cumprimento do contrato pelo autor – o que se deixa consignado.

Não obstante, o pedido reconvencional formulado não é admissível face à forma de processo.

Em face do exposto, por inadmissibilidade legal, não se admite o pedido reconvencional formulado.».

Inconformada com esta decisão de rejeição da reconvenção, veio a R. interpor o presente recurso, apresentando alegação, onde formulou as seguintes

Conclusões ([1]):

«I. A MERITÍSSIMA JUIZ A QUO, NO DOUTO DESPACHO DE QUE AGORA SE RECORRE, JULGOU INADMISSÍVEL A RECONVENÇÃO APRESENTADA PELA RÉ, PORQUANTO – ESCREVEU-SE – ATENTOS O VALOR DA INJUNÇÃO E A DISTRIBUIÇÃO COMO ACÇÃO DECLARATIVA ESPECIAL PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS EMERGENTES DE CONTRATO, ESTE PROCESSO “APENAS COMPORTA DOIS ARTICULADOS” E, ASSIM, NÃO SE ADMITE NEM RESPOSTA À CONTESTAÇÃO NEM RECONVENÇÃO – CFR. ART.º 1.º N.º 4 DO REGIME ANEXO AO DECRETO-LEI N.º 269/98 DE 1/09.

II. MAIS SUSTENTA O SEU ENTENDIMENTO COM A CELERIDADE E SIMPLIFICAÇÃO QUE SE PRETENDEU ALCANÇAR COM O REGIME E, AINDA, COM A ALTERAÇÃO DA FORMA DO PROCESSO A QUE CONDUZIRIA A ADMISSÃO DA RECONVENÇÃO, DADO QUE NÃO SE DISCUTEM AQUI OBRIGAÇÕES ABRANGIDAS PELO DECRETO-LEI N.º 62/2013.

III. APESAR DE SE TRATAR AQUI DE UMA QUESTÃO CONTROVERTIDA, NÃO PODEMOS CONCORDAR, DE TODO, COM ESTE ENTENDIMENTO.

IV. SENDO CERTO QUE SE TRATA AQUI DE UMA INJUNÇÃO CONVOLADA, POR VIA DA DEDUÇÃO DE OPOSIÇÃO, NUMA ACÇÃO DECLARATIVA ESPECIAL, QUE O VALOR DA ACÇÃO NÃO ATINGE OS €15.000,00 E QUE, EM PRINCÍPIO, NÃO SERÃO ADMISSÍVEIS MAIS DE DOIS ARTICULADOS; A VERDADE É QUE HÁ SEMPRE QUE ATENDER À RATIO LEGIS DO PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO E AO PRÓPRIO ESPÍRITO DO PROCESSO CIVIL, EM TERMOS DE ADEQUADA E JUSTAMENTE SE TRATAR O CASO CONCRETO SUBMETIDO A JUÍZO.

V. O QUE PRETENDEU O DECRETO-LEI N.º 269/98 FOI DESCONGESTIONAR OS TRIBUNAIS NOS PROCESSOS DE COBRANÇA DE CRÉDITOS DE VALOR INFERIOR A €15.000,00, PERMITINDO O RECURSO A UM MECANISMO MAIS SIMPLES E CÉLERE DE OS CREDORES VEREM SATISFEITOS OS SEUS CRÉDITOS E ATÉ PORQUE USUALMENTE NÃO HÁ OPOSIÇÃO DO DEMANDADO - TAMBÉM POR ISSO SE DECALCOU O REGIME DO PROCESSO SUMARÍSSIMO E SE REDUZIU A FASE DOS ARTICULADOS (EM PRINCÍPIO) PARA APENAS DOIS.

VI. NOS TERMOS DESTE DECRETO-LEI, QUANDO HAJA OPOSIÇÃO E O CRÉDITO NÃO EXCEDA €15.000,00 (COMO É O CASO DOS AUTOS), O PROCESSO SEGUE A FORMA ESPECIAL.

VII. PERMANECE A QUESTÃO: SERÁ SEMPRE ASSIM? ISTO É, FACE AO CASO CONCRETO, SERÁ QUE SEMPRE SE TERÁ POR INADMISSÍVEL A DEDUÇÃO DE RECONVENÇÃO NAS INJUNÇÕES OU, PELO CONTRÁRIO, HAVERÁ CASOS EM QUE ESTA SERÁ ADMISSÍVEL, POR RAZÕES DE JUSTIÇA MATERIAL E CUMPRINDO OS PRINCÍPIOS GERAIS DO PROCESSO CIVIL?

VIII. A JURISPRUDÊNCIA E A DOUTRINA TÊM-SE DEBRUÇADO SOBRE A QUESTÃO MAIORITARIAMENTE NO QUE TOCA À COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS, DISCUTINDO-SE SE É DE ADMITIR QUE O RÉU APRESENTE PEDIDO RECONVENCIONAL, HAVENDO CRÉDITOS A COMPENSAR E MESMO QUE A ACÇÃO SIGA A FORMA ESPECIAL; OU SE HAVERÁ A CONSIDERÁ-LA SEMPRE E EM QUALQUER CASO INADMISSÍVEL.

IX. O QUE, NO FUNDO, SE RECONDUZ À “SIMPLES” QUESTÃO SOBRE SE DEVE PREVALECER A FORMA OU A SUBSTÂNCIA NO TRATAMENTO DESTA PROBLEMÁTICA E DISCUSSÃO.

X. AQUI, SUBSCREVEMOS INTEIRAMENTE O QUE SE DISSE NO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES, DE 28/01/2021, NO PROCESSO 13397/20.7YIPRT.G1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT E QUE ORA TRANSCREVEMOS, COM SUBLINHADOS NOSSOS:

COM EFEITO, PORQUE SOMOS E SEMPRE SEREMOS DEFENSORES DA SUBSTÂNCIA EM DETRIMENTO DA FORMA, NÃO HÁ COMO NEGAR QUE A SUBSTÂNCIA AQUI É O DIREITO, EMERGENTE DA LEI CIVIL, QUE O DEVEDOR TEM DE SE OPOR À CONDENAÇÃO NO PAGAMENTO DE UM CRÉDITO QUE TERCEIRO DETÉM SOBRE SI, COMPENSANDO COM UM CRÉDITO QUE ELE PRÓPRIO DETÉM SOBRE ESSE TERCEIRO. TRATA-SE DE DIREITO SUBSTANTIVO, QUE NÃO PODE SER POSTERGADO POR RAZÕES PROCESSUAIS.

(…) DO PONTO DE VISTA DA SUBSTÂNCIA, TER UM TÍTULO EXECUTIVO NA MÃO NÃO É O OBJECTIVO ÚLTIMO DO CREDOR; O QUE O CREDOR QUER É RECEBER A QUANTIA EM DÍVIDA. E PARA ESSE OBJECTIVO, É MAIS OU MENOS IRRELEVANTE QUE O CONTRA-CRÉDITO DO DEVEDOR SEJA ESGRIMIDO PERANTE O CREDOR LOGO NA ACÇÃO DE NATUREZA DECLARATIVA, OU EM SEDE DE EMBARGOS NA SUBSEQUENTE ACÇÃO EXECUTIVA (ART. 729º,H CPC), OU PARALELAMENTE EM ACÇÃO DECLARATIVA AUTÓNOMA.

(…) POR OUTRO LADO, A ECONOMIA PROCESSUAL SAI SEMPRE A PERDER COM A SOLUÇÃO OPOSTA À QUE DEFENDEMOS, POIS EM VEZ DE A QUESTÃO FICAR LOGO RESOLVIDA NA ACÇÃO DECLARATIVA INICIAL, AINDA VAI TER DE SER ARRASTAR POR OUTRA ACÇÃO DECLARATIVA OU POR UM ENXERTO DECLARATIVO EM ACÇÃO EXECUTIVA. A DIFERENÇA É TER DOIS OU TRÊS PROCESSOS JUDICIAIS ATÉ RESOLVER A QUESTÃO, EM VEZ DE TER SÓ UM. A ECONOMIA PROCESSUAL DEVE SER VISTA GLOBALMENTE, E NÃO ATOMISTICAMENTE.

ASSIM, NESTA PARTE, NÃO PODEMOS CONCORDAR COM A INTERPRETAÇÃO FEITA NA SENTENÇA RECORRIDA, DEVENDO A COMPENSAÇÃO SER ADMITIDA POR VIA RECONVENCIONAL, E, POR FORÇA DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO, RESPEITANDO OS ARTIGOS 266º,2,C, 584º,1 CPC, EX VI DO ART. 549º,1 CPC) E SOBRETUDO O PRINCÍPIO DA IGUALDADE DAS PARTES EM PROCESSO CIVIL (ART. 4.º CPC), DEVE O JUIZ DA CAUSA DAR OPORTUNIDADE À REQUERENTE SE DE OPOR À ALEGADA COMPENSAÇÃO, DECIDINDO A FINAL DO MÉRITO (EXISTÊNCIA E EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO).

XI. COMO O VENERANDO TRIBUNAL, ESTAMOS EM CRER QUE O OBJECTIVO FINAL DA INJUNÇÃO É O EFECTIVO PAGAMENTO DO CRÉDITO E NÃO, COMO RESULTA DA PERFILHAÇÃO DO ENTENDIMENTO DO DOUTO DESPACHO RECORRIDO, A OBTENÇÃO DE UM TÍTULO EXECUTIVO: O QUE SE PRETENDE É O PAGAMENTO DO MONTANTE QUE SE DIZ EM DÍVIDA, PELO QUE AO CREDOR QUE LANCE MÃO DA INJUNÇÃO PODEM SER OPOSTAS QUAISQUER EXCEPÇÕES E FACTOS E PRETENSÕES QUE “MATEM” ESSE SEU OBJECTIVO – E AINDA QUE POR VIA RECONVENCIONAL!

XII. É TENDO EM VISTA ESSE FIM QUE O DEVEDOR DEDUZ OPOSIÇÃO, ONDE, NOS TERMOS DOS ARTS.º 15.º E 1.º/3 DL N.º 269/98 E 569.º E SEGUINTES DO CPC, APRESENTA A SUA DEFESA – CONTESTANDO O QUE PETICIONA O AUTOR.

XIII. NÃO SE ENCONTRAM NO REGIME DA INJUNÇÃO QUAISQUER RAZÕES OU NORMAS QUE OPEREM A EXCLUSÃO DA NECESSIDADE DE O RÉU APRESENTAR TODAS AS RAZÕES DE FACTO E DE DIREITO QUE SUSTENTAM A SUA POSIÇÃO, PELO QUE, POR MAIORIA DE RAZÃO, SERÁ APLICÁVEL O ART.º 573.º CPC, SENDO NESTE ARTICULADO QUE O RÉU DEDUZ TODA A SUA DEFESA.

46. LOGO, É NA OPOSIÇÃO QUE O RÉU INVOCA TODAS AS EXCEPÇÕES E TRAZ TODOS OS FACTOS QUE ENTENDA ENFRAQUECEM OU “MATAM” O QUE O AUTOR DISSE – E MESMO QUE, PARA TANTO, FORMULE UM PEDIDO CONTRA O AUTOR (MAXIME, RECONVINDO!) NAQUELES CASOS EM QUE, COMO ESTE, O DECAIMENTO DA PRETENSÃO CONTRA SI DEDUZIDA NA INJUNÇÃO É INSUFICIENTE, POR FICAR AQUÉM DO QUE SE TEM POR ESSENCIAL AO EQUILÍBRIO SUBJACENTE À “JUSTA COMPOSIÇÃO DO LITIGIO”.

XIV. QUANTO À (IN)ADMISSIBILIDADE DA RECONVENÇÃO, A JURISPRUDÊNCIA TEM VINDO A ESTUDÁ-LA QUANTO À COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS (CFR. ART.º 266.º N.º 2 ALÍNEA C) CPC), DISCUTINDO-SE SE, NESSES CASOS, A DEDUÇÃO DESTE PEDIDO É OBRIGATORIAMENTE LEVADA A CABO POR VIA DA RECONVENÇÃO OU SE DEVERÁ SÊ-LO ATRAVÉS DE EXCEPÇÃO (E SÓ ASSIM ADMISSÍVEL).

XV. AQUI NÃO NOS ATEREMOS DEMORADAMENTE, ATÉ POR NÃO O SER O QUE NESTES AUTOS SE DISCUTE; CONTUDO, ADIANTE-SE, A RAZÃO QUE PRESIDE À SOLUÇÃO ADOPTADA NO ACÓRDÃO ACIMA É CLARA E SUBSUMÍVEL AO CASO SUB JÚDICE: POR SE TRATAR DE UMA QUESTÃO DE SUBSTÂNCIA – DO CONTEÚDO DO QUE SE PETICIONA - E ATENTOS OS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE DAS PARTES, DO CONTRADITÓRIO E DA ECONOMIA PROCESSUAL E DO DIREITO À TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA, É ADMISSÍVEL O PEDIDO RECONVENCIONAL, HAVENDO DE, EM CONSEQUÊNCIA, ADMITIR-SE QUE O AUTOR QUE SE PRONUNCIE EM ARTICULADO POSTERIOR.

XVI. É QUE, SE, POR UM LADO, A INJUNÇÃO SE QUER CÉLERE, POR OUTRO, A “CELERIDADE” NÃO PODE PREVALECER SOBRE A JUSTIÇA MATERIAL – MAIS DETERMINANTEMENTE, NÃO SE PODE PRETENDER UMA “CELERIDADE” QUE É MERAMENTE APARENTE, POSTERGANDO-SE A DEFINITIVA SOLUÇÃO DO CONFLITO PARA MOMENTO E PROCESSO POSTERIOR E, ASSIM, “VENDO” A INJUNÇÃO APENAS ATRAVÉS DA LENTE DO CREDOR, ESQUECENDO-SE A COMPLEXIDADE DA RELAÇÃO JURÍDICA QUE LHE DEU AZO E, AQUI, TRATANDO-SE APENAS UMA PARTE DO PROBLEMA, RELEGANDO A OUTRA PARA UM OUTRO PROCESSO E JUIZ.

XVII. AO RÉU QUE ESTEJA NUMA POSIÇÃO SUBSTANTIVAMENTE RELEVANTE QUANTO À DETERMINAÇÃO DA (IM)PROCEDÊNCIA DA INJUNÇÃO E/OU QUE VENHA POTENCIALMENTE A AFECTAR OS MONTANTES EM DISCUSSÃO, ESSA É (E TEM DE SER!) UMA DEFESA POSSÍVEL, LEGALMENTE ADMISSÍVEL E DE ALEGAR AQUANDO DA DEDUÇÃO DA OPOSIÇÃO – PODENDO, ASSIM, O RÉU RECONVIR.

XVIII. O QUE SE DEMONSTRA INTEIRAMENTE CONGRUENTE COM O PRÓPRIO ESPÍRITO DO PROCESSO CIVIL, PORQUANTO SERIA DEMASIADO ONEROSO PARA O RÉU E CONDUZIRIA POTENCIALMENTE A UM CONGESTIONAMENTO DOS TRIBUNAIS QUE SE FORÇASSE, POR CONTA SOMENTE DA ESPECIALIDADE DO PROCESSO, À EXISTÊNCIA DE DUAS, TRÊS OU MAIS ACÇÕES A CORRER EM SIMULTÂNEO E ONDE SE DISCUTISSEM CRÉDITOS E CONTRA-CRÉDITOS SUSTENTADOS NOS MESMOS FACTOS, CONTRATO E/OU RELAÇÃO JURÍDICA.

XIX. QUE SENTIDO FARIA, ASSIM SENDO, A INJUNÇÃO TAL QUAL FOI PREVISTA? SERIA CÉLERE E SEGUIRIA A FORMA ESPECIAL, MAS NÃO TRARIA QUALQUER JUSTIÇA AO CASO CONCRETO, NEM SE OPERARIA O DESCONGESTIONAMENTO E SIMPLIFICAÇÃO PRETENDIDOS.

XX. PIOR AINDA, NÃO SE PORIA EFECTIVO TERMO AO LITÍGIO, QUE FICARIA SOLUCIONADO APENAS EM PARTE E ADIANDO-SE – ILEGAL E INCOMPREENSIVELMENTE – A JUSTA COMPOSIÇÃO DO LITÍGIO PARA MOMENTO POSTERIOR, ASSIM NÃO CUMPRINDO O DESÍGNIO ÚLTIMO DO PROCESSO E A RAZÃO PELA QUAL EXISTE (LEIA-SE, PRECISAMENTE, A JUSTA COMPOSIÇÃO DO LITÍGIO E A PROLAÇÃO DE UMA DECISÃO QUE SEJA ÚTIL E FINAL).

XXI. ORA, NA COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS A ADMISSÃO DA RECONVENÇÃO É DE FÁCIL E INTUITIVA COMPREENSÃO: EXISTINDO CRÉDITO E CONTRA-CRÉDITO, HAVERÃO AMBOS DE SER DISCUTIDOS NA MESMA ACÇÃO, AINDA QUE COM A FORMA ESPECIAL E MESMO QUE HAJA DE ADMITIR UM ARTICULADO ADICIONAL, ONDE SE PERMITA O CONTRADITÓRIO DA CONTRAPARTE, DADO QUE SE DISCUTEM POSIÇÕES CONTRÁRIAS DAS MESMAS PARTES, QUE INFLUEM DETERMINANTEMENTE NO MONTANTE A PAGAR E/OU RECEBER POR CADA UM.

XXII. NO CASO DOS AUTOS, A MATERIALIDADE DA QUESTÃO É EXACTAMENTE A MESMA: A RECONVENÇÃO TEM O ÚNICO OBJECTIVO DE VER A AUTORA CONDENADA A PAGAR UMA INDEMNIZAÇÃO À RÉ, PELA IMPOSSIBILIDADE DE GOZO E FRUIÇÃO DO IMÓVEL LOCADO E, BEM ASSIM, PELO PREJUÍZO QUE TEVE COM O PAGAMENTO DE OUTRA RENDA, NUM LOCAL ADEQUADO AOS FINS COM QUE TINHA ARRENDADO O IMÓVEL AQUI EM CAUSA.

XXIII. QUE SENTIDO FARIA, MESMO PROCESSUALMENTE, IMPOR-SE À RÉ QUE INTENTASSE OUTRA ACÇÃO DECLARATIVA PARA OBTER O EFEITO QUE SE ALCANÇARIA COM A RECONVENÇÃO?

XXIV. IMPLICARIA O PAGAMENTO DE OUTRA TAXA DE JUSTIÇA, CUSTAS, HONORÁRIOS DE MANDATÁRIO, DISPÊNDIO DE TEMPO E RECURSOS AOS TRIBUNAIS E AUMENTARIA, ATÉ E NO LIMITE, O VALOR A PETICIONAR À AUTORA, COM UM PEDIDO RESPEITANTE À MATÉRIA QUE SE DISCUTE NESTES AUTOS, COM OS MESMOS INTERVENIENTES, OS MESMOS FACTOS E A MESMA PROVA – COMO, ALIÁS, BEM SE RECONHECE NO DOUTO DESPACHO RECORRIDO, QUANDO “RECONFIGURA” O PEDIDO RECONVENCIONAL E A MATÉRIA ALI VERTIDA NUMA EXCEPÇÃO.

XXV. ENTENDER INADMISSÍVEL A RECONVENÇÃO, NESTE CASO CONCRETO, É PROFUNDAMENTE INCONGRUENTE COM O PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL E INCOMPATÍVEL COM A TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA, RESPALDANDO-SE NUMA LEITURA DEMASIADO RESTRITIVA DO REGIME DA INJUNÇÃO E DE PARTE DA LEI PROCESSUAL, FAZENDO PREVALECER A FORMA SOBRE A MATÉRIA E CONTRARIANDO UMA DAS DIRECTRIZES PRIMORDIAIS DE TODO O SISTEMA (A ECONOMIA PROCESSUAL, CONSIDERADA COMO UM TODO, NO SEIO DE UM SISTEMA JURÍDICO QUE É, ELE PRÓPRIO, UNO).

XXVI. DESDE LOGO, O DOUTO DESPACHO PECA POR “DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS” NA APLICAÇÃO DO MESMO DIPLOMA: TAMBÉM NÃO TENDO EM MENTE A COBRANÇA DE RENDAS QUE O LEGISLADOR CRIOU A INJUNÇÃO – COMO, ALIÁS, DECORRE DO PREÂMBULO [Onde se pode ler que: “A instauração de acções de baixa densidade que tem crescentemente ocupado os tribunais, erigidos em órgãos para reconhecimento e cobrança de dívidas por parte dos grandes utilizadores, está a causar efeitos perversos, que é inadiável contrariar. Na verdade, colocados, na prática, ao serviço de empresas que negoceiam com milhares de consumidores, os tribunais correm o risco de se converter, sobretudo nos grandes meios urbanos, em órgãos que são meras extensões dessas empresas, com o que se postergam decisões, em tempo útil, que interessam aos cidadãos, fonte legitimadora do seu poder soberano. (…)”] DO DIPLOMA - E ESTE PROCEDIMENTO ESPECIAL, APESAR DE “GENÉRICO” NOS CRÉDITOS QUE DIZ ABRANGER, SURGE DA NECESSIDADE DE TORNAR MAIS CÉLERE E SIMPLES E MENOS INSTRUMENTALIZADOR DOS TRIBUNAIS NA COBRANÇA DE CRÉDITOS DE CONSUMO, NÃO OS ORIUNDOS DE ARRENDAMENTOS, CUJO REGIME JURÍDICO É TAMBÉM ELE ESPECÍFICO E ESPECIAL.

XXVII. LOGO, PRETENDER JUSTIFICAR A INADMISSIBILIDADE DA RECONVENÇÃO NA ESPECIALIDADE DO PROCESSO E NO REGIME ESPECÍFICO DA INJUNÇÃO, ADMITINDO-A PARA UM SUPOSTO CRÉDITO DE ARRENDAMENTO, PARECE-NOS, SEMPRE SALVO O MUITO RESPEITO POR ENTENDIMENTO DIVERSO, DE UM FORMALISMO E CONSTRIÇÃO QUE DESVIRTUA O PRÓPRIO REGIME QUE DIZ E QUER APLICAR “RIGOROSAMENTE” E, MAIS GRAVEMENTE, UMA DECISÃO E UM ENTENDIMENTO INCONGRUENTE.

XXVIII. EM TODO O CASO, MUTATIS MUTANDIS, APLICAM-SE PLENAMENTE AO CASO CONCRETO AS RAZÕES QUE CONDUZIRAM À ADMISSÃO DA RECONVENÇÃO NO CASO DO ACÓRDÃO ATRÁS MENCIONADO, PELO QUE SERÁ DE ADMITI-LA TAMBÉM AQUI.

XXIX. AINDA QUE A ACÇÃO SEJA ESPECIAL, TEM DE SER JUSTA; E HÁ QUE PERMITIR-SE UMA DECISÃO ÚTIL E FINAL, QUE PONHA TERMO AO LITÍGIO – JÁ QUE É ESSE O ESCOPO DO PROCESSO, A SUA RAZÃO DE SER E ÚNICO OBJECTIVO, QUER SIGA O PROCESSO A FORMA COMUM OU ESPECIAL E QUALQUER QUE SEJA O ESPECÍFICO REGIME QUE SE APLIQUE.

XXX. LOGO, DADO QUE A MATÉRIA DA RECONVENÇÃO DECORRE DA REALIDADE E DOS FACTOS QUE AQUI SE TROUXERAM E HÃO-DE APRECIAR, BEM COMO DO DIREITO SUBSTANTIVO QUE SE LHE SUBSUME, NÃO HAVERÁ DE PREJUDICAR-SE A RÉ NA POSSIBILIDADE DE INVOCAR E EXERCER O SEU DIREITO, TENDO POR INADMISSÍVEL A RECONVENÇÃO - PRETERINDO OS PRINCÍPIO DA ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAIS E O DIREITO À TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA.

XXXI. E ASSIM AINDA QUE, PARA ISSO, HAJA A APLICAR O PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO FORMAL E PERMITIR À AUTORA O EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO, O QUE AQUI NÃO SE DEMONSTROU VIR A PRETENDER DEIXAR DE FAZER – E, ALIÁS, ATÉ JÁ SE DEMONSTROU PRETENDER APLICAR O SOBREDITO PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO FORMAL, “CONVOLANDO” A MATÉRIA DA RECONVENÇÃO EM EXCEPÇÃO.

(…)

TERMOS EM QUE, E NOS MELHORES DE DIREITO, SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS., HÁ QUE REVOGAR O DOUTO DESPACHO RECORRIDO, NA PARTE EM QUE SE DECIDE INADMISSÍVEL A RECONVENÇÃO DEDUZIDA, E SUBSTITUÍ-LO POR OUTRO QUE TENHA POR ADMISSÍVEL A RECONVENÇÃO, ATENTOS OS PRINCÍPIOS DA ECONOMIA PROCESSUAL E ADEQUAÇÃO FORMAL E O DIREITO À TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA, PROSSEGUINDO O PROCESSO OS SEUS NORMAIS E ULTERIORES TERMOS E PERMITINDO-SE À AUTORA QUE APRESENTE UM ARTICULADO POSTERIOR, EM CUMPRIMENTO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E ONDE VENHA A RESPONDER À MATÉRIA RECONVENCIONAL.

ASSIM FAZENDO A ACOSTUMADA JUSTIÇA!».

Foi junta contra-alegação recursória, importando decidir quanto à sua tempestividade/admissibilidade, o que se fará seguidamente.

O recurso foi admitido, como de apelação, com efeito meramente devolutivo e subida imediata e em separado, tendo sido ordenada a remessa do processo a este Tribunal ad quem.

Nada obstando, na legal tramitação recursória, ao conhecimento do mérito da impugnação suscitada, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso

Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo delimitado em sede de articulados – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([2]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do NCPCiv. –, importa saber:

a) Da tempestividade/admissibilidade da peça recursiva de contra-alegação;

b) Do efeito do recurso, por a Recorrente ter pedido a fixação de efeito suspensivo;

c) Da (in)admissibilidade da reconvenção, ante a forma processual especial de que se revestem os autos.

III – Questões prévias

A) Da tempestividade/admissibilidade da contra-alegação

Na sua anterior conclusão, o Sr. Escrivão da Relação informou que, após consulta do processo principal, se lhe afigura que «as contra-alegações são extemporâneas e que não resulta que tenha sido efectuado o pagamento da taxa de justiça» respetiva.

Cumpre conhecer.

O recurso é de apelação autónoma, em separado, sendo a decisão interlocutória recorrida a de não admissão da reconvenção e respetivo pedido (articulado processual).

Trata-se, pois, da rejeição de um articulado, pelo que o recurso é admissível face ao disposto no art.º 644.º, n.º 2, al. d), do NCPCiv. ([3]), sendo o prazo de interposição e de resposta (contra-alegação) de 15 dias [cfr. art.º 638.º, n.ºs 1 e 5, em conjugação com aquele art.º 644.º, n.º 2, al.ª d), ambos do NCPCiv.].

Ora, a alegação de recurso foi apresentada em 03/05/2022, com notificações entre mandatários nos termos do art.º 221.º do NCPCiv., tendo a Mandatária da Recorrida sido notificada por via eletrónica (cfr. fls. 22 v.º e segs. do processo físico), presumindo-se a notificação efetuada no terceiro dia posterior ao do seu envio (art.º 255.º do NCPCiv.) e contando-se seguidamente o prazo de 15 dias para apresentação da contra-alegação [ditos art.ºs 638.º, n.ºs 1 e 5, e 644.º, n.º 2, al.ª d), ambos do NCPCiv.].

Assim, em 28/05/2022, data do oferecimento da peça recursiva de contra-alegação (cfr. fls. 20 do processo físico), já aquele prazo se mostrava expirado, tal como o prazo adicional a que alude o art.º 139.º, n.º 5, do NCPCiv., sendo que também não foi invocado justo impedimento.

No caso, atenta a simplicidade dos elementos a apreciar e da decisão a proferir a respeito, é manifestamente desnecessário observar o princípio do contraditório (art.º 3.º, n.º 3, do NCPCiv.).

Termos em que não vai admitida, por manifestamente extemporânea, a contra-alegação de recurso.

B) Do efeito do recurso

Como já dito, a parte recorrente pedira a fixação de efeito suspensivo, «(…) POR O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS, ATENTO O OBJECTO DO RECURSO PODER TORNAR ABSOLUTAMENTE INÚTIL A QUESTÃO AQUI DISCUTIDA, EM PREJUÍZO DA JUSTIÇA» (cfr. fls. 23 destes autos de recurso em suporte de papel).

A 1.ª instância fixou efeito meramente devolutivo, convocando, para tanto, o disposto no art.º 647.º, n.º 1, do NCPCiv., que estabelece o regime-regra do efeito meramente devolutivo do recurso de apelação.

Ora, cabe dizer, salvo o devido respeito, que se mostra bem aplicada a disciplina daquele art.º 647.º, n.º 1, sendo que não se verifica nenhuma das situações previstas no n.º 2 desse dispositivo legal, nem a parte recorrente observou o disposto no n.º 3 do mesmo (desde logo, não se ofereceu para prestar caução, como lhe era exigido por lei).

Donde que sempre fosse de manter – como se mantém – o efeito meramente devolutivo do recurso, improcedendo o requerido em contrário pela Recorrente.

IV – Fundamentação

A) Da materialidade fáctica assente e dinâmica processual

A factualidade e dinâmica processual a considerar é a que consta enunciada no antecedente relatório, aqui dado por reproduzido.

B) Substância do recurso

Da (in)admissibilidade da reconvenção

Tendo a R./Recorrente deduzido oposição à injunção e pedido reconvencional, a que atribuiu o valor de € 10.876,50, não vem a mesma agora pôr em causa que o processo tenha sido distribuído – tal como dito na decisão sob recurso – como «ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato (art. 16º nº 1 do regime anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de setembro)».

Também não põe em causa que este processo especial, no seu figurino legal vigente, apenas comporte dois articulados ([4]), mas já não aceitando a conclusão de ser legalmente inadmissível resposta à contestação e, por conseguinte, a reconvenção (art. 1º nº 4 do regime anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de setembro), tendo em vista a celeridade e simplificação que presidem a esta forma processual (conclusão esta a que, como visto, chegou o Tribunal a quo).

Por outro lado, não parece pôr em causa a Apelante o dito pelo Tribunal recorrido no sentido de, in casu, não estarmos perante «obrigações emergentes de transações comerciais, abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 62/2013, o que, a ser o caso e face ao aumento do valor da acção por virtude da dedução do pedido reconvencional, acarretaria a alteração para a forma de processo comum (artigo 10º nº 4 do referido DL)», sabido que o litígio dos autos emerge de relacionamento contratual de arrendamento urbano, reportando-se a A. a imputada dívida referente a rendas alegadamente em dívida (quantia pecuniária, em montante determinado, de raiz contratual).

E também é líquido que a R. funda a pretensão reconvencional «nos mesmos factos alegados que suportam a excepção de não cumprimento do contrato pela autora (artigos 46º a 57º da oposição)», estando, por essa via, como também dito na decisão em crise, «garantido o seu direito de defesa», que aqui não está em questão (aludida exceção de não cumprimento).

Seguro é, outrossim, que a Apelante não aceita que o pedido reconvencional formulado não seja admissível face à forma de processo.

Vejamos, então.

Aquela Apelante afirma que a forma (formalismo processual) não pode prevalecer sobre a substância (justiça), impondo as exigências de justiça material que lhe seja permitido, mesmo que com adaptação processual (surgimento de novo articulado, de defesa perante a reconvenção e os respetivos pedidos, sob pena de indefesa nesta parte), facultada pelos poderes de gestão e adequação do processo abertos pelo NCPCiv., deduzir reconvenção, como o fez no âmbito da peça processual de oposição ao procedimento de injunção, ainda que a sua pretensão reconvencional consubstancie, como é patente no caso, um pedido indemnizatório por ilícito contratual – invocado incumprimento pelo senhorio de deveres a seu cargo, com os decorrentes danos para a parte inquilina/arrendatária ([5]).

Admitindo, embora, que o quadro originário (o da injunção da Requerente) vem a desembocar, perante a dedução de oposição, numa ação declarativa especial, destinada ao cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, tem a R. de reconhecer que o seu pedido – reconvencional – é de condenação no pagamento de quantia pecuniária (como por si quantificado), mas por força de obrigação indemnizatória, ante o incumprimento de obrigações contratuais do senhorio (a A.) referentes ao locado, concluindo, ainda assim, pela adequação do originário recurso à figura da injunção.

Dúvidas não restam, todavia, de que a injunção, tendo por fim “conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular” – as obrigações pecuniárias emergentes de contrato («dívidas») – “ou ainda das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro” (art.º 7.º do DLei n.º 269/98, de 01-09, na redação aplicável), só seria admissível in casu se estivesse em discussão, por nela se fundar o pedido da A. – e a isso se reconduzir, pois, a causa de pedir apresentada –, uma verdadeira obrigação pecuniária emergente de contrato que, invocado, houvesse sido celebrado entre as partes.

Neste aspeto cabe dizer, desde logo, que nem a R., na sua oposição, invocou, como meio/fundamento de defesa, a inadequação do meio processual (injunção) a que a A./Requerente lançou mão, nem a decisão recorrida contemplou tal matéria, inexistindo, pois, qualquer pronúncia judicial a respeito.

Por isso, não cabe a esta Relação, manifestamente, pronunciar-se sobre a adequação do meio processual adotado pela A., matéria que está fora do âmbito da defesa e do objeto do recurso.

Vejamos, agora, neste plano, a matéria constitutiva da reconvenção.

Assentou-se já em que o fundamento da reconvenção radica no imputado ilícito contratual, por incumprimento de obrigações decorrentes do contrato de arrendamento pelo senhorio, causando danos à contraparte (R./Reconvinte, a arrendatária), que importaria indemnizar (indemnização, pois, por responsabilidade contratual).

Cabe, então, perguntar: tratar-se-á ainda de uma prestação contratual, emergente de contrato celebrado, em sede de obrigação de prestação principal ou outra?

É sabido, quanto às obrigações civis (ou comerciais), que existem, desde logo, deveres principais ([6]) de prestação ([7]), no caso, para além da realização da prestação a cargo da aqui R./Recorrente – vista no quadro de contrato de arrendamento urbano, onde se salienta a obrigação de pagamento atempado das rendas convencionadas [cfr. art.º 1038.º, al.ª a), do CCiv.] –, a entrega, correspetiva, do locado ao arrendatário, assegurando-lhe o respetivo gozo para os fins a que a coisa se destina (cfr. art.º 1031.º do CCiv.), bem como a realização das obras de conservação necessárias (art.ºs 1074.º e 1036.º, n.º 1, ambos do CCiv.), a cargo da aqui A./Recorrida.

Tais deveres, ao contrário, por exemplo, dos deveres acessórios de conduta, dão lugar à ação judicial de cumprimento ([8]).

O procedimento injuntivo mencionado, tal como a decorrente ação transmutada, constituem providências direcionadas para o cumprimento de obrigações contratuais, podendo dizer-se, quanto a esta última, que estamos, de pleno, no campo da ação judicial de cumprimento, mecanismo que, perante situação em que a obrigação contratual não é voluntariamente cumprida, abre ao credor a forma (e o direito) de exigir (e obter) judicialmente o cumprimento em falta.

Assim, pode concluir-se que, tanto a injunção, como a decorrente ação transmutada, se podem catalogar como procedimentos de cumprimento, destinados, pois, a obter o cumprimento – com posterior direito de executar o património do devedor – de obrigações contratuais, mormente quanto aos ditos deveres principais de prestação, quando se exprimam/traduzam em obrigações pecuniárias (como o é, por exemplo, o pagamento do preço, a cargo do dono da obra, no contrato de empreitada, ou do comprador, no contrato de compra e venda).

Ora, se o problema dos autos se coloca, no que tange ao procedimento de injunção, com referência às rendas (de algum modo correspondentes, pela natureza pecuniária, ao preço do contrato), já o pedido reconvencional tem um outro horizonte, o horizonte indemnizatório, embora se vise uma indemnização em dinheiro.

Por isso, aqui não se procura exigir o cumprimento do correspondente dever de prestar (realização de concretas obras necessárias), mas, diversamente, a indemnização pelo incumprimento (reparação do dano decorrente da não realização das obras). E caso se pretendesse exigir a realização das obras pelo senhorio, não se trataria de uma obrigação pecuniária (a que poderia ser objeto da perspetivada ação de cumprimento), mas uma obrigação de facere (prestação de facto positivo).

Em suma, se a injunção ainda se enquadra, quanto ao peticionado pela A., no âmbito de um procedimento/ação de cumprimento, já a reconvenção deduzida cai de pleno no campo da ação de responsabilidade (indemnizatória).

O procedimento de injunção é um mecanismo marcado pela simplicidade e celeridade, vocacionado para a cobrança simples de dívidas, de molde a aliviar os tribunais da massificação decorrente de um exponencial aumento de ações de pequena cobrança de dívidas.

Como vem entendendo a jurisprudência, “Importa acentuar qual a realidade subjacente à criação do regime em apreço: o crescimento exponencial das acções de cobrança de dívidas por parte dos grandes utilizadores que invadindo os tribunais ameaçavam convertê-los, sobretudo nos grandes centros urbanos, em meras extensões dessas empresas, pondo em causa a decisão em tempo útil de outras questões que interessam aos cidadãos. Não esqueceu também o legislador que “a par de um aumento explosivo da litigiosidade, esta se torna repetitiva, rotineira, indutora da «funcionalização» dos magistrados que gastam o seu tempo e as suas aptidões técnicas na prolação mecânica de despachos e sentenças”.

Foi confrontado com a necessidade de melhorar um sistema que estava a permitir uma instrumentalização do poder soberano dos tribunais, transformando-os em agências de cobranças de dívidas, que o legislador criou o procedimento da injunção.

Resulta do exposto que o objectivo do legislador foi aplicar este procedimento às situações em que está em causa apenas a cobrança de uma dívida emergente de um contrato, de valor não superior a € 15.000,00.” ([9]).

Sendo também de concordar que:

“I. O DL 32/2003, de 17.02, que transpôs a Directiva n° 2000/35/CE, a qual estabeleceu medidas contra os atrasos de pagamentos em transacções comerciais, excluiu expressamente da sua aplicação, no artigo 2.°/2 c), os pagamentos efectuados a título de indemnização por responsabilidade civil.

II. Logo, neste quadro normativo, o processo de injunção não é meio processualmente adequado a peticionar indemnização, por incumprimento contratual, antecipadamente fixada em contrato de prestação de serviços.”. ([10]).

Quer dizer, neste tipo de processos simplificados, não é fácil enquadrar, a bem da Justiça pretendida, situações factuais em que como causa de pedir emerge, além dos valores reportados às obrigações pecuniárias e juros em dívida, situações de contornos complexos referentes a responsabilidade civil obrigacional, cujos pressupostos não são de fácil e liminar verificação, antes exigindo, as mais das vezes, aturada discussão e trabalhosa decisão, mormente quando os próprios contratos em discussão são de natureza complexa pelos feixes de direitos e deveres recíprocos que movimentam.

Assim se compreende que “o processo simplificado que o legislador pretendeu com a criação do regime especial da injunção, com vista a facultar ao credor de forma célere obtenção de um título executivo, em acções que geralmente apresentam grande simplicidade, não é adequado a decidir litígios decorrentes de contratos que revestem alguma complexidade (…)” ([11]).

E também é pacífico na jurisprudência que, “não sendo o procedimento adequado, existe um obstáculo que impede o tribunal de conhecer do mérito da causa, o que se configura como uma excepção dilatória, dando lugar à absolvição da instância” ([12]), em vez de se partir para adaptações processuais de molde a permitir enquadrar/acolher o litígio.

Voltando ao caso dos autos, é patente – salvo o devido respeito – que o crédito reconvencional invocado, pela sua natureza claramente indemnizatória, não se configura como o mero cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente de contrato, sem mais, nem se assimila ao cumprimento de obrigações emergentes de transações comerciais (pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais).

Como é bom de ver, não se trata da simples cobrança de dívida de fácil delimitação, ou de uma mera transação comercial, não estando em discussão o mero cumprimento de obrigações comerciais. O litígio reporta-se, quanto à reconvenção, ao incumprimento do dever de realização de obras necessárias pelo senhorio e de assegurar o gozo do locado para o fim a que se destina, (in)cumprimento esse em que as partes estão em desacordo.

Estamos longe, por isso, do “processo simplificado que o legislador teve em vista com a criação do regime especial da injunção, com vista a facultar ao credor de forma célere a obtenção de um título executivo, em acções que normalmente se revestem de grande simplicidade”, não sendo adequado em tramitação de autos como estes “decidir litígios decorrentes de contratos que revestem alguma complexidade” ([13]) ou outras questões de complexidade similar.

Tal como não é adequado este ritualismo processual simplificado para discutir e decidir sobre incumprimento, o que implica ajuizar sobre a conduta das partes ao longo da execução do programa contratual e eventuais sanções por inadimplemento e seus montantes sancionatórios ou indemnizatórios, em campos onde o quantum do ressarcimento pelo pretenso incumprimento contratual não surge antecipadamente fixado no clausulado do contrato.

Aqui trata-se de um invocado crédito indemnizatório, pretendendo-se – reitera-se – uma indemnização por danos decorrentes de facto ilícito contratual, obrigando, pois, à ponderação quanto aos diversos pressupostos do direito a indemnização e correspondente obrigação de indemnizar (o facto ilícito, a culpa, o dano e seu montante e o nexo de causalidade entre facto e dano), pelo que sempre teria de apurar-se/quantificar-se o valor do crédito indemnizatório em função dos danos que lograssem resultar provados.

Porém, o processo de injunção não é idóneo, pela simplicidade, legalmente fixada, da sua tramitação, à cobrança de créditos indemnizatórios (por responsabilidade contratual), pela complexidade que demanda a tarefa de apuramento dos pressupostos do direito a indemnização e respetiva quantificação.

Ora, se não seria admissível, ab initio, a adoção da injunção para cobrança de um tal crédito, afastada tem de ficar também, logo por isso, por inadequação do meio processual, o aproveitamento dos autos para esse efeito, em modo reconvencional, após transmutação em ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, que apenas comporta, mesmo no figurino legal subsistente após a entrada em vigor do NCPCiv., dois articulados (um para cada parte), como já notava o Tribunal a quo.

Doutro modo, estar-se-ia a admitir ao requerido, no âmbito da oposição à injunção, por via reconvencional, aquilo que não lhe seria permitido se fosse originário requerente do procedimento injuntivo.

Concluir-se-ia, pois, ter sido feito pela aqui Requerida, se houvesse recorrido ao procedimento de injunção para originária exigência do seu crédito indemnizatório, um uso indevido desse procedimento de injunção, configurando, como é consabido, uma exceção inominada, que obstaria ao conhecimento do mérito da causa e daria lugar à absolvição da instância, nos termos do disposto nos art.ºs 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º e 578.º, todos do NCPCiv..

Mas se tal não lhe seria permitido caso fosse requerente do procedimento injuntivo, por falta de idoneidade deste perante a causa de pedir indemnizatória e respetiva pretensão, também não lhe pode ser admitido se for parte requerida e, na veste de opoente, atuar a coberto de reconvenção ([14]).

Donde que nenhum sentido fizesse já a admissão do recurso à contra-ação de cumprimento (não se trata de ação reconvencional de cumprimento mas, diversamente, de ação indemnizatória pelo incumprimento), nem a simplicidade da ação especial permitiria, no figurino legal subsistente – mantido pelo legislador, apesar da nova filosofia subjacente ao NCPCiv. ([15]) –, a incorporação de uma reconvenção nesses termos, que sempre demandaria o cabal exercício do contraditório quanto à parte reconvinda, o que obrigaria a novos articulados (como no caso de dedução de matéria de exceção aos pedidos reconvencionais e nova factualidade carecida de contraditório e instrução).

Ora, o invocado princípio da unidade do sistema jurídico não impede que haja lei geral e lei especial, visto esta pretender responder, em determinadas latitudes do sistema, a situações específicas, onde gravitam interesses diferenciados a merecer tutela própria, nem, por seu lado, os poderes de gestão processual podem servir para alterar as soluções imperativamente consagradas pelo legislador, seja em regimes substantivos, seja em regimes legais adjetivos.

Também não colhe, salvo o devido respeito, a invocação de diversos princípios de direito, como o da justiça material, o da economia e celeridade processual, o da igualdade das partes e da tutela jurisdicional efetiva, posto o meio processual em causa, na simplicidade do seu recorte legal – que tem de ser observado, sem que o aplicador possa ir além da aplicação da lei vigente, só o legislador podendo alterá-la –, não ser idóneo/adequado a que se faça inteira justiça em questões/matérias complexas, como o são, sem dúvida, as referentes a um pedido de indemnização, em valor superior a € 10.000,00, por responsabilidade contratual do senhorio, decorrente do incumprimento do seu dever de realização de obras necessárias no locado e consequentes danos para o arrendatário ([16]).

Se não poderá, assim, dizer-se que tal indemnização e seu quantum decorrem do clausulado contratual, por aí não expressamente previstos/consagrados, já, ao invés, parece evidente, salvo o devido respeito, que o respetivo apuramento traria substancial complexidade à ação especial transmutada, impedindo que numa forma processual tão simples (especial) se pudesse fazer total justiça, a não se que, ao abrigo dos invocados poderes/deveres de gestão processual e de adequação formal – com claro excesso ([17]), sempre salvo o devido respeito –, se voltasse a transmutar (já por decisão judicial) o processo, de forma expressa ou implícita, agora em ação declarativa comum ([18]), com a plasticidade da forma única prevista no NCPCiv. (cfr. art.º 548.º do NCPCiv.), solução que o legislador não quis contemplar.

Como visto, o procedimento injuntivo e a decorrente ação transmutada constituem necessariamente procedimentos de cumprimento, meios processuais destinados ao cumprimento de obrigações contratuais (como tal, previstas/fixadas no clausulado contratual, dele diretamente resultantes/emergentes), domínio, quanto à última, da ação judicial de cumprimento.

Não, pois, mecanismos destinados/vocacionados para tornar efetiva a obrigação de indemnização, decorrente de responsabilidade contratual, por incumprimento do contrato, a que corresponde, em vez de ação de cumprimento, uma ação de responsabilidade (com marcado cariz indemnizatório), de maior complexidade, onde é necessário proceder a toda uma outra indagação, desde logo no plano dos factos.

Tal obrigação de indemnizar não cabe, pois, no âmbito da figura processual da injunção, nem da decorrente ação judicial especial (transmutada) de cumprimento, ainda que em veste reconvencional ([19]), donde que, salvo o devido respeito, assista nesta parte razão ao Tribunal a quo quando concluiu por, ocorrendo um uso indevido do procedimento adotado para dedução reconvencional, âmbito em que não se mostra adequada a presente ação especial, não ser «admissível o pedido reconvencional face à forma de processo».

Improcedem, assim, as conclusões em contrário da Apelante, devendo confirmar-se a decisão recorrida, que não se mostra violadora de quaisquer normas legais no âmbito invocado.


***
(…)


***

VI – Decisão

Pelo exposto, julgando-se improcedente a apelação, confirma-se a decisão recorrida.

Custas da apelação pela R./Apelante – parte vencida no recurso (art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).

Coimbra, 28/09/2022

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Vítor Amaral (relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro



([1]) Que, no essencial, se deixam transcritas (mantendo-se, por economia de meios, a escrita original em carateres maiúsculos), com destaques retirados.
([2]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([3]) Não a norma pretendida pela Recorrente – esta invocava o disposto no art.º 644.º, n.º 2, al.ª h), do NCPCiv. (reportando-se a decisão cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil) – nem a invocada pelo Tribunal recorrido – que se reportou, por seu lado, à al.ª b) do n.º 1 daquele art.º 644.º (sendo que não se trata de decisão sobre o mérito da causa ou de absolvição da instância, mas de mera não admissão da reconvenção e respetivo pedido).
([4]) Como resulta das normas conjugadas dos art.ºs 16.º, 17.º, n.º 1, 3.º e 4.º, todos do Regime Anexo ao DLei n.º 269/98, de 01/09, na sua atual redação.
([5]) Cfr. articulado da oposição/reconvenção (art.ºs 67.º e segs.), onde é expressamente alegado assim: «(…) EM CONSEQUÊNCIA DA NÃO REALIZAÇÃO DAS OBRAS QUE LHE INCUMBIAM, A REQUERENTE INVIABILIZOU A UTILIZAÇÃO DO IMÓVEL LOCADO À REQUERIDA, COM ISSO PROVOCANDO-LHE DANOS»; «FOI APENAS PORQUE SE VIA IMPOSSIBILITADA DE NAQUELE ESPAÇO DESENVOLVER A SUA ACTIVIDADE QUE SE RELOCOU, TRANSLADANDO TODOS OS MATERIAIS PARA UM OUTRO ESPAÇO E SUPORTANDO OUTRA RENDA, E SUPORTANDO OS RESPECTIVOS CUSTOS»; «ASSIM, DEVE A REQUERIDA SER RESSARCIDA DOS DANOS QUE A CONDUTA DA REQUERENTE LHE CAUSOU»; «ESTA OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR, ALICERÇADA QUE ESTÁ NO INCUMPRIMENTO CONTRATUAL POR PARTE DA REQUERENTE NOS TERMOS DO ARTIGO 798º CC (E CONSIDERANDO-SE A REQUERENTE DEVEDORA DA OBRIGAÇÃO DE ASSEGURAR O GOZO DA COISA LOCADA PARA OS FINS A QUE SE DESTINA), CONTEMPLARÁ, EM QUALQUER DOS CASOS, OS PREJUÍZOS CAUSADOS À REQUERIDA».
([6]) Como refere Antunes Varela – Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, ps. 121 e seg. –, “Nas relações obrigacionais derivadas dos contratos nominados (…), há as prestações principais que definem o tipo ou o módulo da relação: a entrega da coisa vendida, por parte do vendedor, e a entrega do preço, pelo lado do comprador (…); a realização da obra a cargo do empreiteiro (art. 1207.º). (…). Ao lado destes deveres principais, primários ou típicos, podem surgir, porém, na vida da relação obrigacional, outros a que, por contraste, podemos chamar deveres secundários (ou acidentais) de prestação. Dentro desta categoria cabem não só os deveres acessórios da prestação principal (destinados a preparar o cumprimento ou a assegurar a perfeita execução da prestação), mas principalmente os deveres relativos às prestações substitutivas ou complementares da prestação principal (o dever de indemnizar os danos moratórios ou o prejuízo resultante do cumprimento defeituoso da obrigação) e ainda os deveres compreendidos nas operações de liquidação (…) das relações obrigacionais duradouras”.  
([7]) Ao lado dos deveres de prestar, no caso deveres principais de prestação, surgem, na eclosão e no desenvolvimento da relação contratual – logo desde a fase pré-contratual –, vista como relação obrigacional complexa, diversos deveres laterais ou deveres de conduta, que no caso não relevam.
([8]) Cfr. art.º 817.º do CCiv. e  Antunes Varela, op. cit., p. 127.
([9]) Assim, por todos, o Ac. TRP de 31/05/2010, Proc. 385702/08.8YIPRT.P1 (Rel. Maria de Deus Correia), em www.dgsi.pt, com itálico aditado.
([10]) Sumário do Ac. TRL de 12/05/2015, Proc. 154168/13.4YIPRT.L1-7 (Rel. Maria Amélia Ribeiro), disponível em www.dgsi.pt.
([11]) Assim o sumário do Ac. Rel. Lisboa, de 27/11/2014, Proc. 1946/13.3TJLSB.L1-8 (Rel. Octávia Viegas), em www.dgsi.pt.
([12]) Cfr., por todos, o Ac. por último citado.
([13]) Vide ainda o aludido Ac. Rel. Lisboa de 27/11/2014.
([14]) Pareceria contraditório e incoerente permitir ao requerido, por via reconvencional, aquilo que não se permitiria a nenhum requerente, por força da natureza processual específica do procedimento de injunção (dir-se-ia que acabaria por «entrar pela janela aquilo que não podia entrar pela porta»).
([15]) E o legislador do NCPCiv. podia, se quisesse, ter afeiçoado esta ação especial, no seu figurino legal, à nova filosofia, com adaptações à lei especial que a aproximassem do paradigma dominante na nova lei processual geral. Porém, não o fez, mantendo intocada a singularidade do regime processual especial, preservando-o para que se mantenha operante face aos objetivos específicos que se pretendem, por esta via, alcançar e aos motivos que estiveram na origem de tal regime especial.
([16]) Complexidade que, se não se ajustaria bem à simplicidade querida pelo legislador para o procedimento de injunção, escolhido pela aqui demandante, e decorrente ação especial transmutada, também logo deixaria a nu as inerentes insuficiências processuais, na perspetiva da garantia dos direitos de defesa da parte reconvinda.
([17]) Cfr. art.ºs 6.º e 547.º do NCPCiv., não podendo o Tribunal subverter, a pretexto de tais poderes, a forma de processo legalmente estabelecida, antes havendo de mover-se «dentro dos limites da lei» para «promover todas as diligências que julgue necessárias» e evitar/indeferir o que seja «impertinente» ou «dilatório», procedendo à «agilização do processo» (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, ps. 44 e segs.). Acresce que o «acionamento do princípio da adequação formal pressupõe, na sua vertente de tramitação processual, a deteção da ineficiência e/ou da ineficácia da forma processual predisposta segundo o princípio da legalidade, cabendo ao juiz decidir qual a resposta mais ajustada em face da natureza do ato, do circunstancialismo do processo ou da necessidade de ajustamento a duas ou mais pretensões que, separadamente, seguiriam formas processuais distintas» – assim, Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, ps. 598 e seg.. Em suma, a «adequação formal tem sempre como limite as normas imperativas e os princípios fundamentais do processo civil» (cfr. Lebre de Freitas e outro, op. cit., vol. 2.º, 4.ª ed., 2019, p. 472).
([18]) A que se mostra adequada, pelos seus contornos, a dirimir o conflito que aqui se pretende trazer à ação reconvencional.
([19]) De notar ainda que vem sendo apreciável a controvérsia jurisprudencial quanto à (in)admissibilidade, em geral, da reconvenção no âmbito da transmutada ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, horizonte em que tendemos a concordar com o entendimento perfilhado, inter alia, no Ac. TRP de 07/10/2019, Proc. 4843/19.3YIPRT-A.P1 (Rel. Carlos Querido), em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se: «I- Em função da forma processual que se segue à oposição à injunção (e consequente distribuição como ação declarativa), se definirá a viabilidade da reconvenção, sendo tal articulado viável nas ações de natureza comum (decorrentes de injunção referente a transação comercial de valor superior a €15.000,00), e inviável nas ações com processo especial (emergentes de injunção de valor não superior a €15.000,00). // II- Tendo a reconvenção natureza facultativa, correspondendo o pedido a uma ação própria e podendo o réu optar entre fazê-lo valer em reconvenção ou deduzi-lo em separado, face à natureza específica do procedimento previsto no DL 269/98, no que respeita à limitação dos articulados e aos objetivos que visa, de simplicidade e de celeridade, tal articulado nunca poderá ter lugar na ação especial que se segue a este procedimento» (destaques aditados).
Por isso, também com este fundamento, não podendo dar-se razão à aqui Recorrente, a apelação teria de improceder.