Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
13/20.6PEVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA TERESA COIMBRA
Descritores: METADADOS
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL N.º 268/2022
DE 19 DE ABRIL
CONSERVAÇÃO DE DADOS
DADOS DE BASE
DADOS DE TRÁFEGO
PROVA PROIBIDA
ASCENDI
VIA VERDE
BRISA
PENA CONCRETA
Data do Acordão: 09/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - JUÍZO DE CENTRAL CRIMINAL DE VISEU – JUIZ 2
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AOS RECURSOS
Legislação Nacional: ARTIGOS 4.º, 6.º E 9.º DA LEI N.º 32/2008, DE 17 DE JULHO/CONSERVAÇAO DE DADOS GERADOR OU TRATADOS NO CONTEXTO OFERTA DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES ELECTRÓNICAS
ARTIGOS 141.º, N.º 4, ALÍNEA E), 187.º A 189.º E 269.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL/C.P.P.
ARTIGO 6.º, N.º 7, DA LEI N.º 41/2004, DE 18 DE AGOSTO/PROTECÇÃO DE DADOS PESSOAIS E PRIVACIDADE NAS TELECOMUNICAÇÕES
LEI N.º 109/2009, DE 15 DE SETEMBRO/LEI DO CIBERCRIME
ARTIGO 40.º DO CÓDIGO PENAL
Sumário: I – Os dados de base são os que respeitam ao acesso à rede e permitem identificar o utilizador do equipamento (endereços de protocolos de IP, identidade civil do titular, números de telefone e endereços de correio eletrónico), e os dados de tráfego são os que revelam circunstâncias das comunicações, como a localização dos intervenientes na comunicação, duração, data, hora das comunicações interpessoais, mas também os que não pressupõem uma comunicação interpessoal.
II – No acórdão n.º 268/2022, de 19 de Abril, o Tribunal Constitucional declarou, com força obrigatória geral, violar o princípio constitucional da proporcionalidade na restrição dos direitos à reserva da intimidade da vida privada, ao sigilo nas comunicações, ao livre desenvolvimento da personalidade, à autodeterminação informativa e à tutela jurisdicional efetiva a recolha, o registo, conservação e acesso de dados pessoais, de tráfego e localização em relação a todos os assinantes e utilizadores registados nas empresas fornecedoras de serviços de comunicações eletrónicas, de modo generalizado e indiferenciado e em relação a todos os meios de comunicação eletrónica, durante um e para fins criminais, nos termos previstos nos artigos 4.º, 6.º e 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho.
III – Idêntica censura mereceu a ausência de notificação ao visado de que os seus dados tinham sido acedidos, devido ao entendimento de que o direito à autodeterminação informativa e a uma tutela jurisdicional efetiva ficariam comprimidos de forma desproporcionada.
IV – O Tribunal Constitucional entende que a conservação dos dados de base, enquanto medida restritiva dos direitos à reserva da intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa, respeita o princípio da proporcionalidade, uma vez que apenas identificam os utilizadores do meio de comunicação e não pressupõem a análise de qualquer comunicação.
V – No acórdão n.º 268/2022, de 19 de Abril, o Tribunal Constitucional não fiscalizou, nem censurou outras normas, para além das dos artigos 4.º, 6.º e 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, nem outros diplomas legais, não tendo, por isso, a declaração de inconstitucionalidade dele emanada a virtualidade de abranger toda e qualquer prova obtida por meios digitais.
VI – O Tribunal Constitucional não entendeu estarem feridas de inconstitucionalidade as normas do C.P.P. que preveem a possibilidade de obter e juntar aos autos dados sobre a localização celular ou registos de realização de conversações ou comunicações quanto a crimes previstos no n.º 1 do artigo 187.º, nem afastou a possibilidade de conservação de dados ao abrigo de outros diplomas, por exemplo para fins contratuais, de que é exemplo a Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto, que prevê a conservação de dados de tráfego por um período de 6 meses.
VII – São válidas as provas obtidas a partir de dados guardados pelas operadoras respeitando os limites impostos legalmente pelas leis que se mantêm em vigor e que continuam a prever a possibilidade de obtenção, guarda e transmissão de tais dados.
VIII – Informações da Ascendi, de onde se retire a hora e local de passagem de determinados veículos em autoestradas nacionais, informações da Via Verde, de onde se retire a existência ou inexistência de registos relativamente a determinadas viaturas, e da Brisa, dando conta de uma cessão de posição contratual num contrato de concessão outorgado pelo Estado e do não tratamento de dados solicitados, informações bancárias, aditamentos a autos de notícia elaborados na sequência de observação directa de agentes da autoridade, não colidem com a declaração de inconstitucionalidade em causa, porque não são dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma comunicação, nem são abarcadas pelas considerações que fundamentaram o juízo de inconstitucionalidade.
IX – Prova proibida não significa necessariamente valoração proibida. Se tiver sido usada prova proibida e ela tiver sido a única prova na qual se baseou a condenação restará revogar a decisão e absolver do imputado crime; se a prova proibida tiver sido arredada da fundamentação da decisão, impor-se-á, se outras razões não existirem, a confirmação da decisão; se a prova proibida tiver concorrido com outras provas haverá que saber qual a contribuição dos meios sobrantes e legítimos de prova para a condenação.
X – A determinação da pena concreta é a operação que resume o julgamento ocorrido, deve reflectir o que se pretende com a pena e dirige-se tanto ao arguido como à sociedade, devido ao papel de fomentadores da paz social que os tribunais devem desempenhar.
Decisão Texto Integral:

          Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

          I.

          No processo comum com intervenção de tribunal coletivo que, com o nº 13/20...., corre termos pelo juízo central criminal de Viseu foi, além do mais, decidido (transcrição):

- Condenar o arguido AA pela prática em coautoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabelas I-A e 1-B, anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão;
- Condenar a arguida BB, pela prática, em autoria material e na forma consumada e como reincidente, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabelas I-A e 1-B, anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão.

          Inconformados com a condenação recorreram os arguidos …

          Conclusões do recurso do arguido AA:
A

O recurso ora apresentado versará sobre matéria de Direito, da Medida da Pena e versará sobre as seguintes matérias:

a) Aplicação ou não da Decisão do TC e que a ser aplicada poe em crise a aplicação dos presentes autos de todos os pedidos de localização, bem como as intercepções telefónicas entre os Arguidos, bem como ao Arguido AA e variadíssimos consumidores;

b) Erro na aplicação do Direito, mormente na aplicação do Ac. n.º 268/2022, de 03 de junho do TC;
c) Da Medida da Pena e da Suspensão da Execução da mesma.


B

As conclusões que referidas pelo Relatório DGRS, não são o elemento único para analisar e ser levado em conta na decisão a tomar, mas as mesmas trazem indicações para a ressocialização que se pretende em todas as vertentes e principalmente no presente caso em que o cidadão tendo em conta algumas vicissitudes traumáticas da sua vida caiu no consumo de estupefacientes apos os 30 (trinta) anos de idade, sendo que o ora Recorrente já pagou parte da sua pena quando, no presente momento, já tem de prisão preventiva mais de 18 (dezoito) meses – e tal é desde já uma posição que este já pagou.
C

A controvertida Decisão veio a dar como provada matéria que – mais concretamente, a nível dos elementos de prova que estiveram na base da situação da localização dos telemóveis bem como das suas intercepções com variadíssimos números de telefone – que o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional, nos termos do seu Ac. n.º 268/2022, de 3 de junho.
D

Tal Acórdão – vulgarmente designado por Acórdão dos Metadados – veio a declarar a “inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei”, bem como declarando a “inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades judiciais de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros”.
E

Estas situações que estão ligadas à intromissão ou análise de dados desde das comunicações à localização, às mensagens das redes sociais e à forma de saber sempre a localização das pessoas que levou a que o Tribunal Constitucional no arauto suprarreferido tenha decidido que:

a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição;

   b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.ºdaLein.º 32/2008, de17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.” Cfr. Acórdão 268/2022 do TC.
F

Ora, atento a todas estas situações e decisões, como as declarações de inconstitucionalidade dos artigos 4.º, 6.º e 9º. da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho e atento os presentes autos, toda a prova assente nas matérias abrangidas por tais artigos é nulaarguindo-se desde já a mesma – e deveria ter sido dada como não provada no Douto Ac., todas as indicações já referias no artigo 8.º do presente Recurso.
G

Do douto Acórdão ora posto em crise, vejam-se os factos provados e a motivação dos mesmos, na motivação e porque os mesmos não estão numeradosteremos que passar toda a motivação com interesse para os metadados e a que possa ser aplicado o Acórdão suprarreferido, já melhor detalhado no artigo 13.º do presente Recurso.
H


I

Igualmente devem ser retirados, atenta a Ac. do Tribunal Constitucional já melhor identificado, e cuja matéria se encontra melhor especificada no artigo 16.º do presente libelo recursivo.
J

Ora, conforme se pode constatar, todos os “itens” suprarreferidos têm contactos, via Telemóvel, como localização Via Altice, através da Via verde e da Brisa, tudo situações que levam obrigatoriamente à aplicação do Acórdão n.º 268/2022 de 3 de junho do Tribunal Constitucional.
L

O Ac. ora posto em crise versa sobre factos que começam logo por dizer e passamos a citar “Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde janeiro de 2020 e até 3 de dezembro de 2021, os arguidos BB e AA, a primeira utilizadora do número de telemóvel, entre outros, ...55, ...37, ...25, ...80, ...06 e ...19 e o segundo, utilizador do número de telemóvel, entre outros, ...73 e ...31.” … o que demonstra como é que a acusação prova ou tenta provar determinados factos.
M

Mais à frente e ainda no ponto 3 dos factos provados da fundamentação de facto, refere que os arguidos procedessem e passamos a citar “à venda de produto estupefaciente a terceiros que os contactassem individualmente para o efeito, atuaram ambos em conjugação de esforços e intenções, procedendo ao ulterior partilha dos lucros provenientes da sua atividade”.
N

Os elementos de prova que estiveram na base das localizações e das interceções via telemóvel, tal como vem referido no Douto Ac., fazem parte obrigatoriamente das matérias que o Tribunal Constitucional considerou inconstitucionais, no Acórdão n.º 268/22, de 3 de junho.
O


P


Q


R


S


T


U


V


X


Z


AA


AB


AC


AD


AE


AF


AG

Atento a todas estas situações e decisões, como as declarações de inconstitucionalidade dos artigos 4.º, 6.º e 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho e atento os presente autos, toda a prova assente nas matérias abrangidas por tais artigos é nula e terá que ser retirada imediatamente do Ac. ora posto em crise, e cuja descriminação se encontra no artigo 53.º do presente recurso.
AH

A declaração de inconstitucionalidade que recaiu sob o artigo 9.º da Lei n.º 832/2008, teve, ainda, e para além de tudo o que atrás foi dito, o facto de não se prever que o visado fosse informado de que os seus dados tinham sido consultados por terceiros. Assim sendo, e desta parte do Acórdão, resulta também a inconstitucionalidade da conservação dos dados fornecidos pelas operadoras de comunicações, do acesso e do uso para apreciação de prova, tal qual como aconteceu no Acórdão ora posto em crise e no que diz respeito a qualquer um dos dois arguidos.
AI

Assim sendo, tratando-se a utilização de metadados é uma nulidade prevista no CPP no seu artigo 126.º n.º 3, as provas obtidas através destes dados “não podem ser utilizadas”, e assim sendo nada mais resta a esse douto Tribunal, que não concluir que as ilações que o Tribunal “a quo” retirou sobre todos os factos e interceções referidas se encontram irremediavelmente afetadas, devendo as mesmas serem expurgadas na formação da convicção do Tribunal “a quo” de tudo o que possa ser resultante da prova obtida por metadados e bem assim os factos dados como provados que se basearam em tais informações, devendo o Douto Acórdão ser refeito em conformidade com todas estas situações, se a tal houver lugar.
AJ


AL

A contrário do que ficou determinado no Acórdão ora posto em crise não foi provado que os arguidos tivessem um modo estruturado, a mudar frequentemente de veículos automóveis para não serem reconhecidos nas suas atuações, pois que, provado ficou que não havia indicações quanto a viaturas e de tal forma assim foi que o Tribunal libertou a única viatura que os arguidos tinham no momento da sua detenção, havendo já decisão para entregar a mesma, que mais não é o Audi ..., de matrícula ..-..-IA.
AM

As penas substitutivas consubstanciam verdadeiras penas autónomas, devem aplicar-se quando se revelem adequadas e suficientes à realização das punidades da punição, …
AN


AO

Desta forma a pena de substituição só não será aplicada se a execução da pena de prisão se mostrar essencial para que não sejam postas inevitavelmente em causa a tutela dos bens jurídicos e a estabilização das expectativas comunitárias – no caso presente, temos uma pena de prisão de 5 anos (atenta a qualificação jurídica que foi ponderada pelo Tribunal “a quo”) não estando a mesma expurgada das profundas alterações que atento o presente libelo recursivo se considera terem que acontecer e que por mera cautela de patrocínio termos que considerar que in fine possa existir ainda algum ilícito criminal.
AP

E quanto à suspensão da execução da pena … o ora recorrente tem mais de um ano e meio de prisão preventiva e desta forma fácil se torna concluir que já interiorizou e tem em si a penalização de tal período em reclusão, o que é também em si e desde já a demonstração de que o sistema se necessário reprime com a privação da liberdade.
AQ


AR

Ora, no caso do atual libelo recursivo e no que diz respeito ao arguido AA, apesar da relevância dos factos cometidos pelo arguido, não podemos deixar de estar em desacordo da punição de pena efetiva pelo que, salvo o devido respeito e melhor opinião dever-se-á ponderar o seguinte:

   Os factos pelo quais o mesmo foi condenado, demonstram uma situação episódica na vida do arguido, no que diz respeito aos estupefacientes;

   A mesma só aconteceu passados os 30 anos de vida do arguido;


   O arguido assumiu a sua culpa em todas das situações, mesmo sabendo que o Acórdão n.º 268/2022 de 3 de Junho, a si lhe era aplicável e muitas destas acusações poderiam cair;

   A situação  referida no Douto Acórdão ora posto em crise em que o arguido sempre esteve na situação de desempregado com base na situação indicada pela Segurança Social e bem assim pelo Instituto de Emprego é neste caso falaciosa, pois que, teríamos que perguntar quantas pessoas de etnia Cigana estão inscritas no Instituto de Emprego ou quantas fazem ou fizeram descontos para a Segurança Social, sendo que o Arguido e várias testemunhas referiam que para além da venda ambulante e dos diretos em tempo de pandemia, este vendia automóveis, esta a razão dos imensos veículos automóveis referenciados nos autos.
AS

A aplicação de uma pena privativa da liberdade representaria antes uma preterição absoluta da expectativa de ressocialização do arguido colidindo totalmente com as exigências de prevenção geral e especial.
AT

Por fim, as considerações de prevenção especial de socialização recomendam e levam a que haja uma suspensão da execução da pena pelo período de tempo correspondente à pena que deva ser aplicada e desta forma mais uma vez se diminuem os riscos da prática e crimes desta natureza que possam fazer perigar as exigências de prevenção especial.

Face ao exposto:

a) Em II – Da Não Aplicação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, de 3 de Junho, as normas violadas são o Ac. e a decisão do Tribunal Constitucional em si, tendo em conta que o mesmo declara inconstitucional os artigos 4.º, 6.º e 9.º da Lei n.º 32/2008, de 18 Julho, bem como os artigos 18.º, n.º 2, 20.º, 26.º, n.º 1 e 35.º, n.º 1 e 4 da CRP, tendo sido igualmente violados os artigos 126.º, n.º 3, 410.º, n.º 2, al. a) e c) e o n.º 3 do CPP;

b) Em III – Da Medida da Pena e da Suspensão da Execução da Mesma, as normas violadas são o artigo 50.º, n.º 1 e2 do CP, bemcomo o Acórdão 268/2022, de 3 de Junho, do Tribunal Constitucional.

          Conclusões do recurso da arguida BB:

A

O recurso ora apresentado versará sobre matéria de Direito, da Medida da Pena e versará sobre as seguintes matérias:

a) Aplicação ou não da Decisão do TC e que a ser aplicada poe em crise a aplicação dos presentes autos de todos os pedidos de localização, bem como as intercepções telefónicas entre os Arguidos, bem como ao Arguido AA e variadíssimos consumidores;

b) Erro na aplicação do Direito, mormente na aplicação do Ac. n.° 268/2022, de 03 de junho do TC;

c) Da Medida da Pena e da Suspensão da Execução da mesma.

B

As conclusões que referidas pelo Relatório DGRS, não são o elemento único para analisar e ser levado em conta na decisão a tomar, mas as mesmas trazem indicações para a ressocialização que se pretende em todas as vertentes e principalmente no presente caso em que o cidadão tendo em conta algumas vicissitudes traumáticas da sua vida caiu no consumo de estupefacientes apos os 30 (trinta) anos de idade, sendo que o ora Recorrente já pagou parte da sua pena quando, no presente momento, já tem de prisão preventiva mais de 18 (dezoito) meses - e tal é desde já uma posição que este já pagou.

C

A controvertida Decisão veio a dar como provada matéria que - mais concretamente, a nível dos elementos de prova que estiveram na base da situação da localização dos telemóveis bem como das suas intercepções com variadíssimos números de telefone - que o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional, nos termos do seu Ac. n.° 268/2022, de 3 de junho.

D

Tal Acórdão - vulgarmente designado por Acórdão dos Metadados - veio a declarar a “inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4. ° da Lei n.0 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.0 da mesma lei”, bem como declarando a "inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9. ° da Lei n.0 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades judiciais de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros'”.

E

Estas situações que estão ligadas à intromissão ou análise de dados desde das comunicações à localização, às mensagens das redes sociais e à forma de saber sempre a localização das pessoas que levou a que o Tribunal Constitucional no arauto suprarreferido tenha decidido que:

a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.° da Lei n.° 32/2008, de 17 de Julho, conjugada com o artigo 6.° da mesma lei, por violação do disposto nos n.°s 1 e 4 do artigo 35.° e do n.° 1 do artigo 26.°, em conjugação com o n.° 2 do artigo 18.°, todos da Constituição;

b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.° da Lei n.° 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.° 1 do artigo 35.° e do n.° 1 do artigo 20.°, em conjugação com o n.° 2 do artigo 18.°, todos da Constituição.” Cfr. Acórdão 268/2022 do TC.

F

Ora, atento a todas estas situações e decisões, como as declarações de inconstitucionalidade dos artigos 4.°, 6.° e 9o. da Lei n.° 32/2008, de 17 de julho e atento os presentes autos, toda a prova assente nas matérias abrangidas por tais artigos é nula - arguindo-se desde já a mesma - e deveria ter sido dada como não provada no Douto Ac., todas as indicações já referias no artigo 8.° do presente Recurso.

G

Do douto Acórdão ora posto em crise, vejam-se os factos provados e a motivação dos mesmos, na motivação e porque os mesmos não estão numerados teremos que passar toda a motivação com interesse para os metadados e a que possa ser aplicado o Acórdão suprarreferido, já melhor detalhado no artigo 13.° do presente Recurso.

H

I

Igualmente devem ser retirados, atenta a Ac. do Tribunal Constitucional já melhor identificado, e cuja matéria se encontra melhor especificada no artigo 16.° do presente libelo recursivo.

J

Ora, conforme se pode constatar, todos os “itens” suprarreferidos têm contactos, via Telemóvel, como localização Via Altice, através da Via verde e da Brisa, tudo situações que levam obrigatoriamente à aplicação do Acórdão n.° 268/2022 de 3 de junho do Tribunal Constitucional.

L

O Ac. ora posto em crise versa sobre factos que começam logo por dizer e passamos a citar '"Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde janeiro de 2020 e até 3 de dezembro de 2021, os arguidos BB e AA, a primeira utilizadora do número de telemóvel, entre outros, ...55, ...37, ...25, ...80, ...06 e ...19 e o segundo, utilizador do número de telemóvel, entre outros, ...73 e ...31.” ... o que demonstra como é que a acusação prova ou tenta provar determinados factos.

M

Mais à frente e ainda no ponto 3 dos factos provados da fundamentação de facto, refere que os arguidos procedessem e passamos a citar “à venda de produto estupefaciente a terceiros que os contactassem individualmente para o efeito, atuaram ambos em conjugação de esforços e intenções, procedendo ao ulterior partilha dos lucros provenientes da sua atividade”.

N

Os elementos de prova que estiveram na base das localizações e das intercepções via telemóvel, tal como vem referido no Douto Ac., fazem parte obrigatoriamente das matérias que o Tribunal Constitucional considerou inconstitucionais, no Acórdão n.° 268/22, de 3 de junho.

O

P

Q

R

S

T

U

V

X

Z

AA

AB

AC

AI)

AE

AF

AG

Atento a todas estas situações e decisões, como as declarações de inconstitucionalidade dos artigos 4.°, 6.° e 9.° da Lei n.° 32/2008, de 17 de Julho e atento os presente autos, toda a prova assente nas matérias abrangidas por tais artigos é nula e terá que ser retirada imediatamente do Ac. ora posto em crise, e cuja descriminação se encontra no artigo 53.° do presente recurso.

AH

A declaração de inconstitucionalidade que recaiu sob o artigo 9.° da Lei n.° 832/2008, teve, ainda, e para além de tudo o que atrás foi dito, o facto de não se prever que o visado fosse informado de que os seus dados tinham sido consultados por terceiros. Assim sendo, e desta parte do Acórdão, resulta também a inconstitucionalidade da conservação dos dados fornecidos pelas operadoras de comunicações, do acesso e do uso para apreciação de prova, tal qual como aconteceu no Acórdão ora posto em crise e no que diz respeito a qualquer um dos dois arguidos.

AI

Assim sendo, tratando-se a utilização de metadados é uma nulidade prevista no CPP no seu artigo 126.° n.° 3, as provas obtidas através destes dados “nãopodem ser utilizadas ", e assim sendo nada mais resta a esse douto Tribunal, que não concluir que as ilações que o Tribunal “a quo" retirou sobre todos os factos e intercepções referidas se encontram irremediavelmente afectadas, devendo as mesmas serem expurgadas na formação da convicção do Tribunal “a quo” de tudo o que possa ser resultante da prova obtida por metadados e bem assim os factos dados como provados que se basearam em tais informações, devendo o Douto Acórdão ser refeito em conformidade com todas estas situações, se a tal houver lugar.

AJ

AL

A este respeito, veja-se que o Tribunal deu como não provado:

Que as idas ao Porto fossem para compra de droga.

Que a roupa vendida nos directos e nas feiras viesse da venda da droga.

Que a viatura automóvel de marca Audi ..., matrícula ..-..-IA, deve ser devolvida atento a que “«o caso sob analise, conforme ficou demonstrado, não resultou provada a existência de um nexo de causalidade adequada entre a utilização do veículo automóvel apreendido e a prática do crime de tráfico de estupefacientes, no sentido de que sem essa utilização, sempre a infração em concreto se teria verificado, desde logo, porque outros veículos foram utilizados, incluindo de terceiros.''''

AM

Igualmente ficou demonstrado que a habitação da ora recorrente não tinha os elementos que normalmente quem se dedica ao tráfico tem, como por exemplo balanças de precisão, produto de corte, facas com resíduos, entre outros.

AN

AO

A este respeito vimos já as declarações de vaiadíssimas testemunhas, em situações gravadas e que demonstram taxativamente o que se acabou de dizer.

AP

AQ

AR

AS

AT

AU

AV

AX

AZ

AAA

AAB

A maior parte das testemunhas não conhece a recorrente, ou pelo menos, se a conhece, conforme alguns dizem, não tiveram com a mesma qualquer negócio relativo a estupefacientes, diga-se ainda, que olhando para todos os testemunhos, supra transcritos, difícil é de entender que seja dado como provado que a Recorrente traficava estupefacientes.

AAC

AAD

AAE

AAF

AAG

AAH

AAI

AAJ

AAL

AAM

AAN

Também mal andou o tribunal a quo no que diz respeito à medida da pena, pois que houve uma vontade desenfreada para condenar recorrente como reincidente - não há reincidência, nem pode haver punição, porque, salvo o devido respeito e melhor opinião, a recorrente terá que ser absolvida de todos os ilícitos.

AAO

Face ao exposto:

a) Em II - Da Não Aplicação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 268/2022, de 3 de Junho, as normas violadas são o Ac. e a decisão do Tribunal Constitucional em si, tendo em conta que o mesmo declara inconstitucional os artigos 4.°, 6.° e 9.° da Lei n.° 32/2008, de 18 Julho, bem como os artigos 18.°, n.° 2, 20.°, 26.°, n.° 1 e 35.°, n.° 1 e 4 da CRP, tendo sido igualmente violados os artigos 126.°, n.° 3, 410.°, n.° 2, al. a) e c) e o n.° 3 do CPP;

b) Em III - Da Insuficiência para a Decisão da Matéria de Facto Provada e a Contradição Insanável entre Fundamentação e Decisão, as normas violadas são os artigos 410.°, n.° 2, al. a), b) e c) do CPP;

c) Em IV - Da Medida da Pena, as normas violadas são o artigo 50.°, n.° 1 e 2 do CP, bem como o Acórdão n.° 268/2022, de 3 de Junho, do Tribunal Constitucional.

*

          Em primeira instância o Ministério Público respondeu ao recurso defendendo a respetiva improcedência.

*

          Recebido o recurso e remetidos os autos a este tribunal o Ministério Público emitiu parecer no sentido de dever ser confirmado o acórdão recorrido.

*

          Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal (doravante CPP).

*

          Após os vistos, foram os autos à conferência.

          II.

          …

Analisando as conclusões (que deveriam ser sínteses conclusivas e não são e que só não motivaram um convite ao aperfeiçoamento porque a falta de concisão se mostra mitigada na última conclusão de ambos os recursos) temos que as questões a apreciar são as seguintes:

-No recurso do arguido AA:

-Nulidade da prova por violação pelo acórdão recorrido do decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional 268/2022 de 19.4, publicado no DR I, nº 108 de 3.6.2022;

- Vícios decisórios do artigo 410º nº 2 alíneas a) e c) do CPP.

- Medida da pena e suspensão da sua execução.

-No recurso da arguida BB:

-Nulidade da prova por violação pelo acórdão recorrido do decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/2022 de 19.4 publicado no DR I, nº 108 de 3.6.2022.

- Vícios decisórios do artigo 410º, nº 2 do CPP.

-Errada apreciação da prova e consequente absolvição da arguida.

 (Embora a recorrente na conclusão AAO c) refira também como matéria a apreciar “a medida da pena e a “violação do artigo 50º, nºs 1 e 2 do CP”, fá-lo, certamente, por lapso de simpatia (dada a identidade do texto com o recurso do arguido AA), porquanto defende que deve ser absolvida, não havendo, por isso, qualquer medida a ponderar ou pena a suspender).

                                                           *

É a seguinte a matéria de facto fixada em primeira instância e respetiva fundamentação (transcrição):
A- FATOS PROVADOS:


1. Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde janeiro de 2020 e até 3 de dezembro de 2021, os arguidos BB e AA, a primeira utilizadora dos número de telemóvel, entre outros, ...55, ...37, ...25, ...80, ...06 e ...19 e o segundo, utilizador do número de telemóvel, entre outros, ...73 e ...31, de acordo com plano que ambos gizaram para o efeito e em conjugação de esforços e de intentos, dedicaram-se à aquisição e posterior distribuição, revenda, mormente cocaína e heroína, o que fizeram, junto de terceiros consumidores que os contactassem para o efeito (quer através de contacto telefónico, quer através das redes sociais, como Messenger do facebook e Whatsapp), de forma a retirarem os proveitos financeiros que daí adviessem, o que ocorreu nomeadamente junto da residência onde os arguidos residiam à data dos factos, junto do Ringue, nas imediações da Igreja ... em ..., junto ao ..., junto ao Hospital (...) e outros locais, previamente combinados para o efeito com os terceiros consumidores.

2. Para o efeito, os arguidos adquiriam tais produtos estupefacientes em local não concretamente apurado, a pessoas não concretamente identificadas e depois vendendo-os / cedendo-os a indivíduos que os adquirem para consumo.

3. Embora nem sempre as entregas fossem feitas pelos arguidos BB e AA em conjunto e, por vezes, cada um dos arguidos procedesse à venda de produto estupefaciente a terceiros que os contactassem individualmente para o efeito, atuaram ambos em conjugação de esforços e de intenções, procedendo à ulterior partilha dos lucros provenientes da sua atividade.
4. Os arguidos BB e AA residiram (até lhe ser aplicada, no âmbito dos presentes autos, a medida de coação prisão preventiva) numa habitação sita no Bairro ..., ..., ..., ....
5. Durante este período de tempo que infra se descreve, os arguidos utilizaram as mais diversas viaturas no tráfico de estupefacientes, sendo elas as seguintes:
a)- ..-..-PL, Renault ... de cor branca; b)- ..-..-IA, Audi ... de cor ...;
c)- ..-..-FF, BMW de cor ...; em nome de BB até 2020-09-24;

d)- ..-EG-.., Opel ... de cor ...; em nome de BB até 2020-08-20;
e)- ..-..-OZ, Volkswagen ... de cor ...; em nome de BB até 2021-03-26;
f)- ..-ZU-.., Audi ... de cor ...; em nome de BB; g)- ..-..-GQ, Audi ... de cor ...;
h)- ..-XR-.., Renault ... de cor ..., viatura de aluguer à empresa denominada por A... Lda. ...
i)- ..-ZV-.., Renault ... de cor ..., viatura de aluguer à empresa denominada por B... SA

6. Assim, em datas não concretamente apuradas, mas certamente no período compreendido entre 2020 a 2021, o arguido AA entregou a CC cocaína, em número não totalmente apurado de vezes, sendo pelo menos duas delas, mediante contrapartida monetária, e as outras vezes, a título gratuito;
7. Em datas não concretamente apuradas, mas certamente no período do Verão de 2021, o arguido AA entregou a DD, pelo menos em 4 (quatro) ocasiões, 2 (duas) ou 3 (três) pedras de cocaína de cada vez, recebendo como contrapartida, a quantia monetária de €20,00 (vinte euros) por cada pedra.
8. No dia 22-04-2021, pelas 16h15m na Rua ..., o arguido AA entregou a EE, 1 (uma) pedra de cocaína, recebendo como contrapartida, a quantia monetária de €15,00 (quinze euros).
9. Em datas não concretamente apuradas, mas certamente no período compreendido entre junho de 2020 e o mês de dezembro de 2020, o arguido AA entregou a FF, com periodicidade de 2 (duas) a 3 (três) vezes por semana, 1 (uma) pedra de cocaína de cada vez, recebendo como contrapartida, a quantia monetária de €15,00 (quinze euros) por cada pedra.
10. Em datas não concretamente apuradas, mas certamente no período compreendido entre junho de 2020 e o mês de dezembro de 2021, o arguido AA, acompanhado de BB, entregou a GG, pelo menos em 5 (cinco) ocasiões, 2 (duas) pedras de cocaína e 2 (dois) pacotes de heroína de cada vez, recebendo como contrapartida a quantia de €20,00 (vinte euros) por cada pedra de cocaína e a quantia de €10,00 (dez euros), por cada pacote de heroína.
11. Nessas ocasiões, GG entregou as quantias monetárias mencionadas a AA que, de imediato e ainda na presença daquela primeira, entregou tais quantias a BB, a qual guardou e fez suas essas mesmas quantias.

12. No dia 22-04-2021, pelas 16h03m, na Praceta ..., ..., o arguido AA, que se fazia transportar numa viatura de marca VOLKSWAGEN, modelo ... e matrícula ..-..-OZ, entregou a HH, (2) duas bases de cocaína (crack), pelo preço de Euros 20,00 (vinte euros).
13. Nesse mesmo dia 22-04-2021, pelas 16h20m, na Avenida ..., ..., o referido HH detinha as bases de cocaína (éster metílico), com o peso total de 0,327g, que adquirira minutos antes a AA, nas circunstâncias de tempo e lugar acima mencionadas.
14. Em datas não concretamente apuradas, mas certamente no período compreendido entre julho de 2021 e o mês de dezembro de 2021, o arguido AA, por vezes acompanhado de BB, entregou a II, com periodicidade diária, 2 (duas) pedras de cocaína de cada vez, recebendo como contrapartida, a quantia monetária de €15,00 (quinze euros) a €20,00 (vinte euros) por cada pedra.
15. Em datas não concretamente apuradas, mas certamente no período compreendido entre julho de 2021 e o mês de dezembro de 2021, o arguido AA, por vezes acompanhado de BB, entregou a JJ, com periodicidade diária, 2 (duas) pedras de cocaína de cada vez, recebendo como contrapartida, a quantia monetária de €20,00 (vinte euros) por cada pedra.
16. No dia 27-08-2021, pelas 17h45m, na Bairro ..., ..., o arguido AA, que se fazia transportar num veículo com a matrícula ..-..-GC, registado em nome de KK, entregou a JJ, 1 (uma) dose de cocaína, pelo preço de Euros 20,00 (vinte euros).
17. Nesse mesmo dia 27-08-2021, pelas 18h05m, na Avenida ..., ..., JJ detinha a base de cocaína (éster metílico), com o peso total de 0,088g, a qual se destinava ao seu consumo e ao de GG, que adquirira minutos antes a AA, nas circunstâncias de tempo e lugar acima mencionadas.

18. Em datas não concretamente apuradas, mas certamente no período compreendido entre janeiro de 2020 e o mês de dezembro de 2020, o arguido AA, entregou a

LL, a pedido deste último e por intermédio de GG, com periodicidade diária, 3 (três) pedras de cocaína de cada vez, recebendo como contrapartida, a quantia monetária de €20,00 (vinte euros) por cada pedra, produto este que se destinava, algumas vezes, a consumo de ambos.
19. Em datas não concretamente apuradas, mas certamente no período compreendido entre junho de 2020 e o mês de setembro de 2020, o arguido AA, por vezes acompanhado de BB, entregou a MM, com periodicidade diária, 1 (uma) pedra de cocaína e 1 (um) pacote de heroína de cada vez, recebendo como contrapartida a quantia de €15,00 (quinze euros) a €20,00 (vinte euros) por cada pedra de cocaína e a quantia de €10,00 (dez euros), por cada pacote de heroína.
20. Em datas não concretamente apuradas, mas certamente no período compreendido entre junho de 2020 e o mês de setembro de 2020, o arguido AA, entregou a NN, com periodicidade de 2 (duas) a 3 (três) vezes por semana, metade de 1 (uma) pedra de cocaína e 1 (um) pacote de heroína de cada vez, recebendo como contrapartida a quantia de €10,00 (dez euros) por cada metade de pedra e a quantia de €10,00 (dez euros), por cada pacote de heroína.

21. Em datas não concretamente apuradas, mas certamente no período compreendido entre junho de 2020 e o mês de setembro de 2020, o arguido AA, entregou a OO, pelo menos em 3 (três) ocasiões, 2 (duas) pedras de cocaína e 1 (um) pacote de heroína de cada vez, recebendo como contrapartida a quantia de €10,00 (dez euros) por cada pedra de cocaína e a quantia de €10,00 (dez euros), por cada pacote de heroína.
22. Em datas não concretamente apuradas, mas certamente no período compreendido entre setembro de 2021 e o mês de dezembro de 2021, o arguido AA, entregou a PP, a pedido desta última, por 2 vezes, e por intermédio de QQ, por duas vezes, 1 (uma) pedra de cocaína de cada vez, recebendo como contrapartida, a quantia monetária de €20,00 (vinte euros) por cada pedra.

23. Em datas não concretamente apuradas, o arguido AA, entregou a RR, pelo menos em 3 (três) ocasiões, 1 (um) ou 2 (dois) pacotes de heroína de cada vez, recebendo como contrapartida a quantia de €10,00 (dez euros), por cada pacote de heroína.

24. Em datas não concretamente apuradas, mas certamente no Verão de 2020 o arguido AA, entregou a QQ, com periodicidade de duas vezes por semana ou de 3 em 3 dias, pelo menos 1 (uma) pedra de cocaína de cada vez, recebendo como contrapartida, a quantia monetária de €20,00 (vinte euros) por cada pedra.
25. Também em datas não concretamente apuradas, mas certamente no Verão de 2021, os arguidos AA e BB, entregaram a QQ, quantia de cocaína equivalente a €50,00 (cinquenta euros).

26. Em contrapartida, pelas entregas descritas no facto 24 e 25, SS não lhes cobrava (integralmente) a renda pela residência em que os mesmos se encontravam a viver (descrita em 4.), e onde os mesmos residiram até serem detidos no âmbito dos presentes autos.
27. No dia 05-11-2021, pelas 18h40m, na Rua ..., ..., TT detinha a base de cocaína (éster metílico) com o peso total de 0,266g,

28.    Aquando da busca domiciliária, realizada no dia 02-12-2021, no interior da residência comum dos arguidos BB e AA, sita, à data, no Bairro ..., ..., ..., os mesmos detinham:
- um relógio da marca ..., Cronograph, de cor prata, n.º de série ...27 – Relógio com mostrador de cor ..., que se encontrava em cima da mesinha de cabeceira no quarto de casal;
- um caderno que se encontrava em cima da mesinha de cabeceira do quarto de casal, o qual contém manuscritos relacionados com o tráfico de estupefacientes;
- um telemóvel de cor preta da marca Blu - que se encontrava dentro de um saco no quarto de casal;

- um telemóvel da marca ..., ..., de cor preta com o IMEI3...23 -que se encontrava, na carteira de BB, o qual tem um cartão inserido –Moche;

- um Documento Único Automóvel, com o n.º ...40, cujo titular é UU, com data de validade 27-08-2019 - Documento que se encontrava em cima de uma estante no quarto do casal;

- uma televisão, de cor preta, com marca e modelo ..., TX-32LX80F e com o n.º de série ... - Televisão que se encontrava no quarto do casal, a qual se encontra com o comando, faltando-lhe a tampa que segura as pilhas.
- um anel de cor dourada - Anel em metal dourado, que se encontrava no quarto de casal em cima de uma estante;
- um telemóvel de cor preta de marca ... com o IMEI ...27 - que se encontrava na casa de banho em cima do autoclismo, o qual contém uma cartão da NOS e uma capa transparente e com lente da câmara danificada;
- uma coluna de som, de cor preta, de marca e modelo ..., Flip - que se encontrava na casa de banho em cima do lavatório;
- recortes de plástico, de cor dourada - recortes de plástico transparentes, que se encontravam num saco de lixo, na cozinha, para embalagem de estupefaciente;
- uma colunas de som, de cor preta, de marca e modelo T&G - que se encontrava numa gaveta no móvel da cozinha;
- um computador, de cor rosa de marca e modelo ..., ..., com ...-AAOEM - que se encontrava na sala, com o respetivo carregador em cima de uma mesa;

- um robot de cozinha, de cor branca, de marca e modelo ..., Cocifacil, com n.º de série ... - que se encontrava na sala debaixo de uma mesa;
- um termo de penhor, com o n.º 2100332 V - emitido pela C..., Lda, relacionado com 1 fio com medalha em ouro, o qual tem registado o valor da avaliação de 712.50 euros, sendo o valor do empréstimo de 570 euros e o valor a entregar de 554.61 euros, sendo que tal documento se encontrava na carteira da arguida BB;

- um termo de penhor, com o n.º 2100511-V - emitido pela C..., Lda, relacionado com 1 anel com esmalte em outo, o qual tem registado o valor da avaliação

- de 187.5 euros, sendo o valor do empréstimo de 150 euros e o valor a entregar de 141Euros, sendo que tal documento se encontrava carteira da arguida BB.
- um termo de penhor com o n.º 2101481 V - emitido pela C..., Lda, relacionado com 1 pulseira em ouro, o qual tem registado o valor da avaliação de 950 euros, sendo o valor do empréstimo de 515 euros o valor a entregar de 500.2 euros, sendo que tal documento se encontrava na carteira da arguida BB;
- um termo de penhor com o n.º 2101023 V - emitido pela C..., Lda, relacionado com 1 pulseira, 1 anel com pedra em ouro, o qual tem registado o valor da avaliação de 731.25 euros, sendo o valor do empréstimo de 585 euros e o valor a entregar de 569.46 euros, sendo que tal documento se encontrava na carteira da arguida BB;

- seis suportes de cartões SIM de várias Operadoras;


- um telemóvel, de cor prata, de marca ..., com o IMEI n.º ...45 -que se encontrava na carteira da arguida BB, o qual além o IMEI acima mencionado tinha ainda o IMEI: ...43. Este telemóvel tem dois cartões, inseridos, com o código de desbloqueio 2009;
- um telemóvel, de cor preta, de marca e modelo ..., 2003G, com o IMEI n.º ...23 - que se encontrava em cima da cómoda do quarto de casal, o qual tem um cartão SIM da Vodafone;
e demais objetos constantes do auto de apreensão (de fls 630 e 631), cuja descrição para ali se remete.

29. Já na busca realizada ao veículo de marca ..., com a matrícula ..-ZU-.., os arguidos BB e AA, detinham:
- 0,037 gramas de Cocaína (éster metílico), que se encontrava no banco traseiro; - cinco cabides de cor branca que se encontravam dentro da viatura, na mala;

- três macacões, marca Trendy Store, com alças plásticas, que se encontrava na mala;

- um vestido, New Collection, vestido em napa de cor preta, que se encontrava no interior da viatura, na mala;

- seis camisas, Miss Tiffany, de tamanhos diversos, que se encontravam no interior da viatura, na mala;
- um Crop, de marca New Collection, em napa preta, que se encontravam no interior da viatura, na mala;
- um Body, em napa de cor verde, que se encontravam no interior da viatura, na mala da viatura;
- seis saias em xadrez, vermelho e preto, que se encontravam no interior da viatura, na mala;
- seis Calções, New Collection, em xadrez acastanhado, que se encontravam no interior da viatura, na mala;
- seis camisolas meia gola de cor preta, que se encontravam no interior da viatura, na mala;
- três Conjuntos, Top/Calça/Casaco, de marca Giolli, preto, rosa e verde, que se encontrava, na mala da viatura.

e demais objetos constantes do auto de apreensão, cuja descrição para ali se remete. 30. Os telemóveis, cartões, sacos de acondicionamento e caderno de manuscritos
acima referidos, pertença dos arguidos, BB e AA, eram utilizados na atividade de venda de estupefacientes.
31. Os arguidos BB e AA, sem que, para tanto, estivessem autorizados, destinavam o produto estupefaciente que detinham e que lhes foi apreendido à cedência e venda a terceiros, mediante contrapartidas monetárias ou outras.
32. À data da factualidade supra descrita, os arguidos, BB e AA não declaravam qualquer atividade profissional remunerada;
33. Os arguidos, BB e AA conheciam a natureza, a qualidade, quantidade e composição do produto estupefaciente que compraram, venderam, por qualquer forma cederam e guardaram, ocultaram e detiveram e não ignoravam que a respetiva compra, detenção, venda e cedência por qualquer forma lhes estava legalmente vedada, o que representaram, não se abstendo, ainda assim, de levar por diante tais condutas.
34. Os arguidos , BB e AA agiram em comunhão de esforços e de intentos e na prossecução de plano comum por ambos previamente gizado, definindo as concretas tarefas a que cada um deles cabia com o propósito concretizado de adquirirem produtos estupefacientes nas quantidades e qualidades supra referidas, para cedência e revenda a terceiros, e de realizarem e partilharem a venda desses produtos, com o intuito único e logrado de distribuírem tais substâncias por todas as pessoas que o contactassem, por qualquer via, para esse efeito e em todas as ocasiões em que tal ocorresse e assim obterem e repartirem entre si os lucros monetários que adviessem da sua atividade, o que representaram.
35. Agiram ambos de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as respetivas condutas eram proibidas e puníveis à luz da lei penal.
Das condições pessoais do arguido:


36. O arguido é mais velho dos quatro filhos de uma família de etnia cigana, que à data do seu nascimento se encontraria na zona de Portalegre, pese embora, pouco tempo depois, a mesma se ter mudado para Castelo Branco, onde ainda permanecem os progenitores e onde o arguido residiu até constituir o seu próprio núcleo familiar.

Cresceu enredado pelas características culturais do seu grupo, pela sua organização social e "modus vivendi", circunstâncias que cedo determinaram a história de vida do arguido, subordinada a um modelo educativo e a um conjunto de valores muito próprios, onde, a título de exemplo, o processo de escolarização não é, na maioria dos casos, devidamente valorizado. O arguido abandonou a frequência do ensino, imediatamente após a conclusão do 4º ano de escolaridade, na Escola Básica ..., em Castelo Branco, num processo marcado, também por um elevado índice de absentismo escolar.
37. Integrou o seu agregado familiar de origem até à sua autonomização, concretizada quando o mesmo veio a assumir, com cerca de 20 anos de idade e segundo os rituais próprios da sua cultura, a relação com uma companheira, também ela de etnia cigana, VV, natural da ... de Lisboa, localidade para onde o mesmo se mudou por volta de 2015, nessa altura fixando residência, na Rua ..., em Lisboa, partilhando o espaço residencial com os sogros e com um cunhado. O casal viria, entretanto, a registar nesse mesmo ano, o nascimento de uma filha, WW, atualmente com cerca de 7 anos de idade e que há alguns anos atrás viria a sofrer um Acidente Vascular Cerebral, que a condicionou significativamente, quer em termos físicos, quer intelectuais, circunstância que viria a determinar a sua institucionalização.
38. Não obstante reconhecer já consumos anteriores, o arguido alega que os problemas de saúde da filha, acabaram por ter um impacto significativo no agravamento do seu quadro de dependência em relação a substâncias estupefacientes, uma vez que terá sido nesta fase que intensificou e diversificou gravemente os seus consumos.
39. Pese embora os sogros terem mantido alguma atividade ligada à venda ambulante de peças de vestuário, o arguido parece ter-se mantido a maior parte do tempo desempregado.

40. Depois da morte dos pais da companheira e face à degradação da relação conjugal que já se registava, o casal acabaria por se separar, pelo que em 2019 o mesmo regressaria para junto dos seus progenitores, no Bairro ..., em Castelo Branco, para depois, em finais desse mesmo ano, se mudar para ..., onde passou a viver em situação de união de facto, com uma nova companheira, também ela de etnia cigana, BB.
41. O casal fixou residência, na Rua ..., numa fração de um prédio de vários andares, inscrito no denominado Bairro ..., partilhando o espaço residencial com a mãe da companheira e com um neto.

42. A partir de 2012, o arguido acabou por registar vários contactos com o sistema de justiça, por vários tipos de crimes, na sequência dos quais veio a sofrer várias condenações, circunstância que levou à primeira intervenção da Equipa da Beira Sul da DGRSP, em setembro de 2014.
43. À data dos factos, o arguido já havia assumido a relação com BB, e, em consequência disso, mudara-se para ..., onde passou a fazer parte integrante do agregado familiar desta, constituído por este elemento, a sua progenitora e um neto da companheira. Este núcleo ocupava uma fração de um prédio de vários andares inscrito no bairro social denominado Bairro ..., em ....

44. Dado não desenvolver qualquer atividade com caráter regular, para além de uma alegada venda on-line de peças de vestuário, subsistia essencialmente com base na prestação pecuniária de que eram beneficiários no âmbito do RSI, ao que acrescia as bolsas de formação, de alguns cursos que iam conseguindo garantir.
45. Pese embora, a companheira ser também ela consumidora, o arguido considera que ela foi um elemento importante no processo de mitigação da sua própria adição.
- Impacto da situação jurídico-penal


46. O arguido encontra-se preso preventivamente no Estabelecimento Prisional .... Ao longo de todo este período, tem mantido um comportamento pautado por alguma instabilidade e uma postura conflituosa, que lhe tem merecido vários processos disciplinares, o mais grave dos quais resultou numa Permanência Obrigatória em Alojamento, por um período de 8 dias.
47. À data da sua detenção, encontrava-se, a aguardar a implementação de uma Prestação de Trabalho a favor da Comunidade, a qual lhe foi aplicada no âmbito do Processo nº 426/21...., pela prática de um crime de condução sem habilitação legal.
48. Não obstante, assumir a prática dos factos que deram origem às anteriores condenações, o arguido nega, em relação à presente acusação, qualquer tipo de envolvimento no processo, que na sua perspetiva possa consubstanciar um crime de tráfico de estupefacientes, afirmando-se inocente em relação aos factos pelos quais surge acusado.

Assume contudo estar apreensivo com a possibilidade de uma condenação em pena de prisão efetiva.

Das condições pessoais da arguida:


49. À data dos factos pelos quais se encontra indiciada no presente processo, a arguida residia em ... com o companheiro/coarguido (34 anos), com quem vive desde há 3 anos e com o neto (14 anos). A dinâmica familiar era pautada pela coesão e solidariedade entre os elementos que a compõem, existindo proximidade afetiva com outros elementos da família alargada, nomeadamente com os três filhos, fruto de um relacionamento anterior.
50. Profissionalmente a arguida trabalhou com o companheiro durante um breve período em atividades agrícolas de caráter sazonal em Espanha e na zona de Castelo Branco e posteriormente como vendedora de artigos de vestuário em feiras e mercados, atividade que já desempenhou quando acompanhava os pais desde tenra idade. Através do Centro de Emprego, também trabalhou como cozinheira e empregada de limpeza no ramo hoteleiro ligada ao grupo “D...” e numa empresa de eventos. Devido à pandemia Covid 19 estas atividades ficaram suspensas, tendo a arguida e companheiro se dedicado à venda on-line” de peças de vestuário. Entretanto também frequentaram vários cursos profissionais no âmbito do RSI. Refere que na altura o casal recebia 600€/mês pela frequência dos mesmos e 300€ mensais de RSI. Como despesa fixa é referida a renda da casa no valor mensal de 300€. A habitação situa-se num bairro social, possuindo boas condições de habitabilidade. No período pós-pandemia, em data que não soube precisar, o casal retomou a atividade de feirante. A situação económica era descrita como sendo de nível remediado e suficiente para a manutenção das necessidades básicas do agregado.
- Repercussões da situação jurídico-penal


51. Pelo crime de tráfico de estupefacientes a arguida foi condenada em 2004 (tal como o ex-companheiro) a 9 anos de prisão. Saiu em liberdade condicional em julho de 2010, aos 2/3 da pena. Viria a ser presa novamente em Junho 2011, pelo crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 7 anos de prisão. Saiu em liberdade condicional em 14/03/2019 e o termo desta pena ocorreu em 12/09/2021. Durante o período de reclusão trabalhou na cozinha e como cabeleireira.

52. BB foi detida no âmbito do presente processo em 03/12/2021. Permaneceu no EP ... até 18/02/2022, data em que veio transferida para o EP .... O companheiro atual (coarguido) também se encontra detido no âmbito deste mesmo processo, no EP ....
53. A atual situação jurídica penal da arguida, teve como consequências a dissolução do agregado e consequentemente a entrega do neto aos cuidados de familiares.
O facto de se encontrar presa e longe da família tem-se repercutido na sua vivência diária, uma vez que tem saudades dos familiares, nomeadamente do companheiro e do neto.
Também em termos de saúde, causou impacto, uma vez que a arguida sofre de depressão, tendo sido acompanhada ao longo dos anos em consultas desta área no Hospital .... A atual situação em que se encontra mais agudizou esta problemática, encontrando-se medicada e beneficiando de apoio psicológico no EP.

54.Face ao processo atual, a arguida apresenta sentimentos e atitudes que refletem minimização e externalização dos seus comportamentos, o que, a par do seu percurso criminal, constituem fatores relevantes em termos de orientação pró-criminal.
55. Desde que se encontra no EP ..., a arguida frequenta o curso EFA B1 (parte prática) de cabeleireira. No aspeto disciplinar há a registar uma sanção, devido a um conflito com outra reclusa, que resultou em 10 dias de permanência obrigatória no alojamento.
De referir que durante a sua permanência neste EP ... tem mantido contacto telefónico com os seus familiares, tendo já recebido visitas das filhas e da mãe. Também já beneficiou de visitas intimas com o companheiro.
*


56. Do CRC do arguido junto de fls 1529 e ss consta que o arguido foi condenado:


1) No processo n.º 369/13...., do JL Criminal – Juiz ..., do Tribunal Judicial ..., pela prática d um crime de roubo p. e p. pelo art 210º., nº1, do CP, praticado em 17.04.2013, por sentença proferida em 08.04.20014, transitada em julgado em 19.05.2014, na pena de 1 ano de prisão, substituída por 250 dias de multa à taxa diária de € 8,00, num total de €2.000,00, substituída, por decisão de 17-12-2015, por pena de prisão suspensa na sua execução por 18 meses, com sujeição a deveres, prorrogada por decisão de 29-05-2017 por mais 6 meses;

2)    No processo comum coletivo n.º 626/12...., que correu termos no JC Criminal – Juiz ... do Tribunal Judicial ..., pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples e de detenção de arma proibida, praticado em 19.10.2012, por Acórdão de 29.01.2015, transitado em julgado em 18.03.2015, na pena única de 260 dias de multa à taxa diária de €5,00.
3) No processo sumário n.º 211/17...., do Tribunal Judicial da Comarca ..., pela prática de um crime de condução sem habilitação legal praticado em 11.03.2017, por sentença proferida em 13.03.2017, transitada em julgado em 21.04.2017, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de €5,00, extinta pelo cumprimento.
4) No processo sumaríssimo n.º 258/18.... do Tribunal Judicial da Comarca ..., crime de condução sem habilitação legal praticado em 25.03.2018, por sentença proferida em 11.07.2018, transitada em julgado em 10.09.2018, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de €5,00, substituída por 66 dias de prisão; .
5) No processo sumário n.º 17/19.... do Tribunal Judicial da Comarca ..., por um crime de condução de veículo sem habilitação legal, praticado em 26.10.2019, por sentença proferida em 28.10.2019, transitada em julgado em 27.11.2019, na pena de 3 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano;

6) No processo sumário n.º 426/21.... do Tribunal Judicial da Comarca de ..., por um crime de condução de veiculo sem habilitação legal praticado em 05.05.2021, por sentença proferida em 15.06.2021, transitada em julgado em 01.09.2021, na pena de 6 dias de prisão substituída por 180 horas de trabalho a favor da comunidade com sujeição a obrigações;
57. Do CRC da arguida junto de fls 1550 e ss consta que a arguida foi condenada:


1)    No processo comum coletivo n.º 43/01.... do ... juízo de competência Criminal ..., por um crime de trafico de estupefacientes p. e p. pelo art 21º do DL 15/93

de 22-01, praticado em 2001, por Acórdão de 12.07.2004, transitado em julgado em 07.02.2005, na pena 6 anos de prisão;

2) No processo comum coletivo n.º 778/04.... do ... juízo Criminal do TJ ..., por factos praticados em 07-07-2004, por Acórdão de 27.04.2006, transitado em julgado em 15.05.2006, na pena única 9 anos de prisão, pela prática de um crime de trafico de estupefacientes art 21º do DL 15/93 de 22-01 e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. p pelo art 3º do DL 2/98, de 03-01.
3) No âmbito do processo 3022/10.... foi-lhe concedida a liberdade condicional em 14-03-2019, até ao termo da pena que ocorreu em 17-09-2021.

4) No âmbito do processo 3022/10...., por decisão de 21-03-2013 foi-lhe revogada a liberdade condicional por incumprimento;

5) No processo sumário n.º 7/11.... do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, por factos praticados em 25.03.2011, por sentença proferida em 12.04.2011, transitada em julgado em 27.05.2011, na pena de 10 meses de prisão substituída por 300 horas de trabalho a favor da comunidade, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal:
6) No processo comum singular n.º 156/10.... do então juízo de instância criminal de ..., da Comarca ..., por factos praticados em 13-11-2010, por sentença de 21.03.2012, transitada em julgado em 09.05.2012, na pena 150 dias de multa à taxa diária de 5,00 pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. p pelo art 3º, nºs 1 e 2 do DL 2/98, de 03-01.
7) No processo comum coletivo n.º 912/10.... do TJ ..., por factos praticados em 27-10-2010, por Acórdão de 10.04.2012, transitado em julgado em 29.10.2012, na pena única 6 anos e 10 meses de prisão, pela prática de um crime de detenção de arma proibida e de um crime de trafico de estupefacientes p. e p. pelo art 21º do DL 15/93 de 22-01.
8) Por Acórdão cumulatório proferido no âmbito do PCC 912/10.... do TJ ... foi condenada em cúmulo jurídico, na pena única de 7 anos de prisão por Acórdão datado de 17-04-2018 transitado em julgado em 18-05-2018.

9) Por decisão proferida em 16-11-2021 proferida pelo TEP ..., no âmbito do processo nº 3022/10.... foi concedida (com efeitos reportados à data de 17-09-2021 no Processo 912/19.... do J3 do JC de ...) à arguida a liberdade definitiva.
Da reincidência:


58. Do acima exposto resulta que a arguida foi condenada em cúmulo jurídico no PCC nº 912/10.... do TJ ..., numa pena única de 7 anos de prisão (englobava a pena de 6 anos de prisão em que foi condenada nesse processo, por crime de detenção de arma proibida e de um crime de tráfico de estupefaciente p. e p. pelo art 21º do DL 15/93, de 22-01 bem como a pena de 10 meses de prisão por crime de condução sem habilitação legal em que foi condenada no Processo sumário nº 7/11.... do JL Criminal do TJ ...);
59. Esteve privada da liberdade desde 13-06-2011 até lhe vir a ser concedida a liberdade condicional em 14-03-2019, até ao termo das penas, em cumprimento sucessivo, que ocorreu em 17-09-2021;
60. A arguida saiu em liberdade condicional em 2019 e pelo menos no Verão de 2020 praticou os factos dos presentes autos;
61. A arguida vem desenvolvendo ao longo dos anos uma atividade conexionada com a prática de crimes de trafico de estupefacientes e tem-se revelado indiferente às sucessivas condenações em penas de prisão efetiva que cumpriu, as quais não constituíram obstáculo bastante e voltou a incorrer na prática de outros ilícitos.

* B- FACTOS NÃO PROVADOS:
Da prova produzida, não se provou:



* C- MOTIVACAO DE FACTO
Prova pericial:

Ø Relatórios de exames periciais, a fls. 799 e 1005


--- PROVA DOCUMENTAL:
- Auto de notícia por detenção de XX (de fls 1 a 3) permitiu contextualizar
as circunstâncias de tempo e lugar e o modo como os arguidos AA e BB, por intermédio de terceiros, procediam à venda de produtos de estupefacientes. …

- Informações de serviço de fls 63 e 64: onde se dá conta uma denúncia anónima que informava da venda de produtos estupefacientes, do nome e da alcunha das pessoas envolvidas – …
- Aditamento nº1 de fls 65 e 66: pelos OPC foi movida uma vigilância discreta, junto à escola ..., a CC, HH, YY indivíduos conhecidos como toxicodependentes. Posteriormente os mesmos deslocaram-se para o largo da feira semanal onde aguardaram 40 minutos pela chegada do veículo automóvel de marca ... com matrícula ..-..-IA no qual se deslocava a arguida BB no lugar do pendura e um individuo que parecia ser o AA. HH deslocou-se à viatura do lado do condutor,
- Informação Ascendi de fls 83 e 84 que indica os locais e horas de entrada e saída de autoestrada dos veículos com matricula ..-..-IA, ..-..-PL e informação Via Verde de fls 88 a 91 com indicação das matrículas dos carros sem identificador, com imagens de passagens irregulares com o carro de matrícula ..-..-PL;
- Informação Altice de fls 93 a 163;
- Aditamento nº2 de fls 167 e 168: relacionado com o episódio ocorrido junto da residência da arguida BB onde foi avistada a viatura de matrícula ..-..-GP pertença de DD, … Pouco depois chegou a GG como pendura da viatura com matrícula ..-..-CX de marca ..., modelo ... e dirigiu-se à residência de “ZZ” (nome pelo qual é conhecida a arguida BB), regressando após ao carro, ficando à espera da arguida. Só mais tarde chegou a arguida no carro com matrícula ..-..-IA de marca ..., modelo ... conduzida pelo seu companheiro AA. Após terem contactado com aqueles toxicodependentes, …

Apos os toxicodependentes terem abandonado o local, a PSP viu a arguida a mexer na parte de trás do farol do carro, o que levou a suspeitar que aí dissimulasse o estupefaciente.
A data, segundo informação dos toxicodependentes, a arguida BB (“...”) usava os telemóveis com os números ...55, ...37 e ...25 e ...25.

Destes factos foi testemunha AAA. - Informação NOS de fls 170 e 171;

- Relatórios de análise trace-back de fls 310 a 328:
- efetuado ao telemóvel com o número ...68 utilizado por XX no hiato temporal entre 21 de janeiro de 2020 e 20 de março de 2020: foram analisadas as chamadas efetuadas, recebidas e mensagens efetuadas e recebidas, com identificação da lista de indivíduos que comunicaram com o utilizador do telemóvel

- efetuado ao telemóvel com o número ...60 utilizado por XX no hiato temporal entre 15 de janeiro de 2020 e 3 de março de 2020: foram analisadas as chamadas efetuadas, recebidas e mensagens efetuadas e recebidas, com identificação da lista de indivíduos que comunicaram com o utilizador do telemóvel
- efetuado ao telemóvel com o número ...38 utilizado pela arguida BB no hiato temporal entre 15 de janeiro de 2020 e 29 de junho de 2020: foram analisadas as chamadas efetuadas, recebidas e mensagens efetuadas e recebidas, com identificação da lista de indivíduos que comunicaram com o utilizador do telemóvel.
Com base nessas informações foram posteriormente chamados os indivíduos com relevância para o presente processo.

- Informação da Segurança Social de fls 339 datada de 20-07-2020 relativa aos arguidos BB e AA.

- Informação Ascendi de fls 344 a 346 relativamente as viaturas matrícula ..-..-IA no período compreendido entre 01-08-2020 a 07-11-2020.

- Relatório de exame pericial de fls 347 e 348; - Informação da NOS de fls 349;
- Informação da Altice de fls 372 a 382;
- Aditamento nº3 de fls 401 a e 402: no seguimento das diligencias relativas aos arguidos AA e BB.
- Auto de Noticia de fls 403 e 404; auto de apreensão e fls 405 e 406; fotografia de fls ...08...
- Aditamento de fls 418 (II Vol.): na sequencia do 1º auto de notícia elaborado que tinha tido origem na detenção de XX que revelou que o produto estupefaciente que lhe estava a ser apreendido era da arguida BB. Nessa altura foi-lhe apreendido um telemóvel com o nº ...68 da NOS que o mesmo utilizava nessa atividade ilícita. Foi ainda identificado o veiculo Renault com matrícula ..-..PL e um Audi ..-..-IA e vários consumidores: …

- Aditamento 5 (fls 422, II Vol): no âmbito das diligencias efetuadas a PSP ... de alcunha “BBB” foi visto a ser abordado pelo arguido AA que para o local ai indicado se deslocou conduzindo um veiculo de matricula ..-..-OZ com a sua companheira BB.
- Aditamento 7 (fls 431 II Vol): no âmbito das diligencias efetuadas a PSP ..., referenciada como toxicodependente, foi vista a ser abordada pelo arguido AA, acompanhado de sua companheira que para o local ai indicado se deslocou conduzindo um veiculo de matricula ..-..-OZ com a sua companheira BB, tendo sido visto a retirar um envelope do seu interior.
- Auto de notícia por detenção do arguido AA (fls 432 a 434, II Vol.) por condução de veículo sem habilitação;

- Pesquisas sobre registo de veículos de fls 435 a 437; - Relatórios de análise trace-back de fls 444 a 451:
- efetuado ao telemóvel com o número ...25 utilizado pela arguida BB no hiato temporal entre 15 de julho de 2020 e 19 de setembro de 2020 (apesar de ter sido efetuado até final de dezembro de 2020: foram analisadas as chamadas efetuadas, recebidas e mensagens efetuadas e recebidas, com identificação da lista de indivíduos que comunicaram com o utilizador do telemóvel.

Com base nessas informações foram posteriormente chamados os indivíduos com relevância para o presente processo.

- Informação Ascendi de fls 454 a 456 relativamente a viatura com matrícula ..-EG-.. no período compreendido entre 01-08-2020 a 07-06-2021;
- Aditamento 8 (fls 462); referente a um pedido de policiamento nos locais ai indicados por serem frequentadas por consumidores de estupefacientes que relacionam os arguidos e cópia do pedido da Junta de freguesia de fls 463 (na sequencia do aditamento nº 3 de fls 464 a 469);
- Aditamento nº9 de fls 474;
- Aditamento 11 de fls 476: episodio que relaciona os arguidos AA e BB e o consumidor JJ, conhecido por “CCC”;
- Auto de noticia de fls 477 e 478 reportado ao consumidor JJ e que conduz à apreensão de crack (cocaína base) (auto de apreensão de fls 479 e 480);
- Relatório de análise de dados da Ascendi de fls 488 a 492);
- Aditamento 12 de fls 499 e 500: episodio relativo ao consumidor DDD e o arguido AA;
- Aditamento 13 de fls 509;
- Auto de notícia de fls 511 e 512: referente ao consumidor TT, quando lhe é apreendida droga pela PSP, seguido ao encontro com o arguido AA, momentos antes (auto de apreensão de fls 513 e 514; fotografia de fls 516);
- Sessões do Alvo ...60, 19235, 19451, 19452, 19456, 19457, 19460, 19567 constantes Apenso I; Auto transcrição n.º 8 fls. 13, 14, 26, 27 e 28 e sessões do alvo ...40, 13236, 13338, Apenso II, Auto transcrição n.º4 fls. 14, 15, 23 e 24, do Relatório de Analise ao Exame 42/2019, a pág. 4 e pág. 24, a analise das mensagens SMS constantes dos Anexos VI, VI-1, VII, XVIII-2 todos do Apêndice VI – (por referência ao Processo n.º 182/18.... que envolvia XX);

- Aditamento 14 de fls 603;
- Auto de noticia por detenção de fls 609 e ss relativo à arguida BB: - Autos de busca e apreensão de fls 630 a 635;

- Diagrama de fls 636;
- Auto de interrogatório judicial dos arguidos AA e BB detidos de fls 659 a 692: no âmbito do qual os arguidos não prestaram declarações;
- Autos de exame e avaliação de fls 735 a 739;
- nova informação da Segurança Social referente aos arguidos;
- Informação Ascendi de fls 756 a 759 relativamente à viatura com matrícula ..-ZU-.. no período compreendido entre 30-06-2021 a 03-12-2021;

- informação Via verde de fls 765; - Informação Altis de fls 771 a 777; - Informação Brisa de fls 778;

- Termo de penhor de fls 783 a 786; - Auto de apreensão de fls 788;
- Informação sobre o veiculo Audi ..-ZU-.. (fls 792 e 793) e fotografias de fls 801 a 805;

- Informação Vodafone de fls 822 a 828:


- Informações bancárias de fls 842 a 928; 948 e 949;
- Informação da NOS de fls 951 e 952;

- Relatórios de análise trace-back de fls 958 a 966:
- efetuado ao telemóvel com o IMEI aí indicado utilizado pela arguida BB no hiato temporal entre 13 de outubro de 2021 e 27 de novembro de 2021: foram analisadas as chamadas efetuadas, recebidas e mensagens efetuadas e recebidas, com identificação da lista de indivíduos que comunicaram com o utilizador do telemóvel.
Com base nessas informações foram posteriormente chamados os indivíduos com relevância para o presente processo.
- Relatório de análise aos dados fornecidos pela Ascendi de fls 1054 a 1064; - Relatórios de análise trace-back de fls ...78:
- efetuado ao telemóvel com o número ...80 e ...06 e ...19 utilizados pela arguida BB;

- informação de fls 1082;
- Auto de noticia de fls 1090 e auto de apreensão de fls 1092, referente ao episódio que envolve o consumidor TT;
- informação de fls 1107;
- Aditamento 47 de fls 1187 que conduz ás cautelas de penhor de fls 1199 a 1214 e Reportagem fotográfica de fls 1215 e 1216;
- Informações da autoridade tributária de fls 1251 a 1266; - Informações bancárias de fls 1267 a 1516;
*
Incorporação do processo nº 1100/20.... (fls 179): certidão de fls 182 a 236; auto de interrogatório de fls 183 a 197;
* Apenso A:

 Apenso B:

* - Relatório intercalar de fls 530 a 531.
*


Da análise da prova supra referida e da sua conjugação, com a restante prova produzida resultou:
Conforme já referimos, em sede de interrogatório judicial os arguidos remeteram-se ao silêncio.
Em sede de audiência de julgamento o arguido AA prestou declarações, a final, apenas para negar aquilo que algumas testemunhas tinham declarado: …
Considerando contudo que o arguido apenas admitiu vendas pontuais, as suas declarações não poderão ser levadas em consideração para efeitos de se assumirem como relevantes, porquanto do depoimento das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento resultou prova de sentido bem inverso, que o compromete criminalmente em muitos mais atos.

Assim, no tocante à prova testemunhal:



*
Foi requerida a condenação da arguida BB como reincidente. Em causa o PCC nº 902/10.... no âmbito no qual foi condenada numa pena de 6 anos de prisão por crime de trafico de estupefacientes e o PCC nº 7/11.... no qual foi condenada como cúmplice
Por força das duas penas que cumpriu sucessivamente, a arguida esteve privada da liberdade de liberdade até à Liberdade condicional concedida 14-03-2019 em que o termo das penas em cumprimento sucessivo era 17-09-2021.
Ora, saiu em março de 2019 e pelo menos no Verão de 2020 já andava nesta atividade tráfico em plena período da liberdade condicional.

Os pressupostos formais mostram-se verificados: praticou crime doloso punível com pena de prisão.
Quanto aos pressupostos materiais, resulta de tudo o exposto que as condenações anteriores não foram suficientes.

-- CRCs
- Relatórios sociais não são favoráveis:
O arguido AA consta que na altura não tinha qualquer atividade com carater regular.
Postura conflituosa no E.P. (8 dias de sanção disciplinar)
Arguida BB sanção disciplinar: 10 dias obrigação de permanência no alojamento.
*

                                                                     *

Apreciação dos recursos.

Nota prévia: As questões invocadas pelos recorrentes são idênticas, com exceção da invocada errada apreciação da prova por parte da arguida BB, pelo que nada obsta - e até se mostra conveniente, para evitar repetições desnecessárias - a que as questões comuns dos recursos sejam apreciadas em conjunto.

Uma outra questão que na lógica da decisão se impõe como prioritária e que ambos os recorrentes começam por invocar, respeita à declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dos artigos 4º, 6º e 9º da lei 32/2008 de 17.07, constante do Ac. Tribunal Constitucional 268/2022 de 19.04 publicado no DR I, 108 de 3.6., defendendo, ambos, o entendimento de que a prova usada nos presentes autos e assente nas matérias abrangidas por tais artigos é nula e devia ser dada como não provada remetendo depois para as referências às provas feitas no art. 8º da motivação dos recursos.

De facto, embora não constando das conclusões dos recursos, elencam os recorrentes no artigo 8º da respetiva motivação, todas as provas que entendem estarem abrangidas pela declaração de inconstitucionalidade - e que o tribunal invocou na fundamentação da decisão -, pelo que se impõe a sua análise.

Mas antes de se proceder ao confronto do decidido pelo tribunal constitucional com as provas tidas em conta na condenação dos arguidos, para avaliar se se mostram feridas de inconstitucionalidade como defendem os recorrentes, entendemos dever ser feita uma breve referência ao âmbito de aplicação do referido Acórdão 268/2022 de 19.04 de 2022 que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do art. 4º conjugada com a do art 6º e do art. 9º, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, todos da Lei 32/2008 de 17 de julho.

 A Lei 32/2008 de 17 de julho tem como objeto regular a conservação e a transmissão dos dados de tráfego e de localização relativos a pessoas singulares e a pessoas coletivas, bem como dos dados conexos necessários para identificar o assinante ou o utilizador registado, para fins de investigação, deteção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações, e que altera a Diretiva n.º 2002/58/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Junho, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no sector das comunicações eletrónicas ( art. 1 nº 1).

No art. 2º encontramos a definição de dados nela se incluindo os dados de tráfego e de localização, bem como os dados conexos necessários para identificar o assinante ou utilizador.

O art. 3º reporta-se à finalidade (exclusivamente criminal) do tratamento dos dados; o art. 4º enumera os dados a conservar e o art. 6º indica o período de conservação ( um ano ). Nos art. 9º e 10º é regulada a transmissão dos dados; a sua destruição está prevista no art. 11, sendo os restantes artigos referentes às penalizações decorrentes do incumprimento da lei e a dados estatísticos.

Foi, então, a recolha, registo, conservação e acesso de dados pessoais, de tráfego e localização em relação a todos os assinantes e utilizadores registados nas empresas fornecedoras de serviços de comunicações eletrónicas, de modo generalizado e indiferenciado e em relação a todos os meios de comunicação eletrónica, durante um ano, que pela abrangência subjetiva (que pode atingir qualquer cidadão e não só os suspeitos de crimes) e temporal (um ano) o Tribunal Constitucional entendeu violar o princípio constitucional da proporcionalidade na restrição dos direitos à reserva da intimidade da vida privada, ao sigilo nas comunicações, ao livre desenvolvimento da personalidade, à autodeterminação informativa e à tutela jurisdicional efetiva.

. Fê-lo à semelhança do que já decidira noutros acórdãos (por ex. Ac. 403/2015 e 464/2019) e do que já ocorrera noutros países europeus (os Tribunais Constitucionais Romeno, Alemão e Checo já há mais de 10 anos haviam declarado nas respetivas jurisdições a inconstitucionalidade das leis ordinárias que procederam à transposição da diretiva 2006/24/EU relativa à conservação de dados), ao abrigo dos comandos constitucionais ínsitos nos artigos 18º nº2, 20º nº1, 26ºnº1 e 35º nº 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa.

E assim, por força da decisão do Tribunal Constitucional deixaram de existir na ordem jurídica as normas constantes dos artigos 4º, 6º e 9º (este na dimensão apontada no acórdão) da Lei 32/2008 de 17 de julho que determinavam para os fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas, publicamente disponíveis, a obrigação de conservação para fins criminais e por um ano, dos dados gerados ou tratados no âmbito dos serviços de comunicações eletrónicas.

Mas é evidente que a conservação dos dados respeitantes a cada indivíduo não viola com igual intensidade o direito à reserva da intimidade da vida privada, porque nem todos os dados têm igual aptidão para a devassa que se pretende evitar. De facto, são diferentes os chamados dados de base ( os que respeitam ao acesso à rede e permitem identificar o utilizador do equipamento –(endereços de protocolos de IP, identidade civil do titular, números de telefone e endereços de correio eletrónico)) dos designados dados de tráfego que são os que revelam circunstâncias das comunicações, como a localização dos intervenientes na comunicação, duração, data, hora das comunicações interpessoais, mas também os que não pressupõem uma comunicação interpessoal.

Assim, entende o Tribunal Constitucional ( à semelhança do que já havia sido a orientação, por exemplo, do acórdão 420/2017 de 13 de julho e a posição expressa, na doutrina, por exemplo por Costa Andrade in “RLJ - Bruscamente no Verão Passado…, ano 137º nº 3951, 341) que a conservação dos dados de base enquanto medida restritiva dos direitos à reserva da intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa respeita o princípio da proporcionalidade, uma vez que apenas se identificam os utilizadores do meio de comunicação e não pressupõem a análise de qualquer comunicação.

Diferentes considerações mereceu ao Tribunal Constitucional a conservação, por um ano a contar da data de conclusão da comunicação e para fins criminais, dos dados de tráfego, com especial relevância para os dados de localização e comunicações de todas as pessoas (todos os assinantes), isto é, das comunicações eletrónicas da quase totalidade da população, que concluiu ser uma “solução legislativa desequilibrada” por atingir pessoas contra quem não há qualquer suspeita de atividade criminosa. Idêntica censura mereceu a ausência de notificação ao visado de que os seus dados foram acedidos pelo entendimento de que ficam comprimidos, de forma desproporcionada, o direito à autodeterminação informativa e a uma tutela jurisdicional efetiva.

Mas o Tribunal Constitucional, no referido acórdão, não fiscalizou, nem censurou outras normas, ou outros diplomas legais. A declaração de inconstitucionalidade dele emanada não tem, portanto, a virtualidade de abranger toda e qualquer prova obtida por meios digitais, ao contrário do que defendem os recorrentes, uma vez que visa, essencialmente, os serviços de comunicações eletrónicas nas vertentes nele apontadas.

E é a esta luz que tem de ver-se quais as provas obtidas nos autos que levaram à condenação dos arguidos e de entre elas, quais foram, e se foram indevidamente valoradas pelo tribunal a quo, por serem suscetíveis de ser abarcadas pelas normas feridas de inconstitucionalidade e, nessa medida, constituírem prova proibida.

Analisando os recursos percebe-se que, como se disse, os recorrentes se insurgem contra todas as provas obtidas por meios informáticos, pelo entendimento de que todas elas contrariam a jurisprudência do referido Acórdão do Tribunal Constitucional. Não é correto este entendimento, porque se não estiverem em causa dados de tráfego de comunicações eletrónicas preservadas nos termos da Lei 32/2008 de 17.07, tais provas ficam necessariamente fora do âmbito da declaração de inconstitucionalidade do referido Acórdão.

 Assim, as informações da Ascendi de fls 83 e 84, 341 a 346, 454 a 456, 488 a 492, 756 a 759, de onde se retira a hora e local de passagem de determinados veículos em autoestradas nacionais, as informações da Via Verde de fls 88 a 91, 765, de onde se retira a existência ou inexistência de registos relativamente a determinadas viaturas e da Brisa de fls 778, dando conta de uma cessão de posição contratual num contrato de concessão outorgado pelo Estado e do não tratamento de dados solicitados, não colidem, de modo algum, com a declaração de inconstitucionalidade em causa. De facto, tais informações nada têm a ver com a lei 32/2008 de 17.07, não são dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma comunicação, nem são abarcadas pelas considerações que fundamentaram o juízo de inconstitucionalidade.

O mesmo se diga relativamente às informações bancárias de fls 842 a 928 e 948 a 949 contra as quais os recorrentes também se insurgem, uma vez que não são identificativas de quaisquer comunicações pessoais ou interpessoais, nada têm a ver com as normas declaradas inconstitucionais, não cabendo, portanto, no juízo de inconstitucionalidade emanado do Acórdão 268/2022.

De igual modo não se percebe por que consideram os recorrentes prova nula por força do juízo de inconstitucionalidade em apreço a que consta dos aditamentos nº 2 de fls 167e 168, nº 3 de fls 401 e 402, nº 12 de fls 499 e 500, nº 13 de fls 509 e nº 47 de fls 1197 uma vez que são aditamentos a autos de notícia elaborados por observação direta dos agentes de autoridade em diligências por eles realizadas.

Também fora do âmbito das normas consideradas inconstitucionais se encontram os dados de conteúdo de conversações ou comunicações telefónicas em tempo real a que respeitam nos artigos 187º a 189º do CPP, sendo que as transcrições de escutas telefónicas retiradas do processo 182/18.... respeitam o disposto no artigo 187º, nºs 1, 7 e 8 do CPP.

As informações da Vodafone (fls 822 a 828) ou são irrelevantes ou respeitam a dados de base, isto é, apenas à identificação do utilizador, número de telefone e morada, os quais, como se disse, não constituem uma compreensão desproporcionada dos direitos previstos no artigo 35º, nºs 1 e 4 e 26º, nº 1 do CRP nem constituem prova nula nos termos do nº 8 do artigo 32º da CRP, de acordo com o decidido pelo Tribunal Constitucional.

Diferentes considerações se impõem relativamente às informações feitas chegar aos autos pelas operadoras NOS (com exceção de fls 349 por irrelevante) e Altice e respetivos relatórios de análise. Efetivamente tais informações foram obtidas a partir do acesso a dados conservados pelas operadoras relativos a números de telefone usados pela arguida em períodos de tempo passados (v.g. entre 15/01/2020 e 29/06/2020, 15/07/2020 e 19.09.2020; entre 1/06/2021 e 4/12/21 e ainda entre 13.10.2021 e 27.11.2021 reveladoras da identificação da fonte, destino, data, hora, duração da comunicação e tipo de comunicação efetuada e localização (fls 93 a 163, 170, 171, 372 a 382, 771 a 777 e respetivos relatórios de traceback de fls 310 a 328, 444 a 451, 958 a 966, 1074 a 1078).

        Como já se disse o Acórdão do Tribunal Constitucional dirigiu-se essencialmente aos fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis e afastou a possibilidade de serem por eles guardados dados de tráfego relativos às comunicações dos respetivos assinantes, pelo período de um ano e para fins criminais, conforme previsto nos art. 4º,6º e 9º da Lei 32/2008 de 17.07. Mas não mais do que isso.

Isto é, o Tribunal Constitucional não entendeu estarem feridas de inconstitucionalidade as normas do CPP que prevêm a possibilidade de obter e juntar aos autos dados sobre a localização celular ou registos de realização de conversações ou comunicações quanto a crimes previstos no nº 1 do artigo 187º (onde se inclui o crime de tráfico de droga), nem o TC afastou a possibilidade de conservação de dados ao abrigo de outros diplomas, por exemplo para fins contratuais, de que é exemplo a lei 41/2004 de 18.08, que prevê a conservação de dados de tráfego, por um período de 6 meses.

E assim se o CPP prevê a possibilidade de obtenção de dados relativos a conversações e comunicações telefónicas, se eles existirem validamente conservados no âmbito de outros diplomas em vigor, (v.g. artigo 14 da lei 109/2009), nada impede que as autoridades a eles acedam ainda que observando as condições técnicas e de segurança exigidas pelo SAPDOC (Sistema de acesso ou pedido de dados às operadoras de comunicação) (cfr Portaria 469/2009 de 6.5 alterada pelas portarias 915/2009 de 8.8 e 694/2010 de 16.8), quando estão em causa valores como a segurança, a legalidade democrática e o exercício da ação penal no combate à criminalidade. De igual modo, se há dados que podem ser guardados, por exemplo, para fins contratuais, por exemplo, de faturação, nada impede que possam ser utilizados para fins de investigação criminal, tanto mais quanto a Lei 41/2004 o admite ( art. 6 n º7) e no âmbito do processo criminal ao arguido são obrigatoriamente transmitidos (artigo 141º, nº 4 e) do CPP) os elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não ponha em causa a investigação, não dificulte a descoberta da verdade nem crie perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas de crime.

Não se ignora que a jurisprudência tem adotado posições divergentes da que acaba de expor-se ( cfr, por todos, Ac. RP de 07-12-2022 proferido no processo 5011/22.2JAPRT-A.p1 ) pelo entendimento de que não se pode tornear o acórdão do tribunal constitucional “deixando entrar pela janela” aquilo a que ele “fechou a porta”, ou seja não se pode “recorrer a outras normas para obter o mesmo efeito que resultaria da aplicação das normas declaradas inconstitucionais sem que essas outras normas contenham aquelas garantias que faltam a estas e que levaram a essa declaração de inconstitucionalidade.

 Não é, por isso, legalmente possível recorrer para esse efeito aos regimes dos artigos 187 e 189 do Código de Processo Penal ( relativo às comunicações em tempo real, não à conservação de dados de comunicações pretéritas), da Lei 41/2008 de 18 de agosto ( relativo à proteção contratual no contexto das relações entre empresas fornecedoras de serviços de comunicações eletrónicas e seus clientes, campo distinto da investigação criminal) e da Lei 109/2009 de 15 de setembro (Lei do Cibercrime).

Não podem os tribunais substituir-se ao legislador suprindo omissões de onde resultam graves inconvenientes para a investigação criminal”.

          Mas o entendimento assim expresso, salvo o devido respeito, vai muito além do afirmado e pretendido pelo Tribunal Constitucional no referido Acórdão 268/2022. O TC não vedou o acesso, no âmbito do processo penal, a dados conservados na posse de operadoras de serviços de comunicações, que continua previsto nos artigos 187 a 189, na al. e ) do art. 269 do CPP e na Lei do Cibercrime, nem as operadoras de comunicações ficaram impedidas de conservar dados de tráfego dos seus clientes, v.g. para fins de faturação, como ocorre com a Lei 41/2004 de 18.08 - que transpôs a Diretiva 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e, que contrariamente à Diretiva 2006/24/CE ( transposta pela Lei 32/2008 de 17.07) se mantém válida – pelo prazo de 6 meses.

 Isto mesmo é dito no Ac. RG de 02-05-2023 in www.dgsi.pt, proferido no processo 12/23.6PBGMR-A.G1, com o qual concordamos e passamos a citar: “(…)não nos revemos na posição daqueles que, na sequência do Ac. TC nº 268/2022, defendem a impossibilidade de os dados conservados ao abrigo da Lei 41/2004, de 18.08, serem usados para efeitos de prova em processo penal. Efetivamente, desde logo porque o Tribunal Constitucional, no referido acórdão, não se pronunciou especificamente sobre esta questão.

Por outro lado, o próprio Tribunal Constitucional já pronunciou em sentido favorável noutros casos em que foram utilizadas bases de dados informáticas existentes para fins diferentes da prova em processo penal. Assim, vide v.g. o Ac. TC 213/2018.
Acresce que o uso dos dados da Lei nº 41/2004, de 18.08 para prova em processo penal não contraria o direito da União Europeia, sendo que a jurisprudência do TJUE até admite tal possibilidade, como sucedeu no Ac. (Grande Secção) de 02.10.2018, processo C-270/16, a propósito da interpretação do artigo 15º, nº 1 da Diretiva 202/58/CE, transposta da Lei 41/2004, de 18.08.

Importa também salientar que a Lei nº 58/2019 (Lei de proteção de dados pessoais) no seu artigo 23º, nº 2 não impede a transmissão de dados pessoais entre entidades públicas para finalidades diversas das determinadas na recolha.

Não menos relevante, regista-se que própria Lei 41/2004, de 18.08 prevê a possibilidade de os dados serem usados para prova em processo penal e não apenas no âmbito do processo civil, cfr. nº 7 do artigo 6º. Nesse sentido, vide o citado Ac. TC nº 486/2009.
          Outrossim, os dados de tráfego e de localização conservados constituem prova documental e, como tal podem ser obtidos pelos meios de obtenção de prova que a lei processual penal prevê, por ex. uma busca.

Para que uma prova seja admissível em processo penal não é necessário que exista uma norma expressa que a preveja expressamente, pois que de acordo com o princípio da legalidade da prova, previsto no artigo 125º do CPP “São admissíveis as provas que não forem proibidas”.

A Lei nº 41/2004, de 18.08 não prevê a notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, porque constitui uma lei de conservação de dados, não estando nela previsto o acesso a esses dados. Ora, o Tribunal Constitucional apontou a falta de notificação apenas quanto ao artigo 9º da Lei 32/2009, de 17.07, que constituía uma norma de acesso a dados, pelo que a questão não se coloca relativamente à Lei nº 41/2004.

Por ultimo, quanto à omissão de previsão legal obrigando à conservação dos dados em território da União Europeia referida pelo no Ac. TC 268/2022 relativamente à Lei nº 38/2022, de 17.07, a Lei nº 41/2004, de 18.08 nada diz. Porém, a questão da territorialidade e da transferência na e para a União Europeia encontra-se prevista nos artigos 44º a 50 da Lei nº 59/2019, que é aplicável à base de dados da Lei nº 41/2004, de 18.08.
Por conseguinte somos levados a concluir no sentido de que relativamente aos crimes previstos no nº 1 do artigo 187.º, n.º 1, do CPP, é possível a obtenção e junção aos processos de natureza criminal de dados de tráfego e de localização celular, com fundamento no artigo 189.º, n.º 2, do CPP, e no âmbito dos dados conservados ao abrigo da Lei nº 41/2004, de 18.08, com o limite quanto ao prazo de conservação, que é de 6 meses, cfr. artigo 6º, nºs 2 e 7 e artigo 10º da Lei nº 23/96, de 26.07.

Assim, se as provas foram obtidas a partir de dados guardados pelas operadoras, respeitando os limites impostos legalmente pelas leis que se mantêm em vigor, designadamente pela lei 41/2004 de 18.08. e que continuam a prever a possibilidade de obtenção, guarda e transmissão de tais dados, tais provas são válidas. Se não o foram, então, serão prova proibida.

Mas prova proibida não significa necessariamente (cfr. Costa Andrade in Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal) valoração proibida. Pense-se, usando a linguagem de Conde Correia, nos critérios da “fonte independente”, da “mácula dissipada” e da “descoberta inevitável”, isto é, quando o apuramento dos factos seja alcançável por um processo probatório distinto, ou quando o nexo existente entre a utilização do método proibido de prova e uma prova secundária a que se chegou com a utilização da prova proibida seja insignificante, ou quando os factos sempre teriam sido apurados pela valoração de outras provas.

Costa Andrade chama a atenção ainda para “o problema desesperadamente controverso” (Rogall) do chamado efeito à distância cuja análise se espraia desde a maximização do alcance da proibição de valoração, por via de regra extensiva ao meio de prova secundário (fruits of the poisonous tree doctrine) até ao extremo oposto de negação de todo e qualquer efeito à distância” (ob cit. 62), apontando a necessidade de se fazer a ponderação a partir “tópicos como a perigosidade do “veneno” a importância do “fruto” no contexto global da prova e a vinculação normativa do fruto “à arvore envenenada”.

Aqui chegados impõe-se, então, verificar se o tribunal se socorreu de prova proibida e, em caso afirmativo, de que modo ela condicionou a decisão, na certeza de que “o normal será que a prova proibida concorra com uma bateria de meios admissíveis, numa teia dificilmente extrincável de influência e codeterminação reciprocas”, o que pode dificultar de forma significativa a possibilidade de “isolar o peso que o meio de prova terá tido na convicção do julgador” (Costa Andrade, ob. Cit, 65).

Assim, se tiver sido usada prova proibida e ela tiver sido a única prova na qual se baseou a condenação dos arguidos, restará revogar a decisão e absolvê-los do imputado crime; se a prova proibida tiver sido arredada da fundamentação da decisão, impor-se-á (se outras razões não existirem) a confirmação da decisão; se tiver concorrido com outras provas haverá que saber qual a contribuição dos meios sobrantes e legítimos de prova para a condenação dos arguidos.

Analisando o acórdão recorrido - e afastadas que estão do juízo de inconstitucionalidade todas as outras provas, com exceção das informações da NOS e da Altice, e estas apenas relativamente aos dados que caibam no âmbito da lei 32/2008 - percebe-se que o tribunal a quo valorou as informações da Altice e da NOS e os respetivos relatórios de análise traceback, apenas na medida em que os refere na fundamentação, mas sem que se perceba qual o valor que lhes atribuiu. De facto, em relação às informações da Altice e da NOS é tão-só feita a referência das folhas a que se encontram nada mais se dizendo sobre as mesmas. Relativamente aos relatórios da análise traceback é dito: “foram analisadas as chamadas efetuadas, recebidas e mensagens efetuadas e recebidas, com identificação da lista de indivíduos que comunicaram com o utilizador do telemóvel. Com base nessas informações foram posteriormente chamados os indivíduos com relevância para o presente processo”.

Antes de mais, diga-se que estando os arguidos acusados e condenados em coautoria, mostra-se irrelevante que tais informações sejam essencialmente respeitantes à arguida e não já ao arguido.

Depois, analisando em pormenor os dados de tráfego a que o tribunal faz referência na fundamentação da motivação constatamos que as informações constantes de folhas 93 a 163 se referem ao período de 15/01/2020 a 29/06/2020 e de 15.01.2020 a 07/07/2020 e foram solicitadas a 14/07/2020 (fls 76). Assim sendo, a solicitação respeitou o prazo de 6 meses a que se reporta a lei 41/2004, que se mantém em vigor no ordenamento jurídico, como atrás foi dito. O mesmo ocorre com a informação da NOS de folhas 170 e 171, pelo que a prova obtida não colide com a declaração de inconstitucionalidade do Ac.TC 268/2022.

As informações da Altice de fls 372 a 382 foram obtidas a partir da solicitação datada de 27/01/2021 (fls 364) pelo que todas as informações obtidas a partir de 27/07/2020 são válidas, sendo apenas imprestáveis as informações que se reportam às datas de 15/07/2020 a 26/07/2020.

As informações da Altice de fls 771 a 777 dizem respeito a dados armazenados entre 30/11/2021 e 02/12/21, solicitados a 16/12/2021 (fls 728), pelo que não se encontram feridas de inconstitucionalidade dado o período temporal a que se reportam.

As informações de fls 951 a 953 da NOS reportam-se aos períodos de 13/07/2021 a 02/12/2021, de 21/09/2021 a 27/09/2021, de 24/07/2021 a 25/07/2021 e de 07/11/2021 a 12/11/2021 e foram todas solicitadas em 16/12/2021 (fls 729), pelo que todas as informações obtidas são válidas.

Aqui chegados estamos já em condições de afirmar que o juízo de inconstitucionalidade de que os recorrentes se socorrem para inviabilizar a obtenção da prova não tem aplicação à prova carreada para os autos respeitante aos dados de tráfego a que vimos fazendo referência, com a exceção atrás anotada, a qual é absolutamente irrelevante na formação da convicção do tribunal.

Mas a condenação dos arguidos teve ainda outros fundamentos que só por si levariam à mesma conclusão e que são referidos na fundamentação do acórdão com especial incidência para as vigilâncias efetuadas por autoridades policiais e relatadas em julgamento, onde consumidores de droga foram vistos a adquirir produto estupefaciente aos arguidos, as buscas e apreensões de produto estupefaciente e dinheiro apreendidos a XX, mas pertencentes aos arguidos por conta de quem aquele vendia, como resultou do julgamento, a quantidade de veículos (9) e de telemóveis utilizados pelos arguidos nas suas atividades ilícitas, sem que lhes sejam conhecidos quaisquer rendimentos de trabalho (a arguida aufere 321,75€ de uma prestação social (fls.339), o arguido não tem quaisquer rendimentos lícitos), os termos de penhor de ouro no valor de milhares de euros quer na posse da arguida BB, quer apreendidos na casa de penhores em ..., reveladores da atividade ilícita desenvolvida.

Assim sendo não há qualquer dúvida de que não foi a prova apreciada erradamente, como alegam os recorrentes, de que ambos os arguidos se dedicavam ao tráfico de droga e de que não podem deixar de ser condenados como o foram.

É certo que havia matéria na acusação que não chegou a ser provada e que várias testemunhas disseram não conhecer a arguida. Mas não só ficou claro que os arguidos atuavam em coautoria, como ficou igualmente claro do julgamento e do acórdão recorrido que a arguida agia com maior cuidado, até porque se encontrava em liberdade condicional.

E quanto à invocada inexistência de indícios "nem na casa, nem no carro, de tráfico e de utensílios demonstrativos de tal negócio” tal não é rigorosamente verdade. Os vários telemóveis, manuscritos atinentes a vendas, recortes de plástico encontrados na busca à residência falam por si, sendo que, dado o passado criminal da arguida bem sabia que não podia ter na sua posse quantidades de droga ou outros utensílios que inequivocamente a comprometessem.

Acresce que mesmo que não entregasse droga, recebia dinheiro como disseram, por exemplo, as testemunhas GG, MM os agentes da PSP, EEE e FFF, o que basta para que a afirmação de alheamento da arguida BB relativamente ao comportamento ilícito do arguido AA não tenha correspondência com a realidade.

Pode então fazer-se a afirmação segura de que a prova não foi mal apreciada, não havendo motivo para qualquer alteração factual relativa a qualquer dos arguidos.

Igualmente não merece reparo a condenação da arguida como reincidente. Os requisitos formais e materiais exigidos pelo artigo 75º do CP mostram-se preenchidos, como é dito no acórdão recorrido, razão pela qual não poderá proceder a pretensão da arguida de ser absolvida do imputado crime. (Diga-se, aliás - referência que se faz apenas pela menção à suspensão da pena que, certamente por lapso, como já se disse, deixou expressa no seu recurso - nem sequer seria equacionável uma pena menor, dada a manifesta brandura da que lhe foi imposta).

Pede o arguido AA que a pena seja suspensa - pedido que pressupõe a reavaliação da dimensão da pena a que foi condenado, uma vez que não poderia ser fixada em medida superior a 5 anos (artigo 50º, nº 1 do Código Penal) – pelo entendimento de que a aplicação da pena privativa de liberdade representa "uma preterição absoluta da expetativa de ressocialização do arguido colidindo totalmente com as exigências de prevenção geral e especial".

A determinação da pena concreta é a operação que vai, em caso de condenação, resumir o julgamento a que um arguido foi submetido. Por isso se exige que reflita o que, terminado o julgamento, com a pena se pretende. E dirige-se tanto ao arguido como à sociedade, porque ao administrar a justiça em nome do povo, os tribunais devem ser fomentadores e garantes de paz social.

Preceitua o art. 40º do Código Penal que, com a aplicação das penas, se visa proteger bens jurídicos, o que se faz, quer intimidando, isto é, provocando o afastamento das pessoas da prática de crimes ( prevenção geral negativa ou de intimidação), quer transmitindo à comunidade um sentimento de confiança nas normas vigentes ( prevenção geral positiva ou de integração) e a reintegração do arguido na sociedade (objetivo que traduz não só o primeiro princípio inerente ao nosso sistema sancionatório, que é o princípio da humanidade – com reflexo constitucional na rejeição de penas de natureza perpétua ou de morte ( art. 24º e 30 da CRP ) – mas também os princípios da necessidade, da proporcionalidade e da subsidiariedade a projetar o entendimento de que as sanções privativas de liberdade constituem a ultima ratio da política criminal).

Na fixação da pena deverão ficar projetadas todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (artigo 71, nº 2 do Código Penal) explicitando a lei nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 71º os fatores a considerar sendo que os das alínea a), b) c) e e) parte final, respeitam à execução de facto, os das alíneas d) e f) à personalidade do agente e os da alínea e) são relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto.

As referidas circunstâncias foram valoradas pelo tribunal de primeira instância (em conjunto para ambos os arguidos) do seguinte modo:
- o grau de ilicitude dos factos (que tem que ver com o número e o grau de violação dos interesses ofendidos) importando aqui realçar a concreta atuação dos arguidos nos termos que ficaram demonstradas, bem como todas as circunstâncias que relevaram na prática dos factos: o período de quase 2 anos em que procederam a esta atividade ilícita, o número de consumidores, 7 dos quais com uma regularidade quase diária ou de 2 ou 3 vezes por semana.

- a eficácia do meio utilizado, a revelar que os arguidos já tinham um modo de atuação estruturado, a mudar frequentemente de veículos automóveis para não serem reconhecidos nas suas atuações e a trocar sistematicamente de telemóvel pelas mesmas razões;
- o dolo dos arguidos direto por terem atuado de modo consciente, determinados por uma inegável vontade de preenchimento dos tipos de ilícito em questão;
- as suas condições pessoais, atualmente em prisão preventiva;


- a fraca ressonância crítica e ausência de consciência crítica uma vez que os arguidos não confessaram, nem admitiram os factos que lhes são imputados, persistindo mesmo em apresentar uma versão completamente inverosímil, mesmo perante a evidência das provas;
- no que concerne às exigências de prevenção especial, é de relevar o número de antecedentes criminais, certo sendo que no caso de o arguido, por crimes de natureza diversa; no caso da arguida, por crimes da mesma natureza, pese embora e num curto espaço temporal, enquadrável no instituto da reincidência;
- no que respeita à prevenção geral, há que atender à criminalidade crescente associada a este tipo de crimes e os efeitos nefastos para a saúde publica em geral. Ponderando estes elementos, nomeadamente a conduta dos arguidos retratadas nos factos provados, o Tribunal entende justo e adequado aplicar as seguintes penas:

-- uma pena de 5 anos e 3 meses de prisão ao arguido;

-- uma pena de 6 anos e 8 meses de prisão já agravado pela reincidência à arguida.

Apesar de o recorrente AA ( o único que questiona a dimensão da pena, porque a recorrente BB defende tão só a sua absolvição, apesar da referência que faz ao art. 50º do CP, como já se disse) não dizer qual ou quais dos fatores acima referidos foram mal avaliados pelo tribunal a quo, defende que na fixação da medida da pena deveria ser tido em conta que os factos "demonstram uma situação esporádica na vida do arguido", que só aconteceu aos 30 anos de vida, que o arguido assumiu a culpa em todas as situações, mesmo naquelas em que não haveria prova, que é falso que não exerça atividade profissional já que para além de venda em feiras se dedica também à venda de automóveis, apesar da inexistência de descontos para a segurança social.

A leitura que o recorrente faz da sua própria vida não condiz com a factualidade provada: nem o arguido assumiu a culpa em todas as situações, mas apenas admitiu pontuais vendas, nem a prática delituosa apresenta caraterísticas de se tratar de atos isolados, dado ter-se prolongado por 2 anos, nem o número de consumidores e os atos de venda eram insignificantes, nem se percebe que os antecedentes criminais tenham levado o arguido a refletir sobre a necessidade de se afastar definitivamente de condutas delituosas, tanto mais quanto já lhe foram impostas penas de diferente natureza e nenhuma delas o afastou da adoção de práticas ilícitas. Quanto ao desenvolvimento de atividade lícita de venda de automóveis, a ser verdade, deveria ter constituído - e não constituiu - um fator decisivo para a rejeição pelo arguido da prática delituosa.

Acresce que as razões de prevenção geral são prementes e que a forma como a sociedade olha para o tráfico de droga – tão grande é tragédia que se abate sobre os consumidores e suas famílias e sobre a sociedade, pelo incremento de crimes conexos, pelas questões de saúde individual e pública que lhe estão associadas e pela corrosão do tecido social – não permite sequer equacionar uma pena inferior à que foi imposta.

De facto, numa moldura penal que oscila entre 4 e 12 anos de prisão, a determinação da pena concreta a aplicar a um arguido a quem já foram dadas várias oportunidades de se afastar de sendas criminosas, que tem, como diz, capacidade de trabalho, mas que a usa para fins ilícitos, que já viu a companheira ser condenada e cumprir pena por idêntico crime, e que mesmo assim pratica ao longo de dois anos, com ela, um crime com consequências sociais tão funestas, não é possível – nem a sociedade compreenderia - equacionar uma pena de menor dimensão, donde resulta a impossibilidade legal da sua suspensão.

Mas mesmo que fosse possível aplicar uma pena de menor dimensão - e dizemo-lo apenas porque o recorrente incide o seu recurso na possibilidade de suspensão da pena e não na sua dimensão – nunca a pena poderia ser suspensa, na medida em que a personalidade demonstrada (v.g. na indiferença pelas advertências que as anteriores condenações deveriam ter constituído), as condições de vida apuradas (baseadas sobretudo na atividade ilícita ), as circunstâncias da prática do crime ( pelo tempo em que durou a prática delituosa) e a sua conduta anterior e posterior (já em reclusão o comportamento foi alvo de reparos) não permitiriam afirmar que a simples censura do facto e a ameaça da prisão bastariam para realizar adequada e suficientemente as finalidades da punição, pressupostos sem os quais sempre estaria vedado ao tribunal o poder / dever de suspender a pena ( art. 50º do Código Penal).

            III.

            DECISÃO.

            Em face do exposto, acordam os juízes desembargadores na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente os recursos interpostos pelos arguidos BB e AA e, consequentemente, confirmam o acórdão proferido em 1ª Instância.

         

          Custas pelos arguidos, fixando-se a taxa de justiça individual em 4 Uc.

          Notifique.

          Coimbra, 27 de setembro de 2023

          Maria Teresa Coimbra

          Vasques Osório

          Maria José Guerra