Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
65/00.5PBLRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALCINA DA COSTA RIBEIRO
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
PENHORA
CITAÇÃO COM HORA CERTA
CONHECIMENTO DO TEOR
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
INVALIDADE
Data do Acordão: 12/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA (3.º JUÍZO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 233.º, N.º 4, 240.º E 712.º, N.º 4, DO CPC
Sumário: I - A citação com hora certa, prevista no artigo 240.º do CPC, só pode realizar-se quando o funcionário/solicitador de execução se certificar que o citando reside ou trabalha no local indicado, não constituindo, assim, meio idóneo para suprir uma ausência prolongada ou em parte incerta do citando.

II - Daí que seja essencial saber se, na data da fixação da nota de marcação da citação, o citando reside no local indicado e se o funcionário/agente de execução se certificou dessa circunstância, o que só será possível depois de produzida a prova respectiva.

III - Acresce que, mesmo que se venha a apurar que foram observados os pressupostos de admissibilidade da citação com hora certa, ainda assim, é necessário apreciar, se invocada, a questão traduzida em saber se o citando, em momento oportuno, tomou conhecimento do teor da citação.

IV - É deficiente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 712.º, n.º 4, do CPC, o despacho judicial que, pronunciando-se sobre a nulidade de citação arguida pelo visado - no requerimento respectivo é invocado o desconhecimento desse acto (na pessoa de terceiro) -, omite a apreciação dos factos invocados, tendentes ao afastamento da presunção decorrente do artigo 233.º, n.º 4, do referido diploma.

Decisão Texto Integral: Acordam, os Juízes que compõem a 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO
1 – A... , com fundamento na sentença condenatória proferida no processo crime que compõem os autos principais, instaura, em 7 de Janeiro de 2004, a presente acção executiva contra B... , com vista à obtenção do pagamento coercivo da quantia de 1369,90€, acrescido de juros vencidos e vincendos.
 2 – Designada como Agente de Execução, a Ex.ma Sra. C..., veio esta aceitar o desempenho, em 14 de Janeiro de 2004.
3 – Realizadas duas penhoras, considerou-se citada a cônjuge do executado, D... , na Estrada da Maceira – CC – 100, 880, Azóia – Leiria, nos termos de fls. 112 a 114, assinado em 12 de Abril de 2007, por F..., para efeitos do disposto no art. 240º do Código de Processo Civil. 
4 – O executado foi notificado, através de registo postal enviado em 11.12.2008, que «a execução se encontrava extinta pelo pagamento» (fls. 134).
5 - Em 1 de Fevereiro de 2012 foi proferido despacho a ordenar a notificação do credor reclamante de Créditos, E..., para informar os autos se pretende o prosseguimento da execução com eventual venda do imóvel através de propostas por carta fechada (fls. 232).
6 – Requerido o prosseguimento da execução com a venda do imóvel penhorado, foi designado dia para abertura de propostas (fls. 238).
7 – D..., tendo tido conhecimento da anunciada venda do imóvel através de propostas por carta fechada, vem arguir a nulidade da citação mencionada em 3, pretensão que é indeferida pelo despacho de fls. 275 que, melhor adiante apreciaremos.
8 – Inconformada, interpõe a Requerente, o presente Agravo, formulando as conclusões que a seguir se sintetizam:
9.1A Requerente é residente na África do Sul, continuamente e até ao presente, desde Março de 2004, como se alcança do competente passaporte, com visto de entrada, datado de 20 de Março de 2004. 
9.2A Requerente tomou conhecimento em 23 de Agosto de 2012, mediante a consulta do processo em apreço, que solicitou a terceiros, de que foi citada nos termos de fls. 108 e seguintes.
9.3A citação foi efectuada ao abrigo do disposto no art. 240º do CPC – citação com hora certa, sem se ter apurado que a citanda residia ou trabalhava efectivamente no local indicado.
9.4Nunca a citanda, nem qualquer seu outro familiar, alguma vez residiu na Estrada da Maceira CC 100, nº 880, Azóia, mas sim em Marrazes, antes de emigrar para a África do Sul.
9.5A pessoa que assinou a citação não é nem nunca foi familiar da Requerente, como a morada que consta na certidão de citação corresponde à morada de F... e não da Requerente.
9.6A citanda tinha de ser avisada, claramente, para os termos do art. 864º A do CPC (Estatuto processual do cônjuge do executado) e não o foi.
9.7A Requerente nunca chegou a ter conhecimento do acto – citação – por facto que não lhe pode ser imputável.
9.8 – A recorrente indicou como prova de não ter conhecimento da referida citação F....
9.9 – A questão dos autos reconduz-se a uma execução cujo valor é de 1 406,13€ (já paga), com reclamação de terceiro (a quem o executado e a recorrente nada devem), no valor de € 78 000€, para ser paga pelo produto da venda da sua casa sita em Marrazes.
9.10 – Não foi permitido à recorrente defender os seus legítimos interesses, por manifesta violação de formalidades legais, designadamente, do princípio do contraditório.
9.11 – Deveria, pois, ser dado provimento à arguição da nulidade da citação.
10 – A Recorrida respondeu ao recurso, impugnando a matéria de facto, alegada pela Recorrente, e pugnando pela improcedência do recurso.
11 - Admitido o recurso na forma e com o efeito devidos, subiram os autos a esta Relação onde, depois de colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – MATÉRIA A DECIDIR

A questão fulcral a decidir nestes autos consiste em saber se a citação da Recorrente, nos termos em que foi realizada, obedece às formalidades legais, ou, se pelo contrário, enferma de nulidade, não sem que antes se apreciem matérias de conhecimento oficioso que possam prejudicar a apreciação daquela, como são os Vícios da decisão Recorrida, a saber: a) Inobservância do dever de especificar os factos e b) Deficiência/insuficiência da matéria.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O despacho recorrido não especifica os factos provados, fazendo, neste particular, uma remissão em bloco, para o que consta dos autos[1].
Ora, depois de compulsados os autos, destacaremos os actos processuais[2] que interessam à decisão do thema decidendum:
1. D... é casada com o executado, (assento de casamento de fls. 264, não impugnado por nenhuma das partes).
2. No requerimento executivo, consta como residência do executado: Quinta da Alçada, lote 9 – R/C A – Marrazes, Leiria (fls. 13);
3. Na nota de Registo da Conservatória do Registo Automóvel de fls. 37 e na certidão de fls. 39, que corresponde à penhora do veículo registado em nome da Requerente, consta que esta reside no lote 9 – R/C A, da Quinta da Alçada – Marrazes, Leiria.
4. A morada referida em 3, foi considerada pela Sra. Agente de Execução para proceder à citação de D..., como titular do veículo penhorado, nos termos e para efeitos do disposto no art. 119º do Código de Registo Predial (fls. 47 e 48, 52, 53, 54 e 55).
5. Em 9 de Janeiro de 2006, a Sra. Agente de Execução requer a citação edital da cônjuge do executado como segue: «Para os devidos efeitos que a notificação do 119º por via postal de D... (…) tendo sido frustrada, foi elaborada a notificação pessoal a qual foi negativa pelo facto de nos ter sido comunicado pelos vizinhos que a mesma já não reside no local há alguns anos e desconhecem a morada actual» (fls. 56).
7. Nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social e na DGSI, a morada da Requerente corresponde à Quinta da Alçada, lote 9 – R/C A – Marrazes, Leiria (fls. 58 a 63).
8. Com base nesta informação, é proferido despacho datado de 31.1.2006 fls.63, que ordenada a citação edital da Requerente, conforme requerido em 5.
9. São afixados os editais e publicados os anúncios, onde se indica como morada da Agravante, o mesmo lote 9 – R/C A, da Quinta da Alçada – Marrazes, Leiria, (fls. 77 e 79).
10. Na descrição do imóvel penhorado de fls. 87, consta, de novo, como morada da Requerente, a dita Quinta da Alçada, lote 9 – R/C, A em Marrazes.
11. A Sra. Agente de Execução junta ao processo, em 16 de Março de 2007, as citações do executado e dos credores (fls. 88 a 101).
12. A notificação do executado foi enviada para a Estrada da Maceira, CC 100, nº 880 – Azóia, tendo sido recebida por G... (fls. 90).
m) A citação enviada a D... para a morada referida em l) foi devolvida com a menção “não atendeu” e “ não reclamado” (fls. 108, 109 e 110).
13. Em 11 de Abril de 2007, a Sra. Agente de Execução, comunicou ao tribunal que a citação ao cônjuge do executado não se encontrava elaborada (fls. 107).
14. Em 10 de Abril de 2007, pelas 10H00, foi lavrado por H..., a certidão de nota de marcação de citação com dia e hora certa, com o seguinte teor:
«Nos termos do art. 240º, do Código de Processo Civil, por não ter sido possível encontrar, hoje, dia 10/04/2007, pelas 10 horas, quem abrisse a porta da Requerida, sito em Estrada da Maceira, CC 100, nº 880 – Azóia – Leiria, fica avisado que a nota de marcação de citação com dia e hora certa ficou afixada na porta da residência da Requerida» (fls. 112).
15. Em 12 de Abril de 2007, a Sra. Agente de execução lavra a nota de citação que consta a fls. 113, nos seguintes termos:
«(…)
A citação foi feita na pessoa de F... que declarou estar em condições de receber a citação e que ficou consciente de que, nos termos do nº 4 do artigo 240º, do C.P.C., constitui crime de desobediência a conduta de quem, tendo recebido a citação, não entregue logo que possível ao citando os elementos deixados, do que será previamente advertido; tendo a notificação sido efectuada em pessoa que não viva em economia comum com o citando, cessa a responsabilidade se entregar tais elementos a pessoa da casa, que deve transmiti-los ao citando.
(…)»
16. A fls. 114, consta uma cópia da nota de citação, dirigida à Agravante, com a morada manuscrita e data rasurada, onde se lê, entre outros:
« Fica V. Exa. citado para os termos do processo executivo supra identificado, que lhe foi movido pelo(s) Exequente(s) acima referenciado(s), com o pedido constante do duplicado do requerimento executivo em anexo, bem assim da penhora constante do auto, pelo que, tem o prazo de VINTE  DIAS para:
a) Nos termos do nº 1 e 2do art. 813º e alínea a) do nº 3 do art. 864º, ambos do Código de Processo Civil (C.P.C.) pagar ou para se opor à execução e, no mesmo prazo, à penhora;
b) Indicar os direitos, ónus e encargos não registáveis que recaiam sobre o(s) mesmo (s) bem(s) penhorado(s), bem como os respectivos titulares, podendo requerer a substituição dos bens penhorados ou a substituição de penhora por caução, nas condições e nos termos da aliena a) do nº 3 e do nº 5 do artigo 834º do C.P.C, sob pena de condenação como litigante de má fé, nos termos gerais.
c) Nos termos do nº 1 do artigo 825º do CPC, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência da acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre bens comuns;
d) Declarar, nos termos do nº 2 do artigo 825º do CPC, se aceita a comunicabilidade da divida, baseada no fundamento alegado, com a cominação de, se nada disser, a divida ser considerada comum, para os efeitos da execução e sem prejuízo da oposição que contra ela deduza.
Poderá efectuar o pagamento da quantia exequenda ( 1687,30 euro) acrescida das despesas previsíveis da execução (nº 3 do artigo 821º do CPC) e dos juros. Os honorários e despesas devidos ao Solicitador de Execução ascendem no momento a 268,84 Euros sem prejuízo de posterior revisão.
(…)
Caso não se oponha à execução consideram-se os factos constantes do requerimento executivo, seguindo-se os ulteriores termos do processo, sem prejuízo das cominações constantes do objecto e fundamento da citação».
17. Em 7 de Dezembro de 2007, a Sra. Solicitadora de Execução informa que a quantia exequenda se encontra totalmente liquidada.
18. Após a remessa dos autos à conta, foi o executado notificado de que a execução se encontrava extinta pelo pagamento (fls. 134).
19. Em 14 de Julho de 2008, o executado informa, através do escrito de fls. 130, que reside em P.O.Box 11021 – Die Hoewes 0163 – África do Sul, e pedir que a correspondência que lhe deva ser dirigida, seja enviada ao Sr. F..., Estrada da Maceira, nº 880 – Azóia – Leiria, dado que «este senhor sendo meu amigo, faz o favor de me representar e comunicar todos os assuntos a mim referentes».
20. Em 22 de Janeiro de 2010, o executado junta ao processo, o requerimento de fls. 143, onde consta a sua morada da África do Sul.
21. (…) bem como um missiva dirigida a F..., em que lhe pede, mais uma vez, o favor de levar tudo ao tribunal.
22. Em 23 de Maio de 2012, o executado constitui mandatário, através da procuração de fls. 243 e cópia da procuração de fls. 241.
23.  A cópia da procuração de fls. 241,  foi subscrita, em 13 de Janeiro de 2011, na Chancelaria da Secção Consular da Embaixada de Portugal em Pretória, pelo executado e pela esposa, a aqui Agravante, e aí  declaram que são casados e residentes em 31 Henlo Park, 7 Wren Avenue, Die Hoewes, Centurion 0163, África do Sul  e constituem seu bastante procurador, F..., a quem conferem, entre outros, os mais amplos poderes  forenses gerais em direito permitidos e os especiais para, em qualquer litigio, confessar ou transigir sobre o objecto do processo, desistir do pedido ou da instância, os quais deverão ser substabelecidos obrigatoriamente em advogado ou pessoa habilitada.
 24. D..., em 17 de Julho de 2012, subscreve a procuração, cuja cópia se encontra a fls. 263, onde declara que reside em P.O. BOX 110121 DIE HOESMES, 0163, África do Sul, e quando, em Portugal, na Estrada da Maceira, nº 880, 2400 – Azóia.
25. A Recorrente nasceu em 27 de Julho de 1935 (fls. 264 e 265).
26. Em 27 de Março de 2007, a E..., reclama créditos no  valor de 78 000€, nos termos que constam a fls. 2 19 a do apenso B).
27.  Em 3 de Abril de 2007, o executado é notificado para impugnar, querendo, os créditos reclamados, para a Quinta da Alçada, em Marrazes (fls. 22 do Apenso B), carta essa que veio devolvida com a menção “não atendeu”.
28.  Em 21 de Dezembro de 2010, é proferida  a sentença de reconhecimento e graduação do crédito da Reclamante, que foi notificada ao Ministério Público, à Exequente,  à Reclamante e ao executado (fls. 112 a 115 do Apenso B).
  

IV – Vícios da decisão recorrida e suas consequências.

1 -  A omissão de especificação dos factos provados

D..., cônjuge do executado veio arguir a nulidade da sua citação feita na pessoa de F..., alegando que:
 - Reside na África do Sul, continuamente e até ao presente, desde Março de 2004.
- Tomou conhecimento, em 23 de Agosto de 2012, através de consulta ao processo, de foi citada nos termos de fls. 108 e seguintes.
- A Requerente nunca residiu no local onde foi afixada a nota de marcação da citação, local esse que corresponde à morada de F....
- F... não é familiar da Requerente, nem nunca com ela residiu.
- Nunca a Requerente tomou conhecimento do teor da referida citação, nem do seu alcance, nem assinou qualquer documento, nem autorizou, nem delegou em alguém o poder de assinar em seu nome, e, em sua representação.
- Por outro lado, segundo o conteúdo da citação assinada por F..., a requerente foi citada como executada, nos termos e para os efeitos dos art. 813º, nº 1 e 2 e al. a) do art. 864º, nº 3, e não como cônjuge do executado, como deveria ter sido.
Para o efeito, arrola como testemunha, F....
Por seu turno, a E... deduziu oposição, defendendo que, dos documentos juntos aos autos, se pode concluir que, contrariamente, ao que alega, tem morada no local onde foi citada. 
Também a Senhora Agente de Execução, pronunciando-se sobre esta matéria, além de sufragar o entendimento da E..., entende que, como se pode verificar pelos documentos juntos aos autos, foram efectuadas pesquisas, tendo-se apurado que a Requerente residia na Estrada da Maceira, CC 100 – nº 880, Azóia.
 Esta questão foi decidida da seguinte forma:
«Compulsados os autos, constata-se que a agente de execução procedeu à penhora em 28.02.2007 do imóvel objecto da venda, tendo em 10 de Abril de 2007, sido realizada a citação com dia e hora certa conforme preceitua o disposto no art. 240º do Código de Processo Civil, com afixação na residência da citanda da nota de marcação da citação.
Na data e local designados a agente de execução efectuou a citação de D...na pessoa de F..., tendo este declarado estar em condições de receber a citação, revelando capacidade para transmitir o ato e ficou consciente de que nos termos do nº 4 do art. 240 do CPC constitui crime de desobediência a conduta de quem, tendo recebido a citação, não a entregando logo que possível ao citando.
Conforme decorre da citação junta a fls. 108 dos autos D..., foi citada na qualidade de cônjuge e não de executada conforme alega, sob o art. 14º do seu requerimento.
Pelo exposto e sem necessidade de mais amplas considerações, indefere-se a requerida declaração de nulidade da citação».  
A primeira observação que, daqui ressalta é a manifesta omissão de menção dos factos provados, o que, como se sabe, constitui um dos elementos da fundamentação de facto.
Esta omissão constituiu violação do dever de fundamentação das decisões judiciais que se encontra constitucionalmente consagrado, no artigo 205.º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa e, no que concerne às decisões proferidas em processo civil, entre outras, as previstas nos art. 156º, 158º e 659º, nº 2, do Código de Processo Civil[3].
O art. 158º, impõe, nos seus nºs 1 e 2, que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo serão sempre fundamentadas, não podendo a justificação consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.
A fundamentação consiste no conjunto nas razões de facto e/ou de direito em que assenta a decisão; os motivos pelos quais se decide de determinada forma.
A exigência de motivação das decisões judiciais, já ensinava José Alberto dos Reis, «é perfeitamente compreensível. Importa que a parte vencida conheça as razões por que o foi, para que possa atacá-las no recurso que interpuser. Mesmo no caso de não se admissível recurso da decisão, o tribunal tem de justificá-la, pela razão simples de que uma decisão, sob o ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos. Claro que a força obrigatória da sentença ou despacho está na decisão; mas mal vai à força quando não apoia na justiça e os fundamentos destinam-se precisamente a convencer de que a decisão é conforme à justiça.
A função própria do juiz é interpretar a lei e aplicá-la aos factos da causa; por isso, deixa de cumprir o dever funcional o juiz que se limita a decidir, sem dizer como interpretou e aplicou a lei ao caso concreto. A decisão é um resultado, é a conclusão de um raciocínio; não se compreende que se enuncie unicamente o resultado ou a conclusão, omitindo-se as premissas de que ela emerge»[4].
Em suma, a fundamentação das decisões judiciais[5] (que podem assumir a forma de sentença ou despacho[6]), é hoje, uma exigência legal que, a não ser observada, vicia o acto com a nulidade[7] da decisão, tal como vem expressamente previsto no art. 668º.
Trata-se de uma nulidade que, não se confunde com as nulidades processuais a que aduz o art. 201º dado que o facto gerador do vício - omissão da fundamentação de facto – respeita ao próprio conteúdo do acto[8].
No caso sub judice, a Senhora Juiz a quo, com base no que consta dos autos assentou a decisão final, no seguinte:
- que a agente de execução afixou na residência da citanda (7ª Linha), a nota de marcação da citação;
- que na data e local designados», entenda-se residência da citanda,  agente de execução efectuou a citação de D...na pessoa de F...;
- Tendo este declarado estar em condições de receber a citação, revelando capacidade para transmitir o acto e ficou consciente de que nos termos do nº 4 do art. 240º do CPC constitui um crime de desobediência a conduta de quem, tendo recebido a citação, não a entregando logo que possível ao citando..
- que a Agravante foi, como decorre da citação junta a fls. 108 dos autos (…) foi citada na qualidade de cônjuge e não de executada conforme alega sob o art. 14º do seu requerimento.
Ou seja, depois de compulsados os autos, constatou o tribunal recorrido que a cônjuge do executado residia no lugar onde foi afixada a nota de marcação da citação, e aonde, dois dias depois, veio a ser citada na pessoa de F..., como constatou que a citando recebeu a citação.
A fundamentação de facto reconduz-se, ao fim e ao cabo, à conclusão de que a Agravante residia na morada onde F... assinou a citação, com base nos que consta dos autos, o que, a nosso ver, representa falta de especificação dos fundamentos de facto, constituindo uma verdadeira causa da nulidade do despacho, nos termos da al. b) do nº 1 do art. 668º [9], já citado.

2 – Insuficiência/deficiência da matéria de facto
Mais do que omitir a especificação dos factos em que baseou a sua decisão, o tribunal recorrido omitiu, manifestamente, a apreciação dos factos alegados pela Requerente e bem assim a admissibilidade ou não dos meios de prova indicados.
Esta omissão só será, neste momento, relevante, se os factos invocados e os meios de prova requeridos revestirem interesse para a decisão.
  Alicerçando a Requerente, a sua pretensão, em factos materiais e concretos que ocorreram, à data em que F... assinou a citação, quais sejam:
- A sua residência na África do Sul;
- Corresponder o local onde se desenrolaram as formalidades da sua citação com hora certa à morada de F... e não à sua;
- Não ter recebido a citação nem o seu conteúdo e;
- Não ter dado poderes a F... para, em seu nome, assinar aquela citação;
E,
Estando em causa, apreciação dos pressupostos da validade da citação (art. 240º) ou da presunção do conhecimento por parte do citando a que alude o art. 233º, nº 4, é evidente que os factos trazidos a juízo pela Recorrente são relevantes para a decisão a proferir.
Porém, como resulta claramente da decisão impugnada, a Senhora Juiz a quo  não o fez, tendo-se limitado, como acima se disse, a concluir, com base no constante dos autos, que a residência da cônjuge do executado se situava no lugar onde foi afixada a nota de marcação da citação e aonde foi assinada a citação; e, a presumir o conhecimento do teor da citação por parte da Agravante[10].
Porém, salvo o devido respeito e melhor opinião, os factos constantes do processo e que se traduzem nas ocorrências processuais discriminadas em III, não demonstram, nem fazem presumir, que a Agravante resida na Estrada da Maceira – CC 100, nº 880 – Azóia -823 – Leiria, local onde foi afixada a nota de citação e aonde esta foi realizada.
O que as ocorrências processuais demonstram é que, a única morada que se conhecia da esposa do executado, desde o inicio do processo até ao momento em que foi realizada a citação com hora certa de fls. 112 a 114 (e não fls. 108, como se faz referência no despacho em crise – esta foi anexa à comunicação de citação negativa de fls. 107), situava-se na Quinta da Alçada, lote 9 – R/C A – Marrazes, Leiria.
Na verdade, é esta morada, a única morada que figura:
- A fls. 13 (requerimento executivo);
- Na nota de Registo da Conservatória do Registo Automóvel de fls. 37 e na certidão de fls. 39;
- Nas diligências efectuadas para a citação de D..., como titular do veículo penhorado, nos termos e para efeitos do disposto no art. 119º do Código de Registo Predial (fls. 47 e 48, 52, 53, 54 e 55).
- No print retirado da Base de Dados dos Serviços de Identificação Civil, da Segurança Social e da DGSI - fls. 58 a 63.
-  No edital de fls. 77 e 79;
- Na descrição do imóvel penhorado, a fls. 87.
Por outro lado, não se encontra documentado nos autos, como é que, depois de se ter reconhecido o desconhecimento da morada da Recorrente, ao ponto de ter sido citada editalmente, nos termos e para os efeitos, do disposto no art. 119º do Código de Registo Predial (fls. 56 e 63), apurou a Sra. Solicitadora de Execução, que a Agravante residia na Estrada da Maceira, CC 100, nº 880 – Azóia, local onde afixa a nota de marcação de citação com dia e hora certa (fls. 113 e 114).
Ou seja, os elementos constantes dos autos são insuficientes para que se conheça a pretensão da Recorrente: que na data em que foi citada não residia no local e que não teve conhecimento do teor da citação.
Com efeito;
Dispondo o art. 240º, nº 1, do Código de Processo Civil[11] que:
«No caso referido no número anterior, se o solicitador de execução ou o funcionário judicial apurar que o citando reside ou trabalha efectivamente no local indicado, não podendo, todavia, proceder à citação por não o encontrar, deixará nota com indicação da hora certa para a diligência na pessoa encontrada que estiver em melhores condições de a transmitir ao citando ou, quando tal for impossível, afixará o respectivo aviso no local mais indicado»;
Cremos que a citação com hora certa só poderá realizar-se quando o funcionário ou o solicitador de execução se certificar que o citando reside ou trabalha no local indicado, não sendo obviamente, como afirma Lopes do Rego[12], o meio idóneo para suprir uma ausência prolongada ou em parte incerta do citando.
Daí que seja essencial saber se, na data da fixação da nota de marcação da citação da Agravante, esta residia no local indicado e se a Sra. Agente de Execução se certificou dessa circunstância, o que, a nosso ver só será possível, depois de produzida a respectiva prova.
Acresce que, mesmo que se venha a apurar que foram observados os pressupostos de admissibilidade da citação com hora certa, ainda assim, é necessário apreciar a outra questão suscitada pela mulher do executado: saber se, em momento oportuno, tomou conhecimento do teor da citação.
O art. 233º, nº 4, estabelece que, em todos os casos em que a lei expressamente admite que a citação seja efectuada em pessoa diversa do citando, como acontece, entre outros, com os nºs 2 e 5 do art. 240º, a citação é considerada pessoal, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve conhecimento em momento oportuno.
Ora, a Agravante, ao alegar, que tem total desconhecimento da citação efectuada na pessoa de F..., está a invocar factos que, conforme se provem ou não, podem, respectivamente, afastar ou confirmar a presunção de conhecimento do teor da citação, configurando-se, assim, matéria fáctica relevante à decisão.
Torna-se, assim, absolutamente necessário e essencial, que os factos expostos pelas partes, maxime, os que fundamentam a arguição da nulidade de fls. 259 a 262, sejam julgados pelo tribunal, o que, como resulta da decisão que se aprecia, não aconteceu.
O despacho sindicado é, assim, deficiente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 712º, nº4 do Código de Processo Civil, onde se lê:
“ Se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do nº1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode a Relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na primeira instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta; a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão”. 
Conjugando as omissões da matéria de facto acima referidas com este preceito, impõe-se anular o despacho censurado e bem assim a produção de prova que se entenda por adequada, com a consequente prolação sobre a matéria de facto provada e não provada sem deficiências, proferindo-se, de seguida, nova decisão.
Desta feita, fica, por conseguinte, prejudicado o conhecimento das questões colocadas no recurso.

V - DECISÃO
Em conformidade com tudo o que se acabou de expor, decide-se:
a) Anular o despacho recorrido;
b) Determinar a produção de prova que se entenda por adequada, com a prolação de decisão sobre a matéria de facto provada e não provada sem deficiências, proferindo-se, de seguida, nova decisão.
c) As custas do recurso serão suportadas pela parte vencida a final.
           
Coimbra, 10 de Dezembro de 2013

Alcina da Costa Ribeiro - Relatora
Cacilda Sena

[1] Este é o sentido que se retira da expressão “compulsados os autos” que consta do despacho.
[2] Os factos em que supostamente foi fundada a decisão sindicada.
[3] Diploma a que, de ora em diante, nos referiremos, sem menção do contrário, na versão dada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março, em vigor desde 15 de Setembro de 2003, que apenas se aplica aos processos instaurados a partir daquela data, dado que a acção executiva deu entrada em  Juízo, em  7 de Janeiro de 2004 – cf. fls. 2.

[4] Comentário ao Código de Processo Civil, volume 2º, 1945, páginas 172 e 173.
[5] O art. 666º, nº 3, manda aplicar, até aonde seja possível, aos despachos, as normas que regulam a elaboração da sentença, de entre as quais se destaca, o art. 668º que enumera taxativamente as causas de nulidade de sentença.
[6] Cf.r art. 156º, nºs 1 e 2.
[7]  Vem sendo, unanimemente, entendido que apenas a falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito constitui a nulidade prevista na al. b) do nº.1 do dito art. 668.º - cf. Alberto dos Reis in Código de Processo Civil Anotado, volume V. pág. 140, Castro Mendes, Direito Processual Civil, volume II, pág. 806 e, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 15.3.74, in Boletim do Ministério da Justiça (BMJ) 235-152; de 8.4.75, in BMJ 246-131; de 24.5.83, in BMJ 327-663 e de 4.11.93, na Colectânea de Jurisprudência STJ (CJ), ano I, tomo 3, página 10.


[8] Sobre a diferença entre as nulidades do despacho e as nulidades processuais, cf.., entre outros,  Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 1999, página 350.
[9] A este propósito, ver autor e obra citada na nota anterior, 2º volume, página 669 a doutrina e jurisprudência que aí se menciona.  
[10] Só assim se compreendendo a alusão às declarações que F... prestou à Sra. Solicitadora de Execução.
[11] Tendo a acção executiva dado entrada em 7 de Janeiro de 2004 – cf. fls. 2 – referimo-nos à versão dada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março, em vigor desde 15 de Setembro de 2003, que apenas se aplica aos processos instaurados a partir daquela data.
[12] Comentários do Código de Processo Civil, 1999, página 184