Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
653/10.1TBPMS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: SOCIEDADE POR QUOTAS
REPRESENTAÇÃO EM JUÍZO
IRREGULARIDADE
Data do Acordão: 10/14/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE PORTO DE MÓS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 25.º, N.º 1, DO NCPC
Sumário: 1. Impondo o pacto social que a administração da sociedade por quotas e a sua representação em juízo e fora dele, activa e passivamente, seja exercida, em conjunto, pelos dois gerentes, é obrigatória a assinatura de ambos os gerentes para obrigar a sociedade em termos de representação da mesma em juízo.

2.Verifica-se um vício de representação da sociedade em juízo quando a procuração outorgada para os termos da acção foi emitida apenas por um dos gerentes.

3. Nas acções entre a sociedade e o seu representante, cumpre proceder à nomeação de curador ad litem para representar a pessoa colectiva, dada a impossibilidade ou incompatibilidade em o representante assumir as suas funções de representação.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

A... , intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra “B..., L.da”, já ambos identificados nos autos, formulando os seguintes pedidos:

A. Ser declarada, nos termos do disposto no artigo 372.º do CC, a falsidade do instrumento de acta de reunião da assembleia geral de sócios, da ré, lavrada em 31 de Março de 2010, em instrumento notarial pela Notária C... do Cartório Notarial da Batalha e com referência ao respectivo ponto da ordem de trabalhos constante da convocatória datada de 12 de Março de 2010;

B. Ser, em consequência, declarado o mesmo documento destituído de qualquer força probatória da vontade social da sociedade, ora ré, no que se refere à matéria que consta da acta da dita assembleia geral;

C. Ou, se assim não se entender, ser declarada nula, nos termos do artigo 56.º, n.º 1, al.s a) e d), 2.ª parte, a deliberação ali tomada, por violação do disposto no artigo 63.º, al.s f) e g) e 222.º, todos do CSC;

D. Ser a mesma deliberação declarada ainda nula, nos termos dos artigos 56.º, n.º 1, c), por violação do disposto nos artigos 222.º, 260.º, n.º 1 e 261.º, todos do CSC e ainda artigo 4.º do Contrato da ré;

E. Ser anulada, nos termos do artigo 58.º, al. a), a referida deliberação, por violação do disposto no artigo 385.º, n.º 1, ex vi 248.º, n.º 1, todos do CSC e;

F. Ser anulada, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, al. a), a mesma deliberação por violação do disposto no artigo 54.º, ambos do CSC.

Para tanto alega, em síntese, o seguinte:

- Que a gerente D... convocou uma Assembleia Geral para 14 de Dezembro de 2005, objecto de impugnação em acção pendente no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Porto de Mós (Processo n.º 127/06.5TBPMS);

- Que a referida gerente remeteu carta ao Autor a convocá-lo para Assembleia Geral para 31 de Março de 2010 com a seguinte ordem de trabalhos: 1- Deliberar sobre o mandato judicial e ratificação dos procedimentos judiciais pendentes que envolvem a sociedade e o sócio A..., bem assim a sociedade “E..., Lda.”;

- Que no dia 31 de Março de 2010 compareceram na sede da sociedade Ré a notária, o Autor e D... e o Autor apresentou um conjunto de considerações para que ficassem a constar como ponto prévio da ordem de trabalhos;

- Que o capital social correspondente à quota de €299,28 não esteve representado porque não esteve presente qualquer representante desta quota;

- Que os titulares da referida quota indivisa de €299,28 não foram convocados;

- Que o documento em que D... informa que a posição detida pelo marido e pai dos titulares será representada por esta apenas diz respeito à quota de €249.249,31 e a metade indivisa da quota de €299,28 e que nunca foi nomeada como representante da metade indivisa de que é titular o Autor;

- Que o facto de não existir representante comum da referida quota indivisa de €299,28 não foi expressamente constatado pela notária na acta da Assembleia Geral em causa, antes pelo contrário, declarou estar representado o capital social na sua totalidade e por isso esta acta é falsa porque não corresponde à realidade;

- Que na Assembleia de 31 de Março de 2010 não foi validamente deliberada a existência de impedimento de voto do Autor;

- Que o Autor, na qualidade de sócio votou contra e não consta da acta que esse voto tenha sido rejeitado;

- Que não foram devidamente escrutinados os votos emitidos na Assembleia Geral em apreciação, porque não consta se a deliberação foi rejeitada e, nesse caso, quais os votos correspondentes, dela não constando o resultado das votações, e existir desconformidade entre os titulares do capital social e os votos emitidos;

- Que a deliberação tomada é totalmente inexistente porque resulta de Assembleia Geral sem quórum constitutivo;

- Que a deliberação seria sempre nula por flagrante desconformidade entre a deliberação e o art. 4.º do Pacto Social porque a administração da sociedade e a sua representação em juízo e fora dele, activa e passivamente serão exercidas pelos dois sócios, não bastado por isso a assinatura de um deles para vincular a sociedade (cfr. art. 56.º, n.º 1, al. c), do CSC) porque se exige a representação em juízo pelos dois sócios;

- Que se constata a violação do princípio da unidade de voto consagrada no art. 385.º, do CSC;

- Que é feito constar como segunda vertente da deliberação a de “habilitar aquele advogado com procuração forense para representar a sociedade nos referidos processos ou outros que tenham por objecto conflitos com o referido imóvel”, o que é autónoma da matéria que se fez constar da convocatória”;

- Que foram inscritas pela notária afirmações e conclusões não conformes com a realidade.

Por sua vez, em sede de contestação, a Ré pede a improcedência da presente acção e consequente absolvição, bem como, a condenação do Autor em litigância de má-fé em multa e indemnização a favor da Ré em montante não inferior a €20.000,00.

Para tal efeito, a Ré admite a generalidade dos factos resultantes de documentos, bem como, impugna as conclusões jurídicas que o Autor retira de tais factos e apresenta a sua versão dos acontecimentos enquadrando-os em determinado contexto, alegando essencialmente o seguinte:

- Que estavam efectivamente presentes os sócios titulares da totalidade do capital social, porque este está dividido em três quotas sendo que uma delas pertence ao Autor, a outra à sócia D... em representação dos co-herdeiros do falecido I..., bem como, a terceira quota pertence metade ao Autor e a outra metade à sócia D... em representação dos co-herdeiros do falecido I...;

- Que resulta à evidência que não foi designado pelos co-titulares da participação um representante comum, nem tal seria possível atentas as posições antagónicas manifestadas, mas nada obsta a que se apresente mais do que um titular a exercer o direito de voto;

- Que a convocatória se dirigiu ao Autor como sócio, seja na dupla qualidade de titular como contitular das quotas em causa, cumprindo-se a lei, senão teria de cair no preciosismo de ter de se enviar ao mesmo sócio tantas convocatórias consoante cada participação social;

- Que a acta contém as posições nela manifestadas pelos sócios e não padecem de qualquer vício ou falsidade;

- Que não havendo acordo quanto ao sentido de voto dos contitulares, prevalece a opinião da maioria dos contitulares presentes, desde que representem pelo menos metade do valor da quota, o que é o caso;

- Que foi alcançada a maioria atento o conflito de interesses do Autor que o impede de votar;

- Que todos os titulares foram regularmente convocados e encontrava-se presente a totalidade do capital social;

- Que consta expressamente da acta a existência do conflito de interesses e que o Autor não pode intervir nessa deliberação, aliás, o contrário – admitir esse sócio a votar – é que seria ilegal por violar o art. 58.º, n.º 1, al. a) e b) do CSC;

- Que na Assembleia Geral em causa apenas estavam presentes dois sócios em representação da totalidade do capital social, o Autor votou contra a aprovação da deliberação, apesar do impedimento de voto e que D... votou positivamente a proposta de deliberação e essas posições constam expressamente na acta;

- Que o sentido da deliberação está expresso quando a sócia D... vota favoravelmente a proposta porque esta representa 50% da totalidade do capital social, a única não impedida de votar;

- Que poderá questionar-se se a invalidação do voto do Autor por imposição do art. 151.º, do CSC, deveria ter sido expressamente considerado pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral e por este feito exarar em acta, mas este, ora Autor, não o fez;

- Que não se contabilizam os votos de quem estava impedido de o fazer, não sendo necessária qualquer acção de impugnação da deliberação negativa;

- Que a assembleia geral de sócios pode deliberar sobre todos os assuntos que interessem à sociedade, mesmo de gestão que normalmente seriam da competência dos gerentes;

- Que a Assembleia Geral não se pronunciou nem deliberou sobre matéria que não estivesse contida na convocatória;

- Que estavam presentes os dois únicos sócios que representam a totalidade do capital social, o Autor compreendeu todo o alcance da convocatória em causa e a deliberação, não reproduzindo a ordem de trabalhos nem tendo que o fazer, contém-se nas fronteiras por aquela definidas;

- Que mesmo que o Autor tivesse algum direito nas suas pretensões, este actuou em claro e manifesto abuso de direito porque o seu propósito com a presente acção é evitar que a sociedade de que é sócio e gerente e contra a qual litiga, faça valer em juízo direitos que lhe assistem, de grande expressão patrimonial, cujo benefício o Autor pretende fazer reverter para si e para sociedades familiares que representa e tutela;

- Que o Autor actua com litigância de má-fé porque utiliza o presente processo para tentar impedir e desmobilizar a Ré e os outros sócios de prosseguirem interesses sociais importantes.

 

            Após a realização de audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, em que se decidiu pela tempestividade da contestação deduzida pela ré e pela regularidade da representação da sociedade demandada, através do mandato judicial conferido pela gerente D... e procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e controvertida, de que não houve reclamação.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, após o que foi proferida a sentença de fl.s 710 a 749, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e se julgou a acção improcedente, por não provada e, em consequência se absolveu a ré do pedido, bem como se decidiu inexistir má fé por banda de qualquer das partes, ficando as custas a cargo do autor.

            Inconformado com a mesma, interpôs recurso o autor A... recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 957), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1. Na sequencia da decisão proferida pelo presidente do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 30 de Maio de 2013, no apenso “A” de reclamação a que se refere o Artº 688 do CPC (redacção do Dec-Lei 329-A/95 e 180/96) o recurso do despacho de 3-7-2012 é admissível com o presente recurso da decisão final.

2. O despacho saneador proferido em 3-7-2012 é NULO porque constitui uma autentica decisão-surpresa com todos os males inerentes á violação do contraditório.

3. A violação do contraditório na decisão de 3-7-2013 traduz-se no facto de o Autor não poder reclamar da omissão da inclusão do artigo 4º do pacto social nos factos assentes, porque já foi decidida tal questão no despacho saneador o que constitui uma autêntica surpresa.

4. O objecto do recurso do despacho de 3-7-2012 recai sobre uma decisão que não pondo termo à instância decide, desde logo o vício suscitado nos artigos 80º a 90º da Petição inicial que se encontram vertidos no capítulo Terceiro alínea E) da Petição Inicial.

5. O despacho é nulo porque o Tribunal recorrido antecipa também o julgamento da causa, nomeadamente o vício da deliberação arguido no capítulo Terceiro alínea C) artigos 59º a 70º da Petição Inicial que afinal se reconduz à questão da procuração conforme se pode ler no artigo 70º da P.I

6. No caso de gerência plural, não pode um só gerente praticar actos que obriguem a sociedade.

7. Se a forma de obrigar a sociedade depende da assinatura de dois gerentes, ela não está bem representada em juízo através de procuração emitida por um único gerente.

8. O despacho deve ser revogado pois nada legitima o Tribunal “a quo” a recorrer à apreciação da matéria que se prende com o fundo da causa qual seja a existência de conflito entre o autor e a sociedade Ré.

9. O Tribunal não levou aos factos assentes a existência da referida clausula 4ª do pacto social por ter querido decidir definitivamente o mérito da causa, limitando-a aos vícios relacionados com a convocação e representatividade do capital

10. A sentença não tem fundamento porque o Artº 253 do Código das Sociedades Comerciais apenas prevê a falta definitiva de um gerente cuja intervenção é, nos termos do pacto social, indispensável para que a sociedade fique vinculada, e que essa necessidade de intervenção seja uma exigência contratual consagrada em cláusula do pacto social donde conste o nome do gerente.

11. Apenas nas situações em que a falta do gerente é definitiva e que a exigência de intervenção de um gerente seja nominal e conste de cláusula do pacto é que o Tribunal poderia ignorar a clausula 4ª do pacto social, nos termos do Artº 253 nº 3 (1ª parte) do Código das Sociedades Comerciais.

12.O despacho recorrido, decide sobre o mérito da causa (pois as deliberações impugnadas dizem respeito exactamente a constituição de mandatário e atropela as mais elementares disposições do Código das Sociedades Comerciais, ao atribuir poderes de representação, exclusivamente, a uma gerente que não é sócia e também não é titular, por si só, de qualquer quota na sociedade, nem representa qualquer parcela de capital social que lhe permita poder substituir-se ao ente colectivo e à vontade social deste.

13. A situação dos autos também não se integra no Artº 253 do Código das Sociedades Comerciais porque também não se verifica qualquer falta definitiva ou mesmo temporária do gerente, mas existe tão só uma situação prevista na Lei Processual para a representação das sociedades em que um sócio e gerente de uma sociedade requer a anulação de uma deliberação social de uma sociedade por quotas cuja gerência é constituída por dois gerentes sendo, um deles, o demandante da própria sociedade.

14. O Tribunal fazendo tábua rasa da situação de facto que lhe foi submetida para julgamento, omite o artigo 4º do pacto social nos factos assente e apenas se preocupou em encontrar uma “saída” para a irregularidade do mandato ainda que à custa da ofensa do direito constituído e de elementares princípios de regras de interpretação das leis.

15. O que importava decidir nesta fase do saneador dos autos era a irregularidade da representação em Juízo da sociedade Ré, mas como se demonstrou o despacho saneador equivale a uma antecipação de julgamento e a uma apreciação de matérias do pedido do Autor pelo que a questão deveria ter sido relegada para a decisão final como se veio a confirmar na sentença recorrida.

16. Nos termos do Artº 640 nº 1 e 2 do C.P. Civil, o A. recorrente pode impugnar a decisão relativa à matéria de facto referente aos factos assente nos pontos 14 e 16, com base na reapreciação do depoimento gravado, porque a afirmação na sentença de que as testemunhas não contribuíram para esclarecer as questões colocadas, porque não presenciaram directamente os factos questionados nem estiveram presentes na Assembleia Geral em causa nem assistiram a qualquer convocatória, não se aplica à quarta testemunha a Sra. Notária, Dra. C....

17. A matéria de facto dada como assente na sentença nos pontos 14 e 16 deve ser alterada com fundamento na transcrição do depoimento da 4ª testemunha a Sra. Notária Dra. C..., cujo depoimento se encontra gravado desde 12:29:19 a 12:57:48 durante 28m e 29 s e esta testemunha admitiu que não conferiu a convocatória.

18. O presente recurso com a reapreciação da matéria de facto assume extrema importância no âmbito dos presentes autos porque um dos argumentos da impugnação das deliberações foi exactamente a falsidade da acta, o qual acabou por ser indeferido na sentença impugnada exactamente porque o Tribunal a quo desprezou o testemunho da Sra. Notaria, 4ª testemunha, conforme se pode ler no ponto C. da sentença que versa sobre a motivação.

19. A prova nos presentes autos foi feita na sua maioria por documentos, mas também não é menos verdade que quando foi confrontada a testemunha Dra. C... com os documentos por si produzidos se verificou que não havia verificado as convocatórias e nem ao menos atentou na carta do A./recorrente também junta à acta de fls. 55 e seguintes (reproduzida em 17 dos factos assentes) onde o Autor alerta para a falta de convocatória nos termos legais e estatutários da quota de € 299,28 e para a falta de legitimidade da assembleia para deliberar sobre qualquer assunto.

20. Nos termos e para os efeitos do Artº 640 nº 1 al c) do CPC deverão ser eliminados os pontos 14 e 16 dos factos assentes na sentença e em consequência serem também revogados os pontos da sentença identificados como: 1.3.1 (se foi convocada a totalidade do capital social), 1.3.2. (se esteve presente a totalidade do capital social) e 1.3.4. (falsidade da acta) por falta de fundamento factual, porque o Tribunal omitiu apreciação do referido depoimento da 4ª testemunha e por se ter provado o contrario do decidido nos Artºs 20 e 21 dos factos assentes na sentença.

21. A mesma omissão gera nulidade e conduz à impugnação da matéria provada, não só por omissão da apreciação do referido depoimento mas também porque o Tribunal fixou o objecto da prova já nos novos termos adjectivos da Lei 41/2013 mas ignorou o teor da certidão permanente junta aos autos no dia antes do Julgamento com o código de acesso nº 5852-3052-3383.

22. Da referida certidão e dos factos provados em 17 F) dos factos assentes resulta ainda que a sociedade Ré, não procedeu ao depósito dos documentos de prestação de contas durante dois anos consecutivos, o que nos termos do Artº 143 alinea a) do C. Sociedades Comerciais configura causa de dissolução, sendo certo que o Tribunal está obrigado a decidir de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão nos termos do Artº 611 nº 1 do C.P.Civil mas ignorou a inactividade da Ré.

23. Pelo teor da certidão permanente junta no requerimento de 10-10-2013, pode constatar-se que a sociedade Ré após 2005, só teve mais duas assembleias gerais, uma em 31-3-2010 e outra e 28-11-2013, ou seja, duas assembleias gerais extraordinárias em 8 anos o que demonstra que a Ré não tem qualquer actividade e que o Tribunal omitiu esse facto.

24. A actuação subsequente da senhora Notaria e da Ré após a assembleia geral de 31-03-2010 (ver doc.superveniente), constata-se que a Ré já convocou o A. na qualidade de representante da metade indivisa da quota de 299,28 € para a Assembleia Geral de 28-11-2013 situação para a qual o A. alertou os autos logo que teve conhecimento por requerimento de 10-10-2013 e que o Tribunal ignorou.

25. Do depoimento da testemunha Sra. Dra., C... Notaria (de 12:29:19 a 12:59:37) que lavrou a acta e já transcrito em alegações resulta que os vícios das deliberações se confirmam na íntegra, o que é também confirmado pelo Documento superveniente junto como Doc. 1, onde consta uma tentativa da Ré, de suprir os vícios das anteriores deliberações, sendo até renovatória a deliberação tomada em 28-11-2013 quanto ao processo nº 1346/05.7TCSNT.

26. Impugna-se ainda a matéria de facto para que seja aditado aos factos provados o facto de se ter constatado que a sociedade não tem actualmente qualquer actividade, facto que o Tribunal tem o poder-dever de averiguar porque é determinante para a decisão do fundo da causa.

27. É fundamental que seja revogada a sentença na parte da matéria de facto da decisão impugnada, pois como se verá adiante no capitulo da sentença que tratou de analisar o alegado conflito de interesses, o Tribunal não tem elementos probatório para decidir que: ...conflito de interesses não é meramente potencial, mas antes, é um conflito concreto, actual e imediato.”

28. O Tribunal não tem elementos na matéria de facto que lhe permitam decidir que este alegado “conflito” é actual, não é possível haver conflitos com uma sociedade Ré, que não tem actividade e que está a ser instrumentalizada pela gerente D... para ser utilizada como arma de arremesso contra o Autor, pois a deliberação para exercício do direito de preferência na alegada compra de imóvel situado no Cacém, vai contra o objecto social da Ré que consta do artigo 3º dos factos provados.

29. Está provado em 21 que não esteve representada a totalidade do capital social porque o Autor nunca participou em qualquer deliberação com os demais contitulares da quota de que é contitular para ser representado no exercício dos direitos sociais que lhe competem, pelo que foi violado o principio das assembleias universais.

30. De resto mesmo que fosse entendido, sem conceder, que teria estado presente a totalidade do capital social (o que não de verifica pois nem sequer foi convocada a quota de € 299,28) sempre a deliberação estaria viciada porque os sócios não manifestaram a vontade em que a assembleia se constituísse e deliberasse sobre o referido assunto, ou seja, deliberar sobre a existência de conflito de interesses entre o A. Apelante e a R. Apelada.

31. A decisão sobre o alegado conflito de interesses viola também o principio da proibição das decisões-surpresa porque vem trazer aos autos uma discussão sobre uma deliberação supostamente dividida em alíneas que as partes não quiseram tomar e que por isso nem sabiam que estava em discussão, frustrando-se as expectativas do Autor vertidas nos articulados pois parte da sua argumentação de base assenta na convicção (pessoal) de foi ilegitimamente incluída na deliberação impugnada uma alínea b) encapotada porque não inscrita na ordem de trabalhos constante da convocatória, a qual também não foi objecto de deliberação prévia.

32. Verifica-se na acta de 31-03-2010 a OMISSÃO DO ESCRUTINIO com o resultado da votação teremos que concluir que o julgador terá aceite que os direitos sociais inerentes à quota com o valor nominal de € 299,28 foram repartidos entre votos contra e votos a favor ,mas existe uma ostensiva e grosseira violação disposto no Artº 385 do Código das Sociedades Comerciais e do principio da unidade do voto, aplicável às sociedades por quotas atento o prescrito no Artº 248 nº 1 do mesmo diploma legal.

33. A sentença omite a existência de uma norma do pacto social artigo 7º do pacto social da Ré que regulamenta o exercício de direitos das quotas em caso de falecimento dos titulares e impõe a nomeação de representante comum o que não foi feito pelas partes.

34. Donde, não merece acolhimento o alegado conflito de interesses entre o A. e a Ré., porque a E..., Lda. identificada em 19 dos factos assentes apesar do nome, não exerce qualquer actividade na industria e Comércio de Curtumes, pois tem como objecto a compra e venda de propriedades, construções e investimentos imobiliários, objecto esse que o Tribunal faz questão de omitir nos factos provados na sentença e na fundamentação mas que consta de documento junto pela Ré na contestação.

35. A sentença deve ser revogada porque não tem motivação séria para justificar o alegado conflito de interesses, nem ao menos curou de apurar os factos vertidos em 18, pois não pediu certidão dos autos 7971/09.0T2SNT (anteriormente era o n° 650/1994) do Tribunal de Sintra onde se encontra impugnada a validade do arrendamento, nem ao menos o Tribunal se preocupou em controlar se a deliberação impugnada respeita o objecto social da Ré.

36. Na sentença impugnada nem se procurou apurar o valor actual do imóvel e nem consta da factualidade fundamentadora o valor da compra do imóvel

37. A sociedade Ré, não demonstra ter interesse na aquisição ou no exercício de qualquer direito (de arrendamento ou qualquer outro) em relação ao prédio do Cacém pela simples e meridiana razão que a sociedade Ré não tem actualmente qualquer actividade, como também já não tinha no ano de 2002/2003, quando surgiu a questão entre D... e o Autor A...

38. Carece de fundamento o alegado impedimento de voto, do instrumento notarial junto pois não resulta qualquer escrutínio nem que o voto do Autor tenha sido rejeitado ou que o da Autora tenha sido aprovado.

39. Donde, é completamente alheada da realidade e deve ser revogada a sentença recorrida que pretende que entregar à gerente D... a gestão da sociedade Ré que não tem actividade, para que o A. seja levado para rol de processos e despesas como é descrito em 18, 22 e 23 dos autos.

40. Resulta do artigo 17 f) dos factos assentes, que a Ré não concorre com ninguém, muito menos com o A. em qualquer negócio ou exercício de preferência pelas simples e meridiana razão de que a R. não tem qualquer actividade.

41. Não existe conflito de interesses pois pode ler-se em 17 F) que - A sociedade não tem qualquer actividade desde o ano de 2003; A sociedade não tem prestado contas à Administração Fiscal; A sociedade não tem procedido ao depósito de quaisquer contas na Conservatória do Registo Comercial; a sociedade não dispõe nesta data, de Técnico Oficial de Contas.

NORMAS VIOLADAS

a) Quanto ao recurso do despacho de 3-07-2012:Foram violados os Artºs 11; 268 e 328 do C. Civil; Artºs 252; 253 nºs 1 e 3 do Código das Sociedades Comerciais e Artª 3º nº 3, 21, 40 do C.P. Civil.

b) Quanto ao recurso de apelação: Foram violados os Artºs:54º 59º, 63, 197º, 199º, 222º, 223º, 224º, 248º 249º. 251º e 385º, todos do Cód. das Sociedades Comerciais; 363,369, 370, 372 e 1407 do Código Civil; Artº 5º, 611 nº 1 do C.P.Civil.

Termos em que deve ser revogada a sentença da primeira instância e serem julgados totalmente procedentes os pedidos deduzidos.

            Contra-alegando, a ré, apresenta as seguintes conclusões:

1. A decisão da 1ª instância não merece qualquer reparo ou censura, porquanto interpretou correctamente os factos considerados provados e aplicou adequadamente a Lei, não merecendo nenhuma das críticas que lhe são dirigidas pelo Recorrente nas suas Alegações, que em nenhuma circunstância poderão fundamentar a sua revogação por esse Venerando Tribunal.

2. A sentença recorrida, que prima pela sua clareza, está devidamente fundamentada e aborda – de forma exemplar - todos os pedidos formulados pelo A., para além de ter realizado uma aplicação impoluta dos preceitos jurídicos aplicáveis ao caso concreto.

3. Nenhuma censura é de apontar ao despacho do Tribunal a quo que julgou a sociedade Ré devidamente representada em juízo pela gerente D..., pelo que as alegações do Recorrente não deverão merecer qualquer provimento.

4. A qualidade de sócia de D... é inequívoca e encontra-se suficientemente demonstrada nos autos para efeitos da apreciação da matéria suscitada pelo Apelante, para além de que assume a qualidade de gerente da sociedade aqui Recorrida. D... é a representante comum dos Herdeiros de I..., estando-lhe cometida a representação dos mesmos, tendo poderes para exercer todos os direitos sociais.

5. O Recorrente (não só a acção – e é apenas uma delas ! - como igualmente o presente recurso, são disso exemplo) adoptou, em relação à Recorrida da qual é gerente, uma posição totalmente divergente em relação aos interesses desta, impedindo, se a sua tese pudesse vingar, que a Ré e Recorrida pudesse vir aos autos pronunciar-se a apresentar a sua defesa.

6. A contestação em causa nos presentes autos, constitui, sem dúvida, um acto de mera administração – note-se que através desta oposição não se pretende obrigar a sociedade, mas pelo contrário, evitar que o A. possa prejudicar a sociedade -, pelo que é lícito ao sócio subscrever procuração para efeitos de representação da sociedade em juízo, sem a intervenção do outro sócio.

7. A sociedade está bem representada em juízo, para efeitos de apresentação da contestação, porquanto é por demais evidente que o outro gerente (o aqui Recorrente) que representa a sociedade ora Recorrida tem uma posição antagónica aos interesses da mesma quando, pelo contrário, reitera-se, deveria prover pela sua frutificação.

8. É desprovido de qualquer fundamento ou aplicabilidade ao caso concreto o vertido nas conclusões do Recorrente quanto ao art.º 253.º do CSC, pois que o sobredito dispositivo legal, tal como resulta da sua epígrafe, trata da substituição de gerentes, quer a sua ausência seja temporária ou definitiva, nominal ou não.

9. In casu não falta qualquer gerente, ou seja o Recorrente ou D..., o que se verifica é que um dos gerentes possui posição processual incompatível com a da Sociedade Recorrida não outorgando o instrumento de representação necessário e essencial para que a empresa possa conferir mandato para a sua defesa. E a solução, contrariamente ao defendido pelo Recorrente, nunca passará pela impossibilidade ou pelo impedimento da recorrida se defender nos presentes autos.

10. Caso assim se não entenda, ao que só academicamente se concede, deverá ser ordenada a sanação da irregularidade do mandato, designadamente, por recurso à previsão do disposto no n.º 2 do art.º 25.º do NCPC, considerando-se a gerente D... representante da sociedade para efeitos de representação da mesma nos presentes autos, contra ela interpostos pelo A. e ora Recorrente, que também é seu gerente e contra ela, em manifesto conflito de interesses, litiga.

11. De nenhuma falsidade padece a acta da assembleia-geral de 31.03.2010 - a qual, de resto, foi presidida pelo aqui Recorrente -, uma vez que a Sr.ª Notária, que se limitou a secretariá-la, dela fez constar tudo aquilo que rigorosamente ali se passou.

12. A testemunha Dr.ª C... referiu que o teor da carta dirigida pelo Recorrente foi lida em acta e junta à mesma, sendo que, quanto às convocatórias para a assembleia-geral, uma vez que estiveram presentes todos os sócios (o que verificou), não teve necessidade – sequer a isso estava obrigada! – de verificar se estes foram ou não convocados.

13. Não colhe o argumento do A. de que não foi confirmado nem verificado pela Sr.ª Notária o quórum deliberativo, pois bem sabe que estiveram presentes os dois sócios (sendo que os demais estavam representados pela sócia D...), pelo que a assembleia-geral estava em condições para deliberar sobre o único ponto da ordem de trabalhos.

14. Nenhuma obrigação ou responsabilidade estava cometida à Sr.ª Notária de verificar as convocatórias dirigidas aos sócios ou até de fazer constar em acta qualquer referência às mesmas.

Por outro lado, o facto do A. ter alertado para a falta de convocatória é absolutamente irrelevante, já que ele esteve presente na referida assembleia e foi ele que a presidiu !!!

15. A matéria vertida nos Factos Provados n.º 14 e 16 reporta ao teor parcial da acta da assembleia de 31.03.2010 que em nada foi contraditada pelo depoimento desta testemunha - antes o confirmou -, pelo que nenhum motivo se vislumbra para que seja retirada dos factos assentes.

16. Não obstante terem sido cumpridas todas as formalidades legais pela Ré na convocatória para a assembleia-geral de 31.03.2010 – e também nas demais -, certo é que desde há uma década que o A. tem impugnado todas as deliberações sociais da Ré, promovendo sucessivas acções judiciais nesse sentido, utilizando todas as estratégias processuais, com recursos sistemáticos de despachos, designadamente de mero expediente, com vista não só a dilatoriamente impedir o prosseguimento dos autos, como a obstar ao trânsito das decisões respectivas, que lhe têm sido, sistematicamente desfavoráveis.

17. Para tentar obstar ao impulso do A. de inviabilizar a produção de deliberações sociais (o que manifestamente lhe desinteressa e às sociedades de que é sócio maioritário e sozinho gere e aos negócios por estas, sob seu comando, celebrados em nome da Ré), veio a Recorrida convocar nova assembleia, sempre com o propósito de regularizar mandatos em acções judiciais, elaborando de forma mais prolixa e, face às habituais argumentações do A., acautelada, isto é claro, sem conceder à regularidade e legalidade de convocatórias anteriores, designadamente a que destinou à realização da assembleia a que os presentes autos reportam. Mesmo assim, e sempre repetindo os mesmos fundamentos, veio o A. impugnar as deliberações tomadas na assembleia-geral de 28.11.2013, sempre com os mesmos (estafados) argumentos.

18. As impugnações sistemáticas de tudo quanto é deliberado em assembleias de B..., Lda desde o desencadear do conflito entre o A. e a sociedade, reveladoras das mais chicanas processuais com vista a obter benefício para E..., seus donos e gerentes (o A., mulher e filhas), revelam manifesto abuso do uso de processo e constituem abuso de direito que sempre, também, deveria ter sido relevado neste e noutros processos.

19. A comprovar o que ora se alega, requer-se a junção da Petição Inicial apresentada pelo aqui Recorrente em 28.12.2013 (portanto, superveniente relativamente à prolação da sentença que remonta a 24.10.2013) – na qual impugna as referidas deliberações e que deu origem à acção comum n.º1.554/13.7TBPMS, a correr termos no 1º juízo do Tribunal de Porto de Mós -, também ela deveras oportuna pois permitirá de forma óbvia constatar que os argumentos e os fundamentos esgrimidos nessa acção são precisamente os mesmos – para não dizer sic !!! – da petição inicial apresentada no âmbito dos presentes autos. (cfr. Doc. n.º1).

20. Da certidão comercial da sociedade Ré não resulta registada a sua dissolução ou o encerramento definitivo das contas e da sua actividade, pelo que o Tribunal não está obrigado a concluir – como faz o A. – que a sociedade não tem qualquer actividade – ou nas suas palavras “morta ou moribunda”- e, por consequência, a decidir tendo por base essa conclusão, tanto mais que nos presentes autos não se discute a dissolução da Ré, sequer tal matéria foi alegada ou resulta dos factos provados – como o próprio A. reconhece -, pelo que o Tribunal não tem de se pronunciar sobre ela, sob pena de violação do princípio do dispositivo.

21. Deve improceder a peticionada inclusão do teor integral dos documentos nos factos provados 22 a 23, porquanto em nenhum destes factos é feita qualquer remissão para os documentos, antes, pelo contrário, neles se descrevem os factos resultantes desses mesmos documentos e que, no entender, do Tribunal eram pertinentes e relevantes para a boa decisão da causa. Não consta de nenhum documento que a sociedade Ré não tenha actividade, pelo que ao Tribunal estava vedada a possibilidade de incluir tal factualidade nos factos provados.

22. Enquanto arrendatária de um imóvel sito no Cacém, a lei confere à Ré o direito de poder preferir em caso de venda do imóvel pelo senhorio, sendo que para tanto terá de haver comunicação prévia para que tal direito possa ser cumprido. O exercício desse direito de preferência na compra do prédio do Cacém decorre simplesmente do facto da Ré ser arrendatária desse imóvel, o que nada tem a ver com a actividade exercida por si ou com o seu objecto social – como incorrectamente pretende fazer passar o A.

23. Mesmo que se entendesse que a deliberação para o exercício do direito de preferência na compra do referido prédio teria de respeitar o objecto social da sociedade, bastaria ter presente que era nesse mesmo prédio que a Ré tinha o seu armazém de curtumes, o que só por si justifica a compra já que se enquadra perfeitamente no desenvolvimento do seu objecto social (indústria de curtumes, comércio de couros curtidos e seu armazenamento).

24. O Recorrente limitou-se a recorrer de um certo segmento do despacho saneador, designadamente na parte em que o Tribunal julgou a Ré devidamente representada em juízo pela gerente D..., e não a reclamar quanto à inclusão da matéria referente aos arts. 4º e 7º do pacto social nos factos assentes, pelo que neste segmento o despacho saneador faz caso julgado formal, não lhe assistindo agora qualquer direito de reclamação sobre o mesmo. E o mesmo se dizendo quanto à peticionada inclusão do teor integral do documento n.º1 junto com a PI no facto provado n.º1.

25. Os dois únicos factos constantes da matéria de facto dada como não provada, reportam EXCLUSIVAMENTE A MATÉRIA ALEGADA PELO AUTOR E NÃO PELA SOCIEDADE RÉ e correspondem aos arts. 37.º e 64.º da sua Petição Inicial. A prova de tal matéria competia ao A. e não à Ré, o que manifestamente não aconteceu, pelo que bem andou o Tribunal recorrido ao fazê-la constar dos factos não provados.

26. Inexiste qualquer contradição entre a fundamentação da sentença e a matéria de facto dada como provada nos pontos 20. e 21. D... não foi, nem tinha de ser, nomeada, representante comum da metade indivisa de que é titular o A., o mesmo se passando com este, sendo que a quota se mantém indivisa assistindo aos seus contitulares os direitos e obrigações dos sócios e, também, o direito de comparecerem em assembleias-gerais e nelas votar.

27. A convocatória para a assembleia de 31.03.2010 foi dirigida ao aqui Recorrente e aos Herdeiros de I..., àquele na dupla qualidade de titular e contitular de participação e a estes em idêntica qualidade, pelo que a convocatória cumpriu, redobradamente, a exigência do nº 2 do art. 222º do CSC. Todos foram convocados para assembleia-geral, ou seja, a todos foi remetida convocatória.

28. O impedimento do Autor em intervir em deliberação sobre matéria que lhe respeita em que manifestamente se encontra em conflito de interesse com a sociedade, resulta claro da acta e está bem fundamentado. A acta contém as posições nelas manifestadas pelos sócios, reproduzindo até intervenções destes. Os sócios presentes, que representavam a totalidade do capital social, bem sabiam pela convocatória que é explícita o objectivo da assembleia (como ressalta das próprias declarações prestadas por ambos em assembleia e vertidas em acta), e quiseram produzir deliberação, votando e manifestando o sentido do seu voto !

29. A convocatória da assembleia, a acta desta e os documentos que lhe são anexos, espelham tudo quanto antes se disse, não padecendo de qualquer vício ou falsidade, pelo que bem andou o Tribunal ao ter julgado válidas as deliberações produzidas na assembleia de 31.03.2010.

30. Bem andou o Tribunal a quo ao ter considerado na sentença recorrida que na Assembleia-Geral de 31 de Março de 2010 compareceu e esteve representada a totalidade do capital social da Ré uma vez que é manifesto que o Autor representa 50% da totalidade do capital social e que D... representa os outros 50% da totalidade do capital social.

31. Resulta do Facto Provado n.º 15 que os contitulares da quota no valor de €249.249,31 (pertencente a D..., J... e L..., em comum e sem determinação de direito) nomearam validamente como representante comum D... e comunicaram tal facto, por escrito, à sociedade, dando assim cumprimento à disposição legal prevista no n.º4 do art. 223.º do Código das Sociedades Comerciais.

32. Resulta ainda da matéria assente que D... é o cônjuge sobrevivo do falecido titular da quota de €249.249,31, pelo que mesmo que se considerasse, por algum motivo, que a referida nomeação e comunicação à sociedade não fosse válida, sempre esta sócia estaria e seria representante da quota indivisa nos termos dos arts. 2079.º e 2080.º, n.º1, al. a) do Código Civil.

33. Quanto à quota no valor de €299,28 (metade de A...; e a outra metade, em comum e sem determinação de direito, de D..., J... e L...), que permanece indivisa desde o ano de 1993, não obstante não ter sido nomeado um representante comum dos contitulares da referida quota indivisa, certo é que estiveram presentes e/ou representados todos os seus contitulares, nomeadamente o A. (que é titular de metade desta quota e esteve presente) e a sócia D... (que além de contitular da outra metade, e que também esteve presente, representava legitimamente os demais contitulares dessa metade), pelo que o Tribunal a quo decidiu correctamente ao considerar que todos os contitulares estavam presentes ou representados.

34. No que toca à questão de estar presente mais do que um titular para exercer o direito de voto – e no caso em concreto estavam todos, pessoalmente ou representados -, e não existindo consenso entre eles quanto ao sentido de voto, prevalece a opinião da maioria dos contitulares presentes, conquanto estes representem pelo menos metade do valor total da quota (art. 222.º, n.º4 do CSC), pelo que inexistiu qualquer violação do princípio da unidade de voto no que toca à quota de €229,28. De resto, esta é uma falsa questão atendendo ao manifesto conflito de interesses do A. nas deliberações que iriam ser e foram tomadas.

35. Não houve qualquer omissão do escrutínio, pois do instrumento de acta – que consta dos factos provados – resulta claramente o sentido de voto da sócia D... e a qualidade em que o faz (por si e na qualidade de representante dos demais contitulares), e bem assim o do sócio A. que insistiu em manifestar o seu voto, ainda que, neste caso, sem qualquer validade por força do impedimento.

36. São sócios da sociedade E..., Lda o A., a sua mulher e as duas filhas, sendo que o único gerente é precisamente o Recorrente, que detém nesta sociedade uma participação social no valor de €33.000,00, num capital social de €50.000,00, pelo que se torna evidente que sempre será ele a dominar a vontade social desta empresa, uma vez que a sua quota representa mais de 50% do capital social !

37. A deliberação em causa visava essencialmente a emissão de mandato a advogado e a ratificação de vários processos judiciais em curso, com vista a garantir o exercício do direito de preferência sobre determinado prédio pertencente a uma sociedade que é dominada pelo A., já que dela é sócio e único gerente ( E..., Lda), detendo uma participação social no valor de €33.000,00, num capital social de €50.000,00.

38. Para o A. satisfazer o interesse da sociedade Ré, permitindo que esta exerça o seu direito de preferência sobre o prédio do Cacém, é sacrificado o interesse da sociedade E..., Lda., porque deixará de ser dona do prédio em causa. Ao invés, para satisfazer o interesse da sociedade E..., Lda. (que assim mantém a propriedade do referido prédio) é sacrificado o interesse da sociedade Ré, que perde o prédio sobre o qual beneficiava do direito de preferência.

39. Os fundamentos do conflito são entre o sócio A. que é o único gerente e detentor da maioria do capital social de uma sociedade familiar que constituiu com a mulher e filhas, para fazer um negócio PREJUDICIAL à sociedade, e o seu comportamento, obstativo do exercício da preferência, e a própria sociedade que pretende exercê-lo. O conflito de interesses gerador de impedimento do A. de votar na sobredita assembleia (ou de que o seu voto seja considerado em sede deliberativa) é por demais evidente e a acta espelha-o de forma inequívoca.

40. O instrumento de acta não é falso, antes cumpre todos os requisitos legais, designadamente os previstos no art. 63.º do Código das Sociedades Comerciais. A deliberação produzida na assembleia de 30.03.2010 foram aprovadas pela sócia D... – a única que votou validamente -, que representa 50% do capital social, não tendo de constar da acta os votos correspondentes à deliberação no sentido negativo, uma vez que o sócio A., que representa os outros 50%, estava proibido de votar, logo não existem deliberações rejeitadas.

41. O órgão máximo da sociedade, ou seja, a assembleia de sócios, pode deliberar no interesse social a constituição ou ratificação de mandato forense para fazer valer direitos da sociedade em juízo, conferindo a um gerente específico a capacidade de representar a sociedade no exterior, sendo que tal poder enquadra as competências que amplamente lhe estão cometidas pelo artigo 246º do CSC.

42. Contudo, no caso concreto em análise, debatemo-nos noutro plano: a falta temporária (por manifesto impedimento para o acto) de um gerente que também é sócio e se encontra em posição de aberto conflito de interesses com a sociedade. Assim, mesmo que se perfilhasse a tese – ao que se não concede - de que a cláusula do pacto que estabelece a forma de obrigar a sociedade não caduca, só ad absurdum colheria a tese de que à gerência seria permitido contrariar deliberações sociais regularmente produzidas, por forma a impedir a defesa da sociedade e do interesse social, em acção movida por um sócio contra esta (e impedido de votar naquela) que é, cumulativamente, o gerente e cuja assinatura é necessária para obrigar a sociedade.

43. Não existe qualquer violação das regras das Assembleias Gerais Universais, porquanto a assembleia foi realizada com observância das formalidades prévias, e não se pronunciou, nem deliberou, sobre matéria que não estivesse contida na convocatória.

44. A convocatória é clara e evidente, contém um único ponto de ordem de trabalhos, e não suscitou ao A. quaisquer dúvidas interpretativas. Reporta, como dela consta, à ratificação de mandatos forenses e à constituição de advogado em processos nos quais o Recorrente é parte, por si, ou por interposta sociedade familiar e só sobre essa matéria se pronunciou.

45. De resto, estavam presentes os dois únicos sócios que representam a totalidade do capital social, que, sem necessidade de prévio convénio quanto às matérias em análise, manifestaram livremente as respectivas posições e o sentido de voto face à proposta de deliberação que é inteligível. O Autor compreendeu todo o alcance da convocatória em causa, e a deliberação, não reproduzindo a ordem de trabalhos - nem tendo que o fazer ! – contém-se nas fronteiras por aquela definidas.

Termos em que, com o mui douto provimento de V. Exas., deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se na íntegra a Douta Decisão recorrida,

           

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado no artigo 635, n.º 4 do nCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

            A. Se o despacho saneador é nulo porque constitui uma decisão surpresa, violadora do princípio do contraditório;

            B. Se o mesmo é, também, nulo, por antecipar o julgamento da causa, nomeadamente o vício de deliberação;

            C. Se a sociedade ora ré não se encontra devidamente representada em juízo;

            D. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos itens 14.º e 16.º, dos factos dados como provados;

E. Se a sociedade ré deve ser declarada extinta nos termos do disposto no artigo 143.º, al. a), do CSC;

            F. Se na A. Geral em que se aprovou a deliberação em causa, não estava representada a totalidade do capital social;

G. Se inexistiu declaração de vontade por parte dos sócios em que a A. Geral deliberasse sobre o assunto em causa;

H. Se se verifica omissão de escrutínio por os direitos inerentes à quota de 299,28 € terem sido repartidos entre votos a favor e votos contra e;

I. Se inexiste conflito de interesses entre o autor e a sociedade ré.

            É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1. A sociedade B..., Lda. foi constituída em 27 de Abril de 1973, por escritura lavrada no Cartório Notarial da Batalha a fls. 76 do Livro 63-B, tendo sido fixada a sua sede no lugar do (...), freguesia e concelho da Batalha [A)].

2. Outorgaram a escritura de constituição da sociedade referida em A) I..., o aqui autor A... e o pai de ambos, O... [B)].

3. Como objecto da sociedade consta o exercício da “ indústria de curtumes, comércio de couros curtidos e o seu armazenamento” [C)].

4. Consta da inscrição nº (...) do registo de matrícula da Conservatória do Registo Comercial da Batalha que a sociedade ré tem um capital de € 498.797,90 [D)].

5. O capital esteve repartido pelos sócios I... e A..., cada um titular de uma quota de Esc. 49.970.000$00 e pelo sócio O... titular de uma quota de Esc. 60.000$00 [E)].

6. Da Ap. 02/730704 da matrícula do Registo Comercial da ré consta que a gerência pertencia aos sócios I... e ao autor A... e que a sociedade se obrigava com a assinatura de dois gerentes [F)].

7. Da Ap. 18/931202 da matrícula da ré consta a transmissão da quota de 60.000$00 a favor de A... e de I... por partilha por herança [G)].

8. Da Ap. 01/950420 da matrícula da ré consta que I... foi destituído da gerência por falecimento em 06 de Março de 1995, no estado de casado com D... [H)].

9. Da Ap. 02/950420 da matrícula da ré consta a nomeação enquanto gerente da viúva D..., que ocorreu em 26 de Março de 1995 [I)].

10. Da Ap. 42/011217 da matrícula da ré consta a transmissão da quota de 49.970.000$00, sem determinação de parte ou direito, a favor de D..., J..., c.c. P..., na separação de bens, e L..., solteiro, maior, por dissolução, por óbito, da comunhão conjugal e sucessão [J)].

11. Da Ap. 43/011217 da matrícula da ré consta a transmissão da ½ da quota de 60.000$00, sem determinação de parte ou direito, a favor de D..., J..., e de L..., por dissolução, por óbito, da comunhão conjugal e sucessão [L)].

12. Da Ap. 57/011226 da matrícula da ré consta a alteração da denominação do capital social para euros, nos seguintes termos:

“1) Capital: 498.797,90 euros.

2) Sócios e quotas: A... com uma quota de 249.249,31 euros, D..., J... e L... com uma quota, sem determinação de parte ou direito, de 249.249,31 euros, e uma quota de 299,28 euros pertencendo metade a A... e metade, em comum e sem determinação de parte ou direito, pertencendo a D..., J... e a L....” [M)].

13. A gerente D... remeteu ao autor uma carta registada com aviso de recepção, datada de 12 de Março de 2010, com o seguinte teor:

“Batalha, 13 de Março de 2010

Assunto: Convocatória

Exmo. Senhor

Na qualidade de gerente da sociedade B..., Lda, venho convocá-lo para a Assembleia Geral Extraordinária, a realizar no próximo dia 31 de Março pelas 11 horas na sede da sociedade em (...), que será dirigida pela Notária Dra. C... e com a seguinte ordem de trabalhos:

1 – Deliberar sobre o mandato judicial e ratificação dos procedimentos judiciais pendentes que envolvem a sociedade e o sócio A..., bem assim a sociedade E..., Lda.” [N) e 1.º].

14. Da acta de reunião de Assembleia Geral da ré consta que “No dia trinta e um de Março de dois mil e dez pelas onze horas no lugar de (...), freguesia e Concelho da Batalha, onde eu C..., notária do Concelho me desloquei a solicitação da Sócia D..., a fim de lavrar esta acta, reuniu na minha presença a assembleia geral extraordinária da sociedade “ B..., Lda.” com sede neste lugar, com o capital social de quatrocentos e noventa e oito mil setecentos e noventa e sete euros e noventa cêntimos, dividido por três quotas, duas iguais de duzentos e quarenta e nove mil duzentos e quarenta e nove euros e trinta e um cêntimos, pertencentes uma ao sócio A... e outra em comum e sem determinação de parte ou direito a D..., L..., J... e uma de duzentos e noventa e nove euros e vinte e oito cêntimos pertencente metade ao sócio A... e metade em comum e sem determinação de parte ou direito a D..., L... e J..., tendo a reunião sido convocada para as onze horas, à hora marcada estavam presentes o sócio A... e a sócia D... em representação da quota indivisa, conforme documento que se junta. (…)” [O)].

15. Do documento referido em O), subscrito por D..., J... e L..., consta:

“Batalha, 31 de Março de 2010

Assunto: Assembleia Geral

Exmos. Senhores:

Na sequência do comunicado já anteriormente aquando de outras Assembleias, vimos informar que a posição detida pelo meu marido e nosso pai nessa sociedade, será representada pela herdeira D..., tanto mais que já nos representa na gerência.” [P)].

16. Da acta referida em O) consta ainda o seguinte:

“(…) Encontrando-se assim presentes e representados a totalidade do capital social, pelas onze horas foi dado inicio aos trabalhos.

Presidiu a reunião o sócio A... que declarou aberta a assembleia e passou a ler uma carta dirigida à mesa da assembleia de sócios que se anexa, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor.” [Q)].

17. Da carta referida em Q) consta o seguinte:

“Foi-me remetida carta convocatória subscrita por D... na qualidade de gerente da sociedade com o seguinte teor:

“Na qualidade de gerente da sociedade B..., Lda, venho convocá-lo para a Assembleia Geral Extraordinária, a realizar no próximo dia 31 de Março pelas 11 horas na sede da sociedade em (...), que será dirigida pela Notária Dra. C... e com a seguinte ordem de trabalhos:

1 – Deliberar sobre o mandato judicial e ratificação dos procedimentos judiciais pendentes que envolvem a sociedade e o sócio A..., bem assim a sociedade E..., Lda”.

Com o teor da convocatória que me foi dirigida desejo declarar como ponto prévio à Ordem de Trabalhos e para que conste da acta o seguinte:

A) A assembleia de sócios da sociedade deve ser presidida pelo sócio que se encontrar nas condições previstas na Lei não sendo, por isso correcto o que consta da carta de que “ será dirigida pela Notária Drª C...”.

B) A presença da Senhora Drª Notária destina-se apenas ao que a Lei prevê para a redacção das actas das assembleias de sócios das sociedades comerciais.

C) A Assembleia de sócios da sociedade B..., Lda. não se encontra convocada nos termos legais e estatutários, o que pode ser conferido pela Senhora Doutora Notária uma vez que tem a responsabilidade de assegurar a regularidade da convocatória e se a mesma foi dirigida a todos os titulares do capital social e nos precisos termos que se encontram previstos quer na Lei quer no contrato de sociedade e qualquer que seja a forma como todos os interessados devem exercer os respectivos direitos sociais. D) Quero declarar que a presente Assembleia não se encontra regularmente convocada, pelo menos no que à minha pessoa se refere, pelo que não tem esta reunião legitimidade para deliberar sobre qualquer assunto, nomeadamente, o que consta da ordem de trabalhos.

E) Na Assembleia realizada em 14 de Dezembro de 2005 às 11 horas, cuja acta se encontra lavrada em instrumento arquivado no Cartório da Senhora Doutora Notária sob o nº 3 do ano de 2005 apresentei documentos que constam do instrumento de fls. 17 a 22 e cujo teor agora requeiro que seja aqui considerado e integralmente reproduzido na presente acta porque as questões neles descritas não se encontrarem resolvidas até à presente data.

F) Desejo ainda acrescentar também para que conste da acta o seguinte:

- A sociedade não tem qualquer actividade desde o ano de 2003;

- A sociedade não tem prestado contas à Administração Fiscal;

- A sociedade não tem procedido ao depósito de quaisquer contas na Conservatória do Registo Comercial:

- A sociedade não dispõe nesta data, de Técnico Oficial de Contas.

Pelo exposto e ainda pelo que consta das cartas anexas ao instrumento de acta da Assembleia realizada em 14 de Dezembro de 2005 que fazem parte integrante do instrumento lavrado pela Senhora Doutora Notária, pretendo que esta minha carta depois de lida a todos os presentes seja transcrita na acta, passando o teor da mesma e, bem assim, o teor das que fazem parte integrante do instrumento arquivado no Cartório acima identificado e que constam de fls 17 a 22, fiquem, por transcrição, a fazer parte integrante da acta respeitante à reunião de hoje e que tudo seja considerado como questão prévia do ponto da Ordem de Trabalhos constante da carta convocatória que me foi dirigida com data de 12 de Março de 2010.

Com os meus cumprimentos.” [R)].

18. Consta ainda da acta da Assembleia do dia 31 de Março de 2010, o seguinte:

“De seguida pelo presidente foi lida a ordem de trabalhos:

Ponto um – Deliberar sobre o mandato judicial e ratificação dos procedimentos judiciais pendentes que envolvem a sociedade e o sócio A... bem assim a sociedade E... , Lda.

Posto a discussão o ponto um da ordem de trabalhos pediu a palavra a sócia D... que declarou: “Justifico a convocatória desta assembleia pelo facto de na defesa dos interesses da sociedade se encontrarem pendentes neste momento diversas acções cíveis em que se pretendem valer interesses da sociedade em conflito com os interesses do sócio A..., que por essa razão tudo tem feito para obstar a que a sociedade faça prevalecer os seus interesses, o que desde logo há causa impeditiva para aquele sócio intervir na deliberação nos termos do CSC.

Com efeito, existem neste momento pendentes os seguintes processos judiciais, que têm a ver com os interesses da sociedade, no prédio sito em Cacém, e que é rendeira, a saber: Processo nº 1346/05.7TCSNT da 1ª Secção do 3º Juízo da Comarca de Grande Lisboa Noroeste – Sintra, em que a sociedade E..., pertencente e representada pelo sócio A..., pretende a resolução do contrato de arrendamento, em que a sociedade é inquilina; Processo nº 2419/05.1TCSNT da 2ª Secção do 5º Juízo da Comarca de Grande Lisboa Noroeste-Sintra, em que a sociedade demandou a mesma E..., a fim de exercer o direito de preferência que lhe assiste, na compra e venda do imóvel; Processo nº 127/06.5TBPMS do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Porto de Mós, em que o sócio A... põe em causa a deliberação social que decidiu exercer o direito de preferência, objecto do processo anterior, e ainda o Processo nº 7971/09.0TSTN, da 1ª Secção do 3º Juízo da Comarca de Grande Lisboa – Noroeste-Sintra, em que a anterior proprietária, e vendedora do prédio, massa falida de N... e sucessores, requerem em 1994 a primeira acção de despejo.

Acontece que, todos estes processos, a sociedade foi representada pelo Advogado Dr. M...., a quem lhe foi solicitada a respetiva intervenção no interesse da sociedade, ainda que o respectivo mandato tenha sido só assinado pela gerente D..., porquanto o outro gerente sempre se opôs a qualquer uma daquelas diligências. Aliás, o processo referido em último lugar, até foi contestado com procuração em que interveio o outro sócio, mas que por ser agora o representante da adquirente do prédio, tem como interesse principal, que a sociedade decaia em todos aqueles processos, de forma a conseguir os seus intentos com o prejuízo da sociedade.

Aliás, num dos processos, até já foi decidido pelo tribunal que perante o manifesto conflito de interesses a sociedade até poderá constituir um mandatário, com a assinatura apenas da gerente D.... O que tem acontecido, tendo naqueles processos a sociedade já confirmado o mandato e ratificado o processado, quando notificada para o efeito.

Contudo, apresentando-se como necessário, e face à notificação que lhe foi feita, para garantir a regularidade dos mandatos conferidos e salvaguardar os interesses da sociedade, que esta em Assembleia Geral, se pronunciasse no sentido de ratificar os procedimentos levados a cabo pelo advogado Dr. M..., com escritório em Porto de Mós, titular da cédula profissional 1800c, nos referidos quatro processos e que sempre o foram por incumbência da gerência desta sociedade.

Razão porque propõe que a assembleia delibere:

a)Ratificar o processado nos processos em que a sociedade faz parte e tenha intervindo o advogado Dr. M..., designadamente os processos números: 1346/05.7TCSNT da 1ª Secção do 3º juízo da Comarca da Grande Lisboa Noroeste – Sintra; 2419/05.1TCSNT da 2ª Secção do 5º Juízo da Comarca da Grande Lisboa Noroeste –Sintra; 127/06.5TBPMS do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Porto de Mós e 7971/09.0T2SNT da 1ª Secção do 3º Juízo da Comarca de Grande Lisboa-Noroeste –Sintra.

b)Habilitar aquele advogado com procuração forense para representar a sociedade nos referidos processos ou outros que tenham por objecto conflitos com o referido imóvel.

Acresce ainda que a sociedade deve tomar esta deliberação pois já investiu muitos milhares de euros para defender o seu interesse naquele negócio que depende da procedência da acção de preferência no que o sócio A... não tem qualquer interesse antes pretende ficar para si com o prédio, objecto de arrendamento/preferência, pelo que nem poderá intervir nesta deliberação.

Posto a votação o ponto um, o sócio A... votou contra (…). A sócia D... vota favoravelmente o referido ponto e considera aprovado ratificar o processado nos processos em que a sociedade faz parte e tendo intervindo o Advogado Dr. M... designadamente, os processos acima por a sócia D... referida e habilitar aquele advogado com procuração forense, para representar a sociedade nos referidos processos, ou outros que tenham por objecto conflitos com o referido imóvel.

Seguidamente pelo presidente foi dito que nada mais havendo a tratar foi encerrada a presente assembleia.” [S)].

19. Da Ap. 02/040107 da matrícula nº 1094 da Conservatória do Registo Comercial da Batalha consta que a sociedade E..., Lda. tem por sócios A... e mulher F..., G... e H..., pertencendo a gerência a A... [T)].

20. D... não foi nomeada como representante da metade indivisa da quota com valor nominal de €299,28, de que é titular o Autor, com referência à Assembleia de 31 de Março de 2010 [2.º].

21. O Autor não participou em qualquer nomeação de um representante para o exercício dos direitos inerentes à quota que permanece indivisa, de que é contitular em conjunto com os herdeiros de I..., com referência à Assembleia de 31 de Março de 2010 [3.º].

22. Por escritura designada de “Arrendamento” outorgada no dia 31 de Agosto de 1989 no Cartório Notarial de Porto de Mós, R... (na qualidade de representante da sociedade “ N..., Sucessores, Lda.”) declarou que dá de arrendamento à sociedade “ B..., Lda.” (legalmente representada pelos sócios e gerentes I... e A...), que declararam aceitar, o prédio inscrito na matriz predial urbana com o artigo 5958 e matriz predial rústica com o artigo 1.º Secção K [documento de fls. 131 a 139 – cfr. art. 607.º, n.º 4, do novo Código de Processo Civil, ou art. 659.º, n.º 3, do anterior Código de Processo Civil].

23. Por escritura designada de “Compra e Venda” outorgada no dia 18 de Agosto de 2004 no Segundo Cartório Notarial de Leiria, Q... (na qualidade de Administrador da Massa Falida N..., Sucursal, Lda.) declarou vender à sociedade “ E..., Lda.” (legalmente representada pelo sócio e gerente A..., ora Autor), que declarou aceitar a venda, o prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém, sob o n.º 226/S. Marcos e inscrito na matriz predial urbana com os artigos 8, 166, 167, 168 e 322, correspondentes aos antigos artigos 1368, 4045, 4046, 4047 e 5958 e matriz predial rústica com o artigo 1.º Secção K [documento de fls. 154 a 157 – cfr. art. 607.º, n.º 4, do novo Código de Processo Civil, ou art. 659.º, n.º 3, do anterior Código de Processo Civil].

B. Factos Não Provados

Não se provou:

a) Que a convocatória descrita na al. N) dos factos assentes contenha expressamente no seu texto a menção à quota indivisa de €299,28, ou que tivesse sido enviada ao Autor, para além dessa, ainda uma outra convocatória [1.º].

b) Que nem na Assembleia de 31 de Março de 2010, nem em qualquer outra, foi deliberado que existia impedimento de voto por parte do sócio O... em qualquer assunto da vida em sociedade [4.º].

A. Se o despacho saneador é nulo porque constitui uma decisão surpresa, violador do princípio do contraditório.

Alega o recorrente que a decisão em causa constitui uma decisão surpresa, o que, no seu entender, se consubstancia no facto de não poder reclamar da omissão da inclusão do artigo 4.º do pacto social nos factos assentes.

Este artigo 4.º (cf. doc. de fl.s 32), refere-se à administração da sociedade em juízo e fora dele, ali se mencionando que “a administração da sociedade e a sua representação em juízo e fora dele, activa e passivamente, serão exercidas pelos dois sócios”, acrescentando-se no seu Parágrafo 2.º que “Para a sociedade ficar obrigada é necessário que os respectivos actos e documentos sejam em nome dela assinados pelos dois gerentes em conjunto; para actos de mero expediente bastará a assinatura de qualquer gerente.”.

Ora, aquando da elaboração do despacho saneador, qualquer das partes poderia ter exercido o direito de reclamação, ao tempo, reconhecido no artigo 511.º, n.º 2, do CPC, o que não fizeram.

De qualquer forma, isso não impede que tal facto, por provado por documento (e até por acordo entre as partes) seja, como o foi, considerado na sentença – cf. artigo 659.º, n.º 2, do CPC, ora 607.º, n.º 4, 2.ª parte, do NCPC.

De resto, cumpre referir, que tal facto, já havia sido incorporado nos factos assentes aquando da elaboração do despacho saneador e selecção da matéria de facto assente e controvertida, constando da al. F), dos Factos Assentes.

Por conseguinte, inexiste qualquer surpresa na decisão de tal questão, a qual, aliás é levantada pelo próprio autor na p.i, nos artigos 80.º e seg.s, sob a epígrafe “Nulidade resultante da flagrante desconformidade entre a deliberação e o art.º 4.º do pacto social.”.

Assim, quanto a esta questão, improcede o presente recurso.

B. Se o despacho saneador é, também, nulo por antecipar o julgamento da causa, nomeadamente, o vício da deliberação.

No que a esta questão concerne, alega o recorrente que, em face da decisão tomada, desde logo fica antecipada a questão da procuração, ou seja, da (regular) representação da sociedade em juízo.

Efectivamente, em sede de despacho saneador o que incumbia decidir era se a sociedade estava ou não devidamente representada em juízo, dada a circunstância de a procuração subscrita a Mandatário se encontrar subscrita apenas por uma das sócias, contrariamente ao estabelecido no artigo 4.º do pacto social, acima já transcrito.

Sob pena de nulidade da decisão (artigo 615.º, n.º 1, al. d), do NCPC), o Tribunal tinha de a decidir, dado que, para além do mais, a questão em apreço configura um pressuposto processual, face ao qual, em caso de reconhecimento da sua existência, teria de se prover pela respectiva sanação.

Não se trata, por isso, de antecipar o julgamento da causa (tanto que a acção prosseguiu para julgamento) e quanto a esta questão em concreto, interpôs o autor o competente recurso, o qual, de acordo com as regras processuais atinentes (e como já decidido na reclamação apensa) deveria subir apenas a final.

São as vicissitudes do regime de subida dos recursos interpostos das decisões proferidas em sede de despacho saneador, pelo que é agora que, em sede de recurso, se tem de apreciar a existência/inexistência do invocado pressuposto processual: - se a ré se encontra ou não devidamente representada em juízo.

Por conseguinte, também, quanto a esta questão improcede o presente recurso.

C. Se a sociedade ora ré não se encontra devidamente representada em juízo.

Relativamente a esta questão, alega o recorrente que estando a forma de obrigar a sociedade dependente da assinatura de dois gerentes, não se poderá a mesma ter como bem representada em juízo através de procuração emitida por um único gerente.

Na decisão recorrida, considerou-se regular o mandato conferido por um dos sócios, nos seguintes termos:

“A questão que ora se coloca é a de saber se, obrigando-se a sociedade com a assinatura de dois gerentes, conforme resulta da análise da matrícula da sociedade, nomeadamente da Ap. 02/730704, que são A... e D... (de acordo com as Ap. 02/730704, 01/950420 e 02/950420), será exigível que sejam ambos a representar a sociedade em juízo nos presentes autos, bem como a outorgar a procuração a favor de mandatário para os termos da presente acção.

Estabelece o artigo 21º, nº 1 do Código de Processo Civil que as pessoas colectivas e sociedades são representadas por quem a lei, os estatutos ou o pacto social designarem.

No presente caso verifica-se que um dos gerentes intentou a presente acção contra a sociedade, tendo a outra gerente assumido a defesa da sociedade ré ao outorgar a procuração de fls. 128, a favor do ilustre advogado que subscreveu a contestação apresentada em juízo pela ré. Apesar de, perante o estatuído na matrícula da sociedade no que diz respeito à forma de obrigar a sociedade, se exigir a assinatura de dois gerentes, verifica-se nos presentes autos a impossibilidade de os representantes da ré assumirem, em conjunto, como impõe o pacto social, as funções de representação desta, na medida em que o autor da acção é um dos dois gerentes. Desde logo pela análise do objecto da presente acção se verifica que os gerentes se encontram incompatibilizados entre si, pelo que, caso se viesse a exigir a outorga da procuração por parte de ambos os gerentes estar-se-ia a coarctar o direito de defesa da sociedade, que ficaria impossibilitada de se defender em juízo por falta de representação para o efeito, ficando totalmente nas mãos do gerente autor, situação que se considera inadmissível.

Considera-se, por conseguinte, que, não obstante a forma de obrigar a sociedade, face ao condicionalismo de a acção ser intentada contra a sociedade por um dos gerentes, a outra gerente pode, sozinha, vir a juízo representar a sociedade, considerando-se, assim, o mandato por si conferido regular. Entende-se não ser de aplicar, no presente caso, o disposto no artigo 21º, nº 2 do Código de Processo Civil, por o mesmo se encontrar previsto para situações em que a sociedade é demandada por um terceiro, conforme se retira, desde logo, pela leitura conjugada do nº 3 do mesmo artigo.

Pelo exposto, face ao supra aduzido, e sem necessidade de mais considerações, julga-se a sociedade ré devidamente representada em juízo pela gerente D... e, por conseguinte, regular o mandato por esta conferido ao ilustre advogado subscritor da contestação apresentada.”.

Como resulta da matéria de facto dada como provada (itens 5.º, 6.º, 7.º, 10.º a 12.º) o capital social da ré encontra-se repartido entre o autor e a gerente D... (esta em conjunto com os seus filhos), na proporção de 50%, para cada “estirpe”, com a particularidade de uma quota no valor de 299,28 €, pertencer, na proporção de metade, a cada um de tais ramos familiares.

Ou seja, para além de as demais quotas pertencerem, individualmente consideradas, a cada grupo de sócios, relativamente a esta quota “minoritária”, são os mesmos dela comproprietários, também, na proporção de metade, o que motiva a situação de impasse em que se caiu, dado o total desacordo entre os sócios relativamente à gestão da vida societária.

Como acima já se referiu, o pacto social impõe que a administração da sociedade e a sua representação em juízo e fora dele, activa e passivamente, seja exercida, em conjunto, pelos dois gerentes, ali se impondo que a sociedade só fica obrigada pela “assinatura” dos dois gerentes.

De acordo com o disposto no artigo 25.º, n.º 1, do NCPC, as sociedades são representadas por quem a lei, os estatutos ou o pacto social designarem.

No caso das sociedades por quotas, são representadas pelos seus gerentes – cf. artigos 252.º e 261, do CSC.

Como refere Raul Ventura, in Sociedades Por Quotas, Vol. III, Almedina, 1991, a pág.s 131 e 132 “A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a algumas espécies de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade, com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos.”.

Dito de outra forma, a gerência “é o órgão (necessário) de administração da pessoa jurídica, que, no âmbito das suas funções, forma e executa a sua vontade.” – cf. Ricardo Costa/Carolina Cunha, in CSC Em Comentário, Vol. IV, Almedina, 2012, a pág. 74, ali acrescentando, a pág. 75, quanto à representação da sociedade, que esta abrange a representação orgânica em nome da sociedade perante outros sujeitos, seja nas relações internas (com o sócio ou sócios) seja nas relações com terceiros e é activa e passiva.

No caso, como vimos, a gerência é conjunta entre os dois sócios, só se obrigando a sociedade mediante a assinatura de ambos.

Por outro lado, o pacto social é expresso em referir que tal condicionalismo também se verifica quanto à sua representação em juízo, tanto activa como passivamente, o que afasta, desde logo, a aplicabilidade da doutrina fixada no Acórdão do STJ, de 12 de Julho de 2007, Processo n.º 07A1874, disponível no respectivo sitio do itij, em que se decidiu que em caso de o pacto social ser omisso quanto à representação das sociedades em juízo bastaria a assinatura de um dos gerentes, por aplicação da norma supletiva do artigo 985.º do CC, ex vi seu artigo 966.º e, ainda assim, apenas para actos que não obrigassem especifica e directamente a sociedade, no caso, a propositura de uma acção para cobrança de dívida.

Sendo que in casu se trata de ratificar o mandato conferido a Advogado para intentar e contestar acções em que se discute a validade/invalidade de um contrato de arrendamento e exercício do direito de preferência sobre o imóvel alegadamente arrendado á sociedade, do que poderão surgir ónus financeiros para a sociedade que, como tal, não se poderão qualificar como “actos de administração corrente”.

De resto, como observa Raul Ventura, ob. cit., a pág. 132, ainda que o pacto seja omisso quanto à representação em juízo, nos poderes representativos dos sócios já se deve considerar incluída a representação em juízo, tanto activa como passivamente.

De acordo com o disposto no artigo 251.º do CSC, no caso de existência de vários gerentes, os respectivos poderes são exercidos conjuntamente, salvo estipulação em contrário.

Nos termos do artigo 4.º do pacto social e artigos 252.º e 261.º, ambos do CSC, conclui-se estarmos em presença de gerência plural e conjunta, sendo obrigatória a assinatura de ambos os gerentes para obrigar a sociedade em termos de representação da mesma em juízo, pelo que é insuficiente para tal a assinatura de apenas um deles, o que acarreta que se verifica um vício de representação da sociedade ao outorgar procuração para os termos da presente acção, apenas mediante a assinatura de um dos seus gerentes.

De salientar que esta forma de obrigar a sociedade nem sequer pode ser derrogada mediante deliberação da respectiva assembleia geral, por a atribuição de poderes a um implicar a retirada de poderes a outro, o que a lei não consente.

Efectivamente, como se escreve, a título de exemplo, no Acórdão do STJ, de 23/09/2008, Processo 08A2239, disponível no mesmo sítio do anterior, “a distribuição interna de competências dos órgãos sociais e a forma de gestão e de representação de uma sociedade por quotas, definidas no pacto social, não podem ser objecto de deliberação dos sócios.”.

O mesmo é defendido por Raul Ventura, ob. cit., a pág.s 172 e 197, que ali refere que os “poderes representativos dos gerentes ficam imunes às restrições que os sócios pretendam estabelecer, quer logo no contrato de sociedade, quer posteriormente por meio de deliberações” e “ficando vedada aos sócios a criação de sistemas de gerência pelos quais alguns deles deixe de ter poderes representativos.”.

No mesmo sentido pugna Alexandre Soveral Martins in CSC Em Comentário, já citado, em anotação ao artigo 261.º, onde se refere que “Não poderá o contrato de sociedade retirar a qualquer dos gerentes os poderes de representação da sociedade. Como não poderá estabelecer um regime que, na prática, conduza a esse resultado. É que, dessa forma, o gerente que fosse abrangido por essa cláusula ficaria impedido de praticar os actos que fossem necessários ou convenientes para a realização do objecto social.”.

De tudo isto se impõe concluir que a sociedade ora ré não se encontra devidamente representada em juízo através da procuração que apenas se encontra assinada pela gerente D....

Alegadamente, apenas esta gerente a assinou atento a que se trata da representação da sociedade ré em acções que vão contra os interesses de outra sociedade de que é sócio maioritário o ora autor que, nessa qualidade, como é óbvio, está em manifesto conflito de interesses com a ora ré.

Mas, neste caso, tudo se passa como se se tratasse de um caso de falta temporária de todos os gerentes, havendo que, nos termos do artigo 253.º, n.os 1 e 2, transferir os poderes de representação para os sócios para a prática de um específico acto que se pressupõe urgente e em que se pode enquadrar a situação de existência de conflito de interesses entre um dos gerentes e a sociedade – neste sentido, Raul Ventura, ob. cit., pág.s 48 e 49, ali acrescentando que, nos termos do seu n.º 3, nada está previsto para o caso de falta temporária, caso em que os sócios “terão de encontrar remédio para a crise, por exemplo, designando temporariamente mais um gerente.”.

O mesmo é defendido por Ricardo Costa, CSC Em Comentário, já citado, pág.s 88 a 90, ali enquadrando a hipótese do “conflito de interesses”, que se pode resolver ou através da substituição de gerente ou mediante a alteração do pacto social e nada disto resultando, terá de solicitar-se ao tribunal a nomeação de um gerente.

Se bem que se diga que, na situação em apreço, em rigor, ambos os sócios estão em condições de exercer a gerência, tudo se resumindo a uma situação de incompatibilidade que importa ultrapassar.

Tudo o que ora se deixou dito, embora se aplique mais directamente ao fundo da questão (validade da deliberação), também é útil para a questão processual da representação da sociedade para os termos da causa, sendo difícil dissociar ambos planos, porque só se verifica a falta de representação se existir a necessidade de haver mais do que um gerente (no caso o autor) para representar a ré, através da outorga de procuração a Advogado para a representar nas ditas acções.

Como vimos, era necessária a intervenção de ambos os gerentes, o que, não se tendo verificado, como não se verificou, acarreta a falta de representação da sociedade para os termos da causa.

E um outro aspecto mais reforça esta conclusão e que se prende com o facto de a quota “residual” acima já referida pertencer em partes iguais a ambos os grupo de sócios, o que, na prática, impede o consenso para a tomada de qualquer decisão/deliberação e também, naturalmente, para a outorga de procuração a advogado para os pretendidos termos, aliado ao facto de, relativamente a esta quota, não se poder “cindir” o voto, cf. artigo 385.º, n.º 1, ex vi artigo 248.º, n.º 1, ambos do CSC e não intervindo o autor na deliberação, seja qual for a razão, relativamente a esta quota nunca se poderá ter em linha de conta a totalidade do voto a ela correspondente.

Mas este dissídio não pode conduzir à inactividade da ré e a forma de ultrapassar este impasse resultante da incompatibilidade/irredutibilidade das partes tem de colher-se do disposto no artigo 25.º, n.º 2, do NCPC, de acordo com o qual nos casos em que uma sociedade não tenha quem a represente ou ocorrendo conflito de interesses entre a ré e o seu representante, o juiz da causa designa representante especial.

Como refere M. Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, pág.s 146 e 147, há que distinguir, para efeitos da representação das pessoas colectivas entre as acções dessas entidades com terceiros, caso em que são representadas por quem os estatutos designarem –, os seus gerentes, no caso de sociedades por quotas e as acções entre a sociedade e o seu representante, caso em que se procede à nomeação de curador ad litem, dada a impossibilidade ou incompatibilidade em o representante, neste caso, assumir as suas funções de representação.

O mesmo defende Lebre de Freitas, CPC Anotado, 1.º, pág. 43, para o caso de existência de conflito de interesses entre a sociedade e o seu representante.

A nível jurisprudencial, no sentido ora propugnado, pode ver-se o Acórdão desta Relação, de 06/12/2005, Processo n.º 2546/05 e um outro da Relação do Porto, de 15/07/2009, Processo 199/07.5TYVNG-B.P1, ambos disponíveis dos respectivos sítios no itij.

Ou seja, impunha-se e impõe-se, a nomeação de um representante especial à sociedade ré para a representar para os termos da causa, nos termos do disposto no artigo 25.º, do NCPC, a fim de suprir esta falta de representação, nos termos do disposto nos artigos 27.º e 28.º do mesmo Código, sob pena de se verificar, como, de momento, se verifica irregularidade na representação judiciária da ré.

Após a nomeação deste representante especial, poderá este ratificar ou não a outorga de procuração em causa, do que haverá que extrair as devidas consequências a nível dos ulteriores termos do processo, em conformidade com o disposto no citado artigo 27.º, n.º 2.

Em suma, tem de proceder esta questão do recurso, nos termos expostos, havendo que nomear um representante especial à ré para os termos da causa.

Em face desta procedência ficam prejudicadas as questões relacionadas com o recurso da sentença final.

Nestes termos se decide:      

Julgar procedente o presente recurso de apelação, interposto do despacho saneador, em função do que se revoga a decisão recorrida, na parte em que julgou validamente representada a ré em juízo, que deve ser substituída por outra que nomeie um representante especial à mesma, com vista a suprir a invocada irregularidade de representação judiciária, nos moldes ora definidos;

Ficando prejudicado o conhecimento das questões relacionadas com a sentença final.

Custas a fixar a final.

            Coimbra, 14 de Outubro de 2014.

Arlindo Oliveira (Relator)

Emidio Francisco Santos

Catarina Gonçalves