Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
16/11.1PELRA-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS
TEP
TRIBUNAL DA CONDENAÇÃO
MANDADOS DE DETENÇÃO PARA CUMPRIMENTO DE PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 10/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CRIMINAL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 470.º, 471.º E 478.º, DO CPP; ARTS. 17.º, 97.º, N.º 2, 138.º, N.º 4, ALS. T) E X), DO CÓDIGO DA EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE (CEPMPL)
Sumário: Pertence ao tribunal da condenação, não ao TEP, a emissão de mandados de detenção visando o cumprimento, pelo condenado, de pena de prisão imposta por sentença transitada em julgado.
Decisão Texto Integral:









Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo comum coletivo n.º 16/11.1PELRA do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Leiria – JC Criminal – Juiz 2, após prolação de acórdão pelo Tribunal da Relação de Coimbra, confirmando a condenação proferida em 1.ª instância do arguido A... na pena única de 6 [seis] anos de prisão, por despacho judicial de 18.04.2017 foi declarada a incompetência material do Juízo Central Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria para proceder à emissão do mandados de detenção com vista ao arguido cumprir a pena de prisão em que foi condenado, tendo sido, então, considerado para o efeito competente o Tribunal de Execução de Penas de Coimbra.

2. Inconformado com a decisão recorreu o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões:

1.ª Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público do douto despacho de fls. 6309 no qual se declarou materialmente incompetente o Juízo Central Criminal da Comarca de Leiria e competente o Tribunal de Execução das Penas de Coimbra para proceder à emissão dos mandados de detenção do arguido A... a fim de cumprir a pena de prisão em que foi condenado.

2.ª Do cotejo das disposições legais conjugadas dos artigos 467º, nº 1, 470º, nº 1, 477º, nºs 2 e 4, todos do Código de Processo Penal e 138.º, nº 2, do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, resulta que:

a) Se “as decisões penais condenatórias transitada em julgado têm força executiva”;

b) Se a “execução da pena corre nos próprios Autos perante o Tribunal de 1ª Instância em que processo”;

c) Se a alteração legislativa efetuada ao disposto no artigo 477.º, n.ºs 2 e 4, do Código de Processo Penal manteve intocáveis as competências do Ministério Público junto do Tribunal da condenação para proceder ao cômputo da pena, o qual deverá ser objeto de homologação pelo Juiz;

d) Se compete ao Tribunal de Execução das Penas, para além do mais, “acompanhar a execução das penas”,

3.ª Impõe-se concluir que tudo pressupõe que o condenado se encontre em efetivo cumprimento de pena, pois sem a detenção e subsequente sujeição a reclusão do condenado, mostrar-se-á impossível proceder ao cômputo da pena em que este foi condenado, nos termos do disposto no artigo 477º, n.ºs 2 e 4, do Código de Processo Penal.

4.ª Ao decidir como doutamente se decidiu no douto despacho a quo nele foi violado o disposto nos artigos 467º, nº 1, 470º, nº 1, 477º, nºs 2 e 4, todos do Código de Processo Penal e o disposto no artigo 138º, nº 2, do Código de Execução de Penas e Medidas privativas da Liberdade, razão pela qual deverá ser revogado e mandado substituir por outro no qual se ordene a emissão de mandados de captura do arguido a fim de o mesmo dar início ao cumprimento da pena de prisão em que foi condenado.

Contudo, Vªs. Exas. decidirão conforme for de Lei e Justiça.

3. O recurso foi admitido com subida em separado e efeito meramente devolutivo.

4. O arguido não respondeu ao recurso.

5. Foi proferido despacho de sustentação da decisão recorrida.

6. Na Relação a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer pronunciando-se no sentido da procedência do recurso.

       7. Cumprido o nº 2 do artigo 417.º do CPP o arguido não reagiu.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cabendo, pois, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

Tendo presente as conclusões, pelas quais se delimita o objeto do recurso, a questão que urge decidir traduz-se em saber se competente para, na sequência de acórdão condenatório transitado em julgado, determinar a emissão de mandados de detenção com vista ao cumprimento da pena de prisão é o tribunal de execução das penas – conforme decidido pelo tribunal a quo – ou, ao invés, se para o feito a competência material pertence ao tribunal da condenação.

2. A decisão recorrida

Na parte relevante ficou a constar do despacho em crise:

«Após, cumpra o disposto no artigo 477º, do Código de Processo Penal, desde já se declarando, nos termos do disposto no artigo 138.º, n.ºs 2 e 4, alínea t), do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, o Juízo Central Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, e portanto os presentes autos, materialmente incompetente para proceder à emissão dos mandados de detenção do arguido A... a fim de o mesmo cumprir a pena de prisão a que foi condenado, mais declarando competente para o efeito o Tribunal de Execução de Penas de Coimbra».

3. Apreciação

A questão em dissídio traduz-se em saber se – como defende o recorrente - cabe ao tribunal da condenação, verificado o trânsito em julgado da sentença condenatória, emitir os mandados de detenção tendentes ao início da execução da pena de prisão, ou se, pelo contrário – como decidido nos autos - a competência material para o efeito pertence ao tribunal de execução das penas.

Trata-se de matéria que vem sendo decidida pelos tribunais superiores, não obstante longe de ser pacífica, registando-se várias decisões de sentido oposto - [cf. vg. os despachos proferidos nos conflitos relativos aos procs. 89/10.4GCFIG-A.C1, 734/11.4PBFIG-A.C1 e 205/14.7TXCBR-C.C1 do TRC, por um lado; os despachos proferidos no âmbito dos procs. nº 455/08.5PCAMD-A.L1-3 e 2615/11.2TXLSB-D.L1-9 do TRL, os acórdãos do TRL de 18.06.2015 e do TRP de 07.05.2014, por outro lado].

Na base do conflito surgem as alterações introduzidas pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro ao Código de Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade [CEPMPL] com origem a Proposta de Lei n.º 252/X, onde se lê: «No plano processual e no que se refere à delimitação de competências entre o tribunal que aplicou a medida de efetiva privação da liberdade e o Tribunal de Execução das penas, a presente proposta de lei atribui exclusivamente ao Tribunal e Execução das penas a competência para acompanhar e fiscalizar a execução de medidas privativas da liberdade, após trânsito em julgado da sentença que as aplicou. Consequentemente, a intervenção do tribunal da condenação cessa com o trânsito em julgado da sentença que decretou o ingresso do agente do crime num estabelecimento prisional, a fim de cumprir a medida privativa da liberdade. Este um critério simples, inequívoco e operativo de delimitação de competências, que põe termo ao panorama, atualmente existente, de incerteza quanto à repartição de funções entre dois tribunais, e, até de sobreposição prática das mesmas. Incerteza e sobreposição que em nada favorecem a eficácia do sistema.»

Porém, o propósito assim enunciado não dispensa a leitura articulada das normas que vieram a ter acolhimento no CEPMPL, como não prescindem dos preceitos pertinentes inscritos no Código de Processo Penal.

Incidindo neste último diploma, inserido nos Títulos I e II do Livro X da Parte II do CPP, e reportados à execução da pena, nomeadamente da pena de prisão, dispõem os artigos 470.º, 477.º, n.º 1, e 478.º:

[Artigo 470.º] “Tribunal competente para a execução”:

«1 - A execução corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1.ª instância em que o processo tiver corrido, sem prejuízo do disposto no artigo 138.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

2 – (…)».

[Artigo 477.º, n.º 1] “Comunicação da sentença a diversas entidades”:

«1 - O Ministério Público envia ao Tribunal de Execução das Penas e aos serviços prisionais e de reinserção social, no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado, cópia da sentença que aplicar pena privativa da liberdade.

(…).

[Artigo 478.º] “Entrada no estabelecimento prisional”:

«Os condenados em pena de prisão dão entrada no estabelecimento prisional por mandado do juiz competente».

Já o artigo 138.º do CEPMPL, introduzido precisamente pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, prescreve:

«1 - (…).

2 - Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respetiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal.

3 - (…).

4 - Sem prejuízo de outras disposições legais, compete aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria:

t) Emitir mandados de detenção, de captura e de libertação;

Ainda com relevância prescreve o artigo 17.º do mesmo diploma:

«O ingresso de recluso em estabelecimento prisional só pode ter lugar nos seguintes casos:

a) Mandado do tribunal que determine a execução da pena ou medida privativa da liberdade;

b) Mandados de detenção;

c) Captura, em caso de evasão ou ausência não autorizada

(…)».

Retornando à situação que nos ocupa, resulta da decisão recorrida que a sustentar a declaração de incompetência material do tribunal da condenação - Juízo Central Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - para a emissão de mandados de detenção com vista ao início do cumprimento pelo arguido da pena de prisão na sequência da condenação por acórdão do mesmo tribunal [confirmado pela Relação], transitado em julgado, se encontra o artigo 138.º, n.ºs 2 e 4, alínea t) do CEPMPL, cujo teor acima transcrevemos.

Salvo o devido respeito, numa interpretação sistemática do presente quadro normativo, afigura-se-nos não ser esse o melhor entendimento, desde logo em virtude de o caso – mandado de detenção, na sequência de decisão condenatória transitada, para dar entrada no estabelecimento prisional com vista ao início de cumprimento de pena viver à margem [não se inscrever] da competência para acompanhar, fiscalizar a execução das penas ou decidir da sua modificação, substituição ou extinção, devendo, assim, a alínea t), do n.º 4, do artigo 138.º do CEPMPL ser interpretada no sentido de a competência para emitir mandados de detenção apenas constituir atribuição do TEP quando o condenado já iniciou o cumprimento da pena, ou seja no decurso da respetiva execução.

Por outro lado, não encaramos o teor da Proposta de Lei, que originou a Lei n.º 115/2009, como idóneo a contrariar a posição que defendemos. Com efeito, a expressão «Consequentemente» utilizada depois da delimitação das competências do TEP – «… acompanhar e fiscalizar a execução de medidas privativas da liberdade, após o trânsito em julgado da sentença que as aplicou», estabelecendo uma relação de causa-efeito leva precisamente à conclusão que a cessação da intervenção do tribunal da condenação, uma vez ocorrido o trânsito em julgado da sentença, acontece com o início de execução da pena, ocasião em que, então sim, pode ter lugar o acompanhamento e fiscalização da execução das medidas privativas da liberdade.

Perfilhamos, pois, o entendimento vertido na decisão do TRC, de 29.03.2017, proferida no âmbito do conflito de competência [proc. n.º 92/15.8PTLRA – A.C1], do qual se respiga: «O artigo 138.º, n.º 2, do CEPMLP, delimita a competência do TEP, situando-a impressivamente nos domínios do acompanhamento e fiscalização da pena de prisão, e bem assim da modificação, substituição e extinção, da mesma, tudo sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do CPP, norma esta que, perante a entrada em vigor de lei mais favorável, faculta ao condenado a reabertura da audiência de modo a possibilitar a aplicação do novo regime substantivo penal.

Mas as normas já citadas, e outras inclusas no CEPMPL ou na lei adjetiva penal, não definem expressamente o tribunal a quem compete, no concreto caso, a emissão dos mandados de detenção.

Afigura-se-me, contudo, que, por determinismo sistemático e racional, os mandados de detenção, captura ou libertação inscritos na esfera de competência do TEP, previstos nos artigos 17.º, als. a) e b) e c), 23.º e 138.º, n.º 4, al. t), do CMPMPL, são decorrência funcional dos atos cuja prática - cf. artigo 138.º referido, n.ºs 1, 2 e 4 – está legalmente atribuída àquele tribunal. Dito por outras palavras, compete ao TEP emitir mandados de detenção, captura ou libertação, quando os mesmos se destinem a cumprir/executar decisões que lhe caiba proferir.

[…]

Assim, a título meramente exemplificativo, ao TEP compete emitir mandado de detenção visando a comparência de um libertado condicionalmente a certo ato processual, emitir mandados destinados à captura de recluso que se tenha ausentado ilegitimamente de Estabelecimento Prisional, e também emitir mandados de detenção consequenciais de contumácia declarada ao abrigo do artigo 138.º, n.º 4, alínea x, mas não, por conseguinte, como na situação génese deste conflito, proceder à emissão de mandados de detenção destinados a cumprimento de pena de prisão imposta por sentença transitada em julgado.

Em síntese conclusiva, os elementos interpretativos, de ordem literal e sistemática, projetam a teleologia das normas consideradas no sentido de a emissão de mandados de detenção contra condenado em pena de prisão, por sentença com trânsito em julgado, pertencer ao Tribunal da condenação», o que está de acordo com o caráter adjuvante que os ditos mandados, no caso, representam relativamente à condenação.

III. Decisão

Termos em que na procedência do recurso, reconhecendo a competência material para determinar a emissão de mandados de detenção com vista a que o condenado A... inicie o cumprimento da pena de seis anos de prisão que lhe foi aplicada, por acórdão transitado em julgado, no Processo Comum Coletivo n.º 16/11.1PELRA ao Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Leiria – JC Criminal – Juiz 2 [tribunal da condenação], se revoga o despacho recorrido.

Sem tributação.

Coimbra, 11 de Outubro de 2017

[Processado e revisto pela relatora]

(Maria José Nogueira – relatora)

(Isabel Valongo – adjunta)