Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1570/20.2T8CVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO FRANCISCO SANTOS
Descritores: SEPARAÇÃO JUDICIAL DE BENS
DIVÓRCIO ANTERIOR
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 12/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DA COVILHÃ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 715.º, N.º 1, 1688.º, 1689.º, N.º 1, E 1767.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – Não é legalmente admissível a um ex-cônjuge requerer a separação judicial de bens depois de ter sido decretado o divórcio.

II – Estando a autora divorciada do réu, a ação de simples separação judicial de bens é manifestamente improcedente, pelo que a decisão que se impunha, findos os articulados, sem necessidade de mais provas, era a de improcedência da ação.

Decisão Texto Integral:
Relator: Emídio Francisco Santos
Adjuntos: Catarina Gonçalves
Maria João Areias


Processo n.º 1570/20.2T8CVL.C1

Acordam na 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

AA, residente em ..., ... – ..., propôs contra BB, residente na Rua ..., ..., ..., acção de separação judicial de bens.

Para o efeito alegou:
· Que foi casada com o réu desde 25 de Fevereiro de 1978 a 15 de Setembro de 2005, data em que o casamento foi dissolvido por divórcio;
· Que ela, autora, foi citada, no processo de execução n.º 2044/18...., que corre termos no Juízo Central Cível ..., para intentar acção de separação de bens, sob pena de serem penhorados bens comuns;
· Que as dívidas foram contraídas após o divórcio e exclusivamente pelo réu, desconhecendo a autora se existem outros incumprimentos por parte dele, réu;
· Que é de concluir que o comportamento do réu coloca em perigo o património da autora que ainda se encontra em compropriedade.

Citado, o réu não contestou.

Findos os articulados, o Meritíssimo juiz do tribunal a quo conheceu imediatamente do mérito da causa, julgando a acção improcedente e absolvendo, em consequência, o réu do pedido.

O recurso

A autora não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo se declarasse nula a sentença e se julgasse a acção totalmente procedente, sendo o réu condenado no pedido.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes:
1. O réu, regularmente citado, não contestou a acção intentada pela autora, o que determina a sua condenação nos termos do artigo 567º CPC;
2. Não se realizou a audiência de discussão e julgamento, o que determinou a impossibilidade da tomada de depoimento de parte e de declarações de parte, que se revelavam manifestamente imprescindíveis para a boa decisão da causa;
3. Contradição insanável entre os factos provados e não provados, nomeadamente, após analise dos pontos n.º 2.º a 5.º, inexplicavelmente, não se tenha provado que as dívidas foram contraídas após o divórcio e exclusivamente pelo réu.
4. Violação do preceituado no artigo 567.º do CPC.

Não houve resposta ao recurso.


*

Seguindo a ordem das conclusões, as questões suscitadas pelo recurso são as seguintes:
· Saber se o facto de o réu não contestar a acção implicava a sua condenação nos termos do artigo 567.º do CPC;
· Saber se a não realização da audiência determinou a impossibilidade de tomada de depoimento de parte e declarações de parte que se revelavam manifestamente imprescindíveis para a boa decisão da causa;
· Saber se há contradição insanável entre factos provados e não provado.

Estava naturalmente indicado passar à resolução destas questões segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica. Sucede que, estando a autora e o réu divorciados desde 15 de Setembro de 2005 (facto plenamente provado através de certidão do assento de nascimento do réu), já não é admissível separação judicial de bens. Logo é inútil estar a conhecer das questões suscitadas pela recorrente. 

Vejamos.

O artigo 1767.º do Código Civil, relativo aos fundamentos da separação, estabelece: “qualquer dos cônjuges pode requerer a simples separação judicial de bens quando estiver em risco de perder o que é seu pela má administração do outro cônjuge”.

Apesar de não dizer expressamente que o requerimento deve ser feito na constância do casamento, é com este sentido que deve ser interpretado o preceito. Com efeito, a acção de separação judicial de bens visa uma modificação da relação matrimonial no que diz respeito aos bens, como o inculcam claramente as palavras da lei. A modificação consiste no essencial no seguinte:
· Após o trânsito em julgado da sentença que decretar a separação judicial de bens, o regime matrimonial passa a ser o da separação (1.ª parte do n.º 1 do artigo 1770.º do Código Civil). Tal significa “que cada um deles conserva o domínio e fruição de todos os seus bens presentes e futuros, podendo dispor deles livremente” (artigo 1735.º, do Código Civil). Socorrendo-nos das palavras de Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, “… a simples separação de bens opera uma modificação do regime de bens do casamento e, portanto, uma modificação, no plano dos bens, do estado de casado, ficando os cônjuges, embora casados, o estado de separados de bens” [Curso de Direito da Família, Volume I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, página 555].
· Procede-se à partilha do património comum como se o casamento tivesse sido dissolvido (2.ª parte do n.º 1 do artigo 1770.º do Código Civil).

Como é bom de ver, a modificação do regime matrimonial só tem razão de ser no caso de o regime de bens do casamento ser um regime da comunhão de bens (comunhão de adquiridos ou comunhão geral) e no caso de ainda não terem cessado as relações patrimoniais entre os cônjuges. Se o regime de bens for o da separação será inútil a acção de separação. Se as relações patrimoniais entre eles já tiverem cessado já não poderão ser modificadas. Ora, no caso, as relações patrimoniais entre os cônjuges cessaram com o divórcio (artigo 1688.º do Código Civil).

Admitir a separação judicial de bens depois de o casamento ter sido dissolvido por divórcio seria admitir a modificação do regime de bens depois de já não haver casamento, o que claramente não é admitido pela lei. Com efeito, o regime de bens do casamento resultante da lei pode ser modificado excepcionalmente nos casos previstos no n.º 1 do artigo 715.º do Código Civil, e nenhum deles compreende a modificação depois do divórcio.

Quanto ao outro efeito da separação judicial de bens – o direito de partilhar o património comum como se o casamento tivesse sido dissolvidoele já se produziu com o divórcio. Na verdade, cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges, o que se segue é a partilha dos bens comuns do casal, como o atesta o n.º 1 do artigo 1689.º do Código Civil ao dispor: “cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges, estes ou os seus herdeiros recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património”.

Diga-se, por fim, ainda contra a pretensão da recorrente que o meio processual próprio para requerer a separação de bens a que se refere o n.º 1 do artigo 740.º do CPC é o inventário para partilha dos bens comuns do casal e não a acção de separação judicial de bens.

Em síntese:
· Não é legalmente admissível a um ex-cônjuge requerer a separação judicial de bens depois de ter sido decretado o divórcio;
· Estando a autora divorciada do réu, a acção de simples separação judicial de bens é manifestamente improcedente;
· A decisão que se impunha findos os articulados, sem necessidade de mais provas, era a improcedência da pretensão deduzida pela autora.

Assim, embora por razões diferentes das da decisão recorrida, é de manter a mesma.


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Decisão:

Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.


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Responsabilidade quanto a custas:

Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e a circunstância de a recorrente ter ficado vencida no recurso, condena-se a mesma nas respectivas custas.

Coimbra, 13 de Dezembro de 2022