Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
603/07.2PEAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
Data do Acordão: 02/16/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL DE AVEIRO - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ART.ºS 77º E 78º, DO C. PENAL
Sumário: A sentença para elaboração de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente do concurso de crimes deve obedecer ao regime geral de fundamentação a que alude o n.º 2, do art.º 374º, do C. Proc. Penal, atendendo a que se procedeu a um novo julgamento, autónomo (art.º 472º, n.º 1, do C. Proc. Penal), para avaliar, em conjunto, os factos e a personalidade do agente referenciada à globalidade dos factos (art.ºs 77º, n.º 1 e 78º, n.º 1, do C. Proc. Penal).
Decisão Texto Integral:

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I - RELATÓRIO

RS... veio interpor recurso do acórdão, proferido em 9-10-2010, que procedeu aos cúmulos jurídicos das penas em que foi condenado e, fixou as penas únicas em 7 anos de prisão e 3 anos de prisão (penas a cumprir sucessivamente).

As razões da discordância encontram-se expressas nas conclusões da sua motivação de recurso onde refere que:
1- O presente recurso vem interposto do Douto Acórdão proferido a fls. dos autos, que efectuou o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao recorrente, nos processos em que foi condenado.
2- O referido Acórdão condenou o recorrente em dois cúmulos jurídicos.
3- No primeiro cúmulo jurídico entre as penas aplicadas nos processos referidos em 3., 4., 5., 9., 10., 11. e 12., da matéria de facto provada no Douto Acórdão (correspondentes, respectivamente, aos seguintes processos: Processo Comum Singular n.º 2222/04.6PBAVR, do 3° Juízo Criminal do Tribunal de Aveiro; Processo Comum Singular n.º 87/04.7GDAVR do 3° Juízo Criminal do Tribunal de Aveiro; Processo Comum Singular n.º 979/04.3PBAVR, do 3° Juízo Criminal do Tribunal de Aveiro; Processo Comum Colectivo n.º 1155/04.0PBAVR, do Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro; Processo Comum Singular n.º 1242/04.5TAAVR, do Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro; Processo Comum Colectivo n.º 2381/04.PEAVR, do Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro; Processo Comum Colectivo n.º 890/04.8PBAVR, do Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro), condenou o recorrente numa PENA ÚNICA de 7 (sete) anos de prisão;
4- No segundo cúmulo jurídico entre as penas aplicadas nos processos referidos em 1., 2., 6. e 7., da matéria de facto provada no Douto Acórdão (correspondentes, respectivamente, aos seguintes processos: Processo Comum Singular n.º 603/07.2PEAVR, ou seja, estes autos; Processo Comum Singular n.º 1419/06.9TAAVR, do 3º Juízo Criminal do Tribunal de Aveiro; Processo Comum Singular n.º 811.05.0GBILH, do 1º Juízo do Tribunal de Ílhavo; Processo Abreviado n.º 252/06.2PTAVR, do Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo), condenou o recorrente numa PENA ÚNICA de 3 (três) anos de prisão.
5- Salvo o devido respeito, que é sempre muito, o recorrente não concorda com o Douto Acórdão recorrido.
6- No segundo cúmulo jurídico efectuado pelo Tribunal «a quo» foi englobada indevidamente a pena parcelar de 5 (cinco) meses de prisão em que o recorrente foi condenado no Processo Abreviado n.º 252/06.2PTAVR, pendente no Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo (ponto 7. da matéria de facto).
7- No âmbito do Processo n.º 252/06.2PTAVR, a correr os seus termos no Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo, o recorrente foi condenado numa pena única de 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de 2 (dois) anos, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3°, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 2/98 de 03/01 e de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348°, n.º 1, alínea a) do Cód. Penal.
8- Todavia, conforme se refere no Douto Acórdão, por despacho datado de 12/10/2009, junto aos autos a fls., o referido cúmulo jurídico foi desfeito, em virtude de o crime de desobediência em causa ter sido objecto de descriminalização, operada com a reforma do Cód. Proc. Penal no ano de 2007, tendo sido, em conformidade, declarada extinta esta pena parcelar - a qual, não foi englobada, e bem, no presente cúmulo jurídico - e mantido a suspensão pelo período de 2 (dois) anos da restante pena parcelar de 5 (cinco) meses de prisão, relativa ao crime de condução sem habilitação legal.
9- Todavia, por despacho datado de 14-06-2010, junto aos autos a fls., a suspensão da execução dessa pena veio a ser revogada e ordenado o seu cumprimento, atendendo ao facto de o recorrente alegadamente ter praticado um crime de condução sem habilitação legal, durante o prazo de suspensão da execução da referida pena parcelar de 5 (cinco) meses de prisão, referente ao Processo Sumário n.º 1064/09.7PTAVR, a correr também termos no Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo.
10- O recorrente só no final da Audiência do cúmulo jurídico, depois de o Despacho a designar data para leitura do Acórdão ter sido proferido, teve conhecimento deste processo, pois apenas tinha noção de que no Tribunal de Ílhavo pendiam dois processos, um dos quais, o Processo n.º 811/05.0GBILH, que foi o que determinou a sua detenção, tendo já cumprido a pena desse processo, de 10 meses de prisão e o processo acima mencionado n.º 252/06.2PTAVR.
11- Só posteriormente, quando foi junta aos autos a certidão da Decisão relativa ao Processo Sumário n.º 1064/09.7PTAVR e a respectiva acta da Audiência de Julgamento, constatou que este processo não lhe dizia respeito, tendo junto aos presentes autos um requerimento a informar desta situação (cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais), pois apesar do arguido nestes autos ter o mesmo nome do recorrente, não se trata da mesma pessoa, visto que, por comparação dos elementos de identificação de ambos, tais são diferentes, o que próprio Acórdão a fls. , ao fazer alusão a este requerimento, dá como provado.
12- Com efeito, a referida pena parcelar de cinco meses de prisão foi revogada por erro cometido pelo Tribunal de Ílhavo, dado que, afinal, durante o período da suspensão, o recorrente não praticou qualquer crime, devendo, antes ter declarado a extinção da pena pelo decurso do prazo de suspensão.
13- A pena parcelar de cinco meses de prisão está extinta pelo decurso do prazo de suspensão: a Decisão transitou em julgado no dia 04-09-2007 e a suspensão terminou no dia 04-09-2009, e, durante este período da suspensão, o recorrente não praticou qualquer crime. O crime destes autos foi praticado antes da data do trânsito em julgado daquela decisão, ou seja, no dia 03/04/2007.
14- O Tribunal de Ílhavo tinha obrigação de aferir se havia correspondência entre os elementos de identificação dos arguidos.
15- Acresce ainda o facto de que o arguido à data da prática dos factos em causa no Processo Sumário n.º 1064/09.7PTAVR, no dia 26/04/2008, já se encontrava preso a cumprir a pena respeitante ao Processo Comum Singular n.º 811/05.0GBILH, desde o dia 17/03/2008.
16- O Tribunal ignorou por completo que o arguido nessa data estava preso, conforme este afirmou em declarações no processo n.º 252/06.2PTAVR, facto que o Tribunal não considerou e não chegou a ser devidamente averiguado pelo Tribunal.
17- Portanto, conforme já acima se referiu, esta pena foi englobada indevidamente no cúmulo jurídico das penas.
18- Ao fazê-lo, o Tribunal "a quo" violou as disposições legais dos n.ºs. 1 e 2 do artigo 77° do Cód. Penal.
19- Esta pena não pode ser incluída no cúmulo jurídico, dado que, está já extinta pelo decurso do prazo de suspensão.
20- É de todo injusto o recorrente ter de cumprir uma pena que está extinta pelo decurso do prazo de suspensão, e que por esta razão não pode ser incluída no cúmulo jurídico, pois é evidente que esta situação não o beneficia, antes só o prejudica.
21- Esta questão é prévia e prejudicial à realizacão do cúmulo jurídico.
22- O Tribunal "a quo", tendo em conta que deu como provado o que foi exposto no requerimento referido na conclusão n.º 11, devia ter conhecido desta questão prévia porque era prejudicial à realização do cúmulo jurídico e de conhecimento oficioso.
23- Ao invés disso, o Tribunal "a quo" não se pronunciou sobre esta questão, o que afecta a Decisão, pois, salvo o devido respeito, está errada.
24- Assim, com vista ao Tribunal "ad quem" poder pronunciar-se sobre essa questão e a corrigir o erro, com todas as consequências legais, uma vez que, doutra forma a Decisão seria nula, o Recorrente requereu no Processo Abreviado n.º 252/06.2PTAVR, pendente no Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo, a rectificação do erro cometido, ou seja, que seja declarada extinta a pena parcelar de 5 (cinco) meses de prisão pelo decurso do prazo de suspensão e ordenado o arquivamento desses autos, bem como, a comunicação desse despacho a estes autos, para que o recurso possa prosseguir (Cfr. o requerimento ora junto cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais).
25- Por conseguinte, o Venerando Tribunal da Relação deve proferir decisão em que se conheça desta QUESTÃO PRÉVIA E PREJUDICIAL e, em conformidade, seja descontada a pena parcelar de 5 cinco meses de prisão da moldura penal máxima do cúmulo jurídico, e seja fixada uma nova pena única, em medida obviamente inferior a que foi fixada.
26- O recorrente discorda também da medida concreta das penas únicas que foram fixadas, porquanto considera que são desajustadas e excessivas, atendendo a todo um conjunto de circunstâncias e factos que permitiam que essas penas tivessem sido fixadas em medida mais baixa.
27- No que importa à determinação da medida da pena única do cúmulo jurídico, estatui o n.º 1 do artigo 77° do Cod. Penal que, "na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente", sem esquecer, obviamente, os critérios definidos no n.º 1 e nas alíneas do n.º 2 do artigo 71º do Cód. Penal e as finalidades da aplicação da pena que estão estabelecidas no artigo 40° do Cód. Penal.
28- No particular caso da determinação da medida da pena única do cúmulo jurídico, a disposição supra citada impõe que seja feita uma ponderação conjunta, de forma a correlacionar-se os factos e a personalidade do agente.
29- Essa ponderação deve ser feita para cada cúmulo jurídico, porque os factos são diferentes.
30- No caso em apreço, o Acórdão Recorrido fez uma fundamentação global para os dois cúmulos jurídicos, quando, na verdade, deveria ter fundamentado em separado cada cúmulo jurídico, porque, como se disse, os factos são diferentes.
31- Repare-se que, no primeiro cúmulo jurídico as condenações são por crimes de roubo e um crime de furto qualificado; já no segundo cúmulo jurídico as condenações são por um crime de roubo, um crime de tráfico de menor gravidade e dois crimes de condução sem habilitação legal.
32- Como se pode aferir os factos são diferentes e os crimes englobados no segundo cúmulo jurídico não têm uma ressonância tão desvaliosa, atendendo a que inclui crimes de menor gravidade, como são os crimes de condução sem habilitação legal.
33- Nesta parte, o Acórdão não faz qualquer ponderação conjunta dos factos e da personalidade do agente, como impõe a citada norma do n.º 1 do artigo 77° do Cód. Penal.
34- O que equivale a dizer que, pelo menos quanto ao segundo cúmulo jurídico, o Acórdão recorrido não contém qualquer fundamentação, o que constitui uma nulidade do Acórdão, nos termos do disposto no n.º 1, da alínea a) do artigo 379° do Cód. Proc. Penal, tendo em conta que a Jurisprudência do STJ qualifica esta situação como um vício de falta de fundamentação (Cfr.: o aresto do STJ de 30/06/2006, publicado no site www.dgsi.pt. onde pode ser consultado).
35- Acresce ainda que, os factos provados e outros factos abonatórios que não foram sequer valorados, por não terem sido julgados provados, apesar de o recorrente entender que eram relevantes para a determinação das penas, e que, por isso, deveriam ter sido julgados provados, permitem formular um juízo mais favorável sobre a personalidade do recorrente e sobre as necessidades de ressocialização do mesmo (prevenção especial de socialização).
36- Os factos provados permitem extrair a conclusão de que o recorrente está inserido ao nível profissional, social e familiar, tem o apoio dos pais, tem vontade de estudar, está a fazer um tratamento para abandonar a sua dependência e não tem mais processos penais pendentes em Tribunal.
37- Existem outros factos abonatórios que o recorrente considera relevantes para a determinação das penas e que não foram valorados por não terem sido julgados provados, apesar de deverem ser julgados provados.
38- Tais factos resultaram dos esclarecimentos solicitados ao recorrente pela Defesa, declarações que se encontram gravadas através de sistema integrado de gravação digital, ou seja, em CD, indicando-se as concretas passagens das declarações do recorrente que impõem que esses factos sejam dados como provados pelo Venerando Tribunal da Relação.
39- O recorrente, quando questionado sobre o seu arrependimento quanto aos factos que praticou, afirmou "estou arrependido".
E quando interrogado sobre se tinha objectivos depois de cumprir pena, o recorrente afirmou ter objectivos firmes que pretende concretizar quando sair em liberdade, tais como: "continuar a ser acompanhado no exterior por um psicólogo"; "continuar o tratamento de desintoxicação"; "continuar a trabalhar na construção civil na mesma empresa em que trabalhava" e se tinha apoio dos pais, em termos logísticos, onde morar, afirmou "na casa dos meus pais".
40- Estes factos são relevantes pois mostram que o recorrente tem vontade de recuperação, de ressocializar-se, e de ter no futuro um comportamento conforme com as normas jurídicas e o Direito.
41- Tais factos são importantes para aferir a personalidade do recorrente e as necessidades de ressocialização do mesmo.
42- Estes factores relevam para determinar a medida das penas únicas, o que exige a ponderação conjunta dos factos e da personalidade do agente e a apreciação das exigências de prevenção especial de socialização.
43- Nesta medida, o Tribunal "a quo" efectuou uma valoração incorrecta da personalidade e das necessidades de ressocialização do recorrente, de molde a cumprir os pressupostos legais ínsitos nos artigos 71º e 77° do Cód. Penal, e assim determinar de maneira mais ajustada a medida das penas únicas.
44- As penas fixadas são desadequadas às necessidades de ressocialização do recorrente e, ao fazê-lo, o Tribunal "a quo" violou as disposições legais dos artigos 710 e 77° do Cód. Penal.
45- Nesta medida, estes pontos de facto foram incorrectamente julgados.
46- Em face dos factos provados e dos factos supra referidos que deveriam ter sido dados como provados, e tendo também em conta a idade jovem do recorrente, à data da prática dos factos, entre os 17 anos e 20 anos de idade, as penas únicas devem ser fixadas em medida inferior à determinada, porquanto a personalidade do recorrente é favorável e as necessidades de ressocialização do mesmo não são tão prementes, conforme decorre do supra exposto.
47- Por conseguinte, o recorrente considera, nos termos da alínea a) e c) do n.º 2 do artigo 410° do Cód. Proc. Penal, que a matéria de facto dada como provada foi mal valorada e é insuficiente para condenar nas penas únicas que o Tribunal "a quo" determinou em 3 anos e 7 anos de prisão, as quais devem ser fixadas por V. Exas. em medida inferior.
48- O recorrente, impugna a decisão da matéria de facto, a qual considera que foi incorrectamente julgada, impondo-se, por conseguinte, que sejam dados também como provados os factos acima referidos, em face das declarações do recorrente que estão documentadas em gravação digital (CD), (cuja transcrição se requereu no Requerimento de Interposição de Recurso, dando-se aqui o seu teor por integralmente reproduzido), os quais, no seu conjunto com os factos dados como provados, impõem decisão diversa da recorrida, ou seja, permitem que as penas únicas sejam fixadas pelo Venerando Tribunal da Relação em medida inferior àquelas em que o recorrente foi condenado.
49- Foram violadas as normas constantes dos artigos 40°, 71º, 77° e 78° do Cód. Penal e dos artigos 7° e 374°, n.º 2 do Cód. Proc.Penal.
50- Termos em que V. Exas. farão JUSTIÇA.
Nestes termos, e nos melhores de Direito aplicável, e sempre com o Douto suprimento de V. Exas., deve o Venerando Tribunal da Relação conceder provimento ao presente Recurso, e, em consequência, anular a Decisão proferida e substituí-la por outra em que se conheça da QUESTÃO PRÉVIA E PREJUDICIAL e, em conformidade, seja descontada a pena parcelar de 5 cinco meses de prisão da moldura penal máxima do segundo cúmulo jurídico e se fixem novas penas únicas inferiores àquelas em que o arguido foi condenado, por se considerar que as penas fixadas são desajustadas, nos termos supra expostos.
*
Respondeu o Magistrado do MºPº junto do tribunal a quo concluindo que:
1- O recorrente foi condenado na pena única de 3 (três) anos de prisão, que inclui as penas parcelares dos processos referidos em1, 2, 6 e 7, e nela incluiu-se a pena do processo 252/06.2 PTAVR, da Pequena Instância Criminal de Ílhavo, referida sob o n.º 7, e onde foi erradamente revogada a suspensão da pena aplicada.
2- SEM PRESCINDIR: o recorrente considera excessivas as penas únicas aplicadas, por não terem em devida conta e ponderação a personalidade do recorrente, onde se integra o profundo arrependimento manifestado na audiência de cúmulo, pelos ilícitos praticados, e ao qual se não faz alusão no Acórdão ora impugnado.
3- Como consta do ponto 7 do Acórdão de Cúmulo proferido nestes autos, constata-se o seguinte:
a) No P. 252/06.2PTAVR da Pequena Instância Criminal de Ílhavo, sobrevivia a uma condenação inicial, uma pena residual de 5 (cinco) meses de prisão, que se encontrava suspensa na sua execução – cfr. CRC.
b) Conforme se alcança de fls. 474 a 476 destes autos, naquele processo de Ílhavo, foi proferido despacho a revogar a decretada suspensão da pena.
c) A fls. 547, o Tribunal de Ílhavo solicita a colocação do arguido à ordem daqueles autos, para cumprir a referida pena residual de cinco meses de prisão.
e) Conforme se pode ler do despacho do Tribunal de Ílhavo, a fls. 475, foi revogada a suspensão da pena ao arguido, devido à condenação que este sofreu no P.1064/09.7PTAVR, também daquele Juízo.
f) E, conforme se alcança de fls. 610 e seguintes destes autos, onde consta a sentença proferida no tal P. 1064/09.7PTAVR, o arguido aí condenado tem o mesmo nome do recorrente, mas não é o recorrente, sendo que esta sentença foi junta aos autos antes do Acórdão de Cúmulo proferido nestes autos.
g) O cúmulo de penas efectuado teve em consideração a condenação proferida pelo Tribunal de Ílhavo, enquanto pena de prisão efectiva, na sequência da revogação da suspensão da pena.
4- Ora, pese embora estarmos na presença de decisões transitadas proferidas pelo Tribunal de Ílhavo, e não sendo este o Tribunal competente para as rever, mas não devendo prosseguir-se no erro, depois de cabalmente comprovado, e não se devendo ter uma posição dogmática do conceito de caso julgado, sendo certo que a todo o tempo se pode reformular o cúmulo jurídico, aconselha o bom senso que se não deverá integrar nesta pena única aquela pena parcelar aplicada pelo Tribunal de Ílhavo, enquanto pena de prisão efectiva, após a "errada" revogação da suspensão da pena.
5- Quanto à omissão dos factos dados como provados relativos aos crimes em concurso, bem como ao arrependimento manifestado pelo recorrente nesta audiência de cúmulo de penas, parece-nos que os factos dados como provados sob as als. a) a g) cumprem essa tarefa, embora também se aceite que tal referência pode ser insuficiente, de acordo com a Jurisprudência dominante do STJ, e atrás por nós citada.
6- As penas únicas encontradas, sem prejuízo da não consideração como pena de prisão efectiva a aplicada no processo n.º 7, acham-se ajustadas à culpa do agente e às necessidades de prevenção, em estrita observância do disposto no art. 71º do CP.
Nestes termos, aceitando-se que o recurso poderá parcialmente proceder, pelo menos no que diz respeito à não inclusão da pena aplicada no processo sob n.º 7, enquanto pena de prisão efectiva, será feita JUSTIÇA.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência parcial do recurso, remetendo para a resposta do MP junto do tribunal recorrido.
Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, o arguido não respondeu.
Os autos tiveram os vistos legais.
***

II- FUNDAMENTAÇÃO

Da decisão recorrida consta o seguinte (por transcrição):
Dos elementos constantes dos autos resulta que o arguido foi julgado e condenado nos seguintes processos:

1. Nestes autos – fls. 162/170.
Data dos factos: 03-04-2007.
Data da decisão: 16-07-2008.
Data do trânsito: 15-09-2008.
Foi condenado na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão pela prática de um crime de roubo previsto e punido pelo artigo 210º nº1 do Código Penal.

2. No Processo Comum Singular nº 1419/06.9TAAVR – 3º Juízo Criminal do Tribunal de Aveiro - fls. 241/250.
Data dos factos: 10-06-2006.
Data da decisão: 08-01-2008.
Data do Trânsito: 25-02-2008.
Foi condenado na pena de 15 (quinze) meses de prisão, pela prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25º alínea a) do Decreto-lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro.

3. No Processo Comum Singular nº 2222/04.6PBAVR - 3º Juízo Criminal do Tribunal de Aveiro - fls. 252/266.
Data dos factos: 14-11-2004.
Data da decisão: 04-03-2008.
Data do Trânsito: 14-05-2008.
Foi condenado na pena de 2 (dois) anos de prisão, pela prática de um crime de roubo previsto e punido no artigo 210º nº 1 do Código Penal; na pena de 2 (dois) anos de prisão, pela prática de um crime de roubo previsto e punido no artigo 210º nº 1 do Código Penal.
Foi-lhe aplicada a pena única de 3 (três) anos de prisão.

4. No Processo Comum Singular nº 87/04.7GDAVR - 3º Juízo Criminal do Tribunal de Aveiro - fls. 268/277.
Data da decisão: 29-09-2005.
Data do Trânsito: 05-12-2005.
Foi condenado na pena de 1 (um) ano de prisão, pela prática de um crime de roubo previsto e punido no artigo 210º nº1 do Código Penal.
A pena aplicada foi suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, sujeitando-se o arguido durante esse período, a acompanhamento por parte do IRS.
Por despacho datado de 03-04-2008, já transitado em julgado, foi revogada aquela suspensão e determinado o cumprimento da pena de 1 (um) ano de prisão.

5. No Processo Comum Singular nº 979/04.3PBAVR- 3º Juízo Criminal do Tribunal de Aveiro - fls. 279/288.
Data dos factos: 20-05-2004.
Data da decisão: 28-10-2005.
Data do Trânsito: 14-11-2005.
Foi condenado na pena de 1 (um) ano de prisão, pela prática de um crime de roubo, previsto e punido no artigo 210º nº 1 do Código Penal.
A pena aplicada foi suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, sujeitando-se o arguido durante esse período, a acompanhamento por parte do IRS.
Por despacho datado de 09-01-2008, já transitado em julgado, foi revogada aquela suspensão e determinado o cumprimento da pena de 1 (um) ano de prisão.

6. No Processo Comum Singular nº 811/05.0GBILH – 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ílhavo - fls. 293/297.
Data dos factos: 31-12-2005.
Data da decisão: 11-06-2007.
Data do Trânsito: 10-09-2007.
Foi condenado na pena de 8 (oito) meses de prisão pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º nº1 do Decreto-lei nº 2/98 de 03-01; na pena de 4 (quatro) meses de prisão pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º nº 1 alínea a) do Código Penal, por referência ao artigo 387º nº 2 do CPP.
Foi-lhe aplicada a pena única de 10 (dez) meses de prisão.

7. No Processo Abreviado nº 252/06.2PTAVR – Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo - fls. 384/392.
Data dos factos: 09-02-2007 e 10-02-2007.
Data da decisão: 12-06-2007.
Data do Trânsito: 04-09-2007.
Foi condenado na pena de 5 (cinco) meses de prisão pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º nº1 do Decreto-lei nº 2/98 de 03-01; na pena de 5 (cinco) meses de prisão pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º nº 1 alínea a) do Código Penal.
Foi-lhe aplicada a pena única de 9 (nove) meses de prisão.
A pena aplicada foi suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos.
Por despacho datado de 12-10-2009, já transitado em julgado, foi declarada extinta a pena parcelar de cinco meses de prisão, aplicada pela prática de um crime de desobediência, permanecendo a pena de cinco meses de prisão relativa ao crime de condução sem habilitação legal.
Conforme consta de fls. 474/476, por despacho datado de 14-06-2010 (não transitado em julgado na data em que foi fornecida a infirmação – 23-06-2010 – mas que já terá transitado nesta data, uma vez que, conforme consta a fls. 547, foi solicitado o desligamento destes autos e colocação do arguido à ordem daqueles outros, para cumprimento da pena de cinco meses de prisão), foi aquela suspensão revogada e determinado o cumprimento da pena de 5 (cinco) meses de prisão.

8. No Processo Comum Singular nº 628/06.5PBAVR – Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro - fls. 398/409.
Data dos factos: 08 ou 09 de Abril de 2006.
Data da decisão: 01-07-2008.
Data do Trânsito: 21-07-2008.
Foi condenado na pena de 10 (dez) meses de prisão pela prática de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212º nº 1 do Código Penal; na pena de 45 (quarenta e cinco) dias de prisão pela prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191º do Código Penal.
Foi-lhe aplicada a pena única de 11 (onze) meses de prisão.
A pena aplicada foi suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano.
Por despacho datado de 14-07-2010, já transitado em julgado, foi declarada extinta a pena por ter decorrido o prazo de suspensão da mesma, sem se verificarem motivos para a sua revogação – Cfr. fls. 544/546.

9. No Processo Comum Colectivo nº 1155/04.0PBAVR - Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro - fls. 444/449.
Data dos factos: 10-06-2004.
Data da decisão: 04-05-2006.
Data do Trânsito: 27-07-2006.
Foi condenado na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, pela prática de um crime de roubo, previsto e punido no artigo 210º nº 1 do Código Penal.
A pena aplicada foi suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos.
Por despacho datado de 21-05-2009, já transitado em julgado, foi revogada aquela suspensão e determinado o cumprimento da pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão.

10. No Processo Comum Singular nº 1242/04.5TAAVR - Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro - fls. 525/535.
Data dos factos: 03-06-2004.
Data da decisão: 06-12-2005.
Data do Trânsito: 10-01-2006.
Foi condenado na pena de 15 (quinze) meses de prisão, pela prática de um crime de roubo, previsto e punido no artigo 210º nº 1 do Código Penal.
A pena aplicada foi suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos.
Por despacho datado de 12-01-2009, já transitado em julgado, foi revogada aquela suspensão e determinado o cumprimento da pena de 15 (quinze) meses de prisão.

11. No Processo Comum Colectivo nº 2381/04.8PEAVR - Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro - fls. 564/582.
Data dos factos: 12-12-2004.
Data da decisão: 30-05-2006.
Data do Trânsito: 14-06-2006.
Foi condenado na pena de 16 (dezasseis) meses de prisão, pela prática de um crime de roubo, na forma consumada, previsto e punido no artigo 210º nº 1 do Código Penal; na pena de 16 (dezasseis) meses de prisão, pela prática de um crime de roubo, na forma consumada, previsto e punido no artigo 210º nº 1 do Código Penal e na pena de 8 (oito) meses de prisão, pela prática de um crime de roubo na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 210º nº1 e 22º nº 1 e 2 alínea a) do Código Penal.
Foi-lhe aplicada a pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
A pena aplicada foi suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos.
Por despacho datado de 06-05-2009, já transitado em julgado, foi revogada aquela suspensão e determinado o cumprimento da pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

12. No Processo Comum Colectivo nº 890/04.8PBAVR - Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro - fls. 584/602.
Data dos factos: 09-05-2004.
Data da decisão: 14-02-2006.
Data do Trânsito: 101-03-2006.
Foi condenado na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado previsto e punido pelos artigos 203º e 204º nº2 alínea e) do Código Penal.
A pena aplicada foi suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.
Por despacho datado de 18-12-2008, já transitado em julgado, foi revogada aquela suspensão e determinado o cumprimento da pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão.
*
Porque resultava do teor de fls. 474/476 que existiria um outro processo que havia determinado a revogação da suspensão da pena aplicada no Processo Abreviado nº 252/06.2PTAVR, concretamente, o Processo Sumário nº 1064/09.7PTAVR, solicitou-se informação sobre o mesmo.
Nessa sequência, foi junta aos autos certidão da decisão proferida nesses autos.
Contudo, conforme bem assinala o arguido em requerimento que, já depois de encerrada a audiência, juntou aos autos, embora o arguido ali condenado tenha o mesmo nome que o arguido nos presentes autos, não se trata da mesma pessoa, na medida em que, os restantes elementos de identificação não coincidem.
Assim, e sem prejuízo de serem adoptadas as medidas que forem tidas por convenientes quando o presente acórdão for conhecido daqueles autos, a decisão em causa nada tem a ver com o arguido e, naturalmente, será ignorada.
*
No mesmo requerimento, o arguido salienta que a pena aplicada nos autos de Processo Comum Singular nº 811/05.0GBILH, já foi declarada extinta pelo cumprimento, o que deverá ser tido em consideração na presente decisão.
Ora, como veremos a seguir, da nova redacção dada ao artigo 78º do Código Penal resulta que as penas extintas pelo cumprimento, caso se verifiquem os demais pressupostos do concurso superveniente de penas, integram o cúmulo. Feito o cúmulo jurídico de penas, haverá que, em sede de liquidação da pena, levar em conta o tempo de prisão já sofrido à ordem dos processos que o integram.
*
Para além das condenações mencionadas de 1. a 12., o arguido já foi condenado pela prática de crime de condução sob o efeito de álcool e condução sem habilitação legal, em pena de multa (Processo Abreviado nº 2176/03.6PEAVR); abuso de confiança, em pena de multa (Processo Comum Singular nº 2596/03.6PBAVR); furto simples, em pena de multa (Processo Comum Singular nº 560/03.4GCAVR); dois crimes de roubo, em pena de prisão suspensa na sua execução e declarada extinta pelo decurso do prazo desta (Processo Comum Colectivo nº 2349/04.4PEAVR); roubo, em pena de prisão suspensa na sua execução e declarada extinta pelo decurso do prazo desta (Processo Comum Singular nº 1163/04.1PBAVR) e condução sem habilitação legal, em pena de multa (Processo Abreviado nº 242/04.0GDAVR.
*
Mais se provaram os seguintes factos:
a) - O arguido, está preso à ordem dos presentes autos desde 15-11-2009, conforme mandado de ligamento de fls. 341 e tinha estado antes preso à ordem do processo mencionado em 5.
b) – O arguido, antes de ser preso, trabalhava na construção civil.
c) – O arguido iniciou o consumo de heroína com 18 anos de idade e, os crimes contra o património por que foi condenado tinham por objectivo, essencialmente, a obtenção de dinheiro para poder sustentar o seu vício.
d) – Quando foi detido tinha iniciado o tratamento de desintoxicação, tratamento que mantém, estando integrado no programa de metadona.
e) – Vive em união de facto com uma companheira e o casal tem a cargo dois filhos de 5 e 3 anos de idade. A companheira, actualmente, não exerce actividade remunerada, recebe a título de RSI a quantia mensal de € 55,00 e sobrevive com a ajuda dos pais.
f) – O arguido beneficia, no exterior, do apoio dos pais que o visitam com alguma regularidade no Estabelecimento Prisional.
g) – O arguido tem como habilitações literárias o 7º Ano de escolaridade e, no Estabelecimento Prisional, está a continuar os seus estudos.
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Inexistem factos não provados com relevância para a decisão.

Ao dar como provados os factos que antecedem, a convicção do tribunal resultou das certidões de fls. 241/250, 252/266, 268/277, 279/288, 293/297, 384/392, 398/409, 444/449, 525/535, 584/602 e 564/582, do teor dos ofícios de fls. 544/546 e 547, e bem assim, do teor do acórdão proferido nos presentes autos a fls. 162/170.
Mais se considerou o teor do CRC de fls. 419 a 438.
A situação pessoal do arguido resultou do teor das declarações prestadas em audiência pelo mesmo, sobre esses aspectos.
***

APRECIANDO

Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas limitam o seu objecto, no presente recurso vêm suscitadas as seguintes questões:
- a pena parcelar de 5 meses de prisão em que o recorrente foi condenado no Processo Abreviado n.º 252/06.2PTAVR, pendente no Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo (ponto 7. da matéria de facto), foi indevidamente englobada no segundo cúmulo jurídico (onde foi fixada a pena única de 3 anos de prisão);
- a nulidade da decisão recorrida, por falta de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 379º, n.º 1, al. a) do CPP;
- a medida concreta das penas únicas que foram fixadas, as quais considera desajustadas e exageradas.
*

A-
Alega o recorrente que “No segundo cúmulo jurídico efectuado pelo Tribunal «a quo» foi englobada indevidamente a pena parcelar de 5 (cinco) meses de prisão em que o recorrente foi condenado no Processo Abreviado n.º 252/06.2PTAVR, pendente no Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo (ponto 7. da matéria de facto)”.

O acórdão recorrido procedeu ao cúmulo jurídico das várias penas em que o arguido foi condenado; no entanto, tendo em conta as respectivas relações de concurso foram efectuados dois cúmulos jurídicos: um, que fixou a pena única em 7 anos de prisão (englobando as penas aplicadas nos processos referidos em 3., 4., 5., 9., 10., 11. e 12. da factualidade provada), e o outro que fixou a pena única em 3 anos de prisão (englobando as penas aplicadas nos processos referidos em 1., 2., 6. e 7. da factualidade provada).
No âmbito do proc. n.º 252/06.2PTAVR, tal como foi dado como provado no ponto 7., o arguido:
«Foi condenado na pena de 5 (cinco) meses de prisão pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º nº1 do Decreto-lei nº 2/98 de 03-01; na pena de 5 (cinco) meses de prisão pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º nº 1 alínea a) do Código Penal.
Foi-lhe aplicada a pena única de 9 (nove) meses de prisão.
A pena aplicada foi suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos.
Por despacho datado de 12-10-2009, já transitado em julgado, foi declarada extinta a pena parcelar de cinco meses de prisão, aplicada pela prática de um crime de desobediência, permanecendo a pena de cinco meses de prisão relativa ao crime de condução sem habilitação legal.
Conforme consta de fls. 474/476, por despacho datado de 14-06-2010 (não transitado em julgado na data em que foi fornecida a informação – 23-06-2010 – mas que já terá transitado nesta data, uma vez que, conforme consta a fls. 547, foi solicitado o desligamento destes autos e colocação do arguido à ordem daqueles outros, para cumprimento da pena de cinco meses de prisão), foi aquela suspensão revogada e determinado o cumprimento da pena de 5 (cinco) meses de prisão.».

Acresce que, deu ainda o tribunal a quo como provado o seguinte (a fls. 6 do acórdão recorrido):
«Porque resultava do teor de fls. 474/476 que existiria um outro processo que havia determinado a revogação da suspensão da pena aplicada no Processo Abreviado nº 252/06.2PTAVR, concretamente, o Processo Sumário nº 1064/09.7PTAVR, solicitou-se informação sobre o mesmo.
Nessa sequência, foi junta aos autos certidão da decisão proferida nesses autos.
Contudo, conforme bem assinala o arguido em requerimento que, já depois de encerrada a audiência, juntou aos autos, embora o arguido ali condenado tenha o mesmo nome que o arguido nos presentes autos, não se trata da mesma pessoa, na medida em que, os restantes elementos de identificação não coincidem.
Assim, e sem prejuízo de serem adoptadas as medidas que forem tidas por convenientes quando o presente acórdão for conhecido daqueles autos, a decisão em causa nada tem a ver com o arguido e, naturalmente, será ignorada.».

Ou seja, o Processo Sumário nº 1064/09.7PTAVR determinou (erradamente) a revogação da suspensão da execução da pena aplicada no Processo Abreviado nº 252/06.2PTAVR. Porém, nada tendo o arguido a ver com o referido proc. nº 1064/09.7PTAVR, a pena que lhe foi imposta no proc. nº 252/06.2PTAVR manteve-se suspensa na sua execução.
Assim, tendo a sentença proferida no proc. 252/06.2PTAVR transitado em julgado em 4-9-2007 e, tendo a pena (remanescente) de 5 meses de prisão ficado suspensa pelo período de 2 anos, não tendo o arguido praticado neste lapso de tempo outro crime, pelo qual fosse condenado, já há muito que deveria ter sido declarada extinta a pena pelo decurso do prazo da suspensão (artigo 57º, n.º 1 do CP).

A propósito do conhecimento superveniente do concurso, dispunha o artigo 78°, n.º 1 do Código Penal (na redacção de 1995) que “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior”.
Com as alterações ao Código Penal introduzidas pela Lei n.º 59/2007, de 4.9, o n.º 1 do artigo 78° passou a ter a seguinte redacção: “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”.
E no n.º 2: “O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado”.

Conforme o Ac. do STJ de 15-4-2010, proferido no proc. 852/03.2PASNT.L1.S1-3ªSec., in www.dgsi.pt:
«I- A alteração legislativa dada pela Lei n.º 59/2007, de 04-09, ao n.º 1 do art. 78.º do CP, foi inquestionavelmente no sentido de incluir no cúmulo as penas cumpridas, que serão descontadas na pena única, como expressamente se dispõe no texto legal. Por força desse desconto, a inclusão dessas penas não envolve nenhum prejuízo para o condenado, podendo, ao invés, representar um significativo benefício.
II- Mas a situação é diferente relativamente às penas prescritas ou extintas. Embora a letra da lei aparentemente consinta a inclusão, essas penas devem ser excluídas. É que, se elas entrassem no cúmulo, interviriam como factor de dilatação da pena única, sem qualquer compensação para o condenado, por não haver nenhum desconto a realizar.
III- Ora, se essas penas foram apagadas da ordem jurídico-penal, por renúncia do Estado à sua execução, renúncia essa definitiva, recuperar tais penas, por via do concurso superveniente, seria subverter o carácter definitivo dessa renúncia. Seria, afinal, condenar outra vez o agente pelos mesmos factos, seria violar frontalmente o princípio non bis in idem, consagrado no art. 29.º, n.º 5, da CRP. Consequentemente, há que excluir da pena conjunta as penas prescritas e extintas que entraram no concurso.»

Em consequência, a pena de 5 meses de prisão que havia sido imposta ao arguido no proc. n.º 252/06.2PTAVR, referida no ponto 7. da matéria de facto provada, deixará de integrar o segundo cúmulo jurídico (nele apenas serão englobadas as penas dos processos mencionados 1., 2. e 6.).

Procede, assim, nesta parte, o recurso.
*

B-
Sustenta o recorrente que o acórdão recorrido é nulo, nos termos das alíneas a) do n.º 1 do artigo 379º do CPP.
Para tanto, refere que o Acórdão “não faz qualquer ponderação conjunta dos factos e da personalidade do agente, como impõe o n.º 1 do artigo 77º do Cód. Penal”, “faz uma fundamentação global para os dois cúmulos jurídicos, quando, na verdade, a fundamentação deveria ter sido feita em separado para cada cúmulo, porque os factos são diferentes”, e que quanto ao segundo cúmulo “em que os crimes englobados não têm uma ressonância tão desvaliosa, atendendo a que se inclui crimes de menor gravidade, como são os crimes de condução sem habilitação legal (…) não contém qualquer fundamentação”.

Como dispõe o n.º 2 do artigo 374º do CPP, ao relatório da sentença segue-se a sua fundamentação com a enumeração dos factos provados, e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Tal dever de motivação emerge directamente de um dever de fundamentação de natureza constitucional - artigo 205º - em relação ao qual ponderam Gomes Canotilho e Vital Moreira que é parte integrante do próprio conceito de estado de direito democrático, ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e da garantia do direito ao recurso (Constituição Anotada, pág. 799).
A questão que se coloca é a de saber se a sentença para elaboração de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente do concurso de crimes deve obedecer ao regime geral de fundamentação a que alude o n.º 2 do citado artigo 374º, atendendo a que se procedeu a um novo julgamento, autónomo (art. 472º, n.º 1 do CPP), para avaliar, em conjunto, os factos e a personalidade do agente referenciada à globalidade dos factos (artigos 77º, n.º 1 e 78º, n.º 1 do CPP).
A jurisprudência maioritária do STJ vem nesse sentido, ou seja, de que a sentença de um concurso de crimes deve ser elaborada como qualquer outra – entre outros, os acórdãos de 20.01.10, de 10.02.10 e de 09.06.10, proferidos nos processos n.ºs 39/03.4GCLRS-A.L1.S1, 392/02.7PFLRS.L1.S1 e 29/05.2GGVFX.L1.S1.

No caso vertente, embora não tenha sido efectuada uma descrição dos factos efectivamente praticados na sua singularidade circunstancial, foram indicadas as datas da prática dos factos, da decisão e do respectivo trânsito em julgado, quais os crimes praticados pelo arguido (e os respectivos dispositivos legais) e as penas em que foi condenado (no sentido da suficiência destes elementos, cfr. a justificação e declaração de voto do relator do acórdão do STJ, Conselheiro Oliveira Mendes, proferido em 14-7-2010, disponível em www.dgsi.pt).
*
Ainda como fundamento da invocada nulidade alega o recorrente que a decisão recorrida “não faz qualquer ponderação conjunta dos factos e da personalidade do agente, como impõe o n.º 1 do artigo 77º do Cód. Penal” e “faz uma fundamentação global para os dois cúmulos jurídicos, quando, na verdade, a fundamentação deveria ter sido feita em separado para cada cúmulo, porque os factos são diferentes

Como sabemos, o julgamento do concurso de crimes constitui um novo julgamento e, a decisão dele decorrente apresentará uma específica fundamentação, onde são avaliados a globalidade dos factos constantes nas decisões condenatórias e a personalidade do agente.
Na determinação da pena única a aplicar ao arguido há que ponderar o conjunto de todos os factos, o grau de ilicitude dos mesmos, o grau de culpa, as exigências de prevenção especial, a personalidade do agente, as necessidades de prevenção geral, atenta a natureza e o número de crimes cometidos.
Como ensina o Prof. Figueiredo Dias, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no artigo 71º, n.º 1, um critério especial: o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte. Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado; sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.
Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização) ( - Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2005, §§ 420 e 421, págs. 290/292.).

Na fundamentação de direito indicou o tribunal a quo quais as regras, critérios e limites a observar no concurso de crimes e do seu conhecimento superveniente, pelo que necessariamente acabou por efectuar uma fundamentação global para os dois cúmulos jurídicos e, porque indicou quais as condenações englobadas em cada um dos dois, deverá entender-se que a fundamentação acabou por ser feita relativamente a cada um dos cúmulos.

Efectivamente a personalidade do arguido constitui elemento essencial na elaboração do cúmulo jurídico.
Como frisa Maia Gonçalves ( - Código Penal Português Anotado e comentado, 10ª ed., pág. 294, nota 4.) “na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor a personalidade do agente, a qual deve ser objecto de especial fundamentação na sentença”.
Ora, face à factualidade dada como provada nas alíneas a) a g), e ainda ao que consta na fundamentação de direito, onde se dá conta das condições pessoais, familiares e sociais do arguido, e de que “a prática destes ilícitos esteve essencialmente ligada à problemática da toxicodependência”, e que “Quando foi detido tinha iniciado o tratamento de desintoxicação, tratamento que mantém, estando integrado no programa de metadona”, e “está a continuar os seus estudos”, afirgura-se-nos que a decisão recorrida ponderou conjuntamente os factos e a personalidade do arguido.

Nos termos expostos, entendemos que a fundamentação de facto efectuada no acórdão recorrido é suficiente, não se verificando a nulidade prevista na al. a) do n.º 1 do artigo 379º do CPP. Por outro lado, inexistem os vícios a que aludem as alíneas do n.º 2 do artigo 410º do CPP, os quais teriam de resultar do próprio texto da decisão recorrida.
Improcede, neste particular, o recurso.
*
C-
Argumenta o recorrente que a medida concreta das penas únicas fixadas são desajustadas e exageradas, pugnando pela sua diminuição, atendendo a que os factos foram praticados entre os seus 17 a 20 anos de idade.

Quanto à punição do concurso, estabelece o n.º 2 do artigo 77º do CP que «A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.»

Vejamos quais os crimes e respectivas penas englobados em cada um dos cúmulo jurídicos:
a) no primeiro cúmulo, foram englobados os processos mencionados em 3., 4., 5., 9., 10., 11. e 12., tendo o arguido sido condenado, respectivamente:
- pela prática de dois crimes de roubo, em 14-11-2004, na pena de 2 anos de prisão, por cada um dos crimes (contava 18 anos de idade);
- pela prática de um crime de roubo, em 12-4-2004, na pena de 1 ano de prisão (contava 17 anos de idade);
- pela prática de um crime de roubo, em 20-5-2004, na pena de 1 ano de prisão (contava 17 anos de idade);
- pela prática de um crime de roubo, em 10-6-2004, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão (contava 17 anos de idade);
- pela prática de um crime de roubo, em 3-6-2004, na pena de 15 meses de prisão (contava 17 anos de idade);
- pela prática de três crimes de roubo, sendo um tentado, em 12-12-2004, na penas parcelares de 16 meses de prisão, 16 meses de prisão e 8 meses de prisão (contava 18 anos de idade);
- pela prática de um crime de furto qualificado, em 9-5-2004, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão (contava 17 anos de idade).
A moldura penal abstracta correspondente ao concurso é assim de 2 anos e 9 meses de prisão, o limite mínimo, e 15 anos e 1 mês de prisão, o limite máximo.

b) no segundo cúmulo, deixando de se considerar a pena de 5 meses de prisão referida no ponto 7. (conforme referido em A. deste acórdão), estão englobados os processos mencionados em 1., 2. e 6., tendo o arguido sido condenado, respectivamente:
- pela prática de um crime de roubo, em 3-4-2007, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, (contava 20 anos de idade);
- pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, em 10-6-2006, na pena de 15 meses de prisão, (contava 19 anos de idade);
- pela prática de um crime de condução sem habilitação legal e um crime de desobediência, em 31-12-2005, respectivamente nas penas de 8 meses e 4 meses de prisão, (contava 19 anos de idade).
A moldura penal abstracta correspondente ao concurso é assim de 1 ano e 8 meses de prisão, o limite mínimo, e 3 anos e 11 meses de prisão, o limite máximo.

Como verificamos, os crimes englobados no primeiro cúmulo, todos eles contra o património (9 roubos, sendo 1 tentado e, 1 de furto qualificado), foram praticados quando o arguido contava 17 e 18 anos de idade. Já os crimes englobados no segundo cúmulo, sendo de natureza diversa (1 roubo, 1 tráfico de menor gravidade, 1 condução sem habilitação legal e 1 desobediência), foram praticados quando o arguido contava 19 e 20 anos de idade.
De realçar, que os crimes foram cometidos pelo arguido num quadro de toxicodependência em que então se inseria. Actualmente, o arguido está a ser acompanhado e medicado relativamente a tal dependência de drogas.
Nos termos expostos e, tendo presente que a aplicação de penas visa a reintegração do agente na sociedade (art. 40º, n.º 1 do CP), entendemos que a pena única fixada no primeiro cúmulo (de 7 anos de prisão) se mostra elevada, afigurando-se-nos adequada a pena única de 6 (seis) anos de prisão.
Quanto ao segundo cúmulo (que já não inclui a pena parcelar de 5 meses de prisão), também a pena única deverá sofrer uma diminuição, afigurando-se-nos adequada a pena única de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão.


*****

III- DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:
- Conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:
a) a pena de 5 meses de prisão que havia sido imposta ao arguido no proc. n.º 252/06.2PTAVR, referida no ponto 7. da matéria de facto provada, deixará de integrar o segundo cúmulo jurídico (nele apenas serão englobadas as penas dos processos mencionados 1., 2. e 6.);
b) - fixar em 6 (seis) anos de prisão, a pena única do cúmulo jurídico onde foram englobados os processos mencionados em 3., 4., 5., 9., 10., 11. e 12.;
- fixar em 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão, a pena única do cúmulo jurídico onde foram englobados os processos mencionados em 1., 2. e 6.;
c) manter, no mais, o acórdão recorrido.
Sem custas (artigo 513º, n.º 1 do CPP, na redacção dada pelo DL n.º 34/2008, de 26.02).
*****
Coimbra,