Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1130/09.9JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: DENÚNCIA DE MÁ FÉ
RESPONSABILIDADE DO DENUNCIANTE
CONDENAÇÃO DO DENUNCIANTE EM CUSTAS PROCESSUAIS
OMISSÃO DO DENUNCIANTE EXERCER O CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 07/03/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE SERTÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 327º E 520º CPP
Sumário: Se o Tribunal tiver condenado o denunciante em custas, por denúncia de má fé, sem lhe ter dado previamente a possibilidade de exercer o contraditório, a sentença é nula nessa parte.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi decidido:
- Absolver o arguido A... de um crime de passagem de moeda falsa, previsto e punível nos termos do disposto no art. 265.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, de cuja prática, em autoria material, na forma consumada, vinha acusado, extinguindo quanto ao mesmo o T.I.R. prestado nos autos.
- Condenar o denunciante B... nas custas e encargos criminais, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) U.C., nos termos das disposições conjugadas dos arts. 374, n.º 4, 513, n.ºs 1 a 3, 514, esp. 520, al. c), do Código de Processo Penal, e 1, 2, 3, 5, e 8, n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais, e respetiva Tabela Anexa, uma vez que “denunciou de má-fé”, sabendo da falsidade da denúncia, de que foi o denunciante que passou as notas falsas, que o arguido era inocente, e pretendendo dessa forma, ilegitimamente e ilicitamente, fazer-se passar por “lesado em 1.000 euros”.
Inconformado, o denunciante B..., apresenta recurso para esta Relação.
Na sua motivação, apresenta as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso:
1) Na douta sentença recorrida o Tribunal a quo condenou o Recorrente/Denunciante por "denúncia de má-fé" nas custas e encargos criminais, em taxa de justiça em 6 (seis) U.C., nos termos das disposições conjugadas dos art°s 374, n° 4, 513, nºs 1 a 3, 514, esp. 520, al. c) do Código de Processo Penal, e 1, 2, 3, 5 e 8, n° 5 do Regulamento das Custas Processuais, e respetiva Tabela Anexa, considerando que aquele sabia da falsidade da denúncia, de que foi o denunciante que passou as notas falsas, que o arguido era inocente, e pretendendo dessa forma, ilegitimamente e ilicitamente, fazer-se passar por “lesado em 1.000 euros”.
2)A sentença recorrida padece de contradição insanável na fundamentação por dar simultaneamente por provados e não provados factos de forma inconciliável e ininteligível, ou seja:
3)O tribunal a que dá por provado que supostamente o arguido se tenha dirigido ao Recorrente logo após ter recebido as notas em pagamento e contado as mesmas e logo percecionou duas notas como falsas o que disse ao Recorrente (factos provados 4 e 5)
4)e como não provado que D) O arguido não ignorava e sempre possuiu integral conhecimento do facto referido em 5), isto é que as duas notas eram falsas.
5)Trata-se de matéria de facto provada e não provada que está em contradição, porque se o arguido se apercebeu que as duas notas eram falsas, não podia não ignorar que o eram.
6)Por conseguinte, verifica-se na sentença o vício de contradição insanável na fundamentação, constante do art. 410 n° 2, al, b) do C.P.P.
7)O tribunal a quo ao condenar o Recorrente nos termos referidos supra em conclusão 1, constantes da DECISÃO FINAL, violou o princípio do contraditório disposto nos arts. 327 nº 1 e 323, nº 1 al. f) do C.P.P., uma vez que, ao Denunciante não foi concedido o direito de se pronunciar sobre a possibilidade de ser condenado por "denúncia de má fé", direito que não poderá ser precludido.
8)Tanto mais que, o Recorrente não se fez acompanhar de mandatário forense na audiência de julgamento e teve conhecimento da decisão final por notificação postal que da mesma lhe foi efetuada.
9)O Tribunal a quo não fundamenta de Direito a decisão de condenar o Recorrente, apenas faz remissão às disposições legais aplicáveis na decisão final.
10)E para fundamentar de facto a decisão de condenar o Recorrente em custas e encargos criminais, assenta tão só a sua decisão na versão que dos factos deu o arguido, e conjugando-a com as regras da experiência comum.
11)Sucede que, nem os Órgãos de policia Criminal que procederam à investigação, nem o M.P. concluíram pela não credibilidade da Denúncia efetuada pelo Recorrente, antes a valorizaram, de tal modo que, tratando-se de crime público o M.P. deduziu Acusação.
12) Ora, a versão do arguido não pode, por si só, sustentar a existência de Denúncia de má-fé, não existe na sentença recorrida um grau de certeza e probabilidade tal que assentando em provas objetivas e credíveis, para além daquelas declarações do arguido, permitisse concluir pela Decisão final de que se recorre, pelo que, o Tribunal fundamenta aquela decisão em conclusões e deduções e não em certezas e provas objetivas, violando o disposto no art. 379, n° 1 alo c) e 374 n° 2 do C.P.P..
13)O Tribunal a quo condena o Denunciante por denúncia de má fé pelos factos:
- "denunciou de má fé, sabendo da falsidade da denúncia, de que foi o denunciante que passou as notas falsas, que o arguido era inocente e pretendendo desta forma, ilegitimamente e ilicitamente, fazer-se passar por “lesado em 1000 euros”(DECISÃO FINAL):
- B... entregou 12 notas de 500 euros ao arguido nas quais se incluem as notas referidas em 2) (FACTO PROVADO 3;
Factos que não constavam da acusação, nem faziam parte do objeto do processo e que não comunicou ao denunciante para deles se defender.
14)Procedeu à alteração dos factos constantes da acusação dando por provado o facto referido em 3), PARTE FINAL, de modo a que o Recorrente venha a ser alvo de processo criminal, como foi determinado "final, também aqui em violação do princípio do contraditório e particularmente do disposto no art. 359 do C.P.P., conduzindo deste modo à nulidade da sentença Recorrida nos termos dos art. 379, n° 1 als. b) e c) do C.P.P.
15)E também conheceu de questões de que não podia conhecer, porque tais factos não constam do objeto do processo, como se disse, nem fundamenta de Direito, na parte da motivação a decisão que a final condenou o Recorrente, deste modo violando a sentença o disposto no art. 374, nº 2 do C.P.P. sendo também aqui NULA.
16) A decisão recorrida viola pois os arts. 374, n° 4, 513, nºs 1 a 3, 514, 520, al. c) do Código de Processo Penal, e 1,2,3, 5 e 8, n° 5 do Regulamento das Custas Processuais, e respetiva Tabela Anexa,
Deve ser dado provimento ao presente Recurso, conhecendo-se dos vícios invocados, dando-lhe provimento, anulando-se assim a sentença Recorrida e sendo revogada a decisão que condenou o Recorrente como denunciante de má fé.
Na resposta apresentada o Mº Pº, conclui que deverá negar-se provimento ao recurso e manter-se a decisão recorrida.
Em despacho proferido é sustentada a decisão, entendendo-se inexistirem nulidades.
E, foi admitido o recurso, mas limitado à parte em que o denunciante/recorrente foi condenado como “denunciante de má fé”.
Nesta Relação, o Ex.mº P.G.A. entende, em questão prévia, que suscita, que, o recurso é extemporâneo, por aplicação do disposto no art. 27 nº 6 do RGP (Regulamento das Custas Processuais), ou tendo em conta a data da notificação expressa na PR (Prova de Registo) e sobre o objeto do recurso, concordante com a resposta do Mº Pº na 1ª Instância, entende que o recurso não merece provimento.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
O recorrente/denunciante apresenta resposta, defendendo a tempestividade do recurso, porque na nota de notificação lhe é referido, “a presente notificação presume-se efetuada no 3º dia útil posterior ao seu envio”.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:
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Cumpre decidir:
Questão prévia da extemporaneidade do recurso:
1-Notificação por carta registada com PR:
Nos termos do art. 113 nº 1 do CPP, as notificações efetuam-se por:
-Contato pessoal com o notificando;
-Via postal registada;
-Via postal simples;
-Editais e anúncios.
No caso em análise foi utilizada a via postal registada, sendo que neste caso e conforme preceitua o nº 2 do mesmo preceito, as notificações se presumem feitas no 3º dia útil posterior ao do envio.
O (PR) Prova de Receção e data aí aposta, não produz qualquer efeito, nomeadamente para contagem de prazos e apenas poderá servir para o notificando ilidir a presunção daquele nº 2 (a pedido do notificado e no seu interesse).
Neste sentido, conferir Acórdão desta Relação de 12-07-2006, proferido no processo 496/01.3TACBR-A.C1, “A notificação por carta registada presume-se consumada no terceiro dia útil posterior à expedição da carta.
Tal presunção só pode ser ilidida a pedido e no interesse do notificado e não por iniciativa do Tribunal”.
Esta é a orientação seguida em vários acórdãos consultados.
Apenas se entende dever ser tida em conta a data da entrega da carta ao notificando, quando a notificação for feita por carta registada com AR (Aviso de Receção).
Assim o entendeu o Acórdão da Relação de Guimarães, de 29-12-2004, proferido no processo nº 1756/04-2, que entendeu este tipo de notificação não previsto no art. 113 do CPP, mas não ilegal. “I– Apesar do disposto no art. 113, nº 1, al. b) do C.P.Penal, é possível fazer-se a notificação por carta registada com aviso de receção. II– Efetuada notificação de decisão através de carta registada com A/R, deve prevalecer a contagem do início do prazo com a assinatura do aviso e não a partir do 3º dia da presumida receção – art. 113, nº 2 do C.P.Penal”.
Assim, temos que a notificação ao recorrente foi efetuada nos termos previstos no art. 113 nº 1 al. b), pelo que se presume a notificação feita no 3º dia útil posterior ao do envio, conforme nº 2 do mesmo preceito.
-Artigo 27 nº 6 do RCP:
Este preceito reporta-se a condenações em multa ou outra penalidade, das partes ou outros intervenientes em que o recurso deve ser apresentado nos 15 dias após a notificação do despacho que condenou.
Nos autos a condenação do denunciante é nas “custas e encargos criminais”.
O art. 3 do RCP faz a distinção, referindo o nº 1 o que deve entender-se por custas processuais e o nº 2 refere que as multas e outras penalidades são sempre fixadas de forma autónoma.
Assim que no caso concreto não é aplicável aquele art. 27 nº 6 do RCP.
E, se entende como tempestivo o recurso.
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A condenação do denunciante foi ao abrigo do art. 520 do CPP, “Paga também custas o denunciante, quando se mostrar que denunciou de má fé ou com negligência grave”.
O recorrente questiona:
- Falta de salvaguarda do contraditório.
- Inobservância do dever de fundamentação;
A nossa lei processual penal define, caso a caso, quando deve ser aberto contraditório. Assim, cfr., nomeadamente os artigos 82-A, 139, n.º 3, 165, n.º 2, 289, n.º 1, 323, al. f), e 327, n.º 2, todos do CPP.
Mas, ex vi do disposto no art. 4 do CPP é aplicável o disposto no artigo 3 do CPC, o irrestrito ónus, pendente sobre o decisor, de dar voz a todos os interessados sobre a decisão em vias de ser proferida.
Refere aquele art. 327 que “as questões incidentais sobrevindas no decurso da audiência são decididas pelo tribunal, ouvidos os sujeitos processuais que nelas forem interessados”.
O Tribunal Constitucional no Ac. de 6de Maio de 1993 in BMJ 427-57, refere que “o sentido essencial do princípio do contraditório está em que nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem nenhuma decisão (mesmo só interlocutória) deve aí ser tomada pelo juiz sem que previamente tenha sido dada ampla e efetiva possibilidade ao sujeito processual contra a qual é dirigida de a discutir, de a contestar, de a valorar”.
Deve seguir-se solução idêntica à condenação por litigância de má fé, “Podendo ser oficiosa (não requerida por qualquer das partes nos articulados) a condenação por litigância de má fé, tanto das partes processuais como dos seus representantes, por ela resultar dos factos assentes ou provados (arts. 456, nº/s 1 e 2 e 458, ambos do CPC), não deve, todavia, decretar-se a mesma sem prévia audição dos visados sobre os concretos factos que a esse título lhe são imputados e as razões jurídicas que a determinam, sob pena de se cometer uma nulidade processual por inobservância do contraditório, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 3, nº/s 2 e 3, 3-A e 201, nº1, todos do CPC” – Ac. da Rel. do Porto de 15-07-2009, proferido no processo nº 981/08.6TBOVR.P1 - 3ª Sec.
O princípio do contraditório não é um princípio que respeite à decisão, mas ao itinerário que a ela conduz.
Assim, como refere o acórdão da Relação do Porto de 27 de Outubro de 2010, proferido no Processo n.º 832/09.4TAOAZ.P1 e consultável na Coletânea de jurisprudência, on line, ref. 6090/2010: «I- O juiz, sob pena de violar o princípio do contraditório, só pode condenar o denunciante em sanção pecuniária, por utilização abusiva do processo, depois de o ouvir».
No caso dos presentes autos foi inegavelmente postergado esse momento processual de ouvir o visado antes da condenação.
Entendemos que não basta como se refere no despacho de sustentação, “Quanto à falta de contraditório, o mesmo foi integralmente facultado em audiência de discussão e julgamento - como melhor até resulta da documentação/gravação da prova, ainda que o denunciante não estivesse à data representado por advogado, tendo o mesmo sido advertido várias vezes, simultaneamente com as demais testemunhas, quanto às consequências da prestação de depoimentos inverídicos em audiência de julgamento, pelo que está cumprido integralmente o direito de contraditório do denunciante/recorrente - art. 3 do CPC ex vi art. 4 CPP, ou arts. 323, 327 do CPP, sendo que este último é apenas para questões incidentais, e a questão em causa não é incidental, faz parte do próprio objeto do processo, é a tributação do processo em causa, decidida a final.
Uma dessas consequências é a condenação em custas e encargos criminais, quando o denunciante "denuncia de má-fé" - art. 520, al. c), do CPP.
O denunciante assume tal qualidade quando denuncia, sabendo, nos termos do arts. 520 c), do CPP, não podendo ignorar desconhecimento da Lei, sujeitando-se às necessárias consequências”.
A condenação de uma testemunha em custas processuais (e foi nessa qualidade que o denunciante foi ouvido em audiência) é sempre questão incidental no processo.
E a advertência a testemunha, concedendo-lhe a faculdade de se retratar não é a mesma coisa que ouvir essa mesma testemunha acerca da questão da sua condenação em custas por denuncia de má fé, questão em que é interessado.
E a condenação do denunciante não é uma consequência normal do processo, não resulta da não obtenção de ganho de causa, não resulta de decaimento, nem resulta de condenação no objeto do processo.
E, apesar de estar sujeito às consequências do seu comportamento, tem de ter oportunidade de defesa.
Esta situação requeria desenvolvimento processual idêntico ao seguido na sentença para eventual “condenação em multa processual adequada” a aplicar às testemunhas B... (denunciante) e C…, notificação para em 10 dias se pronunciarem, “após o que se decidirá a respeito”.
E daqui já se verifica a sem razão do Exmº PGA ao pretender que esta notificação também abrangia a matéria da condenação do denunciante em custas, quando refere, “parece-nos que não lhe assiste razão [ao recorrente] ao dizer que não lhe foi garantido o direito ao contraditório, quando na verdade, o que aconteceu foi que ele próprio não o exerceu, tendo sido notificado para tal”.
Assim que temos como prematura a condenação do denunciante em custas processuais, nos termos do art. 410 do CPP, antes de lhe ser dada oportunidade de se pronunciar sobre a eventual condenação.
Assim que se revoga nesta parte a decisão recorrida.
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Decisão:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra e Secção Criminal em julgar procedente o recurso interposto pelo recorrente/denunciante B..., e em consequência:
1- Revoga-se a decisão recorrida na parte em que o condenou em custas processuais por ser denunciante de má fé.
2- Devendo antes ser-lhe dada oportunidade de se defender dessa eventual condenação, podendo exercer o seu direito ao contraditório.
Sem custas.
Coimbra,
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