Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
668/20.1T8PBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: BALDIOS
JURISDIÇÃO COMPETENTE
Data do Acordão: 10/11/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGO 54.º DA LEI N.º 75/2017, E 17 DE AGOSTO
Sumário: I - Dado que no tocante a terrenos baldios, a lei disponibiliza uma norma específica de regulação da competência, a tarefa de determinação do tribunal competente deve ser levada a cabo, não tanto, por aplicação dos critérios que, em geral, procedem à delimitação recíproca da jurisdição comum e da jurisdição administrativa, mas antes, principalmente, por aplicação dos critérios dispostos, em especial, naquela norma.

II - A competência material dos tribunais comuns para o conhecimento das controvérsias relativas a baldios radica no objecto do conflito: os terrenos baldios:

III - Para que o tribunal comum seja materialmente competente para conhecer de um litígio que gravite em torno de terrenos baldios, não é necessário que o litígio respeite directamente a esses terrenos, sendo suficiente, para que se lhe reconheça essa competência, uma conexão meramente indirecta com aquele objecto.

Decisão Texto Integral:
Relator: Henrique Antunes
Adjuntos: Mário Rodrigues da Silva
Cristina Neves


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.

               As Comunidades Locais (Universo de Compartes) dos lugares de ..., ..., ..., ..., ... e ..., da freguesia e concelho de ..., organizados em Assembleia de Compartes dos ..., ..., ..., ..., ... e ..., propuseram, no dia 15 de Setembro de 2020, contra o Município e a freguesia ..., no Juízo Local Cível ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., acção declarativa, com processo comum, pedindo a condenação dos últimos a:

               a) Reconhecer que os terrenos inscritos nos artigos matriciais rústicos da Freguesia e Concelho ... identificados no artigo ....º da P.I., são baldios;

b) Reconhecer que os referidos terrenos são possuídos e geridos pelas comunidades locais das aldeias serranas de ..., ..., ..., ..., ... e ... da Freguesia e concelho de ...;

c) Reconhecer que os terrenos baldios, identificados no artigo ....º da p.i, são administrados através de actos de representação, disposição, gestão e fiscalização pelos órgãos daquelas comunidades locais democraticamente eleitos, com exclusão de quem quer que seja;

d) Reconhecer que as inscrições matriciais dos terrenos baldios identificados no artigo ....º da p.i. em nome do Município ..., foram indevidamente efectuadas;

e) Absterem-se da prática de quaisquer actos materiais ou jurídicos que ofendam a posse das comunidades locais das aldeias serranas de ..., ..., ..., ..., ... e ..., da freguesia e concelho de ...l, sobre os terrenos baldios identificados no artigo ....º da p.i.

f) Ver ordenado o cancelamento de quaisquer descrições e inscrições na Conservatória do Registo Predial ..., que entretanto tenham sido efectuados, bem como os que se vierem a efectuar, e ainda ordenar a inscrição na matriz junto da Autoridade Tributária em nome das comunidades locais ..., ..., ..., ..., ... e ..., referente aos terrenos baldios já melhor identificados no artigo ....º da p.i.

               g) Ver declarado a ilegitimidade da gestão exercida sobre os prédios identificados no art.º 4.º desta PI, e, consequentemente, ver invalidados todos e quaisquer contratos, sejam que natureza forem, celebrados sobre aqueles prédios, desde a data da constituição da Autora em 11/06/1995, cfr. Acta n.º 1;

               Fundamentou estas pretensões no facto de ter sido constituída através de Comissão ad hoc, em 22 de Janeiro de 1995, com o recenseamento dos compartes, tendo ocorrido a assembleia constituinte e

eleitoral dos respectivos órgãos sociais em 11 de Junho de 1995, reconhecida pelo Chefe da Zona Florestal do Pinhal Litoral, de, sob os artigos matriciais rústicos da freguesia ..., se acharem inscritos na titularidade do Município ..., os baldios denominados ..., ..., ..., ..., ... e ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., prédios nos quais as comunidades locais aparentaram os seus gados, extraíram lenha, cortaram e recolheram matos para a cama nos currais dos animais, bem como pedras para as suas construções, colheram os frutos das árvores, semearam e colheram tremoços, actos que sempre foram praticados desde tempos que excedem a memória dos homens, ou seja, há mais de 100, 200 anos, à vista de todos, sem oposição de quem quer que seja, de forma conjunta e segundo os usos e costumes e necessidades das comunidades locais e sem interrupção, na convicção de que se trata de propriedade comum, comunitária, de os réus  se a arrogarem gestores

desses terrenos, invocando essa gestão perante as mais diversas autoridades, de o Município ...

celebrar contratos com diversas entidades privadas, tendo dado a exploração de pedra do baldio ..., e de aquele e a freguesia ... terem vindo a celebrar contratos com empresas de exploração e produção de energia eléctrica eólica, em vários terrenos baldios, contratos que estão feridos de nulidade por falta de legitimidade para os subscrever.

               Os réus defenderam-se por excepção dilatória, invocando a falta de capacidade judiciária da autora e a irregularidade da sua representação e, por impugnação, negando a veracidade dos factos alegados por aquela e afirmando que o Município ... é o possuidor dos prédios, há mais de 50 anos, com o apoio e colaboração da freguesia ....

               A autora pronunciou-se pela improcedência de todas as excepções.

               O Sr. Juiz de Direito do Juízo Local Cível ..., por despacho de 12 de Janeiro de 2021, convidou a autora a aperfeiçoar petição inicial, esclarecendo no pedido formulado na alínea g) qual concreta consequência que assaca aos contratos alegadamente celebrados pelas Rés, assim como concretizando e identificando cada um desses contratos e suprindo as assinaladas imprecisões na matéria de facto contidas nos artigos 17.º e 18.º da petição inicial, mediante a alegação de factos que ilustrem a celebração pelas Rés de determinados contratos geradores de direitos e obrigações, com indicação especificada dos  elementos, objecto e sujeitos de cada um desses contratos – convite em acatamento do qual a autora apresentou nova petição na qual especificou aqueles contratos e modificou o pedido formulado na alínea g), no sentido da condenação dos réus a ver declarada a ilegitimidade da gestão exercida sobre os prédios identificados no art.º 4.º desta PI, e, consequentemente, declarar a nulidade dos contratos melhor identificados nos art.ºs 17. e 18.º desta PI, desde a data da constituição da ora Autora em 11/06/1995, cfr. Acta n.º 1, e/ou em alternativa, caso assim não se entenda, subsidiariamente, seja declarada a sua ineficácia relativamente à Autora.

               Por despacho de 18 de Maio de 2021, admitiu-se, a pedido da autora, a intervenção principal provocada, como associadas dos réus, de I..., S.A., e de E..., S.A. que ofereceram articulado próprio.

               E..., S.A., invocou a falta de capacidade judiciária da autora, a ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário, dado que o contrato de cessão de exploração de terrenos baldios foi celebrado também com as Juntas de Freguesia ..., ... e ..., e respeita a parque eólico que só parcialmente se localiza nos baldios reclamados pela autora, pelo que o pedido da sua nulidade nunca poderá proceder totalmente, e a excepção peremptória do abuso, pela autora, do direito,  e impugnou os factos articulados por aquela.

Em reconvenção pediu que, caso se considere que os baldios de ... ..., ..., ..., ... e ... detêm legitimidade para administrar e ceder a exploração dos terrenos baldios em questão, condenar a autora, em representação daqueles baldios, a celebrar um contrato de cessão de exploração de terrenos baldios com a EESS, com efeitos para o futuro, no que respeita aos aerogeradores 4, 6, 7 e 8, declarando-se cessados os efeitos do Contrato de Cessão de Exploração apenas no que respeita a esses aerogeradores, mantendo-se porém a plena validade desse contrato no que diz respeito ao  aerogeradores 1, 2, 3, 5, 9 e 10, e, em alternativa, nesse caso, condenar a Autora e os Réus na celebração de um negócio jurídico tendente à cessão da posição contratual do Município ... e da Junta de Freguesia ..., no âmbito do Contrato de Cessão de Exploração no que respeita aos aerogeradores 4, 6, 7 e 8, mantendo-se, porém, a plena validade do contrato atual no que diz respeito aos aerogeradores 1, 2, 3, 5, 9 e 10, e subsidiariamente, caso se considere que os Baldios de ..., ..., ..., ..., ... e ... detêm legitimidade para administrar e ceder a exploração dos terrenos baldios em questão e aqueles pedidos reconvencionais  não sejam julgados procedentes – o que por mero dever de raciocínio se concebe sem, todavia, conceder –, condenar o Município ... ao pagamento dos custos de remoção dos aerogeradores que a EESS terá de suportar, bem como dos lucros cessantes decorrentes da perda de produção dos mesmos e quaisquer outras despesas e danos emergentes advenientes da perda do direito de utilização desses terrenos, nos termos do disposto no número 1 da cláusula 6.ª do Contrato de Cessão de Exploração e na alínea f) do número 1 da cláusula 12.ª do Contrato de Atribuição de Licença, relegando-se para execução de sentença a determinação desses montantes.

A interveniente principal I..., S.A, invocou a excepção da incompetência em razão da matéria do Tribunal, dado que o litígio emerge de contratos administrativos, pertencendo a competência aos tribunais administrativos, a sua ilegitimidade e a da autora, por esta pedir a nulidade dos contratos desde a sua constituição, em 11 de Junho de 1995, e o contrato de concessão do direito de exploração de preda no baldio do lugar do ... ter sido celebrado em 3 de Janeiro de 1978, a falta de personalidade judiciária da autora e a excepção peremptória do abuso, pela última, do direito e, por impugnação, afirmou desconhecer parte dos factos alegados por aquela.

Por despacho de 23 de Novembro de 2021, o Sr. Juiz de Direito do Juízo Local Cível ... fixou à causa o valor de € 60 000,02, declarou a incompetência daquele juízo, em razão do valor, e determinou a remessa do processo para o Juízo Central Cível ....

A autora pronunciou-se, entretanto, pela improcedência das excepções opostas pelas intervenientes principais, designadamente a da incompetência em razão da matéria.

O Sr. Juiz de Direito do Juízo Central Cível ..., por decisão de 1 de Abril de 2022,  depois de observar que a causa de pedir dominante consiste na precisamente na celebração pelos Réus dos vários contratos sujeitos a regras de direito administrativo celebrados desde 1971 a 2014, sendo aplicável o regime anterior ao regime previsto na Lei n.º 75/2017 de 17 de Agosto, pelo que são competentes para apreciar e julgar o presente processo os tribunais administrativos e fiscais e não os tribunais comuns, declarou o ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., incompetente, em razão da matéria, para preparar e julgar a presente acção e, em consequência, absolveu os Réus e Intervenientes Principais Passivos da instância, sem prejuízo da faculdade prevista no art. 99.º, n.º 2, do CPC.

É esta decisão que a autora impugna no recurso – no qual pede a sua revogação e o proferimento de acórdão que declare a competência a competência dos tribunais judiciais comuns em razão da matéria, dando-se cumprimentos ao estipulado no artigo 54.º, da Lei n.º 75/2017 (Lei dos Baldios) – tendo rematado a sua alegação com estas conclusões:

1.º – A Autora ao formular o pedido de reconhecimento de que determinados prédios rústicos são baldios, e ainda que os demandados se abstenham da prática de actos materiais ou jurídicos que ofendam a posse da Autora, estamos circunscritos a uma causa de pedir e pedido real, pedido, que em está em causa matéria exclusivamente de direito privado.

2.º – No que concerne à questão a dirimir, e atendendo aos pedidos e à causa de pedido, é claro, que a pretensão da autora é a condenação a título principal dos RR. no reconhecimento do direito de propriedade e posse sobre os prédios rústicos, identificados nos artigos 4.º da PI.

 3.º – O demais pedido, mais concretamente a ilegitimidade da gestão exercida sobre os prédios identificados no artigo ....º da PI, declarando-se a nulidade ou ineficácia dos contratos identificados nos artigos 17.º e 18.º da petição inicial, mais não é, que o seguimento da pretensão inicial de reconhecimento do direito de propriedade.

4.º – O que está em causa e deriva do pedido referido na alínea g) do pedido, é a consequência necessária dos pedidos formulados nas alíneas a) a f), que têm como causa de pedir uma acção de reivindicação.

5.º – O pedido e causa de pedir dominante objecto da PI que deu origem à presente acção não surge minimamente ligada com qualquer relação jurídica administrativa, mas antes uma relação exclusivamente de direito privado.

6.º – Pelo que não cabe, contrariamente ao defendido em sede de sentença, a qualquer das alíneas do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF.

7.º – Sendo assim, como é, teremos que concluir que a competência para conhecer da acção cabe aos Tribunais Judiciais Comuns, com competência residual.

8.º – É doutrina e jurisprudência dominante assente e também, face à lei, que a decisão sentença teria que ir em sentido oposto.

9.º – Ter-se-á que concluir pela competência dos tribunais judiciais comuns, até face à Lei N.º 75/2017 de 17/08, que no artigo 54.º, refere a jurisdição competente: “Cabe aos tribunais comuns territorialmente competentes conhecer o litígio que direta ou indiretamente tenham por objecto terrenos baldios (…)”,

10.º – Esta competência também estava legalmente expressa na anterior Lei dos Baldios – Lei N.º 68/93, de 04/09 (a qual vigorou até à entrada em vigor da actual Lei N.º 75/2017), e na qual, já se estipulava, no n.º 1 do artigo 32.º, sob a epígrafe “Regra da competência”, que atribuía, nos mesmos moldes da actual vigente, a competência aos tribunais comuns.

11.º – O facto do pedido formulado na al. g) da PI, ter como objecto a apreciação da nulidade e ineficácia de contratos sobre terrenos, em que são partes o Município ..., e, a freguesia ..., onde se pede o reconhecimento de direito de propriedade, é irrelevante para a atribuição da competente jurisdição.

12.º – O pedido formulado na alínea g) da PI, refere-se tão-somente aos contratos identificados no artigo 17.º e 18.º da petição, celebrados após 11/06/1995, e não desde 1971, isto é, no âmbito da Lei N.º 68/93, de 04/09, anterior Lei dos Baldios, onde já se estabelecia a regra da competência dos tribunais comuns.

13.º – Assim o Tribunal a quo, ao sentenciar a incompetência absoluta em razão da matéria, violou as seguintes disposições legais – artigo 211.º, n.º 1, 212.º, n.º 3, ambos da Constituição da República Portuguesa, artigo 64.º do CPC, artigo 40.º n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26/08 (LOSJ); artigo ....º, n.º 1 do ETAF, e artigo 54.º da Lei n.º 75/2017, de 17/08 (Lei dos Baldios).

Os réus Município e Junta de Freguesia ... e a interveniente principal provocada I..., S.A, responderam ao recurso tendo concluído, naturalmente, pela improcedência dele.

2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

O Sr. Juiz de Direito teve por provados os factos seguintes:

I. - Sob os artigos matriciais rústicos da freguesia ..., acham-se inscritos na titularidade do Município ..., os seguintes imóveis, cfr. Doc. 8 a 21:

a) Baldio denominado “...” sito em ..., com área de 292,00 m2, a confrontar do norte com ..., sul com AA, nascente com BB, e poente com CC e Caminho, com a descrição de “baldio” e inscrito na matriz respectiva sob o n.º ...11, cfr. Doc. 8;

b) Baldio denominado “...” sito em ..., com área de 3.100,00 m2, a confrontar do norte com DD e outro, sul com EE, Dr. e outro, nascente com Recinto da Capela de ..., e poente com FF, com a descrição de “baldio denominado ...” e inscrito na matriz respectiva sob o n.º ...11, cfr. Doc. 9;

c) Baldio denominado “...” sito em ..., com área de 150,00 m2, a confrontar do norte com Estrada ..., sul com GG, nascente com ..., e poente com Estrada ..., com a descrição de “baldio” e inscrito na matriz respectiva sob o n.º ...56, cfr. Doc. 10;

d) Baldio denominado “...” sito em ..., com área de 270,00 m2, a confrontar do norte com HH, sul com EE, Dr., nascente com EE, Dr., e poente com II, com a descrição de “JJ” e inscrito na matriz respectiva sob o n.º ...83,cfr. Doc. 11; e) Baldio denominado “... e ...”, com área de 599.500,00 m2, a confrontar do norte com EE, Dr., outros e ..., sul com EE, Dr., e outros, nascente com KK e outros, e poente com Terreno da Capela de ... e outros, com a descrição de “terrenos baldios denominados ... e ... com oliveiras” e inscrito na matriz respectiva sob o n.º ...93, cfr. Doc. 12;

f) Baldio denominado “...”, com área de 1.986.000,00 m2, a confrontar do norte com LL e outros, sul com MM, outros e baldio, nascente com NN e outros, e poente com OO e outros, com a descrição de “Baldio denominado “...” com 763 oliveiras e 3040 tanchas” e inscrito na matriz respectiva sob o n.º ...14, cfr. Doc. 13;

g) Baldio denominado “...”, com área de 215.000,00 m2, a confrontar do norte com PP e outros, sul com QQ e outro, nascente com NN e outros, e poente com PP e outros, com a descrição de “Baldio denominado “...” com 162 oliveiras e 939 tanchas” e inscrito na matriz respectiva sob o n.º ...15, cfr. Doc. 14;

h) Baldio denominado “...”, com área de 2.700,00 m2, a confrontar do norte com RR, sul com serventia, nascente com SS e outro, e poente com Caminho Público, com a descrição de “... com 12 oliveiras” e inscrito na matriz respectiva sob o n.º ...28, cfr. Doc. 15;

i) Baldio denominado “...”, com área de 750,00 m2, a confrontar do norte com TT, sul com UU, nascente com VV, e poente com Caminho Público, com a descrição de “Baldio com 7 oliveiras” e inscrito na matriz respectiva sob o n.º ...54, cfr. Doc. 16;

j) Baldio denominado “...”, com área de 360,00 m2, a confrontar do norte com WW, sul com Caminho Público, nascente com Estrada ..., e poente com Caminho Público, com a descrição de “Baldio com 5 oliveiras” e inscrito na matriz respectiva sob o n.º ...37, cfr. Doc. 17;

k) Baldio denominado “...”, sito em ..., com área de 15.340,00 m2, a confrontar do norte com QQ, sul com XX e outros, nascente com YY e outros, e poente com ZZ e outros, com a descrição de “Baldio denominado “...” com 185 oliveiras e 1 tancha” e inscrito na matriz respectiva sob o n.º ...67, cfr. Doc. 18;

l) Baldio denominado “...”, sito em ..., com área de 230,00 m2, a confrontar do norte com ..., sul com AAA, nascente com BBB, e poente com CCC, com a descrição de “Terreno onde se encontra a ... de ...” e inscrito na matriz respectiva sob o n.º ...03, cfr. Doc. 19; m) Baldio denominado “...”, com área de 18.800,00 m2, a confrontar do norte com CCC, sul com Caminho Público, nascente com DDD, e poente com EEE e outros, com a descrição de “Baldio denominado ... com 5 oliveiras e tanchas” e inscrito na matriz respectiva sob o n.º ...76, cfr. Doc. 20;

n) Baldio denominado “...”, com área de 680,00 m2, a confrontar do norte com FFF, sul com AA, nascente com Estrada ..., e poente com AA, com a descrição de “Terreno onde se encontra a ... dos ...” e inscrito na matriz respectiva sob o n.º ...41, cfr. Doc. 21;

II. - Os prédios acima referidos mostram-se inscritos em nome do Município ... desde o ano de 1957.

III. - Em 17/05/1971, foi celebrado contrato de “Concessão do direito de exploração de pedra no baldio municipal do ..., concelho ...”, entre a Câmara Municipal ..., e, L..., Limitada, sendo que a “(…) concessão é feita pelo período de cinco anos contados a partir do dia um do corrente mês de Maio (…)”, que “o direito de exploração de pedra é concedido, em regime de exclusivo, dentro da área do círculo assinalado na planta que (…) foi presente e arquivo no maço de documentos desta escritura depois de assinada pelos outorgantes (…)”, e estipularam como contraprestação: “a) o fornecimento anual e gratuito dos seguintes materiais: quinhentos metros cúbicos de brita; quinhentos metros cúbicos de “tout-venant”; mil metros cúbicos de pó ou resíduos de pedreira; b) desconto de dez por cento sobre os preços praticados para o público, relativamente aos materiais requisitados pela Câmara além das quantidades acima mencionadas; c) o concessionário fará de sua conta a carga dos materiais adquiridos pela Câmara, quer se trate dos que são adquiridos a título gratuito quer dos adquiridos a título oneroso;” cfr. Doc. 26;

IV. - Em 03/01/1978, foi celebrado contrato de “Concessão do direito de exploração de pedra num baldio municipal sito no lugar de ...”, “da Freguesia e Concelho ..., designado na respectiva planta de localização por “C””, entre a Câmara Municipal ..., e, L..., Limitada, sendo que o “(…) contrato será válido por dez anos, podendo ser renovados por períodos de cinco anos, se ambas as partes o desejarem (…)”, e que, “1. o direito de exploração é concedido em regime de exclusivo dentro de uma área de setecentos e oitenta e cinco mil metros quadrados, demarcada por “C” na respectiva planta topográfica”; “2. O contrato será válido por dez anos, podendo ser renovado por períodos de cinco anos, se ambas as partes o desejarem; 3. Quando uma das partes não estiver interessada na renovação do contrato deverá avisar a outra com um mês de antecedência, em relação à data em que a mesma deve ser renovado; 4. A concessão do direito de exploração da pedreira terá como base as seguintes contraprestações: a) O fornecimento anual gratuito à Câmara Municipal dos seguintes materiais: Quinhentos metros cúbicos de brita; mil duzentos e cinquenta metros cúbicos de “tout-venant”; Mil metros cúbicos de pó ou resíduos; b) O fornecimento anual gratuito à povoação do ..., a partir do ano de mil novecentos e setenta e oito, dos seguintes materiais ou o seu valor em dinheiro: Duzentos metros cúbicos de brita; Duzentos metros cúbicos de “tout-venant”; Quinhentos metros cúbicos de pó ou resíduos de pedreira. Até ao fim do ano findo seria entregue pela mesma firma à povoação do ... a importância de quarenta mil escudos ou este valor em materiais. c) Desconto de quinze por cento sobre os preços praticados para o público, relativamente aos materiais requisitados pela Câmara e povoações do ... além das quantidades atrás mencionadas, desde que pagos no prazo máximo de noventa dias à data da factura; d) O concessionário fará de sua conta o carregamento dos materiais adquiridos pela Câmara Municipal e povoações do ..., quer se trate dos que são adquiridos a título gratuito, quer dos adquiridos a título oneroso, dando toda a preferência à Câmara Municipal e à referida povoação do ..., salvo os casos em que aquele tenha necessidade de satisfazer compromissos com obras suas no concelho ... o que deverá ser justificado, não podendo, no entanto os fornecimentos à Câmara ou àquela povoação serem protelados por um período superior a uma quinzena; e) O concessionário não poderá manter inactiva a pedreira; f) A Câmara ... e a povoação do ... poderão optar pelo pagamento em dinheiro ou em melhoramento no valor de uma parte ou da totalidade dos materiais a fornecer gratuitamente; g) A não observância das condições postas poderá determinar a rescisão do contrato”, cfr. Doc. 27;

V. - Em 04/12/1987, foi celebrado contrato de “Concessão do direito de exploração de pedra, no lugar de ... - alteração” entre a Câmara Municipal ..., e, L..., Limitada, o qual procedeu à alteração do contrato celebrado em 03/01/1978, e estipulou que “A) A cláusula número dois do contrato passa a ter a seguinte redacção: Dois. O contrato será válido por cinco anos, podendo ser renovado por períodos de dois anos, se ambas as partes o desejarem; B) A cláusula número quatro do contrato passa a ter a seguinte redacção: Quatro. A concessão do direito de exploração da pedreira terá como base as seguintes contraprestações: a) O fornecimento anual e gratuito à Câmara Municipal ..., qualquer que seja a sua qualidade, até ao montante de quatro milhões seiscentos e cinco mil escudos, actualizado em cada ano de vigência do contrato por uma taxa de inflação de cinco por cento ao ano, indexada automaticamente; b) Este montante de quatro milhões seiscentos e setenta e cinco mil escudos, ou o que se vier a apurar por aplicação automática da referida taxa de inflação, será fraccionado em duodécimos, entregando mensalmente a Câmara Municipal à concessionária recibo correspondente ao duodécimo respectivo. c) O fornecimento anual e gratuito à povoação do lugar de ..., dos seguintes materiais: Duzentos e cinquenta metros cúbicos de britas; Duzentos e cinquenta metros cúbicos de “tout-venant”; Quinhentos metros cúbicos de pó de pedra ou resíduos. Este material não poderá ser convertido em dinheiro, devendo o mesmo ser retirado até ao dia quinze de Janeiro do ano seguinte a que disser respeito. d) A concessionária fará da sua conta o carregamento dos materiais adquiridos pela Câmara Municipal a povoação do ..., quer se trate dos que são adquiridos a título gratuito, quer dos adquiridos a título oneroso, dando toda a preferência à Câmara Municipal e à referida povoação do ..., salvo os casos em que aquela tenha necessidade de satisfazer compromissos com obras suas, o que deverá ser justificado, não podendo, no entanto, os fornecimentos à Câmara ou àquela povoação serem protelados para um período superior a uma quinzena; e) A concessionária não poderá ter inactiva a pedreira; f) A não observância das condições prescritas acima, poderá determinar a rescisão do contrato; g) Será da responsabilidade da Câmara Municipal ..., a conservação do caminho dentro da povoação do ... ou seja, desde a estrada Nacional número trezentos e quarenta e oito até à última casa que se situa dentro do acesso à pedreira.”, cfr. Doc. 28;

VI. - Em 26/02/2004, foi celebrada a “Revisão do Contrato de concessão do direito de exploração de pedra sita em ... - ...”, entre o Município ..., e, a I..., S.A., invocando que “(…) em consequência das deliberações tomadas nas reuniões de Câmara celebradas em 18 de Novembro de 2003 e 19 de Fevereiro, corrente, foi autorizada a introdução de alterações ao contrato de “Concessão do Direito de Exploração de Pedra, no lugar de ...”, celebrado em 03 de Janeiro de 1978 e alterado em 04 de Dezembro de 1987, com a firma L..., Limitada, com sede em Rua ..., ..., ora designada por I..., S.A., NIPC ... (…)”, fazendo constar que “Cláusula Primeira – O direito à exploração da pedreira é concedido em regime exclusivo dentro de uma área de setecentos e oitenta e cinco mil metros quadrados, demarcada por “C” na respectiva planta topográfica; Cláusula Segunda – a) O contrato é celebrado pelo prazo de dez anos, renovando-se, automaticamente, por sucessivos e iguais períodos de tempo, enquanto não for denunciado pelos outorgantes; b) O contrato poderá ser denunciado por qualquer dos outorgantes para o fim do prazo em curso, devendo a comunicação da intenção de não renovação ser efectuada com a antecedência mínima de dois anos em relação ao termo desse prazo; c) O contrato não poderá ser denunciado pelos outorgantes, nos termos referidos na alínea anterior, para o termo do período de vigência que se inicia na presente data. Cláusula Terceira – A contagem do novo prazo de vigência do contrato resultante da alteração constante da alínea a), da cláusula segunda inicia-se na presente data. Cláusula Quarta – A concessão do direito de exploração da pedreira terá como base as seguintes contraprestações a efectuar pela concessionária: a) Montante pecuniário anual no valor de 74.819,68 € (setenta e quatro mil oitocentos e dezanove euros e sessenta e oito cêntimos), a pagar ao Município ..., valor a actualizar anualmente, no mês de Abril, de acordo com o índice de inflação anual publicado pelo Instituto Nacional de Estatística; b) O pagamento previsto na alínea anterior será fraccionado em duodécimos, a pagar até ao dia 10 de cada mês, salvo o primeiro duodécimo que será pago no acto da outorga do contrato; c) O fornecimento anual e gratuito à povoação do lugar de ..., dos seguintes materiais: Duzentos e cinquenta metros cúbicos de britas; Duzentos e cinquenta metros cúbicos de “tout-venant”; Quinhentos metros cúbicos de pó de pedra ou resíduos; Este material não poderá ser convertido em dinheiro, devendo o mesmo ser retirado até ao dia quinze de Janeiro do ano seguinte a que disser respeito; d) A concessionária fará de sua conta o carregamento dos materiais previstos na alínea c); e) A concessionária não poderá manter inactiva a pedreira; f) A não observância das condições prescritas acima, poderá determinar a rescisão do contrato; g) Será da responsabilidade da Câmara Municipal ..., a conservação do caminho dentro da povoação do ... ou seja, desde a Estrada Municipal número trezentos e quarenta e oito e até à última casa que se situa dentro do acesso à pedreira;” cfr. Doc. 29;

VII. - Com a única menção temporal a referir que “(…) entra em vigor no dia 1 de Setembro de 2013 (…)” – da versão do contrato, cuja cópia se possui - ou seja, em 01/09/2013, foi celebrada a “Adenda a contrato de concessão do direito de exploração de pedra, sita em ..., ...”, entre o Município ..., e, a I..., S.A., fazendo constar que “Primeira: Através do presente contrato, as contraentes acordam em alterar a Cláusula Segunda do contrato melhor identificado no considerando 1 passará a ter a seguinte redacção: Cláusula Segunda – a) O contrato é celebrado pelo prazo de 20 anos, renovando-se automaticamente, por sucessivos e iguais períodos de tempo, enquanto não for denunciado pelos contraentes; b) O contrato poderá ser denunciado por qualquer dos contraentes para o fim do prazo em curso, devendo a comunicação da intenção de não renovação ser efectuada com a antecedência mínima de cinco anos em relação ao termo desse prazo; Segunda: Através do presente contrato, as contraentes acordam em alterar a Cláusula quarta do contrato melhor identificado no considerando 1 passará a ter a seguinte reacção: Cláusula Quarta – A concessão do direito de exploração da pedreira terá como base as seguintes contraprestações a efectuar pela concessionária: a) O pagamento de uma renda anual no valor de €48.000,00 (quarenta e oito mil euros) acrescido de IVA à taxa legal, que será actualizado anualmente, no mês de Setembro, de acordo com os índices de inflação publicados para esse período pelo Instituto Nacional de Estatística, actualização essa que nunca poderá resultar em valores inferiores a 48.000,00€ (quarenta e oito mil euros); a renda será paga através do fornecimento anual à Câmara Municipal ... dos seguintes materiais: - 4.000 (quatro mil) toneladas de britas; - 10.000 (dez mil) toneladas de “tout-venant”; - 4.000 (quatro mil) toneladas de pó de pedra ou “resíduos de pedreira”; b) Da actualização mencionada na alínea anterior nunca poderá resultar o fornecimento de materiais em quantidades inferiores àquelas aí especificadas; c) Os materiais requisitados pela Câmara Municipal à Concessionária, para além das quantidades previstas na alínea anterior, serão fornecidos e facturados ao preço de tabela de venda ao público, em vigor à data da requisição, de acordo com os preços de mercado. D) O fornecimento anual, a título gratuito, à Junta de Freguesia ... dos seguintes materiais: - 250 m3 (duzentos e cinquenta metros cúbicos) de britas; - 250 m3 (duzentos e cinquenta metros cúbicos) de “tout-venant”; - 500 m,3 (quinhentos metros cúbicos) de pó de pedra ou “resíduos de pedreira”; Este material não poderá ser convertido em prestações pecuniárias, devendo o mesmo ser retirado até ao dia quinze de Janeiro do ano seguinte a que disser respeito; e) A concessionária fará de sua conta o carregamento dos materiais previsto na alínea a) e d); f) A concessionária não poderá manter inactiva a pedreira; g) A não observância das condições prescritas supra, poderá determinar a resolução do contrato; h) Será da responsabilidade da Câmara Municipal ... a conservação do caminho dentro da povoação do ..., ou seja, desde a Estrada Municipal número trezentos e quarenta e oito até à última casa que se situa dentro do acesso à pedreira;” Terceira – A alteração à Cláusula Primeira entra em vigor no dia 1 de Setembro de 2013, data a partir da qual se iniciará a contagem do prazo de 20 anos aí previsto. Um – A alteração à Cláusula Quarta entra em vigor no dia 1 de Setembro de 2013, sem prejuízo da obrigação do pagamento de todas as quantias que se encontrem em dívida àquela data ao abrigo da redacção anterior.”, cfr. Doc. 30;

VIII. - Em 07/10/2004, foi celebrado “Contrato de Cessão de Exploração de Terreno Baldio”, entre a Junta de Freguesia ... (ora aqui demandada), a Junta de Freguesia ..., pessoa colectiva com o n.º ..., com sede em ..., sita em Rua ..., ... ... – ..., a Junta de Freguesia ..., pessoa colectiva com o n.º ..., com sede em ..., sita em Largo ..., ... – ..., a Junta de Freguesia ..., pessoa colectiva com o n.º ..., com sede em ..., sita em Praça ...,

... ... – ..., o Município ... (ora aqui demandada), e, a E..., S.A., pessoa colectiva com o n.º ..., com sede sita em Rua ... ..., através do qual estipularam que “(…) as Juntas de Freguesia e o Município cedem aos EESS (…) a exploração dos terrenos baldios localizados na Serra de ... que se encontram identificados na planta à escala 1/25000 anexa ao presente Contrato (identificada como anexo nº 1) (…)”, que “os terrenos baldios ora cedidos em exploração têm uma área total aproximada de 575,755 Hectares e abrangem as inscrições matriciais contidas no polígono representado no Anexo n.º 1 (…)”, que “(…) o prazo da cessão de exploração é de vinte (20) anos (…)”,cfr. Doc. 34;

IX. - Em 08/10/2004, foi celebrado “Contrato – Concurso por Negociação para Atribuição de Licença de Utilização Para Exploração de Energia Eólica na Serra de ... – Processo Nº 001/...”, entre o Município ... (ora aqui demandada), e, a E..., S.A., pessoa colectiva com o n.º ..., com sede sita em Rua ... ..., através do qual estipularam que “(…) a empresa F..., S.A. (…) foi reconhecida a capacidade técnica prevista no ponto 6.1.2 do mesmo Programa de concurso (…)”, que “(…)o Município concede, pelo presente e em regime de exclusividade, ao Promotor, que a aceita, uma licença de utilização para a exploração de energia eólica na serra do ... (…)”, que “(…) no âmbito da licença referida na cláusula anterior, o Município concede ao Promotor, e este aceita, a permissão para proceder ao projecto, licenciamento, construção e operação de um conjunto de equipamentos destinados à produção de energia eléctrica por conversão de energia eólica, em terrenos situados na serra do ... e zonas envolventes, no concelho ... (…)”, que “(…) o prazo de duração da licença de utilização referida na clausula 1ª supra é de 20 (vinte) anos (…)”, que “(…) ao Município e exclusivamente a este, serão devidas as seguintes compensações financeiras como contrapartida à licença de utilização concedida: a) Uma retribuição no montante global de € 12.500 (doze mil e quinhentos euros) relativos ao período compreendido entre Outubro de 2002 e a data de celebração do presente Contrato, cujo pagamento foi efectuado pelo Promotor e do qual o presente Contrato constitui recibo de quitação. b) Com início no mês seguinte ao da data de celebração do presente contrato a termo no mês em que houver lugar ao início do prazo de duração da licença de utilização estabelecido no número 3 da cláusula 4ª supra o Promotor pagará ao Município uma retribuição mensal de € 500 (quinhentos euros). c) Durante todo o prazo de vigência da licença de utilização definido no número 3 da cláusula 4ª supra, o Promotor pagará ao Município uma retribuição equivalente a 17,1% (dezassete vírgula um por cento) sobre o pagamento mensal (IVA excluído) que lhe for devido pela entidade receptora da energia eléctrica produzida pela potência de 17.420 KVA, mencionada na alínea a) da cláusula 2ª do presente Contrato, relativa ao PIP nº ...04. d) Durante to o prazo de vigência da licença de utilização, o Promotor pagará ainda ao Município uma retribuição equivalente a 2,5% (dois vírgula cinco por cento) sobre o pagamento mensal (IVA excluído) que lhe for devido pela entidade receptora da energia eléctrica produzida pela potência adicional que vier a ser instalada, mencionada na alínea b) da cláusula 2ª do presente Contrato, relativa ao PIP nº ...97 (…)”, que “(…) o Município e o Promotor desde já acordam em: a) Que haja lugar ao pagamento por parte do Promotor de um montante de € 300.000 (trezentos mil euros) na data, que se prevê que venha a ocorrer durante o ano de 2004, em que se encontrarem outorgados o presente Contrato e o(s) contrato(s) de cessão de exploração que conceda(m) ao Promotor plenos direitos de utilização da totalidade dos terrenos em que será implantado o “Parque Eólico da Serra do .... b) Que haja lugar ao pagamento por parte do Promotor de um montante de € 500.000 (quinhentos mil euros) na data, que se prevê que possa vir a ocorrer durante o ano de 2005, em que for concedida pelo Município ao Promotor a licença de construção do “Parque Eólico da Serra do ...” (…)”, cfr. Doc. 35;

X. - Em 08/10/2004, foi celebrado “Acordo” entre o Município ... (ora aqui demandada) e a E..., S.A., pessoa colectiva com o n.º ..., com sede sita em Rua ... ..., através do qual estipularam que “o Município e o Promotor assinaram em 24 de Outubro de 2002 um contrato nos termos do qual o primeiro concedeu ao segundo, em regime de exclusividade, uma licença de utilização para a exploração de energia eólica na s... (o “Contrato”)”; e que, entre outros considerandos que “As partes acordam de livre vontade (…) em subscrever um Novo Contrato que, para todos os efeitos e de forma irrevogável, anula e substitui o Contrato celebrado entre as partes em 24 de Outubro de 2002”, e que “O presente acordo é elaborado em duplicado e contem um anexo (identificado com o número 1) que dela faz parte integrante)” – cujo teor de tal anexo a Autora desconhece, (…)”, cfr. Doc. 36;

3. Fundamentos.

3.1. Delimitação do âmbito objectivo do recurso.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (art.º 635.º, nºs 2, 1.ª parte, e 3.º a 5.º, do CPC).

A única, mas espinhosa, questão colocada no recurso é de saber qual é o tribunal – scilicet a jurisdição competente para conhecer do objecto da causa: se a jurisdição comum – rectior, os tribunais judiciais – ou antes a jurisdição administrativa.

A resolução deste problema reclama o exame, ainda que breve, do pressuposto processual representado pela competência material do tribunal e do critério relevante para sua aferição, e da forma de tutela enunciada pela apelante.

3.2. Competência material do tribunal e critério da sua aferição.

Diz-se competência a medida de jurisdição de um tribunal. O tribunal é competente para o julgamento de certa causa quando os critérios determinativos da competência lhe atribuem a medida de jurisdição que é a suficiente e adequada para essa apreciação. A competência assim delimitada pode chamar-se competência jurisdicional.

A competência é aferida segundo determinados elementos – como o objecto ou as partes – tal como se apresentam no momento da propositura da causa.           

A competência jurisdicional é um pressuposto processual, i.e., uma condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa, através de uma decisão de procedência ou improcedência[1]. Como qualquer outro pressuposto processual é aferida em relação ao objecto apresentado pelo autor, requerente ou exequente[2].

Convém reter este ponto, que, aliás, se tem, doutrinaria e jurisprudencialmente, por incontroverso: a competência do tribunal é aferida pelo objecto do processo – causa de pedir e pedido – definido pelo autor, com inteira indiferença pelas excepções alegadas pelo réu, sendo desinteressante averiguar a correcção dos termos do pedido ou do enquadramento jurídico do objecto da causa, valoração que não deve ser antecipada para o momento da apreciação do pressuposto processual da competência[3]. A aparência que resulta da causa de pedir e do pedido apresentados pelo autor vale, aqui, como realidade para o efeito de se determinar se o tribunal é ou não dotado de competência.

A incompetência resolve-se numa excepção dilatória nominada de conhecimento oficioso, dado que respeita a matéria de interesse público, e pode dar lugar a uma das duas consequências, de pura forma, atribuídas às excepções dilatórias - a absolvição da instância, tratando-se de incompetência absoluta, ou à remessa do processo para o tribunal competente, se for meramente relativa (artºs 99.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, a), 576.º, n.º 2, e 577.º, a), do CPC).

Trata-se, porém, de uma excepção dilatória imprópria, dado que se limita a impugnar um pressuposto processual positivo – a competência do tribunal – que o autor considera preenchido. Por essa razão, o regime da prova da excepção é aquele que se encontra estabelecido para os factos alegados pelo autor e impugnados pelo réu. Não é, portanto, o réu que tem de provar que o pressuposto não está preenchido – é antes o autor que tem que provar que o pressuposto se mostra satisfeito (artº 342.º, nº 1, do Código Civil). Daí que o risco da falta de prova do pressuposto positivo recaia sobre o autor (art.º 414.º do CPC). Assim, por exemplo, se o réu contestar a competência do tribunal, incumbe ao autor a prova dos factos que a justifiquem; se não a fizer, o tribunal deve julgar contra essa parte onerada, considerando-se incompetente[4].

De harmonia com a velha regra ubi acceptum est semel judicum, ibi et finem accipere debet, a competência fixa-se no momento em que a acção é proposta. As modificações do estado de facto ou no estado de direito posteriores são, em princípio, irrelevantes (art.º 38.º, n.ºs 1 e 2 da LOSJ aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto). É o que se chama perpetuatio fori ou iurisdicionis.

A competência jurisdicional pode classificar-se, cumulativamente, quanto ao âmbito e quanto à origem. Quanto ao âmbito, a competência pode ser interna ou internacional (art.ºs 59.º e 60.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

A competência interna é, em regra, aquela que respeita a questões que, na perspectiva do Estado do foro, não apresentam qualquer elemento de conexão com uma ordem jurídica estrangeira; a competência internacional, pelo contrário, é aquela que se refere a objectos processuais que comportam uma ou várias conexões com uma ou várias ordens jurídicas distintas do ordenamento do foro.

O sistema de repartição de competências entre tribunais assenta num conjunto de regras, de carácter relativamente rígido, tendentes a assegurar que a decisão é tomada pelo juiz mais bem colocado para aferir do mérito da causa e, assim, alcançar a decisão mais justa, garantindo, do mesmo passo, a segurança jurídica indispensável ao funcionamento do sistema judiciário.

A delimitação da competência é realizada através de determinados critérios legais que demarcam, no âmbito global da função jurisdicional, o tribunal competente para apreciar certa causa. Os critérios materiais determinam se a acção deve ser julgada num tribunal comum ou num tribunal especial. Os critérios materiais distribuem os casos concretos pelas diferentes ordens dos tribunais e, por isso, recorrem à qualificação jurídica desses mesmos casos segundo os grandes ramos de direito. A relevância da qualificação jurídica para a determinação da competência não se esgota, porém, neste aspecto: o que releva é a qualificação concreta e não a integração do objecto do processo num dos grandes ramos de direito.

A competência material dos tribunais comuns é aferida por critérios de atribuição positiva e de competência residual. Segundo o critério da atribuição residual, incluem-se na competência dos tribunais comuns todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são legalmente atribuídas a nenhum tribunal judicial não comum ou a nenhum tribunal especial, como, v.g. os tribunais administrativos e fiscais. Isto é: em razão da matéria, os tribunais judiciais são os tribunais com competência material residual e no âmbito dos tribunais judiciais, os tribunais de comarca são aqueles que possuem essa competência residual (art.ºs 210.º da Constituição da República Portuguesa, 64.º do CPC, e 40.º e 80.º da LOSJ).

A competência dos tribunais administrativos e fiscais é delimitada pelo seu objecto: os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas e fiscais (art.ºs 212.º, n.º 3, da Constituição da República, 1.º e 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e 144.º, n.º 1 da LOSJ). Essa competência abrange entre outras, a tutela de direitos fundamentais e de direitos e interesses legalmente protegidos e o contencioso relativo a actos da Administração Pública, praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo e fiscal e a contratos regulados pelo direito público (art.º 4.º. nº 1, a), b) e c), do ETAF)

Não obstante a sua limitação da sua competência aos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, os tribunais administrativos são os tribunais comuns em matéria administrativa, estando-lhe reservada essa matéria, excepto, naturalmente, nos casos em que a lei atribua essa competência a outra jurisdição[5]. A competência dos tribunais administrativos e fiscais deixou, portanto, de ser especial ou excepcional, face aos tribunais judiciais, tradicionalmente considerados como tribunais ordinários ou comuns; os tribunais administrativos são, agora, os tribunais ordinários ou comuns da justiça administrativa.

Este critério de delimitação – recíproca – da jurisdição administrativa vincula, evidentemente, á determinação, em cada caso, sobre se o objecto da causa é constituído por uma controvérsia emergente de relações jurídicas administrativas e fiscais, tarefa de dificuldade subida, considerando, de um aspecto, a notória complexidade das relações entre o direito público e o direito privado no âmbito da actividade administrativa, e de outro, a circunstância de o legislador não definir nem esclarecer o que se deve entender por relação jurídica administrativa, enquanto parâmetro de delimitação da jurisdição administrativa.

Nestas condições, é de ter por correcta a proposta de solução que parte do entendimento do conceito constitucional de relação jurídica administrativa, no sentido estrito tradicional de relação jurídica de direito administrativo, determinante da exclusão das relações de direito privado em que a administração é também interveniente[6]. À luz deste entendimento do conceito, a qualificação do litígio como emergente de relações jurídico-administrativas, impõe duas dimensões caracterizadoras: a acção deve incidir sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente do poder público, especialmente da administração; as relações jurídicas controvertidas devem ser reguladas, no plano material, pelo direito administrativo. Positivamente, um litígio emergente de relações jurídicas administrativas é uma controvérsia sobre relações disciplinadas por normas de direito administrativo; negativamente, excluem-se os litígios de natureza privada ou jurídico-civil.

Na aferição da competência material do tribunal, há, porém, que distinguir várias hipóteses[7].

A hipótese mais frequente é constituída pelos chamados casos sic-non, que são aqueles em que os factos alegados pelo autor só permitem uma qualificação jurídica e em que o tribunal só é competente se essa qualificação couber no âmbito da sua competência material. Por exemplo: o tribunal comum só é competente se a relação alegada pelo autor puder ser qualificada como privada e não, por hipótese, como administrativa. Os factos que relevam para a aferição da competência material do tribunal são igualmente relevantes para a apreciação do mérito da causa, ou seja, são factos duplamente relevantes; por isso, para aferir essa competência, basta pressupor a veracidade desses factos, mas, se depois de realizada a sua prova, eles não forem considerados verdadeiros, a acção é julgada improcedente.

Uma segunda hipótese, é constituída pelos casos aut-aut – ou ou-ou” – ou de alternatividade de qualificações mutuamente excludentes: o autor alega factos que permitem uma de diversas qualificações jurídicas; para que a acção seja admissível basta que o tribunal seja - materialmente - competente para apreciar a causa por uma das qualificações possíveis, mas esse tribunal só pode pronunciar-se sobre a qualificação para a qual seja competente;[8];

               Uma terceira e última hipótese, é constituída pelos casos et-et – ou “e-e” – i.e., pelos casos de cumulação de qualificações compatíveis: o autor alega factos que permitem diversas qualificações jurídicas;; para que a acção seja admissível, é necessário que o tribunal comum seja - materialmente - competente para apreciar todas essas qualificações; se o não for, o tribunal da causa só pode apreciar o mérito da acção, quanto à sua procedência ou improcedência, pela perspectiva da qualificação para a qual seja competente[9].

Isto mostra que na aferição da competência material, nos casos em que a causa comporte vários objectos, em que uns sejam da sua competência e outros não, ao tribunal não é lícito declinar a sua competência no tocante a todos aqueles objectos – mas, quando muito, apenas no tocante aos que não caibam no âmbito da sua competência material. Depois, há aqui que entrar em linha de conta com a extensão de competência dos tribunais comuns para o conhecimento, designadamente, de questões administrativas (art.º 92.º do CPC).

Os tribunais comuns não conhecem, em regra, de questões prejudiciais que sejam da competência dos tribunais administrativos. Assim, se o conhecimento do objecto de uma acção depender de uma questão que seja do conhecimento, v.g., do tribunal administrativo, o juiz pode sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie, suspensão que fica sem efeito, se a acção administrativa não for exercida dentro de um mês ou se o respectivo processo estiver parado, por negligência das partes durante o mesmo prazo (art.ºs 92.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). Mas se o juiz entender que não deve usar desta faculdade de suspensão, ou se acção administrativa não for proposta ou estiver parada pelo prazo e pelas razões indicadas, o juiz cível julga a questão prejudicial administrativa, verificando-se, assim, uma extensão de competência para a apreciação da questão administrativa, por ser prejudicial para a questão fundamental – de natureza cível – para cuja resolução é competente.

Segundo a definição legal, baldios, são os terrenos com as suas partes e equipamentos integrantes, possuídos e geridos por comunidades legais e constituem, em regra, logradouro comum dos compartes, designadamente para efeitos de apascentação de gados, recolha de lenhas e de matos, de culturas e de caça e de todas as suas actuais e futuras potencialidades económicas, nos termos da lei e dos usos e costumes locais (art.ºs 2.º a), e 3.º, n.º 1  da Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto).

É aos tribunais comuns, territorialmente competentes, que cabe conhecer dos litígios que, directa ou indirectamente, tenham por objectos terrenos baldios, designadamente referentes ao domínio, à delimitação, à utilização, à ocupação ou apropriação, e à cessão de exploração (art.º 54.º da Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto).  Competência que o direito anterior também já atribuía aos tribunais comuns (Art.º 32.º da Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro, na redacção que lhe foi impressa pela Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro). E ao referir-se aos tribunais comuns, a norma tem patentemente em vista a delimitação recíproca da competência daquela ordem de tribunais e dos situados na ordem jurisdição administrativa.

E a existência de uma norma especialmente ordenada para a determinação do tribunal – ou da jurisdição - competente para conhecer das controvérsias que gravitem em torno dos terrenos baldios, autoriza esta conclusão expressiva: a tarefa de determinação do tribunal competente deve ser actuada, no caso do recurso, à sombra, não tanto, dos critérios que, em geral, procedem à delimitação recíproca da jurisdição comum e da jurisdição administrativa, mas antes, principalmente, por aplicação dos critérios dispostos, em especial, naquela norma específica, definidora ou atributiva de competência.

E ex-littera, aquela norma logo impõe à atenção do intérprete e do aplicador os aspectos seguintes:

Em primeiro lugar, o critério determinante da atribuição da competência aos tribunais comuns radica no objecto da controvérsia, ou, dito doutro modo, a natureza, pública ou privada, dos sujeitos portadores dos interesses conflituantes é indiferente enquanto parâmetro definidor da competência: essencial é que o litígio tenha por objecto terrenos ou outros imóveis comunitários, seja qual a natureza dos litigantes. Este aspecto é, deveras, particularmente significante, se se tiver presente a intensa intervenção ou mesmo a titularidade por pessoas colectivas públicas, v.g. autarquias locais, de baldios[10], assim como a frequência dos conflitos, com autoridades públicas, a propósito de terrenos baldios.

Aliás, a norma atribui competência à jurisdição comum para o a apreciação de litígios relativos aos contratos celebrados com entidades públicas, contratos que, nos termos gerais, poderão revestir a natureza de contratos sujeitos a um regime de direito privado – ou de contratos administrativos, i.e., contratos, submetidos a um regime substantivo de direito administrativo (art.º 54.º, in fine, da Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto, e 200.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Procedimento Administrativo).  

Em segundo lugar, como linearmente decorre do advérbio designadamente, a indicação do objecto do litígio que aos tribunais comuns compete conhecer é, comprovadamente, meramente exemplificativa: os objectos possíveis dos litígios não obedecem a qualquer tipologia fechada ou a um numerus clausus.

Por último, mas não de somenos, não é necessário que o litígio respeite directamente aos terrenos baldios ou a outros imóveis comunitários; é suficiente, para atribuir aos tribunais a competência para o arbitrar, uma conexão meramente Indirecta com aqueles terrenos. Não se exige, pois, para o fim considerado que a controvérsia tenha por centro de gravidade os terrenos baldios, v.g., a titularidade do respectivo direito, sendo bastante uma qualquer conexão, ainda que puramente indirecta, com aquela coisa imóvel, como sucederá, comprovadamente, com os litígios, por exemplo, sobre a legitimidade para concluir contratos de cessão de exploração, através dos quais é cedido a terceiros, temporária e onerosamente, o direito a explorar potencialidades económicas do imóvel baldio, ou de parte dele, ou do direito à exploração já existente (art.º 36.º, n.ºs 1 a 3 da Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto). Um tal litígio não tem por objecto directamente o JJ, mas é evidente a sua conexão com aquele objecto, dado que se refere a uma das faculdades que integra o direito que atinge ou que tem por objecto aquele bem imóvel.

Para a atribuição da competência aos tribunais comuns para os litígios que não tenham por objecto directamente os terrenos baldios, não se prescinde, evidentemente, de uma conexão com este objecto – não, sendo, portanto, admissível, no tocante àquelas controvérsias, uma competência exorbitante. Mas verificando-se uma conexão razoável daqueles litígios com aquele objecto fundamental, os tribunais comuns são os competentes para deles conhecer.

E estas dimensões objectivas da norma atributiva de jurisdição, inculcam, como corolário que não pode recusar-se, que a sua finalidade conspícua é, nitidamente, a de atribuir de modo tendencialmente esgotante ou completo, a competência para a resolução dos litígios que gravitem em torno de terrenos baldios aos tribunais comuns, não parecendo admitir sequer a repartição da apreciação dos conflitos com aquele objecto pela jurisdição comum e pela jurisdição administrativa, atraindo para a órbita dos tribunais judiciais a resolução de todas as controvérsias que se liguem, ainda que de modo puramente indirecto, com os imóveis baldios.

3.3. Forma de tutela enunciada pela apelante.

Os baldios constituem, em regra, logradouro comum dos compartes, designadamente para efeitos de apascentação de gados, de recolha de lenha e de matos, de culturas e de caça, de produção elétrica e de todas as suas actuais e futuras potencialidades económicas, nos termos da lei e os usos locais, e o uso, a posse, a fruição e administração são feitos de acordo com a lei, os usos e costumes locais e as deliberações dos órgãos competentes das comunidades locais, democraticamente eleitos (art.º 3.º, nºs 1 e 2 da Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto).

A lei é terminante na declaração de que os compartes - cujo universo é integrado por cidadãos residentes na área onde se situam os correspondentes imóveis, qualidade que também pode ser atribuída, pela assembleia de compartes, a cidadão não residentes - são os titulares dos baldios (art.º 7.º, nºs 1 e 2 da Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto).

Ora, um direito subjectivo que atribui um determinado aproveitamento de uma coisa corpórea, que tem esta mesma coisa por objecto, é um direito real[11].

O direito dos compartes – que pode denominar-se de direito de baldio – é, pois, um direito real - mas um direito real outro: não se trata de um direito de propriedade, mas de um direito real a se, de titularidade difusa, indelevelmente marcado por estas características: não compreende o gozo, de modo pleno e exclusivo, do direito disposição da coisa sobre que incide; faculta a cada um dos elementos de um universo de pessoas – a comunidade local – de acordo com as deliberações das assembleias de compartes e os usos e costumes, a posse limitada às faculdades de uso e fruição das utilidades da coisa; está fora do comércio jurídico, pelo que é insusceptível de apropriação privada, tanto pelos compartes, individualmente considerados, quer pela estrutura da sua administração[12].

E sendo um direito real, beneficia, evidentemente, dos meios específicos de tutela dos direitos dessa espécie, em caso de violação por terceiro – que é aqui o não titular do direito real -  quer a violação consista na privação da coisa – que legitima o recurso à acção de reivindicação - ou na simples ameaça de perturbação do seu aproveitamento, bem como de perturbação efectiva, mesmo sem desapossamento (art.º 1311.º do Código Civil).

A acção de reivindicação não é, na verdade, o único meio ou instrumento de defesa da propriedade e, em geral, de qualquer outro direito real. A tutela de um direito desta natureza pode também ser prosseguida através da acção confessória.

A acção confessória - que à semelhança da acção negatória, não constitui, no nosso direito, uma acção real típica[13] - pode ser definida como aquela em que o autor ou o réu reconvindo pretende afirmar contra o réu ou contra o autor reconvindo, respectivamente, a existência de um direito real menor que o demandado não aceita.

               A acção confessória é uma acção de simples apreciação em que a causa de pedir é, para quem entenda tratar-se de uma acção real, o facto jurídico constitutivo do direito, ou, para quem sustenta entendimento diverso, a relação jurídica real (art.º 581.º, n.º 4, do CPC).

               A prova do facto de que emerge o direito real menor cabe aquele que se arroga a titularidade dele. A prova exigível é semelhante à prova diabólica, reclamada pela acção de reivindicação: desde que se invoca a titularidade de um direito real sobre a coisa, tem que se provar o acto aquisitivo correspondente, se necessário reconstituindo a cadeia de titulares anteriores até uma aquisição originária.

Na sua configuração usual, na actio confessoria, o autor pretende apenas afirmar contra o demandado a existência de um direito real menor que o último não aceita. Nada obsta, porém, que se faça compreender no seu perímetro, a declaração de existência do direito real de propriedade ou de outro direito da mesma espécie, quando o autor não pretenda obter a entrega da coisa pelo réu, mas simplesmente ver reconhecida judicialmente contra ele a titularidade daquele direito real maior ou de outro direito de natureza real[14]. Do ponto de vista estritamente adjectivo, trata-se nitidamente de uma acção de simples apreciação positiva (art.º 10.º, n.º 1, a), do CPC).

À luz destas considerações, no segmento em que pede o reconhecimento do apontado direito real, a acção é qualificável como confessória e não, como sustenta a apelante, como acção de reivindicação, já que esta última, de nítida feição condenatória, compreende e exige dois pedidos concomitantes – o pedido de reconhecimento de determinado direito; o pedido de entrega da coisa objecto desse direito –  o último dos quais, no caso, a recorrente não formula (art.º 1311.º, n.º 1, do Código Civil)[15].

Este viaticum habilita, com suficiência, à resolução do caso objecto do recurso – e a julgá-lo procedente.

3.4. Concretização.

A leitura da petição inicial – aperfeiçoada – apresentada pela apelante torna patente que visa com a acção a obtenção deste efeito jurídico:  reconhecimento – desde logo pelos réus autarquias locais - que os terrenos que identificada, além de serem baldios, são possuídos e geridos pelas comunidades locais das aldeias serranas de ..., ..., ..., ..., ... e ... da Freguesia e Concelho de ..., e são administrados através de actos de representação, disposição, gestão e fiscalização pelos órgãos daquelas comunidades locais democraticamente eleitos, com exclusão de quem quer que seja. Pedido que fundamenta nesta causa de pedir: são as comunidades locais que, desde tempos que excedem a memória dos homens há mais de 100, 200 anos, à vista de todos, sem oposição de quem quer que seja, de forma conjunta e segundo os usos e costumes e necessidades das comunidades locais e sem interrupção, na convicção de que se trata de propriedade comum, comunitária, apascentam os seus gados, extraem lenha, cortam e recolhem matos para a cama nos currais dos animais, bem como pedras para as suas construções, colhem os frutos das árvores, semeiam e colhem tremoços.

Neste segmento, considerando o efeito jurídico que a apelante visa obter do tribunal com a acção – o reconhecimento de que é titular do direito real de baldio sobre vários terrenos - e a fonte de que, na sua perspectiva, decorre o direito real alegado, a acção é, caracteristicamente, uma acção confessória. E para o conhecimento deste pedido, dado que se refere a um direito real ou, na terminologia da norma atributiva de competência, tem diretamente por objecto os terrenos baldios, a competência do tribunal que provém o recurso tem-se por indiscutível[16].

E o pedido da declaração de invalidade ou de ineficácia dos contratos – administrativos[17] - de concessão concluídos, designadamente pelos réus Município ... e Junta de Freguesia ..., com as intervenientes principais, com fundamento na ilegitimidade substantiva[18] daquelas autarquias locais para a sua conclusão, é um simples corolário da causa de pedir e do pedido referido ao direito real.

Na medida em que a violação do direito real existe sempre que o titular do direito é impedido de aproveitar a coisa nos termos desse direito ou vê diminuído esse aproveitamento por facto de terceiro, há que dissociar a violação da ilicitude, pelo que é irrelevante que o autor da violação haja cometido um acto ilícito. O titular do direito real pode, por isso, defender o seu direito em caso de violação, ainda que aquele ou aqueles que a tenham cometido não hajam actuado ilicitamente. A acção de defesa do direito real tem por finalidade última garantir ao titular desse direito o aproveitamento da coisa, permitida, pelo direito, colocando fim à sua violação. A restauração da possibilidade de aproveitamento da coisa pelo titular do direito, inerente à cessação da violação por terceiro, é, deste modo, simples decorrência do reconhecimento daquela titularidade.

Neste sentido, o pedido de declaração da nulidade ou da ineficácia dos contratos administrativos de concessão, concluído entre a Câmara Municipal ... e Junta de Freguesia ... – e outras autarquias locais – é um pedido meramente dependente, subordinado, não autónomo, secundário, relativamente à causa de pedir e ao pedido relativos ao reconhecimento do direito real. Realmente, um tal pedido só procederá se proceder o pedido de reconhecimento do direito real, que a posse, gestão e administração dos baldios pertencem, realmente, à autora, visto que só neste caso há fundamento para concluir pela violação daquele direito real, portanto, pela ilegitimidade das autarquias indicadas – e das demais que intervieram nos contratos de concessão – para a conclusão destes mesmos contratos e, consequentemente, pela sua nulidade ou ineficácia, conforme o entendimento que, para a falta desse pressuposto do negócio jurídico, se tenha por exacto.

Maneira que, ao contrário do que se lê na decisão impugnada a causa pedir dominante é, patentemente, a referida ao reconhecimento do direito real, o que, na sua lógica, determinaria a sua competência para conhecer de todos os objectos da causa.

Quer dizer: utilizando-se como critério definidor ou delimitador da competência em razão da matéria, no caso de concurso de objectos, dos quais alguns sejam e outros não sejam da sua competência, o critério da causa de pedir e do pedido dominantes[19] - que foi, indubitavelmente, aquele de que se socorreu a decisão impugnada -  sempre se imporia concluir pela competência do Tribunal de que provém o recurso, dado que o pedido que tem por objecto a nulidade ou a ineficácia dos contratos – administrativos - de concessão, é meramente consequencial do pedido de reconhecimento do direito real, não se revestindo, relativamente a tal pedido, e á causa de pedir que para ele é oferecida, de autonomia.

Todavia, crê-se que a conclusão pela competência do Tribunal de que provém o recurso bem pode também fundamentar-se na norma específica relativa a essa mesma competência especialmente disposta na lei para as controvérsias referidas a terrenos baldios.

Desde logo, porque a lei reconhece expressamente a competência dos tribunais comuns para os litígios relativos à cessão de exploração de baldios, abstraindo, por inteiro, da natureza jurídico-civil ou administrativa dos contratos através dos quais a cessão opera.

 Depois, como se observou, para que os tribunais comuns sejam competentes para conhecer das controvérsias relativas a baldios não é indispensável que o litígio tenha por objecto diretamente os terrenos baldios, sendo suficiente uma relação meramente indirecta com estes terrenos (art.º 54.º da Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto). E uma controvérsia que gravite em torno da validade ou eficácia de contratos de concessão de aproveitamento das utilidades proporcionadas pelos baldios é, por certo, um litígio que apresenta uma conexão evidente e relevante com os terrenos baldios e, portanto, que, ao menos indirectamente, se liga com a conflitualidade a eles relativa.

A sentença contestada obtempera, porém, a este propósito que os contratos cuja nulidade ou ineficácia é pedida não consubstanciam “contratos celebrados com entidades públicas no âmbito da presente lei”, ou seja, tais contratos não foram celebrados no domínio da nova Lei dos Baldios (a citada Lei n.º 75/2017 de 17 de Agosto), mas antes celebrados no domínio do anterior regime jurídico, sendo pacífico, ao que julgamos, que nesse âmbito são competentes os tribunais administrativos e fiscais e não os tribunais comuns.

Não se julga correcto este modo de pensar. Por várias razões, de resto.

É exacto que norma definidora da competência dos tribunais comuns se refere aos contratos celebrados com entidades públicas no âmbito da presente lei (artº 54.º da Lei n.º 75/2017 de 17 de Agosto). Simplesmente – mesmo abstraindo da circunstância de a lei ter manifestamente em vista os contratos celebrados pela estrutura de administração dos baldios – o âmbito a que a lei se refere é o seu perímetro material e não temporal – o que é coerente com o princípio de que a sede adequada para regulação da competência – enquanto adstrição de certo tribunal a certa categoria de processos -  e da aplicação no tempo das regras sobre a competência –  pertence  às leis de organização judiciária, vista pelo ângulo do tribunal,  e ao processo strictu sensu, considerada pela perspectiva do processo (artºs 37.º e 38.º, n.ºs 1 e 2, 40.º, 41.º 42.º, n.ºs 1 a 3, da LOSJ)

Depois, o problema de competência colocado no recurso, resolvia-se, à luz da lei anterior, por recurso aos mesmos critérios, designadamente o da causa de pedir dominante, por aplicação dos quais, sempre se concluiria pela competência do Tribunal comum.

Por último – como oportunamente se sublinhou – de harmonia com o princípio perpetuatio iurisdiciones o nexo de competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, quer em atenção à situação nesse momento dos factores atributivos de competência – quer em atenção à lei vigente nesse mesmo momento. O que é relevante é que, no momento em que a acção é proposta, a lei atribua a competência para dela conhecer ao tribunal em que é proposta, sendo, de todo, indiferente que a não tivesse em momento anterior.

Em absoluto remate: o autor tem inteira razão; o tribunal competente é o que, no caso, se declarou incompetente.

Por último – e a título de obiter dicta – justifica-se, relativamente à sentença impugnada, uma derradeira observação, referida, já não ao seu conteúdo ou sentido decisório – mas a uma outra circunstância. A acção regista já uma pendência pouca razoável, e mostra-se embaraçada com uma questão puramente adjectiva, sem a resolução da qual não é possível avançar para o conhecimento do fundo ou do mérito da causa. O tribunal optou por a resolver, embora para declinar sua competência para aquele conhecimento.

Mas o ordenamento colocava à sua disposição um instrumento, especialmente ágil e eficiente – e gratuito - para decidir, de modo definitivo, o problema da jurisdição competente e, portanto, da competência material: a consulta prejudicial.

Sempre que na pendência de uma acção, incidente, providência ou recurso, que não sejam urgentes, se suscitem dúvidas sobre a questão da jurisdição competente, qualquer tribunal pode, por decisão irrecorrível, oficiosamente ou a requerimento, submeter a sua apreciação do Tribunal dos Conflitos (art.ºs 3., b), e 15.º, nºs 1 a 3, da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro - LTConf.).

A consulta é dirigida ao presidente do Supremo Tribunal a quem caiba a presidência do Tribunal dos Conflitos e a pronúncia deste Tribunal é vinculativa para o tribunal que tenha submetido a consulta e para os demais tribunais que venham a intervir na causa – embora só seja vinculativa para o Tribunal dos Conflitos no âmbito do processo em que a consulta foi efectuada (art.º 17.º da LTConf.).

Considerados os termos da controvérsia relativa à competência material do tribunal, a consulta prejudicial encontrava, no caso, inteira justificação.

O Tribunal de que provém o recurso não lançou mão deste instrumento de resolução da questão da jurisdição competente, desde logo, porque nenhuma das partes lho requereu[20], decidindo essa questão, sem aquela consulta prévia, o que excluiu a possibilidade desta Relação de dele se socorrer visto que se deve entender que a consulta prejudicial só é admissível antes do proferimento de qualquer decisão sobre a questão da jurisdição competente; proferida uma tal decisão, a via adequada para a sua resolução é o recurso (art.º 3.º, c) da LTConf., e 627.º, n.º 1, do CPC).

Esta abstenção deu lugar a toda uma actividade – a do recurso – pesada e dispendiosa que podia, com toda a vantagem, ter sido evitada, através da pronúncia, por via da consulta prejudicial, do Tribunal dos Conflitos, cujo processo está isento de custas, e que pode, mesmo, dispensar a pronúncia das partes se considerar que já tiveram a oportunidade – como parece ser o caso – de se pronunciarem sobre a questão da jurisdição competente (art.ºs 5,º, nº 2, e 16.º, n.º 3, da LTConf.). Dispêndio escusado de actividade jurisdicional que não se esgota no recurso de apelação. Realmente, se esta Relação negasse provimento ao recurso – e consequentemente concluísse, em linha com a sentença impugnada, que a jurisdição competente é a administrativa – a autora não deixaria, decerto, de impugnar o acórdão através de recurso para -  o Tribunal dos Conflitos (art.º 101.º, n.º 2 do CPC, e 3.º, c) da LTConf.). Devendo o recurso ser julgado procedente, os apelados não deixarão, com toda a probabilidade, de impugnar o acórdão através de recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça – recurso que, por força do seu objecto, é sempre admissível – Supremo Tribunal que, por força do princípio da prioridade, fixará, enfim, o tribunal competente (art.º 101.º, nº 1, e 629.º, n.º 2, a), do CPC). Tudo isto, para se decidir, mais de dois anos depois da proposição da acção, uma questão puramente interlocutória de carácter processual: o tribunal materialmente competente para conhecer do seu objecto.

Expostos todos os argumentos que sustentam a decisão de procedência do recurso, afirma-se, em síntese estreita:

-  Como qualquer outro pressuposto processual, a competência jurisdicional é aferida em relação ao objecto do processo – pedido e causa de pedir - apresentado pelo autor, requerente ou exequente, valendo essa aparência como realidade, para o efeito de se determinar se o tribunal é ou não dotado de competência;

- O nexo de competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, quer em atenção à situação nesse momento dos factores atributivos de competência – quer em atenção à lei vigente nesse mesmo momento, pelo o que é relevante é que, no momento em que a acção é proposta, a lei atribua a competência para dela conhecer ao tribunal em que é proposta, sendo, de todo, indiferente que a não tivesse em momento anterior;

- O direito dos compartes relativamente a terrenos baldios – que pode denominar-se de direito de baldio – é um direito real, que embora não seja um direito de propriedade, é um direito real a se;

- A acção na qual se peça o reconhecimento do direito real de baldio, que o demandado não aceita, é uma acção confessória:

- Sempre que a causa tenha vários objectos, alguns dos quais se não compreendam na medida de jurisdição em que pende a acção, de harmonia com o critério de determinação da competência material do tribunal representado pelo objecto – causa de pedir e pedido - dominante, o tribunal será competente para o conhecimento de todos eles, se o for a para o objecto dominante ou principal;

- Dado que no tocante a terrenos baldios, a lei disponibiliza uma norma específica de regulação da competência, a tarefa de determinação do tribunal competente deve ser levada a cabo, não tanto, por aplicação dos critérios que, em geral, procedem à delimitação recíproca da jurisdição comum e da jurisdição administrativa, mas antes, principalmente, por aplicação dos critérios dispostos, em especial, naquela norma;

- A competência material dos tribunais comuns para o conhecimento das controvérsias relativas a baldios radica no objecto do conflito: os terrenos baldios:

-  Para que o tribunal comum seja materialmente competente para conhecer de um litígio que gravite em torno de terrenos baldios, não é necessário que o litígio respeite directamente a esses terrenos, sendo suficiente, para que se lhe reconheça essa competência, uma conexão meramente indirecta com aquele objecto.

As custas do recurso serão suportadas pelas partes que nele sucumbem: as apeladas (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, concede-se provimento ao recurso, revoga-se a decisão impugnada e, consequentemente, declara-se competente, para conhecer do objecto da causa, o Tribunal de que provém o recurso.

Custas do recurso pelas apeladas.

                                                                                                                                     2022.10.11



[1] Note-se, porém, que, por força do princípio da auto-suficiência do processo, o tribunal incompetente para se pronunciar sobre o mérito da acção tem competência para se pronunciar sobre a sua competência. Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, Lisboa, 1993, pág. 46.
[2] Acs. da RE de 20.02.86, BMJ nº 356, pág. 456, da RP de 05.06.86, BMJ nº 358, pág. 606, e da RC de 07.07.93, CJ, 93, IV, pág. 33.
[3] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1976, págs. 90 e 91 e, v.g., Acs. desta Relação de 03.03.10, www.dgsi.pt. Esta proposição corresponde a jurisprudência firme do Tribunal dos Conflitos, como decorre, por exemplo, do Ac. 19.04.2022 (07/22.7VFLSB).
[4] Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, Lisboa, Lex, cit., págs. 85 e 86.
[5] Acs. do TC n.º 508/94, de 14.07.1994 (777/92) e n.º 347/97, de 29.04.97 (139/95).
[6] Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 18.º Edição, Coimbra, 2020, págs. 52 e 53; Ac. do Tribunal dos Conflitos, de 19.04.22, cit.
[7] João de Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL, 2022, págs. 142 e 143.
[8] Em sentido diferente, Madalena Perestrelo de Oliveira, “Conflitos de princípios na repartição da competência material dos tribunais: os casos “aut-aut e et-et”, in, o Direito, 142.º (2010), III, págs. 593-615.
[9] Diferentemente também, Madalena Perestrelo de Oliveira, “Conflitos de princípios na repartição da competência material dos tribunais: os casos aut-aut e et-et”, ops., locs., cit.
[10] De um passado comunitário de gestão, aproveitamento e posse efectiva dos baldios, ainda que sob tutela das autarquias, as respectivas áreas foram, durante os anos 40 do século XX, sujeitas a intervenção do Estado em duas vertentes: colonização interna e florestação, com submissão às autoridades competente. A um corte brusco, sucedeu-se outro mais lento e profundo: já nos anos 60 foi-se observando a progressiva integração mercantil das economias rurais, com o consequente afastamento entre as economias individuais e o uso dos baldios. Em 1974, os baldios encontravam-se, assim, em grande parte sob administração directa do Estado, através dos serviços florestais, e nos casos em que não chegou a haver intervenção, sob controlo directo das Juntas de Freguesia. O processo de devolução foi desencadeado pelo Decreto-Lei n.º 39/76, de 19 de Janeiro. Cfr. Paulo Fernando dos Santos Caldinho Gomes, Posse, Gestão e Uso de Recursos em Regime de Propriedade Comum – Os Baldios do Norte de Portugal, Universidade Técnica de Lisboa, Instituto Superior de Agronomia, disponível no link http://hdl.handle.net/10400.5/2521, pág. 76, e Fonte Ramos, Algumas Notas sobre Baldios, in Estudos em Comemoração dos 100 Anos da Relação de Coimbra, Almedina, pág.  173.
[11] José Alberto C. Vieira, Direitos Reais, Coimbra Editora, 2008, pág. 87.
[12] Ac. do STJ de 24.10.2019 (850/13.8T8LSA.C1.S2), Maria Raquel Rei, “Do carácter não usucapível do direito de baldio” (Anotação a um escritura de justificação), RDC, II, (2017), 4, págs. 819 a 836, e Jaime Gralheiro, Comentário á Nova Lei dos Baldios (Lei 68/93, de 4 de Setembro), Almedina, 2002, pág. 12. Para a qualificação dos baldios como propriedade em comum, cfr. Rui Pinto Duarte, Comentário ao Acórdão da Relação de Guimarães de 23.11.2017 sobre um litígio relativo a baldio(s), CES, Cooperativismo e Economia Social, N.º 40 (2017-2018),  pág. 144.
[13] É, porém, discutível se se trata de uma acção real: em sentido afirmativo, José Alberto C. Vieira, Direitos Reais, cit. pág. 503; contra Oliveira Ascensão, Direito Civil – Reais, Coimbra Editora, 1983, pág. 280.
[14] Santos Justo, Direitos Reais, Coimbra, 2007, pág. 280, e José Alberto C. Vieira, Direitos Reais, cit. pág. 502.

[15] António Menezes Cordeiro, Direitos Reais, Reprint, Lex, 1979, págs. 591 e 592, e Manuel J. G. Salvador, Elementos da Reivindicação, Lisboa, 1958, pág. 21. Note-se, porém, que se trata de cumulação meramente aparente de pedidos. A acção de reivindicação é uma acção de condenação. Como, porém, toda a condenação pressupõe uma apreciação prévia de natureza declarativa, quando se pede o reconhecimento do direito de propriedade e a condenação da entrega, não se formulam pedidos distintos: a declaração do direito é um simples meio de atingir a entrega da coisa. Cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, Coimbra Editora, 1946, págs. 147 e 148 e José de Oliveira Ascensão, Acção de Reivindicação, in Estudos em Memória do Prof. Doutor, João de Castro Mendes, Lisboa, Lex, págs. 15 a 42. Nestes termos, é suficiente a formulação do pedido de entrega da coisa: cfr. Ac. dos STJ de 05.03.92, www.dgsi.pt.
[16] Assim, v.g., o Ac. do Tribunal dos Conflitos, de 01.06.22 (06/22).
[17] Dado que se resolvem em acordos de vontades pelos quais é constituída ou modificada uma relação jurídica administrativa (artºs 1.º, n.º 6, a) a c), 3.º e 278.º do Código dos Contratos Públicos). Cfr. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Almedina, 2016, pág. 450.
[18] Que, de modo deliberadamente simplificador, pode ser entendida com a posição jurídica de um sujeito face a uma determinada posição jurídica concreta, ou como a susceptibilidade ou insuceptibildidade de certa pessoa exercer um direito ou uma obrigação, resultante, não das qualidades ou situação jurídica da pessoa, mas das relações entre ela e o direito ou obrigação em causa, legitimidade, cuja falta, enquanto pressuposto do negócio jurídica, determina, segundo alguma doutrina, a nulidade do negócio e, segundo outra, a sua ineficácia,. Cfr., v.g., José de Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil – Acções e Factos Jurídicos, Vol. III, pág. 54, Pedro Pais Leitão de Vasconcelos, A Autorização, Coimbra Editora, 2012, pág. 73 e 382, António Menezes Cordeiro, da Legitimidade e da Legitimação no Direito Civil, in Liber Amicorum Fausto Quadros, Coimbra, 2016, pág. e João de Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. III, AAFDL, 1980, pág. 76. Por todos, cfr. Joana Lopes Pereira, Legitimidade Civil – Uma Abordagem Actualista, Junho de 2018, disponível em repostório.ul.pt.
[19] Subjacente, por exemplo, aos Ac. do STJ de 13.03.2008 (0BA391), da RC de 04.06.2013 (92/11.7BPNC-A.C1) e do Tribunal dos Conflitos de 25.09.2014 (27/14), 13.12.2018 (43/18) e 19.06.2019 (07/19).
[20] Para dois exemplos da actuação pelos tribunais de 1.ª instância do instrumento da consulta prejudicial, cfr. os Acs. do Tribunal dos Conflitos de 13.07.2022 (01974/21.3T8LRA.S1.CP e 012788/18.8T8PRT.S1.CP).