Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
632/12.4PCCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
REVOGAÇÃO
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 02/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (INSTÂNCIA LOCAL CRIMINAL – JUIZ 12)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.59.º DO CP
Sumário: I - Não são factos suficientes para se poder concluir que são integradores de qualquer dos requisitos do art. 59.º, n.º 2, als. a) e b), do CPP, quando não se especifica concretamente que diligências foram feitas, em que data e em que termos fora feitas, para daí concluirmos que o arguido se colocou intencionalmente em condições de não poder trabalhar e se recusou, sem justa causa, a prestar trabalho, ou se infringiu grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado.

II - O tribunal podia e devia apurar se o arguido se recusou injustificadamente a cumprir a pena substitutiva da pena de prisão, impedindo desse modo que a entidade responsável elaborasse o plano adequado e em que termos ocorreu o seu comportamento, vertendo os factos na decisão, de forma clara e precisa e fazendo o enquadramento legal com rigor, pois não deixa de ser uma decisão que põe em causa um direito fundamental do arguido, isto é, a sua liberdade.

III - O art. 495.º, n.º 2, aplicável ex vi art. 498.º, n.º 3, ambos do CPP, impõem, quanto à revogação, que o tribunal decida por despacho, depois de recolhida a prova, obtido o parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da prestação do trabalho a favor da comunidade.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra

No processo supra identificado, foi o arguido A..., solteiro, estudante, filho de (...) e de (...), nascido a 22/0471001, natural do Brasil, residente na Rua (...)l, em Coimbra, condenado, por sentença de 1/07/2013, transitada em julgado em 30/09/2013, pela prática, em co-autoria, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, que substituída pela prestação de 480 horas de trabalho a favor da comunidade.

O tribunal veio a revogar a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade com os seguintes fundamentos:

«(…)

 Solicitada aos serviços de reinserção social a elaboração de plano de execução da pena substitutiva, a mesma não se logrou porquanto, de acordo com informações desses serviços, apesar das diligências empreendidas, entre os meses de Outubro e Novembro de 2013, o arguido, não obstante convocado, jamais compareceu.

Entretanto, resulta dos elementos colhidos para os autos que o arguido, ulteriormente, desde 22 de Novembro de 2013, ficou em situação de prisão preventiva à ordem dos autos com o n.º 641/13.6JACBR, por indiciada a prática de factos ocorridos em 21 de Novembro de 2013, encontrando-se, presentemente, sujeito, no âmbito de tais autos, à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica.

Dispõe o art. 59.°, n.º 2, do Código Penal: "O tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação:

a) Se colocar intencionalmente em condições de não poder trabalhar;

b) Se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado; ou

c) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas".

Nos termos do art. 7.°, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 375/97, de 24/12, "o prestador de trabalho deve cumprir as obrigações de trabalho decorrentes da decisão judicial e acatar as orientações do supervisor quanto à forma como as tarefas devem ser executadas".

"Para além das obrigações referidas no número anterior", segundo os preceitos das alíneas do n.º 2 do art. citado, "o prestador de trabalho deve:

a) Responder às convocações do tribunal competente para a execução da pena e dos serviços de reinserção social;

b) Informar os serviços de reinserção social sobre quaisquer alterações de emprego, de local de trabalho ou de residência, bem como sobre outros factos relevantes para o cumprimento da pena;

c) Obter autorização prévia do tribunal competente para a execução da pena para efeito de interrupção da prestação de trabalho por tempo superior a dois dias de trabalho consecutivos;

d) Informar a entidade beneficiária sempre que estiver impossibilitado de comparecer no local de trabalho conforme o horário previsto;

e) Justificar as faltas ao trabalho nos termos previstos na legislação aplicável à entidade beneficiária;

f) Não consumir bebidas alcoólicas, estupefacientes, psicotrópicos ou produtos com efeito análogo no local de trabalho, bem como não se apresentar sob a influência daquelas substâncias, de modo a prejudicar a execução das tarefas que lhe sejam distribuídas".

Ora, o comportamento do arguido traduz uma recusa injustificada a prestar trabalho, bem como uma grosseira violação dos deveres decorrentes da pena a que foi condenado, impedindo a execução da pena.

Com efeito, em momento, ainda, anterior ao da privação da sua liberdade, o arguido demitiu-se, deliberada e injustificadamente, de qualquer colaboração com os serviços de reinserção social, assim obviando à planificação e início do trabalho comunitário.

A sua situação de privação de liberdade, a assumir algum relevo, não seria em beneficio do arguido, porquanto não foi como decorrência da mesma que não se iniciou o cumprimento da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, já antes evidenciando o arguido o claro intuito de se furtar ao seu cumprimento e demonstrando, assim, não ter interiorizado os valores que pusera em causa com o seu comportamento e reafirmados na sentença condenatória.

Pelo exposto, determino a revogação da pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade, consequentemente, determinando o cumprimento da pena principal de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão».


*

Desta decisão interpôs recurso o arguido, alegando não se ter furtado de forme deliberada e injustificada a prestar a sua colaboração com os Serviços de Reinserção Social, no sentido se assim obviar à planificação e início do trabalho comunitário, pois essa demissão não existiu depois de ter sido privado da sua liberdade e também não existiu ainda antes de ter sido colocado em prisão preventiva.

Conclui pela revogação do despacho recorrido, pugnando pela substituição do mesmo por outro que mantenha a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade a que o recorrente foi condenado.

Formula as seguintes extensas conclusões:

«1. Por despacho datado de 03/04/2014, proferido a fls ...dos autos em epígrafe, o douto Tribunal a qua veio a revogar a pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade a que havia condenado o aqui recorrente nos autos em referência e, por conseguinte, a determinar o cumprimento da pena de prisão a que, a título de pena principal, havia igualmente proferido nesses mesmos autos.

2. Estribou o douto Tribunal recorrido esta sua decisão no facto do aqui recorrente, apesar de convocado para o efeito, nunca ter comparecido junto dos Serviços de Reinserção Social no sentido de agendar, planificar e dar cumprimento ao plano de execução da pena substitutiva que foi elaborado por esses Serviços, facto que, no entender do douto Tribunal a quo, se traduziu numa recusa injustificada do aqui recorrente em prestar o trabalho comunitário que lhe foi determinado, assim como numa grosseira violação dos deveres recorrentes da pena a que foi condenado.

3. Ademais, entendeu ainda o douto Tribunal recorrido que não foi pelo facto do aqui recorrente se ter visto entretanto privado da sua liberdade (decorrente da aplicação da medida de prisão preventiva que foi determinada no Processo n. o 641/13.6JACBR), que não foi dado cumprimento à aludida pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, porquanto, no entender do douto Tribunal a quo, já antes da aplicação dessa medida de coacção o aqui recorrente havia evidenciado o claro intuito de se furtar ao seu cumprimento.

4. Sucede que tal fundamentação apesar de relevante do ponto de vista jurídico, não tem qualquer correspondência com a realidade dos factos.

5. Na verdade, cumpre dizer que entre os meses de Outubro e Novembro de 2013, o aqui recorrente, quer por si, quer através da sua mãe, manteve sempre contactos com a DGRS no sentido de vir a planificar e a concretizar a prestação do referido trabalho comunitário.

6. E se é certo que, durante esse período, não foi possível agendar a planificação e o início da prestação do trabalho comunitário em causa, também é verdade que isso não resultou de qualquer expediente dilatório do aqui recorrente com o propósito de protelar ou se furtar ao cumprimento da pena que lhe foi aplicada.

7. Antes apenas se ficou a dever ao facto do aqui recorrente, durante esse período, se encontrar a frequentar um curso de Hotelaria, facto que, tendo sido oportunamente comunicado aos ditos Serviços de Reinserção Social, o impediu, durante esse período, de conseguir agendar, planificar e cumprir a prestação desse trabalho.

8. Sucede que, no dia 22 de Novembro de 2013, pelos factos indiciados no Processo n.º 641/13.6JACBR, o ora e aqui recorrente veio a ser sujeito à medida de coacção mais grave, ou seja, a prisão preventiva.

9. E se até essa data a planificação e cumprimento do referido trabalho comunitário não havia sido possível por o arguido se encontrar a frequentar um curso de formação profissional, já após essa data essa planificação e cumprimento tornou-se de todo impossível pelo facto do aqui recorrente se ter visto privado da sua liberdade.

10. Tanto mais que, apesar dessa medida de coacção ter vindo entretanto a ser substituída por outra, à qual o aqui recorrente neste momento ainda se encontra sujeito, a verdade é que o foi por outra privativa da sua liberdade (ou seja, pela “obrigação de permanência na habitação sob vigilância electrónica"), facto que, de uma forma ou de outra, sempre o impossibilitaria, como impossibilitou, de a partir da aludida data poder colaborar com os ditos Serviços de Reinserção Social no sentido de vir a agendar e planificar a prestação do referido trabalho comunitário, mas também de poder vir a iniciar e a concretizar a prestação desse mesmo trabalho.

11. Assim, ao invés do que resulta do douto despacho recorrido, é falso que ora e aqui recorrente alguma vez se tenha furtado (ou intenção de se furtar) de forma deliberada e injustificada a prestar a sua colaboração com os Serviços de Reinserção Social, no sentido de assim obviar à planificação e início do trabalho comunitário: por motivos óbvios, essa demissão não existiu (nem poderia ter existido) depois do ora e aqui recorrente ter sido privado da sua liberdade. Mas também não existiu ainda antes de ter sido colocado em prisão preventiva.

12. Já que, se antes de (em 22 de Novembro de 2013) ter sido decretada a sua prisão preventiva a planificação e o início da prestação do trabalho comunitário não se concretizou, isso só aconteceu, como se disse, pelo facto do ora e aqui recorrente se encontrar a frequentar um curso de formação profissional.

13. Assim, e ressalvado sempre o devido respeito, verifica-se que o douto Tribunal à quo não só ignorou e não valorou todos os motivos que estiveram na génese do comportamento do aqui recorrente, como estribou a sua decisão em pressupostos manifestamente falsos e desvirtuados e, por isso, deficientemente valorados.

14. Daí que, por essa razão, mas também pelo facto do mesmo não ter feito uma correcta interpretação dos factos e a uma adequada subsunção dos mesmos às pertinentes disposições legais aplicáveis, se imponha, pois, a sua revogação.

15. E, nessa medida, a sua substituição por outra que mantenha a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade a que o ora e aqui recorrente foi condenado nos autos em epígrafe.

16. Isto não apenas pelo facto da douta decisão recorrida afrontar o disposto no artigo 59.°, n.º 2, do Código Penal, mas também por violar o disposto artigo 7.°, 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 375/97, de 24 de Dezembro».


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Na 1.ª instância a Ex.ma Procuradora Adjunta respondeu ao recurso interposto, nos termos do art. 413.º, do CPP, pugnando não provimento do recurso e consequente manutenção do despacho recorrido, por se verificarem os pressupostos que o determinaram e terem sido cumpridas as normas legais exigíveis.

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Neste Tribunal da Relação a ilustre Procuradora-geral Adjunta, após vista do art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, emitiu douto parecer no sentido que deve ser concedido provimento ao recurso, embora por razões diferentes, com fundamento de que a revogação ocorreu sem audição prévia do arguido, com preterição do art. 495.º, n.º 2, aplicável ex vi art. 498.º, n.º 3, do CPP.

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O Direito

Recorreu o arguido do despacho que revogou a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, com o fundamento de que não se furtou de forma deliberada e injustificada a prestar a sua colaboração com os Serviços de Reinserção Social, no sentido de assim obviar à planificação e início do seu cumprimento.

As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.

Questão a decidir:

a) Apreciar se do despacho recorrido constam factos que substancialmente integram os requisitos legais para a revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.

b) Apreciar se o tribunal a quo observou o formalismo processual para a revogação.

O arguido foi condenado, por um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do CP, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, substituída pela prestação de 480 horas de trabalho a favor da comunidade.

O tribunal revogou esta pena substitutiva, alicerçada na seguinte factualidade, constante do despacho recorrido, que considera violadora dos deveres impostos ao arguido:

«Solicitada aos serviços de reinserção social a elaboração de plano de execução da pena substitutiva, a mesma não se logrou porquanto, de acordo com informações desses serviços, apesar das diligências empreendidas, entre os meses de Outubro e Novembro de 2013, o arguido, não obstante convocado, jamais compareceu.

Entretanto, resulta dos elementos colhidos para os autos que o arguido, ulteriormente, desde 22 de Novembro de 2013, ficou em situação de prisão preventiva à ordem dos autos com o n.º 641/13.6JACBR, por indiciada a prática de factos ocorridos em 21 de Novembro de 2013, encontrando-se, presentemente, sujeito, no âmbito de tais autos, à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica».

O tribunal recorrido subsumiu o comportamento do arguido a uma recusa injustificada a prestar trabalho a favor da comunidade, considerando haver uma grosseira violação dos deveres decorrentes da pena a que foi condenado, impedindo a execução da pena.

Refere ainda que antes da privação da sua liberdade, o arguido demitiu-se, deliberada e injustificadamente, de qualquer colaboração com os serviços de reinserção social, assim obviando à planificação e início do trabalho comunitário.

Considera ainda que a privação de liberdade, por prisão preventiva, a assumir algum relevo, não seria em benefício do arguido, porquanto não foi como decorrência da mesma que não se iniciou o cumprimento da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, já antes evidenciando o arguido o claro intuito de se furtar ao seu cumprimento.

Nos termos do art. 59.°, n.º 2, do CP são requisitos para revogar a prestação de trabalho a favor da comunidade e impor ao arguido o cumprimento da respectiva pena de prisão:

a) Colocação intencional em condições de não poder trabalhar;

b) Recusa, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado;

c) Prática de crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Entretanto o art. 7.º, n.º 1, do DL n.º 375/97, de 24/12, impõe ao arguido que o mesmo deve cumprir as obrigações de trabalho decorrentes da decisão judicial e acatar as orientações para e durante a sua execução.

Por sua vez, de acordo com o n.º 2, deste artigo, o arguido para além daquelas obrigações em geral, está especificamente obrigado aos seguintes procedimentos relativamente ao tribunal e entidades que supervisionam o cumprimento da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, para que se torne possível o início e a adequada execução: 

“a) Responder às convocações do tribunal competente para a execução da pena e dos serviços de reinserção social;

b) Informar os serviços de reinserção social sobre quaisquer alterações de emprego, de local de trabalho ou de residência, bem como sobre outros factos relevantes para o cumprimento da pena;

c) Obter autorização prévia do tribunal competente para a execução da pena para efeito de interrupção da prestação de trabalho por tempo superior a dois dias de trabalho consecutivos;

d) Informar a entidade beneficiária sempre que estiver impossibilitado de comparecer no local de trabalho conforme o horário previsto;

e) Justificar as faltas ao trabalho nos termos previstos na legislação aplicável à entidade beneficiária;

f) Não consumir bebidas alcoólicas, estupefacientes, psicotrópicos ou produtos com efeito análogo no local de trabalho, bem como não se apresentar sob a influência daquelas substâncias, de modo a prejudicar a execução das tarefas que lhe sejam distribuídas".

Salvo o devido respeito, do despacho recorrido não há elementos fácticos para concluirmos que o arguido se recusou de forma injustificada a prestar trabalho e que tenha violado grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado, impedindo a sua execução.

O tribunal como factos que servem de base à decisão limita-se a dizer:

1. Não foi possível a elaboração de plano de execução da pena substitutiva, apesar das diligências empreendidas, entre os meses de Outubro e Novembro de 2013, por o arguido, não ter comparecido apesar de convocado para tal.

2. O arguido encontra-se desde 22 de Novembro de 2013, em situação de prisão preventiva à ordem dos autos com o n.º 641/13.6JACBR, por indiciada a prática de factos ocorridos em 21 de Novembro de 2013.

O despacho posto em crise viola o disposto no art. 97.º, n.º 5, do CPP, carece de fundamentação adequada, pois não especifica suficientemente os motivos de facto e de direito.

Estes factos atrás referidos são insuficientes para se poder concluir que são integradores de qualquer dos requisitos do art. 59.º, n.º 2, al. a) e b), do CPP, pois não especifica concretamente que diligências foram feitas, em que data e em que termos fora feitas, para daí concluirmos que o arguido se colocou intencionalmente em condições de não poder trabalhar e se recusou, sem justa causa, a prestar trabalho, ou se infringiu grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado.

Por outro lado, também não se verifica a circunstância da al. c), pois o arguido encontra-se em prisão preventiva, não tendo praticado crime pelo qual foi condenado.

A decisão recorrida elenca uma série de preceitos que impõem obrigações e deveres ao arguido e situações que conduzem à revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e depois não é precisa na indicação das normas que foram violadas.

Acresce dizer que ainda que se indicie que o arguido não compareceu nem respondeu às convocatórias que lhe foram feitas pelo IRS, o que não o impedia o facto de frequentar um curso de hotelaria, como afirmou, tal consta apenas de documentos juntos aos autos e esses factos não foram levados à decisão recorrida.

Também daqui não podemos concluir que o arguido, tendo tempo livre para responder aos contactos e agendar outra marcação - se recusou, sem justa causa, a prestar trabalho, inviabilizando assim o cumprimento da pena.

O tribunal podia e devia apurar se o arguido se recusou injustificadamente a cumprir a pena substitutiva da pena de prisão, impedindo que entidade responsável elaborasse o plano adequado e em que termos ocorreu o seu comportamento, vertendo os factos na decisão, de forma clara e precisa e fazendo o enquadramento legal com rigor, pois não deixa de ser uma decisão que põe em causa um direito fundamental do arguido, isto é, a sua liberdade.

O tribunal a quo para além de não especificar e fundamentar devidamente a decisão de facto e de direito, quantos aos requisitos de revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, não andou também quanto procedimento processual prévio de audição do arguido, que tem por base apurar efectivamente se o comportamento do arguido é censurável (art. 59.º, n.º 2, do CPP).

Efectivamente, o art. 495.º, n.º 2, aplicável ex vi art. 498.º, n.º 3, ambos do CPP, impõem, quanto à revogação, que o tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido o parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da prestação do trabalho a favor da comunidade

O art. 495.°, n.º 2, do CPP, pressupõe assim uma audição presencial do recorrente, sempre que possível, sendo que na concreta situação tal ocorria, pois encontrava-se sujeito a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, o mesmo se acontecendo quanto à presença da técnica encarregada de elaborar o plano, que consta de fls. 13 e 16.

A omissão de tal formalidade processual constitui nulidade insanável, prevista no art. 119.º,  al. c), do CPP, tornando inválido o despacho impugnado.

Concluímos assim, que o despacho recorrido, violou o disposto no art. 97.º, n.º 5, do CPP e art. 59.º, n.º 2, do CP, por falta de fundamentação e não se mostrarem verificados os requisitos da revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e art. 495.º, n.º 2, aplicável ex vi art. 498.º, n.º 3, ambos do CPP, por omissão de audição presencial obrigatória, constituindo esta nulidade insanável, enquadrável no art. 119.º, al. c), do mesmo diploma legal.


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Decisão:

Pelos fundamentos expostos, decidem os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido, e, consequentemente se revoga o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro, do qual constem suficientemente especificados os fundamentos de facto e de direito, e, depois de o senhor juiz ouvir previamente o arguido na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da prestação do trabalho a favor da comunidade. 

Sem custas.


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Coimbra, 11 de Fevereiro de 2015


(Inácio Monteiro - relator)


(Alice Santos - adjunta)