Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
877/22.9T8ACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: LIVRANÇA
RELAÇÕES IMEDIATAS
AVALISTAS
PRESCRIÇÃO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 11/21/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ALCOBAÇA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 32.º E 77.º DA LEI UNIFORME SOBRE LETRAS E LIVRANÇAS, 304.º, 310.º, ALÍNEAS E) E G), E 323.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – Encontrando-se o título cambiário no domínio das relações imediatas, a invocação da prescrição por parte do avalista é legitimada pelo caráter de instrumentalidade da relação cambiária perante a relação fundamental, como decorre do disposto nos art.ºs 32.º e 77.º da LULLiv..
II – Tal prescrição ocasiona, para o respetivo beneficiário, a possibilidade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito, nos termos do art.º 304.º do CCiv..

III – Se alguns dos executados/avalistas não foram partes na reclamação de créditos que motivou a interrupção da prescrição relativamente aos devedores originários, então não operou quanto àqueles (avalistas) a interrupção da prescrição, com a consequência do decurso, quanto a si, do prazo de prescrição aplicável.

Decisão Texto Integral: Relator: Arlindo Oliveira
Adjuntos:
Helena Melo
Paulo Correia

Processo n.º 877/22.9T8ACB-A.C1 – Apelação
Comarca de Leiria, Alcobaça, Juízo de Execução

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


AA, BB, CC e DD, executados nos autos de execução a que estes se encontram apensos, vieram deduzir os presentes embargos de executado contra A..., S.A., já todos identificados nos autos, pedindo a procedência dos embargos e a extinção da execução.
Para tanto, alegaram, em síntese, que o preenchimento da livrança que constitui o título executivo é abusivo, na medida em que a dívida pela mesma titulada foi já reclamada em 22-03-2012 no processo n.º 126/12.... do ... Juízo Cível de ..., pelo que, tendo o credor considerado o crédito vencido desde janeiro de 2012, o mesmo encontra-se prescrito, nos termos do artigo 310.º, alíneas d) e e), do Código Civil, por terem decorrido mais de cinco anos desde a data do vencimento até à apresentação do requerimento executivo. A prescrição do crédito contraído pelo contrato subjacente à livrança dada à execução implica igualmente a prescrição de tal livrança, pelo que se verifica abuso no seu preenchimento. Alegam ainda os executados avalistas que nunca foram informados do vencimento do crédito.
A exequente apresentou contestação, na qual pugnou pela improcedência da exceção de prescrição, uma vez que reclamou créditos no âmbito da execução n.º 1164/12.... e apenas em dezembro de 2021 foi distribuído o produto da venda do imóvel penhorado e sobre o qual detinha hipoteca que garantia o crédito exequendo, pelo que se verificou a interrupção da prescrição. Alegou ainda ter remetido cartas de preenchimento da livrança.

Teve lugar a audiência prévia, no decurso da qual a M.mo Juiz a quo informou as partes de que iria conhecer imediatamente do mérito da causa.
Após o que foi proferida a decisão fls. 194 a 198, na qual se elaborou despacho saneador tabelar e se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se decidiu o seguinte:
“Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide este Tribunal julgar os presentes embargos de executado parcialmente procedentes e, em consequência:
- determinar a extinção da execução relativamente aos executados CC e DD;
- determinar o prosseguimento da execução quanto aos executados AA e BB.
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Custas pela exequente e pelos executados AA e BB, em partes iguais – artigo 527.º, n.º 1, e 2 do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
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Ao abrigo do disposto nos artigos 304.º, n.º 1, e 306.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, fixo à causa o valor de € 86.412,21 (oitenta e seis mil quatrocentos e doze euros e vinte e um cêntimos).”.

Inconformada com a mesma, dela interpôs recurso a exequente/embargada A..., SA, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida, imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 215), finalizando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:
1. A Recorrente intentou, em 15/04/2022, execução contra AA, DD, CC e BB, para pagamento da quantia de 86.412,21€.
2. A exequente deu à execução uma livrança no valor de 85.109,91€, vencida em 05/01/2022.
3. A livrança foi subscrita pelos Executados AA e BB e devidamente avalizada pelos Executados DD e CC.
4. Consta do verso da livrança, que os avalistas prestaram o seu aval após a declaração "Dou o meu aval".
5. Na qualidade de avalistas são solidariamente responsáveis perante o Exequente, conforme dispõe os artigos 47.º e 48.º da LULL.
6. Apresentada a pagamento, a referida livrança, não foi paga, sequer parcialmente, na respetiva data de vencimento.
7. Os executados deduziram embargos alegando o preenchimento abusivo da livrança e, bem assim, que o crédito encontra-se prescrito uma vez que decorreu o prazo de cinco anos do vencimento do crédito.
8. A Recorrente apresentou contestação na qual pugnou pela improcedência da exceção da prescrição uma vez que foram reclamados créditos no âmbito do processo 1164/12...., graduados por sentença datada de 22/11/2017, e apenas em dezembro de 2021 foi distribuído o produto da venda do imóvel penhorado e sobre o qual detinha hipoteca que garantia o credito exequendo, pelo que se verificou a interrupção da prescrição.
9. Foram remetidas aos executados cartas de preenchimento da livrança.
10. A livrança é um titulo autónomo ao contrato subjacente.
11. O Tribunal de Primeira Instância julgou os embargos de executado parcialmente procedentes e, em consequência:
- determinou a extinção da execução relativamente aos executados CC e DD;
- determinou o prosseguimento da execução quanto aos executados AA e BB.
12. A ora Recorrente não concorda com a decisão de primeira instancia de julgar extinta a execução quanto aos executados CC e DD.
13. A livrança dada à execução tem relação subjacente ao contrato de empréstimo celebrado, em 20/04/2009, entre os mutuários AA e BB e encontra-se garantido, além de hipoteca sob um imóvel, com uma livrança em branco subscrita pelos mutuários e avalizada por CC e DD.
14. Os Executados são conhecedores da dívida existente perante a Exequente.
15. Dúvidas não restam que estamos perante um título cambiário próprio, com valor titulado no próprio documento.
16. O título executivo define o fim e âmbito da execução, representando o facto jurídico constitutivo do crédito, e sendo presunção “juris tantum” da sua existência.
17. O título executivo que serve de base à presente Execução, e invocado no Requerimento Executivo, é uma Livrança, que constitui título executivo nos termos do artigo 703.º, al. c), do C.P.C.
18. O facto de a Livrança ter sido subscrita para garantia de um contrato de empréstimo concedido pelo Banco Cedente não lhe retira força executiva, porquanto – e não obstante os executados estarem vinculado por uma relação jurídica anterior –, atento o regime jurídico especial dos títulos cambiários, tudo se passa como se tal obrigação não existisse, isto é, como se estivéssemos perante uma obrigação sem causa.
19. Em matéria de títulos de câmbio, regem os princípios da incorporação, literalidade, abstração e autonomia.
20. O princípio da incorporação determina que a livrança, só por si, confere ao seu portador a faculdade de exercer legitimamente o direito mencionado no título.
21. O princípio da literalidade decorre que o conteúdo, a extensão e modalidade do direito incorporado na livrança vale exclusivamente em conformidade com o teor do próprio título, ou seja, o que releva é tão só o que está exarado no título e não o que foi convencionado na relação subjacente à subscrição da livrança. O mesmo é dizer que a existência, validade e persistência da obrigação cartular definida na livrança, não pode ser posta em causa com auxílio de elementos exteriores ao título.
22. O princípio da autonomia traduz-se na necessária independência existente entre a obrigação cartular e o negócio subjacente ao título cambiário, devendo considerar-se a obrigação cambiária como uma obrigação autónoma.
23. O princípio da abstração diz-nos que a causa do negócio cambiário é separada deste, pelo que, não obstante a subscrição da livrança ter subjacente o contrato – e só existir por força desse contrato –, o certo é que tal relação comercial está fora da obrigação cambiária, isto é, esta obrigação é independente da “causa debendi”.
24. Os ora Executados responsabilizaram-se pelo pagamento da quantia inscrita na livrança, bem sabendo que assumiam para com o portador do título uma relação materialmente autónoma em relação ao contrato oportunamente celebrado.
25. Ora, e conforme se verifica da assinatura do contrato e, bem assim, da livrança que foi entregue ao Banco Cedente, os executados assumiram-se responsáveis pela divida aqui em causa.
26. A Exequente reclamou os seus créditos no processo 1164/12...., execução essa que correu contra AA e BB, tendo sido reconhecido o seu crédito por sentença de graduação de créditos em 22/11/2017.
27. O facto de a Exequente ter reclamado créditos no âmbito do processo supra referido originou que o prazo de prescrição se suspendesse relativamente a todos os executados e não apenas aos devedores que eram intervenientes no processo.
28. A divida aqui em causa encontrava-se garantida por hipoteca sob um imóvel (prédio urbano sito em ... – ... – Urbanização ..., Freguesia ..., ..., inscrito na matriz ...75 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...01) penhorado nessa mesma execução, e a venda desse mesmo imóvel poderia levar a que a Exequente fosse
ressarcida na totalidade, pelo que apenas após a venda do imóvel, a Exequente se encontrava em condições de saber se ainda existiriam valores em divida para preenchimento da livrança.
29. A suspensão do prazo de prescrição terá sempre que ser aplicável a todos os executados e não apenas aos executados e intervenientes na execução supra referida.
30. A causa de vencimento da divida adveio da execução na qual foi penhorado o imóvel dado de garantia e que originou a respetiva reclamação de créditos nesses autos.
31. Apenas em Dezembro de 2021 veio a Exequente a receber o valor respeitante à venda do imóvel dado de garantia (23.919,92€).
32. Pelo que após o recebimento desse montante a Recorrente imputou esse valor à divida e consequentemente preencheu a livrança pelo valor remanescente.
33. A livrança trata-se de um titulo autónomo ao contrato subjacente, pelo que contando o prazo de prescrição do preenchimento da livrança a mesma não se encontra prescrita.
34. sempre se dirá que, caso o entendimento seja a contagem do prazo de prescrição da data de vencimento do contrato subjacente, o prazo esteve suspenso durante o período da execução referida (1164/12....), ou seja aquando do preenchimento da livrança a divida não se encontrava prescrita, e conforme decidiu bem o Tribunal de Primeira Instância.
35. Contudo a decisão deverá ser aplicável a todos os devedores, devendo a execução prosseguir contra todos, pois a referida suspensão da prescrição terá sempre que ser aplicável a todos os executados.
36. Não podemos nunca deixar de ter presente que apenas após a venda do imóvel dado de garantia poderia a Exequente e ora Recorrente saber o valor exato em divida para preencher a livrança.
37. A Exequente exerce, apenas, o seu legítimo direito ao preencher a livrança pelo remanescente em divida, não existindo qualquer abuso de direito no seu preenchimento.
38. Mais acresce, e, conforme já se referiu anteriormente, a livrança é um titulo cambiário
autónomo do contrato que lhe deu origem, assim sendo, pode ser preenchida a qualquer montante desde que os valores estejam em incumprimento e sejam os devedores devidamente interpelado.
39. Perante tudo o exposto dúvidas não restam que a divida aqui em causa não se encontra prescrita em relação a todos os executados.
40. A ora Exequente discorda da decisão do Tribunal de primeira instância quanto à extinção do processo em relação aos avalistas – CC e DD, devendo ser a decisão de prosseguimento dos autos em relação aos mutuários e os avalistas.
Termos em que se requerer a V. Exa. que a decisão de primeira instância seja revogada, devendo o processo prosseguir os seus regulares termos contra todos os executados.
Assim decidindo, V. Exas. farão
INTEIRA E SÃ JUSTIÇA

Contra-alegando, os executados/embargantes CC e mulher DD, pugnam pela manutenção da decisão recorrida, aderindo aos fundamentos na mesma invocados, designadamente que, não foram demandados na execução movida contra os demais executados, pelo que quanto a si não se verificou a suspensão da prescrição; que se verifica, como decidido em 1.ª instância e; que lhes é lícito invocar, na qualidade de avalistas.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.
Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se se verifica a prescrição da dívida exequenda, relativamente aos executados CC e mulher DD.

É a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:
1 – Nos autos principais, a exequente pede a cobrança coerciva da quantia de € 86.412,21 (oitenta e seis mil quatrocentos e doze euros e vinte e um cêntimos), sendo:
- € 85.109,91 (oitenta e cinco mil cento e nove euros e noventa e um cêntimos), a título de capital;

- € 876,75 (oitocentos e setenta e seis euros e setenta e cinco cêntimos), a título de juros de mora vencidos até 9-04-2022;

- € 425,55 (quatrocentos e vinte e cinco euros e cinquenta e cinco cêntimos), a título de imposto de selo.

2 – A execução referida em 1) foi intentada com base na livrança subscrita pelos executados AA e BB e vencida em 5 de janeiro de 2022, no montante de € 85.109,91 (oitenta e cinco mil cento e nove euros e noventa e um cêntimos), em cujo verso encontra-se escrito “dou o meu aval”, seguido da assinatura dos executados CC e DD.
3 – Por acordo datado de 20-04-2009, intitulado “Contrato de Empréstimo” e subscrito pelo Banco 1..., S.A. e pelos executados, o primeiro acordou emprestar aos executados AA e BB o montante de € 81.300 (oitenta e um mil e trezentos euros), mais constando do referido acordo, nomeadamente, o seguinte:
“NONA (…)
2. Ainda em garantia do pontual pagamento, ou cumprimento, das obrigações emergentes deste Contrato, os SEGUNDOS OUTORGANTES entregam nesta data ao Banco 1... uma LIVRANÇA EM BRANCO por eles subscrita à ordem do Banco, autorizando expressamente todos os intervenientes que o Banco 1... preencha o título de crédito pelo valor do empréstimo que se encontrar em dívida, acrescido do valor dos juros compensatórios e, ou, moratórios devidos a título de cláusula penal, uns e outros vencidos e não pagos, e do montante dos encargos legais e contratuais que também se mostrem em dívida, podendo nomeadamente o Banco fixar e exarar no título as datas de emissão e vencimento, bem como a designar o local do seu pagamento” (cfr. doc. de fls. 56, que aqui dou por integralmente reproduzido).
4 – O crédito descrito em 2) foi transferido para a exequente, por deliberação do Banco de Portugal de 20 de dezembro de 2015.
5 – Em 3 de março de 2014, a exequente reclamou o crédito emergente do acordo descrito em 3), no montante total de € 91.933,18 (noventa e um mil novecentos e trinta e três euros e dezoito cêntimos) no âmbito da execução n.º 1164/12.... do Juízo de Execução ... – Juiz ..., contra os executados AA e BB, o qual foi reconhecido e graduado por sentença proferida em 22-11-2017.


Se se verifica a prescrição da dívida exequenda, relativamente aos executados CC e mulher DD.
Entendeu-se na decisão recorrida que se verifica a prescrição relativamente aos executados CC e DD, com o fundamento em que o prazo de prescrição aplicável é o de 5 anos, previsto no artigo 310.º, alíneas e) e g), do Código Civil.
Mais se considerou que o referido prazo se iniciou em Janeiro de 2012 e se interrompeu, relativamente aos executados AA e BB, em 3 de Março de 2014, recomeçando a correr em 22 de Novembro de 2017, tendo a execução sido instaurada em 9 de Abril de 2022, pelo que, quanto a estes, ainda não decorreu o aludido prazo prescricional.
No entanto, considerou-se, que esta interrupção, porque resultante de uma reclamação de créditos efectuada em 3 de Março de 2014, contra os executados AA e BB, apenas afecta estes executados e não os ora recorridos – CC e DD – por a referida reclamação de créditos não ter sido deduzida contra estes.
Sem pôr em causa que o prazo de prescrição a atender é o de 5 anos, a exequente e ora recorrente defende que, também, não se mostra verificada a prescrição do seu crédito relativamente aos executados CC e DD, com base em dois argumentos:
- A livrança exequenda constitui um título cambiário próprio e por isso sujeito aos princípios da incorporação, literalidade, abstração e autonomia, que se traduz, para os avalistas, na assunção de uma “obrigação sem causa”, do que parece retirar a consequência de que aos avalistas está vedado arguir a prescrição da obrigação fundamental e;
- a interrupção do prazo de prescrição é aplicável a todos os executados e não apenas aos intervenientes na supra referida reclamação de créditos.

Resulta da matéria de facto dada como provada que o título exequendo radica numa livrança subscrita pelos executados AA e BB, avalizada pelos demais executados, titulando um empréstimo do exequente aos executados AA e BB e que foi entregue em branco ao Banco 1..., SA, acompanhada de pacto de preenchimento para o caso de eventual incumprimento, que veio a ocorrer, em face do que o exequente a preencheu e apresentou a pagamento, que não foi efectuado.
Assim, tal como decidido na decisão recorrida, tem de se concluir que estamos no domínio das relações imediatas – neste sentido o Acórdão da Relação do Porto, de 12/1/2023, Processo n.º 9735/21.3T8PRT-A.P1, disponível no respectivo sítio do Itij (citado na decisão recorrida) e no qual, se cita inúmera jurisprudência, nesse sentido.
Ora, como consabido, nas relações imediatas, designadas como aquelas que se situam nas relações entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato, nas quais os sujeitos cambiários também o são de convenções extracartulares, tudo se passa como se a relação cambiária deixasse de ser literal e abstracta, ficando sujeita às excepções que afectem, fundamentem, essas relações pessoais – cf. Ferrer Coreia, Lições de Direito Comercial, 1994, pág.s 449/50.
Em idêntico sentido, Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, 2016, pág.s 66 a 69, que defende que em virtude do carácter instrumental da obrigação cambiária perante a relação fundamental, conclui que as vicissitudes que afectam a relação subjacente se reflitam na pretensão cambiária, quando ali refere (pág. 69):
“…, sempre que o devedor esteja em condições de fazer valer factos impeditivos ou extintivos da pretensão fundamental do credor, o carácter instrumental da pretensão cambiária determina a sua vulneração. A circunstância de a obrigação fundamental se não haver validamente constituído ou de vir a ser extinta não pode deixar de comprometer irremediavelmente a obrigação cambiária para a solver, garantir, novar, etc.”.
A invocação da prescrição por parte do avalista é, assim, legitimada pelo carácter de instrumentalidade da relação cambiária perante a relação fundamental, tal como decorre do disposto no artigo 32.º, da LULL, ex vi seu artigo 77.º.
Concluindo, os executados CC e DD, na qualidade de avalistas dos beneficiários do empréstimo supra aludido, podiam, como o fizeram, invocar a prescrição.
A qual acarreta, para o respectivo beneficiário, a possibilidade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito – cf. resulta do disposto no artigo 304.º, do Código Civil.
De resto, mesmo em geral, cf. resulta do disposto no n.º 1, do artigo 305.º, do Código Civil, a prescrição é invocável por terceiros com legítimo interesse na sua declaração, em que, como defende, Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição E Caducidade, 2.ª Edição, pág. 80, se integra o fiador, sendo a posição do avalista, para este efeito, similar à do fiador.
Consequentemente, com base nesta argumentação, não vislumbramos razões para alterar a decisão recorrida.

Relativamente à segunda ordem de razões invocadas – a interrupção do prazo de prescrição é aplicável a todos os executados e não apenas aos intervenientes na supra referida reclamação de créditos – igualmente, não vemos razões para a alterar.
A recorrente alega para tal que a origem da dívida adveio da execução onde foi penhorado o imóvel dado de garantia e que originou a reclamação de créditos que fundamentou a interrupção da instância acima referida e que só em Dezembro de 2021 é que recebeu o valor respeitante à venda, que imputou ao valor em dívida e após, preencheu a livrança pelo remanescente.

Ora, como decorre do disposto no artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito.
Como lapidarmente daqui resulta, seguindo, mais uma vez, Ana Filipa Morais Antunes, ob. cit., a pág. 223, “O credor tem de dar conhecimento ao devedor da intenção de exercício do seu direito, através de citação do Réu – na sequência da proposição de uma acção – , de notificação judicial ou de outro meio judicial …”.
Atento a que os executados, ora recorridos, não foram partes na reclamação de créditos que motivou a interrupção da prescrição quanto aos devedores originários, é óbvio que, quanto àqueles não operou a interrupção da prescrição, pelo que quanto aos avalistas e ora recorridos, tal como decidido em 1.ª instância, já decorreu o prazo de prescrição aplicável.
Soçobram, assim, todas as razões invocadas pela recorrente para a revogação da sentença recorrida, a qual, por isso, é de manter.
Assim, improcede o recurso.

Nestes termos se decide:
Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.
Custas, pela apelante.
Coimbra, 21 de Novembro de 2023.