Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
8/14.9T8NLS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
PRÉDIO ENCRAVADO
AFASTAMENTO DA SERVIDÃO
TRANSACÇÃO
Data do Acordão: 01/19/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - NELAS - INST. LOCAL - SEC. COMP. GEN. - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 1248, 1551 CC
Sumário: 1.- O direito concedido pelo art. 1551.° do Cód. Civil, de os proprietários de quintas muradas, quintais, jardins ou terreiros adjacentes a prédios urbanos poderem subtrair-se ao encargo de ceder passagem, adquirindo o prédio encravado, deve ser exercido antes de constituído o direito de passagem quando solicitado, quer em reconvenção quer em acção.

2.- O disposto no art. 1551.°, n. ° 1, do Cód. Civil, tem como pressuposto a existência da obrigação de ceder passagem e, por isso, se esta obrigação não existir, não pode o dono do prédio adquirir o prédio encravado.

3.- Nos termos da lei civil, a transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões (art. 1248º, nº1, do Código Civil).

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

Em 26 de Setembro de 2014, A (…) e M (…), residentes na Rua (...) , Nelas, vieram intentar a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra MJ (…) e DM (…), residentes na Rua (...) , Nelas, peticionando que sejam os Réus condenados a vender-lhes os prédios encravados de que são proprietários.

Para o efeito, alegam que são proprietários dos imóveis inscritos na matriz da freguesia de (...) , concelho de Nelas, sob os artigos 4857, 4861, 4864, 27 e 1150 e que os Réus são proprietários dos imóveis inscritos na matriz da freguesia de (...) , concelho de Nelas, sob os artigos 4859 e 4860, prédios estes que são servidos por um caminho de pé e de carro que se localiza na extrema norte do artigo rústico 4857 e ainda na extrema sul do artigo urbano 27, sendo que nuns são os Autores que dão serventia e noutros são os Réus.

Mais invocam que, por sentença proferida nos autos n.º 253/13.4TBNLS, foi reconhecido o direito de servidão de passagem pela propriedade dos ora Réus, tendo ficado por decidir o direito de passagem dos Réus nos prédios dos Autores, passagem essa que os Réus utilizam para aceder aos seus prédios, fazendo-o quer a pé e de carro de mão.

Alegam ainda que as travessias dos Réus ferem a privacidade dos ora Autores, pelo que sendo estes donos e legítimos proprietários de uma quinta murada, quintal, jardins e/ou terrenos adjacentes ao prédio urbano que constitui a sua casa de habitação, podem subtrair-se ao encargo de ceder passagem, adquirindo o prédio encravado pelo seu justo valor, nos termos do disposto no artigo 1551.º, n.º 1, do Código Civil.

Citados os Réus, vieram os mesmos alegar que, no âmbito dos referidos autos n.º 253/13.4TBNLS, foi igualmente reconhecido aos Réus um direito de servidão de passagem, pelo que estão os Autores impedidos neste momento de invocarem o disposto no artigo 1551.º, n.º 1, do Código Civil. Mais impugnaram os factos alegados pelos Autores.

Conclui, pugnando pela total improcedência da acção.

Para além disso, vieram os Réus D (…) e M (…)deduzir pedido reconvencional contra os Autores alegando, em suma, que os prédios dos Réus inscritos na matriz sob os artigos 4859 e 4860 constituem uma única exploração agrícola conhecida pelo “Quintal da casa”, sendo que o prédio inscrito sob o artigo 4859 encontra-se onerado com uma servidão de passagem de pé a favor do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo n.º 27 e a favor dos prédios inscritos sob os artigos 4857 e 4861 pertencentes aos Autores. Assim, entendem que, na qualidade de proprietários do referido Quintal podem subtrair-se ao encargo de ceder passagem aos Autores, nos termos previstos no artigo 1551.º, n.º 1, do Código Civil.

Concluem, peticionando que sejam os Autores condenados a vender-lhes os seus prédios rústicos inscritos na matriz da freguesia de (...) sob os artigos 4857 e 4861.

Oportunamente, concluindo, foi proferida decisão onde se consagrou que:

«Em face do ora exposto, e sem necessidade de maiores considerações, julga-se totalmente improcedente a presente acção bem como o pedido reconvencional deduzido pelos Réus».

A (…) e  mulher, autores nos autos à margem referenciados, não se conformando com a decisão neles proferida, vieram da mesma requerer a interposição de recurso de apelação alegando e concluindo que:

(…)

*

Legal e tempestivamente notificados, os Apelados (…) residentes em (...) – Nelas, vieram apresentar as suas contra-alegações, por sua vez concluindo que:

(…)

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

1) Encontra-se registada pela Apresentação 4877 de 2010/10/27 a aquisição a favor dos Autores do imóvel rústico sito às R ..., na freguesia de (...) , concelho de Nelas, com as seguintes confrontações: Norte: Casa do proprietário, Sul: M..., Nascente: M..., Poente: J... Herdeiros, descrito na Conservatória do Registo Predial de Nelas sob o n.º 2265 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 4857.

2) Encontra-se registada pela Apresentação 4877 de 2010/10/27 a aquisição a favor dos Autores do imóvel rústico sito às R ..., na freguesia de (...) , concelho de Nelas, com as seguintes confrontações: Norte: AM..., Sul: Narciso Pais, Nascente: AM..., Poente: JM..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Nelas sob o n.º 2266 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 4861.

3) Encontra-se registada pela Apresentação 4877 de 2010/10/27 a aquisição a favor dos Autores do prédio urbano, composto de casa de habitação com um pavimento, sito na Portela, freguesia de (...) , concelho de Nelas, que confronta a Norte com Estrada, a Sul com o Próprio, a Nascente com MP... e a Poente com Servidão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Nelas sob o n.º 2279 e inscrito na respectiva matriz sob o n.º 27.

4) Encontra-se registada pela Apresentação 19 de 1986/01/09 a aquisição a favor dos Autores do prédio urbano, composto de casa de habitação de rés-do-chão e 1.º andar, com pátio, sito na Portela, que confronta a Norte com Estrada Nacional, a Nascente com M..., a Sul e Poente com MP..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Nelas sob o n.º 118 e inscrito na respectiva matriz predial sob o n.º 1150.

5) Os Réus são donos e legítimos possuidores de um prédio rústico sito às R ..., na freguesia de (...) , concelho de Nelas, que confronta de norte com MP...(actualmente casa dos Autores), sul com AJ... Herd. (actualmente herdeiros de F ...), nascente com MP...(actualmente Autores) e poente AM... (actualmente Autores e outros), inscrito na matriz predial sob o artigo 4859.

6) Os Réus são donos e legítimos possuidores de um prédio rústico sito às R ..., na freguesia de (...) , concelho de Nelas, que confronta de norte  com MP ..., sul com AJ ..., nascente com J... (Herds) e poente com MP ..., inscrito na matriz predial sob o artigo 4860.

7) No âmbito dos autos n.º 253/13.4TBNLS, que correram termos no extinto Tribunal Judicial de Nelas, em sede de audiência de discussão e julgamento, em 14 de Março de 2014, os ora Autores e Réus celebraram um acordo nos seguintes termos:

“Primeira

Os réus reconhecem a existência da servidão de passagem que onera o seu prédio em benefício do prédio dos autores, inscrito na matriz sob o artº. 4861.---

Segunda

Tal servidão com cerca de 90cm de largura, sendo de pé e de carro de mão numa extensão de 11,90m, desde o início da extrema nascente do prédio dos réus até ao botadoiro do poço, e apenas de pé a partir do botadoiro até à extrema nascente do prédio dos autores, inscrito na matriz sob o artº 4861 numa extensão de mais 4,70m.---

Terceira

Os autores têm acesso de pé, do pateo do seu prédio urbano inscrito na matriz sob o artº 27 diretamente à referida servidão através de uma porta em chapa zincada, pela qual depois descem para a servidão através de cinco degraus de pedra existente no seu prédio.---

Quarta

Os réus obrigam-se a retirar as vigas de cimento e a rede metálica que contorna o prédio urbano dos autores, deixando apenas uma viga para sustentar a porta que se situa a nascente do prédio dos réus , no local dos réus.---

Quinta

Os réus obrigam-se a manter a referida porta sem fechadura por forma a permitir aos autores o acesso à supra mencionada servidão.----

Sexta

Os réus comprometem-se a colocar os dois degraus em falta na escadaria que dá acesso ao pateo dos autores, inscrito na matriz sob o artº 27º.--

Sétima

Os réus obrigam-se também a colocar as pedras que caíram no muro do prédio dos autores, junto à servidão.---

Oitava

Os autores reconhecem a existência de uma servidão de pé e de carro de mão, com a largura de 90cm e de comprimento cerca de 3,80 a favor do prédio dos réus e que onera o topo norte do seu prédio com o artº 4857.---

Nona

Os demais pedidos ficam prejudicados pela transação supra.---

Décima

Custas em partes iguais, sem prejuízo da reclamação das de parte.---“

8) O referido acordo foi homologado por sentença.

*

Nos termos do art. 635° NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608°, do mesmo Código.

*

Das alegações de recurso e das suas conclusões, ressaltam as seguintes questões:

I.

3.º - No âmbito do processo judicial n.º 253/13.4TBNLS, concretamente, na transação nele alcançada, nem todos os prédios supra mencionados ficaram onerados com servidão de passagem.

4.º - Acresce ainda que, nem os prédios dos autores não ficaram onerados com servidão de passagem de passagem a favor dos réus.

5.º - Sobre os artigos 1150, 27, 4864, 4840, 4860 e 4861, não foi constituída qualquer servidão de passagem, pelo que não se podem conformar os autores com a decisão ora proferida, deixando aquém de decisão todos os artigos supra mencionados.

6.º - Normas jurídicas violadas: 1551.º do Código Civil, 615.º, n.º 1, alinea d) do Código Processo Civil.

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Apreciando, e em termos de enquadramento, diga-se que o art. 1551.° Código Civil (possibilidade de afastamento de servidão) visa no seu espírito obstar a dois inconvenientes: a) que os donos de quintas muradas, quintais, jardins ou terreiros adjacentes a prédios urbanos sofram graves prejuízos com a constituição da servidão de passagem; b) que o sossego, a intimidade e a vida privada das pessoas que neles habitam sejam devassados pelas pessoas que utilizam a servidão (Ac. STJ, 4-6-1980: BMJ, 298.°-310).

Naturalmente que a servidão legal de passagem tanto pode recair sobre prédios rústicos, como sobre quintais ou logradouros que se integrem em prédios urbanos. Neste último caso, cabe ao respectivo proprietário o direito de se subtrair ao encargo de ceder a passagem, ficando, no entanto, sujeito à condição de adquirir o prédio encravado pelo seu justo valor, o qual, na falta de acordo, terá de ser judicialmente fixado em acção de arbitramento (Ac. RP, 8-10-1992: CJ, 1992,4.°-251).

Em todo o caso, o direito concedido pelo art. 1551.° do Cód. Civil, de os proprietários de quintas muradas, quintais, jardins ou terreiros adjacentes a prédios urbanos poderem subtrair-se ao encargo de ceder passagem, adquirindo o prédio encravado, deve ser exercido antes de constituído o direito de passagem quando solicitado, quer em reconvenção quer em acção (Ac. RC, 30-10-1990: CJ, 1990,4.°-85).

Com efeito, o disposto no art. 1551.°, n. ° 1, do Cód. Civil, tem como pressuposto a existência da obrigação de ceder passagem e, por isso, se esta obrigação não existir, não pode o dono do prédio adquirir o prédio encravado (Ac. RC, 16-6-1992: BMJ, 418.°-879).

Com tal tessitura institucional, que funciona como matriz disciplinar reguladora do problema judiciário constituído, perante o que os Autos evidenciam, não pode deixar de funcionar como referencial vinculador a circunstância - considerada em decisório – de, atenta a factualidade dada como provada, se verificar que,

«no âmbito dos autos n.º 253/13.4TBNLS, as partes chegaram a acordo e os Réus reconheceram a existência da servidão de passagem que onera o seu prédio em benefício do prédio dos autores, inscrito na matriz sob o artigo 4861, tendo descrito a referida servidão nos seguintes termos: “Tal servidão com cerca de 90cm de largura, sendo de pé e de carro de mão numa extensão de 11,90m, desde o início da extrema nascente do prédio dos réus até ao botadoiro do poço, e apenas de pé a partir do botadoiro até à extrema nascente do prédio dos autores, inscrito na matriz sob o artº 4861 numa extensão de mais 4,70m.

A transacção celebrada entre as partes foi homologada por sentença já transitada em julgado.

(…)

Assim sendo, e conforme alegado pelos Autores, já se mostra constituída a favor do prédio dos Autores inscrito na matriz sob o artigo 4861 uma servidão de passagem.

Acresce que no âmbito dos mesmos autos, os Autores também reconheceram a existência de uma servidão de pé e de carro de mão, com a largura de 90cm e de comprimento cerca de 3,80 a favor do prédio dos réus e que onera o topo norte do seu prédio com o artigo 4857.

Nestes termos, considerando as formas legalmente previstas de constituição das servidões, mostra-se igualmente constituída a favor dos Réus uma servidão legal de passagem, servidão esta que foi constituída nos exactos termos em que o foi a servidão legal de passagem dos Autores.

Do ora exposto, resulta que, à data da instauração da presente acção, já se mostrava constituída uma servidão legal de passagem a favor dos Autores e outra a favor dos Réus».

O que motivou decidir que:

«Nestes termos, e uma vez que tem sido entendimento doutrinal e jurisprudencial unânime que a faculdade concedida pelo artigo 1551.º, n.º 1, do Código Civil só pode ser exercida se a servidão ainda não estiver constituída, o que manifestamente já aconteceu no presente caso, resulta evidente que as pretensões dos Autores e dos Réus não poderão proceder».

O que, de resto, se justifica tendo em conta o princípio do pedido formulado pelos recorrentes, no que tange à circunstância específica do que peticionaram. E na vinculação à noção de que, por pedido, se entende unicamente a pretensão formulada na conclusão da petição inicial, independentemente de quaisquer factos constantes da parte narrativa deste articulado (Ac. RL, 20.1.94:BMJ, 433-607). Na literalidade utilizada –

 

«(…) peticionando que sejam os Réus condenados a vender-lhes os prédios encravados de que são proprietários.

Para o efeito, alegam que são proprietários dos imóveis inscritos na matriz da freguesia de (...) , concelho de Nelas, sob os artigos 4857, 4861, 4864, 27 e 1150 e que os Réus são proprietários dos imóveis inscritos na matriz da freguesia de (...) , concelho de Nelas, sob os artigos 4859 e 4860, prédios estes que são servidos por um caminho de pé e de carro que se localiza na extrema norte do artigo rústico 4857 e ainda na extrema sul do artigo urbano 27, sendo que nuns são os Autores que dão serventia e noutros são os Réus.

Mais invocam que, por sentença proferida nos autos n.º 253/13.4TBNLS, foi reconhecido o direito de servidão de passagem pela propriedade dos ora Réus, tendo ficado por decidir o direito de passagem dos Réus nos prédios dos Autores, passagem essa que os Réus utilizam para aceder aos seus prédios, fazendo-o quer a pé e de carro de mão».

Sendo que, por sua vez,

«citados os Réus, vieram os mesmos alegar que, no âmbito dos referidos autos n.º 253/13.4TBNLS, foi igualmente reconhecido aos Réus um direito de servidão de passagem, pelo que estão os Autores impedidos neste momento de invocarem o disposto no artigo 1551.º, n.º 1, do Código Civil. Mais impugnaram os factos alegados pelos Autores».

Ora, a notícia da transacção efectuada na acção e nos termos constantes da matéria de facto que aqui resultou provada, e em expressão redactorial aceite pelas partes, como assunção de manifesto decisionismo voluntarista, no referencial dos imóveis inscritos na matriz sob os artigos aí referenciados, faz destacar um elemento de absoluta complementaridade residual resolutiva do problema judiciário que aí se dirimiu, por decorrência de homologação, por sentença, nos termos consagrados, a reconduzir-se ao seguinte alcance (cláusula nona):

«os demais pedidos ficam prejudicados pela transacção supra»,

que o mesmo é dizer ter a situação ficado resolvida para os art.ºs com os nºs 487, 4861, 27 (dos AA.), como 4859 (RR), bem como, através deste clausulado residual, mas integrante, para o art. 4864 (AA) e 4860 (RR) e os demais  aludidos.

Exactamente porque, nos termos da lei civil, a transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões (art. 1248º, nº1, do Código Civil) (Cf. Parecer nº 12/2003 da PGR, de 15.52003:DR, II, de 18.7.2003, pp.10793). Sendo que, do mesmo modo - como nos Autos -, a transacção em juízo, pode envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do controvertido (Ac. RC., 14.10.1997:CJ, 2001, 5º-267).

Ainda porque - e tal resultou e resulta explícito -, então, como agora, a pretexto de se fazer relevar, conforme claramente resulta do teor literal do nº 1 do artigo 1551º o direito (potestativo) de adquirir o prédio encravado visa impedir a constituição da servidão, extinguindo-se se não for exercido, por via reconvencional, na acção intentada para esse efeito (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. III, pág. 639; também o Acórdão da Relação do Porto, de 30 de Outubro de 1970, sumariado no BMJ, nº200, pág. 290).

 

 Do mesmo modo - o que a decisão não deixou de fazer clangorar -, assentando em que «a faculdade concedida pelo artigo 1551.º, n.º 1, do Código Civil só pode ser exercida se a servidão ainda não estiver constituída, o que manifestamente já aconteceu no presente caso, resulta evidente que as pretensões dos Autores e dos Réus não poderão proceder».

 Depois, porque, inarredavelmente, a decisão judicial, constituindo um acto jurídico, há-de interpretar-se segundo os princípios legalmente impostos e acomodados para os negócios jurídicos. Neste contexto, terá o intérprete de indagar qual a vontade do julgador expressa no texto onde se expressa a decisão tomada, de tal modo que, encontrada esta, todas as circunstâncias envolventes do processo se clarificam e tomam um sentido definitivamente exacto (Ac. STJ, de 13.10.20 II, Proc. 971 12002: Sumários, Out./20 II).

Ainda, em decorrência à absoluta compatibilidade ao art. 668.°, n.º 1, aI. d), do CPC (615º NCPC), que diz respeito às questões a que alude o n.º 2 do art. 660.º dessa lei (608º NCPC). Não devendo confundir-se questões com argumentos, trata-se aí do dever de conhecer por forma completa do objecto do processo, definido pelo(s) pedido(s) deduzido(s) e respectiva(s) causa(s) de pedir. Terão, pois, de ser apreciadas todas as pretensões processuais das partes - pedidos, excepções, reconvenção e todos os factos em que assentam, bem como os pressupostos processuais desse conhecimento, sejam eles os gerais, sejam os específicos de qualquer acto processual, quando objecto de controvérsia das partes (Ac. STJ, de 13.1.2005: Proc. 0484251.dgsi.Net).

A nulidade prevista na alinea d) do n.º 1 do mesmo art. 668.°, directamente relacionada com o comando do art. 660.º, n.º 2 (615º e 608º NCPC), servindo de cominação ao seu desrespeito, só existe quando a sentença deixa de conhecer de questões que devia decidir e não também quando apenas deixa de se pronunciar acerca de razões ou argumentos produzidos na defesa das teses em presença (Ac. STJ. de 5.5.2005: Proc. 05B839.dgsi.Net). Não deve, pois, também confundir-se a omissão do conhecimento das questões propostas por quem recorre prevenida na aI. d) do n.º 1 do art. 668.° do CPC (615º NCPC) com o não conhecimento de alguns dos argumentos utilizados pelas partes para defender as respectivas teses ou pontos de vista (Ac. STJ, de 12.5.2005: Proc. 05B840.dgsi.Net).

Deste modo, verificando-se que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668°, nº1, alíneas b), c) e e) do CPC (615° NCPC).

O que determina atribuir resposta negativa às questões, todas as questões formuladas.

**

Podendo, assim, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº7, NCPC), que:

1.

O direito concedido pelo art. 1551.° do Cód. Civil, de os proprietários de quintas muradas, quintais, jardins ou terreiros adjacentes a prédios urbanos poderem subtrair-se ao encargo de ceder passagem, adquirindo o prédio encravado, deve ser exercido antes de constituído o direito de passagem quando solicitado, quer em reconvenção quer em acção. Com efeito, o disposto no art. 1551.°, n. ° 1, do Cód. Civil, tem como pressuposto a existência da obrigação de ceder passagem e, por isso, se esta obrigação não existir, não pode o dono do prédio adquirir o prédio encravado.

2.

Nos termos da lei civil, a transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões (art. 1248º, nº1, do Código Civil). Sendo que, do mesmo modo - como nos Autos -, a transacção em juízo, pode envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do controvertido.

3.

A faculdade concedida pelo artigo 1551.º, n.º 1, do Código Civil só pode ser exercida se a servidão ainda não estiver constituída, o que manifestamente já aconteceu no presente caso, resultando evidente que as pretensões dos Autores e dos Réus não poderão proceder.

4.

 Depois, porque, inarredavelmente, a decisão judicial, constituindo um acto jurídico, há-de interpretar-se segundo os princípios legalmente impostos e acomodados para os negócios jurídicos. Neste contexto, terá o intérprete de indagar qual a vontade do julgador expressa no texto onde se expressa a decisão tomada, de tal modo que, encontrada esta, todas as circunstâncias envolventes do processo se clarificam e tomam um sentido definitivamente exacto.

5.

Ainda, em decorrência à absoluta compatibilidade ao art. 668.°, n.º 1, aI. d), do CPC (615º NCPC), que diz respeito às questões a que alude o n.º 2 do art. 660.º dessa lei (608º NCPC). Não devendo confundir-se questões com argumentos, trata-se aí do dever de conhecer por forma completa do objecto do processo, definido pelo(s) pedido(s) deduzido(s) e respectiva(s) causa(s) de pedir. Terão, pois, de ser apreciadas todas as pretensões processuais das partes - pedidos, excepções, reconvenção e todos os factos em que assentam, bem como os pressupostos processuais desse conhecimento, sejam eles os gerais, sejam os específicos de qualquer acto processual, quando objecto de controvérsia das partes. O que não deixou de acontecer.

6.

Verificando-se que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668°, nº1, alíneas b), c) e e) do CPC (615° NCPC).

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão proferida.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

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Coimbra, 19 de Janeiro de 2016.

António Carvalho Martins ( Relator)

Carlos Moreira

Moreira do Carmo