Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
310/09.1TBPCV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: CHEQUE
REVOGAÇÃO
VÍCIOS
VONTADE
OBRIGAÇÃO
PAGAMENTO
RESPONSABILIDADE CIVIL
BANCO
Data do Acordão: 06/01/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: PENACOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 32º DA LUCH; ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA DO STJ Nº 4/2008, DE 28/02/2008.
Sumário: I – O escrito que reúna todos os requisitos do artº 1º da LUCH está apto, independentemente da validade da relação causal subjacente, a produzir efeitos como cheque.

II – Nessas circunstâncias, a contra-ordem de não pagamento do cheque dada pelo sacador ao sacado, fundada em “falta ou vício na formação da vontade”, integra revogação da ordem de pagamento anterior, incorporada no cheque.

III – Apresentado este a pagamento dentro do prazo legal, é ilícita, por violação do disposto no artº 32º da LUCH, a recusa de pagamento por parte do Banco sacado, o qual, verificando-se os demais requisitos da responsabilidade civil extracontratual, fica obrigado a reparar os danos causados ao portador do cheque (Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ nº 4/2008, de 28/02/2008).

IV – Os Bancos, dada a actividade que exercem, conhecem, ou devem conhecer, a distinção entre relação cambiária e relação causal e agem com culpa ao acatar, dentro do prazo legal de apresentação a pagamento, ordens de revogação de cheques validamente emitidos baseadas em alegada invalidade da relação causal subjacente.

V – Não se tendo provado que na data da apresentação a pagamento do cheque a conta do sacador carecesse de provisão, o dano do portador abrange o montante do dito cheque.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

         1. RELATÓRIO

         A...., sociedade comercial por quotas com sede ...., intentou acção declarativa, com processo comum e forma sumaríssima, contra Banco B...[1], com sede ....., pedindo a condenação do R.  a pagar-lhe o montante de € 799,20 (setecentos e noventa e nove euros e vinte cêntimos), acrescido de juros moratórios desde a data da citação até integral pagamento.

         Alegou para tanto, em síntese, que no exercício da sua actividade comercial vendeu diversas mercadorias à sociedade comercial “C.....” que as pagou com vários cheques, entre eles o cheque nº ...., emitido em 30/05/2009, no montante de € 778,40, que, apresentado a pagamento em 03/06/2009, foi devolvido sem pagamento, com a inscrição “Devolvido na Compensação de Lisboa na sessão de 03/06/2009, por Cheque rev. falta/vício”; que a sacadora “C...” deu à sacada, aqui R., uma ordem de revogação do indicado cheque, mas tal ordem só obrigava esta depois de findo o prazo de apresentação do mesmo a pagamento; e que, acatando aquela ordem e recusando o pagamento antes de findo o referido prazo, o R.  incorreu em responsabilidade civil por facto ilícito, ficando obrigada a indemnizar a A. do dano sofrido, integrado pelo valor do cheque, acrescido das despesas de devolução do mesmo, no montante de € 20,80.

         O R.  contestou pugnando pela improcedência da acção e argumentando, nesse sentido, que a sacadora “C....” efectivamente, por carta datada de 06/05/2009, lhe solicitou o cancelamento de vários cheques (14, no montante global de € 23.237,14, conforme doc. de fls. 40), entre os quais o com o nº ...., no montante de € 778,40, indicando como motivo de tal solicitação o da “falta ou vício da formação da vontade”; que acatou a solicitação porque não tinha, nem tem, obrigação de averiguar da verdade dos fundamentos invocados pela sua cliente para o pedido de cancelamento dos cheques, sendo que, apesar disso, ainda a questionou, tendo ela respondido que tinha sido ludibriada pelas pessoas a quem os tinha entregue, as quais lhe forneceram mercadoria com defeito; que o prazo de apresentação dos cheques a pagamento começa a contar da data de entrega ao tomador, no caso, em 06/05/2009 ou antes, e não da data nele aposta como de emissão; que o cheque não tinha provisão, pelo que nunca a A. receberia a quantia nele inscrita; e que, situando-se a questão no domínio da responsabilidade civil extracontratual, caberia à A. provar o dolo ou a mera culpa, matéria sobre a qual nem uma só palavra se vislumbra na petição inicial.

         Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida a sentença de fls. 66 a 87, julgando a acção improcedente e absolvendo o R.  do pedido.

         Apesar do valor da acção ser inferior à alçada do tribunal, a A., alegando que a sentença foi proferida contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça, concretamente, contra o decidido no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2008, de 28/02/2008, publicado no D. R., 1ª Série, nº 67, de 4 de Abril de 2008, e invocando o disposto no artº 678º, nº 2, al. c) do Cód. Proc. Civil, dela interpôs recurso.

         Na alegação apresentada a recorrente formulou as conclusões seguintes:

         [………………………………………..]

A apelada respondeu defendendo a manutenção do julgado.

Nada obstando a tal[2], cumpre apreciar e decidir.


***


         Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Cód. Proc. Civil[3], é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foi colocada apenas a questão de saber se, em face da factualidade provada, é ou não o R.  civilmente responsável pelos danos sofridos pela A.


***

         2. FUNDAMENTAÇÃO

         2.1. De facto

         Não tendo sido impugnada a decisão sobre a matéria de facto nem havendo fundamento para oficiosamente a alterar, considera-se definitivamente assente a factualidade dada como provada na 1ª instância e que é a seguinte:

         […………………………]


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         2.2. De direito

         Regularmente colocado em circulação um cheque, fica o sacado, em princípio, nos termos dos artºs 28º e seguintes da Lei Uniforme Relativa ao Cheque (LUCH) e 8º, nº 1 do Decreto-Lei nº 454/91 de 28/12, obrigado a pagá-lo ao portador legítimo que, dentro do respectivo prazo legal, lho apresente a pagamento.

         Diz-se «em princípio» porque, de acordo com o artº 8º do Decreto-Lei nº 454/91, na redacção dada pelos Decretos-Lei nºs 316/97, de 19/11 e 323/2001, de 17/12 e pela Lei nº 48/2005, de 29/08, o sacado pode, sendo o cheque de montante superior a € 150,00 (cento e cinquenta euros), recusar o pagamento por falta ou insuficiência de provisão (nº 1), podendo ainda recusá-lo por outro motivo justificado, nomeadamente, em caso de existência de sérios indícios de falsificação, furto, abuso de confiança ou apropriação ilegítima do cheque (nºs 2 e 3).

         Dado o carácter não taxativo da enumeração feita pelo nº 3 do artº 8º referido, a questão que se coloca é a de saber se a ordem de revogação dada pelo sacador é ou não motivo justificado para o sacado recusar o pagamento do cheque.

         A resposta é-nos dada pelo artº 32º da LUCH, norma segundo a qual a revogação do cheque só produz efeito depois de findo o prazo de apresentação[4], podendo o sacado pagá-lo mesmo depois de findo esse prazo, se não tiver sido revogado.

         Ou seja, a ordem de revogação do cheque dada pelo sacador ao sacado é motivo justificado de recusa de pagamento depois de findo o prazo de apresentação (artº 29º da LUCH e 23º do Decreto nº 13004 de 12/01/1927). Antes de findo esse prazo, não o é.

         Daí que, no caso de o sacado, antes de findo o prazo de apresentação, recusar o pagamento do cheque, viole ilicitamente uma disposição legal (artº 32º da LUCH) destinada a proteger, entre outros, os interesses do portador e, presentes que estejam os demais elementos do artº 483º do Código Civil, incorra em responsabilidade civil extracontratual, ficando obrigado a reparar os danos que desse modo àquele cause.

         Isso mesmo diz a 2ª parte do corpo do artº 14º do Decreto nº 13004, de 12/01/1927, de acordo com a qual no decurso do prazo de apresentação do cheque a pagamento o sacado não pode, sob pena de responder por perdas e danos, recusar o pagamento do cheque com fundamento na revogação.

         Apesar da controvérsia existente à volta da questão, essa norma não foi revogada pela LUCH, com a qual está numa relação de complementaridade e não de oposição, como se entendeu no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ nº 4/2008, de 28/02/2008[5].

Aliás, nesse douto aresto, que se debruçou sobre um caso idêntico aos dos autos, firmou-se jurisprudência no sentido de que: “Uma instituição de crédito sacada que recusa o pagamento de cheque apresentado dentro do prazo estabelecido no artº 29º da LUCH, com fundamento em ordem de revogação do sacador, comete violação do disposto na primeira parte do artº 32º do mesmo diploma, respondendo por perdas e danos perante o legítimo portador do cheque, nos termos previstos nos artºs 14º, segunda parte, do Decreto nº 13004 e 483º, nº 1 do Código Civil”.

Não se olvida que o acórdão de uniformização referido apresenta onze votos de vencido esgrimindo vastos e pertinentes argumentos em sentido contrário ao que logrou vencimento. No entanto, dado até o pouco tempo decorrido após a prolação do mesmo, nem as partes conseguiram apresentar, nem este Tribunal encontra, qualquer argumento novo que não tivesse sido apreciado e que porventura justificasse a reponderação da jurisprudência uniformizada.

        

         Na sentença recorrida desaplicou-se a jurisprudência indicada essencialmente com o argumento de que no caso em análise não está em causa uma revogação do cheque por parte da sacadora.

         Aí se escreveu, a esse propósito:

«Sucede, porém que, por “revogação” se deve entender, grosso modo, o acto unilateral pelo qual um dos outorgantes de um contrato faz cessar os seus efeitos. Assim, a figura jurídica da “revogação” pressupõe a validade do acto, o qual, por esse efeito, se extingue. Coisa diversa sucede quando o sacador proíbe o pagamento por considerar inválido o seu saque, exercendo o direito que decorre daqueloutro de invocar/ver reconhecida a anulabilidade de um contrato. E é sobretudo neste item que reside a nossa discordância relativamente ao Acórdão de Uniformização de Jurisprudência no que tange à respectiva fundamentação. Sem embargo, considera-se igualmente que o motivo deve ser concretamente alegado, não bastando a indicação genérica de “falta ou vício na formação da vontade”».

Com o devido respeito, não se acompanha tal raciocínio.

Em primeiro lugar, não pode olvidar-se que consta da própria factualidade provada que “a Sociedade C.... dera ao R. uma ordem de revogação do cheque” (sublinhado nosso).

Depois, como decorre do artº 1º da LUCH e se refere na sentença recorrida, por “cheque” deve entender-se o escrito datado e assinado, através do qual uma pessoa ordena a um banco ou outra instituição de crédito a tanto autorizada e onde tem provisão, que desembolse, à vista, a quantia nele inscrita. Reunindo os requisitos indicados no mencionado artº 1º da LUCH, o «escrito» produz efeitos como cheque, integra um título de crédito, com as características de literalidade, abstracção e autonomia, devendo a sua validade ser aferida no domínio, que é o seu, da relação cambiária constituída com a sua emissão e não no domínio da relação material que lhe deu causa e lhe subjaz.

Ou seja, independentemente das excepções que no âmbito das relações imediatas o sacador possa opor ao tomador (artº 22º da LUCH), o cheque, reunindo os requisitos do mencionado artº 1º, não pode deixar de ser considerado válido.

E a contra-ordem de não pagamento que o sacador do cheque dê ao sacado é, logicamente, uma revogação da anterior ordem de pagamento que o cheque incorpora.

Admite-se sem dificuldade que, não reunindo o «escrito» os requisitos legais para produzir efeito como cheque, a ordem de não pagamento que o «sacador» dê ao «sacado» não constitui uma verdadeira e própria revogação.

Contudo, como se disse, os requisitos para que o «escrito» valha como cheque são os indicados no artº 1º da LUCH. E não pode ser confundida a validade da obrigação cambiária assumida através da emissão do cheque com a validade da obrigação decorrente da relação material subjacente.

Os casos de justificação de recusa de pagamento expressamente previstos no nº 3 do artº 8º do Decreto-Lei nº 454/91, de 28/12 – existência de sérios indícios de falsificação, furto, abuso de confiança ou apropriação ilegítima do cheque – respeitam todos ao valor cambiário do cheque, fundando-se na dúvida quanto à autoria do mandato puro e simples de pagar uma determinada quantia, mandato esse que constitui um dos requisitos previstos no artº 1º da LUCH e cuja falta impede que o «escrito» produza efeito como cheque (artº 2º da LUCH).

A falta ou vício da vontade reportada à relação material subjacente situa-se num patamar diferente, não interfere com a validade cambiária do cheque e, portanto, a sua invocação não retira à contra-ordem de não pagamento do cheque a sua natureza substantiva de revogação da anterior ordem de pagamento dada através da emissão do cheque.

Entende-se, portanto, que é aplicável ao caso dos autos a doutrina do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2008 e que a actuação do banco R. ao recusar o pagamento do cheque nº .... é ilícita por violar o disposto na primeira parte do artº 32º da LUCH.

Assim, caso se verifiquem os demais requisitos da responsabilidade civil extracontratual, o R. responderá por perdas e danos perante a A., legítima portadora do cheque, nos termos previstos nos artºs 14º, segunda parte, do Decreto nº 13004 e 483º, nº 1 do Código Civil.

Os requisitos da responsabilidade civil extracontratual são, para além do facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o dano e o facto ilícito (artº 483º do CC).

A existência de facto ilícito decorre de quanto atrás se disse, sendo o mesmo integrado pela recusa de pagamento do cheque em violação do preceituado no artº 32º da LUCH.

Vejamos se estão presentes os demais requisitos.

A culpa reconduz-se ao nexo de imputação subjectiva do facto ao agente, em termos de poder afirmar-se não só que o facto ilícito foi obra sua, mas também que podia e devia, nas circunstâncias, ter agido diversamente[6].

Que a recusa de pagamento do cheque foi obra do R.  é seguro.

Mas, pergunta-se, podia e devia ele, naquelas circunstâncias, ter agido diferentemente?

Poder, podia, até porque não resultou provado que a conta da C....não tivesse provisão quando o cheque foi apresentado a pagamento.

E devia?

Encontra-se provado que a sociedade C....deu ao R.  uma ordem de revogação do cheque; que em carta remetida e datada de 06/05/09, a Sociedade C... solicitara ao R. o cancelamento de vários cheques, entre os quais o que está em causa nestes autos, alegando “falta ou vício na formação da vontade”; que a solicitação referida foi introduzida no sistema informático do R., por forma a que o cheque não fosse liquidado se e quando fosse apresentado a pagamento no sistema de compensação interbancário; e que o R. questionou a sua cliente C....acerca da razão do cancelamento daquele cheque e dos demais, tendo-lhe aquela transmitido que tinha sido ludibriada pelas pessoas, seus fornecedores, a quem havia entregue tais cheques, que lhe entregaram mercadoria com defeito.

Sendo o R. um Banco, entidade pública empresarial, habilitado para o exercício da actividade bancária, tinha obrigação de ter acompanhado a controvérsia jurisprudencial que conduziu à prolação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2008, de 28/02/2008 e de conhecer a doutrina por este firmada.

Por isso, quando a C....lhe solicitou, em 06/05/2009, o cancelamento de 14 cheques, entre eles o dos autos, alegando por conjunto, genericamente, relativamente a todos, “falta ou vício de formação da vontade”, não deveria ter de imediato introduzido tal solicitação no sistema informático, por forma a que o cheque não fosse liquidado se e quando fosse apresentado a pagamento no sistema de compensação interbancário.

Nem, conhecendo, ou devendo conhecer, a distinção entre relação cambiária e relação causal, deveria ter-se bastado com a explicação da C....de que, também relativamente à totalidade dos cheques cancelados, fora ludibriada pelos seus fornecedores, que lhe entregaram mercadoria com defeito.

Pelo contrário, sabendo, ou tendo obrigação de saber, que tal atitude implicaria para si responsabilidade civil extracontratual para com os portadores dos cheques, se apresentados a pagamento dentro do prazo legal, deveria ter transmitido essa informação à sua cliente, só acatando a solicitação no caso de os cheques serem apresentados depois de findo aquele prazo.

         Não procedendo como, nas circunstâncias, podia e devia, o R. actuou com culpa, requisito da responsabilidade civil delitual que, assim, está presente.

         Como não resultou provado que a conta da C....não tivesse provisão quando o cheque foi apresentado a pagamento, é de presumir que, não fora a errónea causa de justificação dada para a recusa em pagar, a A. teria recebido o montante titulado pelo cheque.

         O não recebimento desse montante constitui, pois, no caso, um dano sofrido pela A. causalmente resultante da actuação do R.

         Além desse prejuízo a A. suportou ainda as despesas de devolução do cheque, no valor de € 20,80, as quais igualmente integram dano causado pela indevida devolução do cheque.

        

         Entende-se, portanto, que estão reunidos todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual do R. para com a A., com a correspondente obrigação de indemnização dos danos causados, os quais ascendem a € 799,20.

         Atento o disposto nos artºs 804º a 806º e 559º, todos do Cód. Civil, são também devidos à A. juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

         Logram êxito, pois, as conclusões da alegação da A., com as consequentes procedência da apelação, revogação da sentença recorrida e condenação do R. no pedido.

Cumprindo o disposto no artº 713º, nº 7, elabora-se o seguinte sumário:

I – O escrito que reúna todos os requisitos do artigo 1º da LUCH está apto, independentemente da validade da relação causal subjacente, a produzir efeitos como cheque.

II – Nessas circunstâncias, a contra-ordem de não pagamento do cheque dada pelo sacador ao sacado, fundada em “falta ou vício na formação da vontade”, integra revogação da ordem de pagamento anterior, incorporada no cheque.

III – Apresentado este a pagamento dentro do prazo legal, é ilícita, por violação do disposto no artigo 32º da LUCH, a recusa de pagamento por parte do Banco sacado, o qual, verificando-se os demais requisitos da responsabilidade civil extracontratual, fica obrigado a reparar os danos causados ao portador do cheque (Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ nº 4/2008, de 28/02/2008).

IV – Os Bancos, dada a actividade que exercem, conhecem, ou devem conhecer, a distinção entre relação cambiária e relação causal e agem com culpa ao acatar, dentro do prazo legal de apresentação a pagamento, ordens de revogação de cheques validamente emitidos baseadas em alegada invalidade da relação causal subjacente.

V – Não se tendo provado que na data da apresentação a pagamento do cheque a conta do sacador carecesse de provisão, o dano do portador abrange o montante do dito cheque.


***

         3. DECISÃO

         Face ao exposto, acorda-se em:

         a) Julgar procedente a apelação;

         b) Revogar a sentença recorrida;

         c) Julgar procedente a acção e, consequentemente, condenar o réu Banco B.... a pagar à autora A...., a quantia de € 799, 20 (setecentos e noventa e nove euros e vinte cêntimos), acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

         As custas são a cargo R. /recorrido.


[1] Apesar de sociedade anónima, confere-se mais realce ao vocábulo «Banco», pelo que adiante nos referiremos ao sujeito passivo como R., no masculino.
[2] Com efeito, nem a apelada questiona, nem este Tribunal encontra fundamentos para questionar, que a sentença recorrida foi proferida no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça, concretamente, do Acórdão de Uniformização nº 4/2008, de 28/02/2008, publicado no D. R., 1ª Série, nº 67, de 4 de Abril de 2008. E, portanto, que, apesar do valor da causa ser inferior à alçada dos tribunais de 1ª instância (cfr. artº 24º, nº 1 da Lei nº 3/99, de 13/01, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24/08), é, nos termos do artº 678º, nº 2, al. c) do Cód. Proc. Civil, admissível o recurso.
[3] Diploma a que pertencem todas as disposições legais adiante citadas sem menção da origem.
[4] O prazo para apresentação a pagamento consta do artº 29º da LUCH, sendo de oito dias a contar da data nele constante como de emissão no caso de cheque pagável no país onde foi passado.
[5] D.R., 1ª Série, nº 67, de 04/04/2008.
[6] Prof. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª edição, pág. 384.