Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1757/17.5T8CVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
CAUSA DE PEDIR
USUCAPIÃO
POSSE
ACESSÃO DA POSSE
Data do Acordão: 12/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO – COVILHÃ – JUÍZO LOCAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.1251, 1252, 1256, 1257, 1261, 1263, 1287, 1288, 1293, 1297, 1311, 1316 CC
Sumário: 1 - Em caso algum, um A., numa típica ação de reivindicação (de prédios rústicos) se pode limitar a alegar “que é proprietário dos prédios rústicos”; devendo alegar os factos respeitantes aos seus poderes de facto sobre os prédios rústicos e conducentes à posse e à usucapião.

2 - Em caso algum, uma tal ação – em que o A. se limita a alegar “que é proprietário dos prédios rústicos” – pode seguir para julgamento sem a prolação do devido despacho de aperfeiçoamento, sem que o A. seja convidada a alegar o concreto modo de aquisição do direito de propriedade de que se arroga.

3 - Tendo-se provado que o R. adquiriu a realidade predial reivindicada por usucapião, fica prejudicada a relevância da nulidade consistente na omissão do despacho de aperfeiçoamento.

4 - Um possuidor atual pode juntar (acessão da posse do art. 1256.º do C. Civil) a sua posse à posse do seu antecessor, caso tenha adquirido a posse deste por qualquer um dos modos de transmissão da posse que o direito reconhece (a tradição e o constituto possessório), independentemente da validade (formal e substantiva ou apenas formal) do título de transmissão.

5 - Não há fundamento, no direito português atual, para afirmar que, à luz do art. 1256.º/1 do CC, deve haver um “vínculo/negócio jurídico” formalmente e substantivamente válido entre o novo e o antigo possuidor, na medida em que o regime vigente da usucapião prescinde da existência de título, bem como da boa fé (o possuidor sem título e de má fé também usucapem; o prazo é maior, mas também beneficiam da usucapião).

Decisão Texto Integral:



Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

S (…), S.A, com sede na (...) , (...) intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra M (…)residente no (...) , pedindo, a final, a condenação deste a:

“(…)

a) Reconhecer o direito de propriedade da A. sobre os prédios sitos em “ X (...) ”, concelho e freguesia de (...) , inscritos na matriz predial rústica do concelho de (...) (anterior a 1996) sob os artigos 1119, 1120 e 1121;

b) Restituir à A., livres de pessoas e bens, os referidos prédios inscritos a matriz anterior a 1996 sob os artigos 1119º, 1120º e 1121º;

c) Entregar à A. a quantia de 500 € por cada dia de atraso na restituição dos referidos prédios;

d) Abster-se de praticar qualquer ato que impeça ou diminua a utilização por parte da A. dos prédios em causa;

ou, em alternativa:

e) Entregar à A. a parte restante do preço, 12.469,95€ (ou seja, 2.500.000$00) acrescida dos juros de mora vencidos contados desde a primeira interpelação para realização da escritura em Maio de 1992 e vincendos; (…)”

Invocou para o efeito, em síntese, que é proprietária dos 3 referidos prédios rústicos (sitos em “ X (...) ”, concelho e freguesia de (...) , inscritos na matriz predial rústica do concelho de (...) , anterior a 1996, sob os artigos 1119, 1120 e 1121), prédios esses que foram objeto de contrato promessa de compra e venda celebrado em 16/10/1991 entre a ora A. (como promitente vendedora e então ainda com a denominação D (…), Lda.) e J (…) (como promitente comprador), pai do R. e já falecido, tendo sido acordado o preço de 5.000.000$00 e entregue, nesse mesmo dia, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 2.500.000$00, sucedendo que nunca o contrato definitivo foi celebrado, pese embora as várias tentativas feitas pela A. (designadamente, em 22/09/2017, quando instou, através de notificação judicial avulsa, o R. a celebrar o contrato definitivo ou a devolver os terrenos em causa livres de pessoas e bens).

Mais alegou que tais prédios foram de imediato ocupados pelo pai do R., mantendo-se os mesmos atualmente ocupados pelo R., que os tem na sua posse, afirmando ser seu legítimo proprietário, “bem sabendo que não corresponde à verdade pois o contrato promessa celebrado entre a A. (ainda denominada D (…)) e seu pai nunca foi cumprido”[1].

O R. contestou.

Alegou, em resumo, que a A. não é proprietária nem possuidora dos prédios em causa, explicando que, em outubro/novembro de 1991, o seu falecido pai dizia ter comprado um conjunto de prédios rústicos à “D (…) (desconhecendo se tais prédios tinham os artigos matriciais 1119.º, 1120.º e 1121.º), compra de que dizia ter pago a totalidade do preço de cinco mil contos e que a “D(…)” não lhe podia fazer a escritura pois não tinha os prédios “legalizados”.

Mais alegou que, em finais de 1991, o seu falecido pai lhe doou, verbalmente, os prédios que havia adquirido à D(…) e desde então, de forma contínua e ininterrupta, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que fosse, usou e fruiu, como coisa exclusivamente sua, tais prédios; tendo-os, em 1996, participado às Finanças, tendo a área global de 17.900 m2 sido inscrita a seu favor (com o artigo matricial rústico 1448 da extinta freguesia de (...) e a que corresponde o atual artigo matricial rústico 2815 da União das Freguesias de (...) e (...) ), procedendo, desde aí, ao pagamento dos respetivos impostos.

Alegou ainda que, no dia 04/05/2012, procedeu à justificação notarial do direito de propriedade sobre tal prédio, após o que, na mesma escritura, o doou à sua filha (…), sendo esta a atual dona e legítima possuidora do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 2815 da União das Freguesias de (...) e (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 815 da extinta freguesia de (...) e definitivamente registado a favor da filha do Réu pela Ap. 928 de 2012-07-06.

Por último, invocou a prescrição do invocado crédito de € 12.469,95, decorrente, segundo a A., do seu pai não ter pago a totalidade do preço e de se haver constituído em mora em maio de 1992.

A A. respondeu à exceção da prescrição, alegando que o pai do R., no final de fevereiro de 1998, reconheceu ser devedor de a quantia de € 12.469,95, não se encontrando assim o seu crédito extinto por prescrição.

Foi dispensada a realização da audiência prévia, proferido despacho saneador, em que se declarou a instância totalmente regular, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Foi designado dia para julgamento, tendo a A., durante a audiência, em 3/5/2018, requerido a ampliação do pedido, no sentido de ser declarada a nulidade da escritura de justificação (junta com a contestação) e, em consequência, ordenado o cancelamento do registo, ampliação que foi admitida.

Posteriormente, em 14/5/2018, veio a A. deduzir incidentes de intervenção principal: de A (…), em seu nome e em representação da menor C (…) (alegando que o primitivo R. e a A (…)são pais da menor C (…), a quem foi feita a doação alegada na contestação[2]); e dos herdeiros na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de J (…), representada por todos os seus herdeiros (alegando que os demais herdeiros do falecido pai do primitivo R. deverão ser chamados à ação, uma vez que um dos pedidos formulados diz respeito ao acervo hereditário deixado por óbito de J (…)), tendo mais tarde, em 16/5/2018, identificado os aludidos herdeiros, a saber: M (…), A (…), ; M (…), M (…), H (…)  e M (…).

Incidentes que foram admitidos e citados todos os chamados, os quais não produziram qualquer intervenção nos autos.

Foi novamente designado dia para a realização da audiência final, após o que, esta realizada, a Exma. Juíza proferiu sentença, concluindo a sua decisão a “(…) julgar totalmente improcedente a ação e, em consequência, absolveu o Réu M (…) e os intervenientes chamados M (…), A (…), M (…), H (…), M (…), e A (…) , , por si e na qualidade de legal representante de C (…), dos pedidos deduzidos pela Autora S (…) S.A. (…)”

Inconformada com tal decisão, interpõe a A. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que revogue o decidido e que a julgue a ação procedente.

(…)

O primitivo R. respondeu, terminando as suas contra-alegações sustentando, em síntese, que a sentença recorrida não violou as normas referidas pela recorrente, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

Obtidos os vistos, mantendo-se a instância identicamente regular, cumpre, agora, apreciar e decidir.


*


II – “Reapreciação” da decisão de facto

Como “questão prévia” à enunciação dos factos provados, importa – atento o âmbito do recurso, delimitado pelas conclusões da respetiva alegação – analisar as questões a propósito da decisão de facto colocadas a este Tribunal.

Os diversos depoimentos prestados em audiência, nos quais a 1ª instância se baseou para decidir a matéria de facto, foram gravados; constando assim do processo todos os elementos probatórios com que aquela instância se confrontou, quando decidiu a matéria de facto, pelo que e é possível modificar aquela decisão, se enfermar de erro de julgamento[3].

Faculdade – de modificar a decisão de facto – em cujo uso, costumamos “avisar”, é nosso dever ser contidos, cautelosos e prudentes, uma vez que existem elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o processo de exteriorização e verbalização dos depoentes, não importados para a gravação, suscetíveis de influir, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhes. O que, porém – salienta-se e enfatiza-se, para que não haja quaisquer equívocos interpretativos sobre o que se acabou de dizer – não significa que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto apenas envolve a correção de pontuais, concretas e excecionais erros de julgamento; efetivamente, a Relação, quando aprecia as provas – e pode para tal atender a quaisquer elementos probatórios – faz um novo julgamento da matéria de facto, vai à procura da sua própria convicção, assegura o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto (ou seja, a atividade da Relação não se pode/deve circunscrever a um mero controlo formal da motivação efetuada na 1.ª Instância).

Efetuados tais prévios e “tabelares” esclarecimentos, debruçando-nos sobre as concretas questões – tendo presente as posições assumidas pelas partes nos articulados, analisados os documentos juntos e ouvido o registo, efetuado em CD, do julgamento – concluímos, antecipando desde já a solução, que não assiste, no essencial, razão à A/apelante.

Vejamos:

Começar-se-á por notar a seguinte singularidade: gira toda a impugnação da A/apelante à volta do que foi dado como provado sobre os poderes de facto exercidos sobre os prédios reivindicados, porém, não porque pretenda que se dê como provado que é ela/A. que exerce tais poderes de facto (ou ao menos que nunca o primitivo R. exerceu quaisquer poderes de facto), dizendo antes, em resumo, que apenas se provou que o primitivo R. exerce tais poderes de facto tão só após a morte do seu pai (ocorrida em 18/04/2016) e que, antes, desde 1991 e até à data da morte do pai, quem exerceu tais poderes de facto foi o pai do primitivo R..

A título de exemplo, diz (o que deve ser entendido como sendo, na perspetiva da A/apelante, a favor da sua posição processual):

Nas conclusões 3 e 4, que a testemunha (…) afirmou que “esse terreno era da posse do Sr. J (…), do pai” (…), que “na minha ótica o terreno foi do Sr. J(...) muitos anos e só depois foi doado ao filho”, que “se o Sr J (…)o era para mim garantidamente o dono do terreno e ele passa para a posse do M (...) deve ter havido aí um processo formal de legalização do terreno, certamente que o Sr. J (…) não foi amarrado fazer a escritura”.

Na conclusão 6, que a testemunha (…) afirmou que “o Sr. J(...) é que estava sempre ali no terreno e dizia que o terreno era dele”, que “ele é que me dava ordem para ir lá cortar lenha”.

Na conclusão 7, que a testemunha (…) afirmou que “trabalho para o Sr(…) há 16 anos e sempre ouvi dizer que o terreno era do pai”, que “já lá fizemos limpeza (") tirar mato, tirar madeira junto à ribeira, limpar o mato”, que “fui lá duas ou três vezes limpar (") aquilo é só giestas”, que “foi há três ou quatro anos, sobre a primeira vez que foi limpar o terreno”.

Na conclusão 14, que, “ao contrário do referido na sentença, tanto a testemunha (…) como a testemunha (…) referem atos de posse, como as terraplanagens, sem que, contudo, os atribuam ao recorrido mas sim ao seu pai”.

Na conclusão 15, que “a posse do recorrido sobre os prédios em causa ocorreu apenas nos últimos anos, após a morte do pai ocorrida em 2016

Na conclusão 27, que “o recorrido não tem qualquer direito sobre os prédios da recorrente pois não tem título de aquisição dos mesmos (…) e não está na posse dos prédios há mais de três ou quatro anos”.

Enfim, não é, “confessadamente”, a A/apelante possuidora formal dos prédios desde Outubro de 1991 e a “peleja” factual da A/apelante está em que seja dado como provado que foi o pai do primitivo R. possuidor até à sua morte (ocorrida em 18/04/2016) e que o primitivo R. só o foi após a morte do pai[4].

Como infra explicaremos (em sede de apreciação estritamente substantiva), tal distinção (entre o tempo da posse do pai e do filho) não tem, no caso presente, o menor relevo jurídico – razão pela qual até podíamos ter considerado prejudicado o conhecimento da impugnação da decisão de facto (cfr. art. 608.º/2 do CPC) – mas porque, no essencial (quanto a quem possui, se o pai ou o filho – ou até neta – e desde quando e até quando), nem assiste razão à A/apelante, não deixamos de reapreciar a decisão de facto.

Escreveu-se na motivação de facto da sentença recorrida, a propósito do que se deu como provado nos pontos 14 a 18 dos factos provados:

“ (…) No que se refere à facticidade constantes dos pontos 14. a 18., o Tribunal atendeu ao depoimento da testemunha (…), amigo do réu e conhecedor do local, que aludiu, de forma credível e espontânea, à doação por parte de J (…) ao seu filho J (…)dos terrenos que localiza no sítio Vale de Y (...) , bem como ao facto de estar presente na escritura de justificação aludida em 20 onde igualmente foi referido tal doação verbal, constante de fls. 32 a 34v.. A mesma testemunha, tal como a testemunha (…), morador perto do local em apreço nos autos, de forma coincidente aludiram ao facto dos terrenos serem de J (…) e depois o mesmo doou-os ao seu filho M (…), que desde então os utiliza e os frui, aludindo ambas as testemunhas à realização de terraplanagens há vários anos atrás (há mais de 10 anos), a fim de serem aí realizadas provas de “motocross” o que chegou a acontecer, tendo a testemunha (…) acrescentado que, ainda no tempo do Sr. J (…), há mais de 20 anos, chegou a ver lá animais a apascentar e os terrenos limpos por ordem de J (…), nunca tendo tido conhecimento de qualquer discussão quanto à propriedade do terreno, intitulando-se o mesmo proprietário do mesmo. Por sua vez, a testemunha (…), trabalhador do Réu há cerca de 15/16 anos, de forma espontânea e credível, aludiu a limpezas feitas por si ao terreno por ordem do Réu, roçando mato e cortando árvores, acrescentando que já lá foi cerca de 2 ou 3 vezes fazer a limpeza, sendo a primeira há cerca de 4 anos. Mais referiu que sempre soube que os terrenos eram do Sr. J (…), não havendo qualquer questão quanto à propriedade dos mesmos. (…)”

É isto – que se acaba de transcrever e que a Exma. Juíza a quo externou na motivação de facto – que resulta da análise crítica da prova produzida, porém, justamente por isto, a redação dos pontos 14, 15, 17 e 18[5], em estrita concordância com o externado pela Exma. Juíza a quo (e dentro do que foi alegado pelo R.), deve ser um pouco diferente e passar a ser a seguinte:

14. O falecido pai do Réu M (…), após a ocupação referida no ponto 11 e ocorrida em finais de 1991, manteve-se na ocupação dos prédios sitos no Vale da Y (...) , vindo a doá-los, M (…)

15. Desde 1991, de forma contínua e ininterrupta, que o pai do R., primeiro, e o próprio R., depois, este após a doação verbal e até 04/05/2012, usaram e fruíram, como coisa exclusivamente sua, o referido conjunto de prédios, procedendo ao corte e recolha de árvores aí existentes, roçando o mato, colhendo os pastos, beneficiando, fruindo e colhendo as utilidades do(s) referidos(s) prédio(s).

17. Procedendo à remoção de terras e à adaptação do(s) prédio(s) para aí serem realizadas, com as suas autorizações, provas de ‘motocross’.

18. Atos que foram praticados à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que fosse, designadamente da A., por si ou através de pessoas a quem pede ou roga para o efeito, sempre na convicção, cada um a seu tempo (o pai do R. e o R.), de que eram donos e legítimos possuidores dos referidos prédios e de que com a prática de tais atos não ofendiam direitos ou interesses alheios.

Muito em síntese, pelo seguinte:

Não se pode estabelecer com precisão, em face da prova testemunhal produzida, quando o pai do primitivo R. lhe doou verbalmente os prédios, porém, não faz muito sentido (e vai ao arrepio do que as testemunhas disseram mais ou menos em uníssono) que tal tenha acontecido logo em 1991, época em que, como a Apelante observa, o primitivo R. não tinha mais de 15 anos de idade.

É, porém, completamente certo, repetimos, que os prédios foram possuídos pelo pai e pelo filho, primeiro, logo após o final de 1991, pelo pai e, mais tarde e logo a seguir ao pai, pelo filho e primitivo R..

Acontece, como está documentado, que o filho e primitivo R., em 04/05/2012, justificou tal realidade predial (e na mesma escritura fez doação à filha), sucedendo que da respetiva escritura consta que tal realidade predial estava inscrita na matriz (em nome do justificante) sob o art. 1448.º, sabendo-se, pela caderneta predial junta a fls. 35, que tal realidade predial foi assim inscrita na matriz em 1996, pelo que, o mais natural, em termos de ilação e de presunção da experiência, é ter sido o primitivo R.[6] a participar tal prédio às finanças – com o que se responde à impugnação suscitada em relação ao ponto 19 dos factos provados – e tê-lo-á feito justamente por, antes (de 1996), em data que não é possível fixar (em face da prova produzida), o seu pai lho haver doado.

Significa também, como reverso do que vimos de referir, que o facto constante da alínea f) dos não provados assim se deve – como não provado – manter; aliás o termo “abandono” constante de tal alínea f) – em que se diz que não se provou “que os prédios na posse do R. estejam ao abandono” – apenas poderá querer referir-se à circunstância do R. não cuidar de tal realidade predial[7] (e o possuidor dum prédio rústico não perde a respetiva posse pelo simples facto de deixar de o cultivar) e não ao que exprime o “abandono”, enquanto perda da posse[8], que apenas se dá por efeito de ato de vontade do próprio possuidor, que se demite da situação jurídica de que era titular (o que – “demissão” – é algo que a A. não lhe atribui).

Finalmente, quanto ao facto constante da alínea d) dos não provados, que a A/apelante diz dever ser considerado provado.

Para motivar o “não provado” dado a tal facto, observou-se o seguinte na sentença recorrida:

“(…) nenhuma prova segura foi feita no sentido de se poder concluir que os prédios rústicos a que se alude no contrato promessa referido em 5 dos factos provados sejam os prédios referidos em 2 e 3 dos factos provados. Na verdade, conforme se visualiza no aludido documento de fls. 11 v e 12, o denominado “contrato promessa de compra e venda” não se faz referência a quaisquer artigos matriciais nem tampouco a qualquer descrição predial, apenas aludindo que os mesmos se situam no sítio “ X (...) ”, freguesia e concelho de (...) , onde descrevem as confrontações, sendo que apenas a confrontação Norte e sul se encontram legíveis. Ora, não só as confrontações constantes nos pontos 2 e 3 dos factos provados não coincidem com as aludidas no contrato promessa, nem nenhuma testemunha inquirida, de forma clara e convicta, aludiu à localização concreta dos prédios referidos no contrato promessa, sendo que a testemunha (…) sócio à data da Autora, também não demonstrou qualquer conhecimento concreto dessa localização, não logrando convencer o tribunal, aludindo à mesma de forma hesitante e indecisa, rematando com o facto de não se lembrar de mais pois não foi ele quem interveio no contrato. (…)”.

Realmente, sendo-se rigoroso, é assim.

É certo que os prédios identificados nas escrituras referidas em 2 e 3 ficam no sítio do X (...) , assim como os que foram objeto do contrato promessa referido em 5, porém, a falta de cuidado que houve em juntar documentos totalmente legíveis leva a que das 12 confrontações dos 3 prédios constantes das escrituras só uma delas (a confrontação a sul, no 1121.º) se repita (no cotejo entre o que consta dos pontos 2 e 3 e o que consta do ponto 5), pelo que a correspondência, entre uns e outros, não resulta dos documentos e não pode ser dada como provada.

Seja como for – e como resulta do que infra melhor se explicará – documentos particulares, documentos das Finanças, da Conservatória e até escrituras dão, como é habitual em litígios como o presente, contributos que ficam longe de ser concludentes; as descrições/inscrições fiscais servem tão só de suporte à relação (pública) jurídico-tributária[9] e as descrições da conservatória têm apenas por fim “a identificação física, económica e fiscal dos prédios” (art. 79.º do C. Reg. Predial), não sendo concludentes em termos da configuração/formato/área dos prédios[10].

Não se quer dizer, acrescenta-se ainda, que os documentos das Finanças ou da Conservatória são algo completamente irrelevante ou imprestável (servem, em certos casos, para alicerçar e concatenar raciocínios relevantes na apreciação da prova e na formação da convicção); apenas se está a dizer, isso sim, é que raramente se configuram e/ou apresentam como uma última e definitiva “palavra”, como argumentos/contributos categóricos e definitivos num sentido ou noutro (da decisão de facto).

Mais – chama-se também a atenção – o que resulte das finanças, conservatórias e escrituras também não constitui, demonstra ou vale como o exercício de poderes de facto sobre uma coisa (como expressão da autoridade fáctica sobre uma coisa): pagar uma sisa, a antiga contribuição predial ou autárquica ou o atual IMI não significa nem envolve qualquer poder material e imediato sobre a coisa, pelo que, naturalmente, tais pagamentos também não são, só por si, um sinal de corpus possessório.

O decisivo/essencial/fulcral para um litígio como o dos autos, como a seguir se referirá, é a prova dos poderes de facto exercidos ao longo de anos sobre a “realidade” em litígio; sendo tudo o mais, relativamente acessório e instrumental ou mesmo “impertinente”.

É quanto basta para, com exceção das correções de redação (dada aos pontos 14 a 18 dos factos provados, aqui se incluindo a eliminação do ponto 16), afirmar a improcedência do recurso de facto.


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III – Fundamentação de Facto

III – A – Factos Provados

1. Pela inscrição no registo comercial com AP 04/20010726 foi registado o projeto de fusão por incorporação e transferência global do património da sociedade S (…), S.A para a sociedade D (…), Ld, tendo tal projeto de fusão sido aprovado por deliberação de 24.9.2001 e registado mediante inscrição AP 01/20010924., tendo, pela AP 04,05, 06 de 07/20011108 sido registada junto da Conservatória do Registo Comercial a aludida fusão bem como a transformação em sociedade anónima – S (…), S.A.

2. Por escritura de compra e venda outorgada em 16.2.1972 no Cartório Notarial de (...) , a Autora, então designada por D (…)Lda”, comprou metade indivisa de uma terra centeeira, no sítio do X (...) , freguesia e concelho de (...) , a confrontar do norte com (…), do sul com herdeiros de (…) do nascente com Estrada Nacional n.º 18 e do poente com Ribeira de Gaia, inscrito na respetiva matriz sob o art. 1119; bem como uma terra centeeira, no mesmo sítio e freguesia, a confrontar do norte com herdeiros de (…), do sul com herdeiros de (…), do nascente com estrada Nacional n.º 18 e do poente com Ribeira da Gaia, inscrito na respetiva matriz sob o art. 1120, prédios estes que não estavam descritos na Conservatória do Registo Predial da (..) .

3. Por escritura de compra e venda outorgada em 3.1.1973 no Cartório Notarial de (...) , a Autora, então designada por “D (…)Lda”, comprou um prédio rústico no sítio do Funda (..) , freguesia e concelho de (...) , a confrontar do norte com (…)  do sul com (…), do nascente com estrada e do poente com ribeira, inscrito na respetiva matriz sob o art. 1121.

4. Os artigos matriciais 1119, 1120 e 1121 da anterior matriz da propriedade rústica da freguesia de (...) e que estiveram em vigor desde 1949 até 1995 (aludidos em 2. e 3.) foram eliminados em 1996, após a Avaliação Geral à propriedade Rústica e não é possível à Autoridade Tributária estabelecer qualquer correspondência entre a matriz rústica antiga e a nova que entrou em vigor em 31.12.1996.

5. Em 16 de Outubro de 1991 entre a ora Autora, então denominada D (…) Lda na qualidade de promitente vendedora e J (…), na qualidade de promitente comprador, foi outorgado um acordo denominado “contrato promessa de compra e venda” no qual constam, para o que ora nos interessa, as seguintes cláusulas:

“1.ª A vendedora é proprietária de um conjunto de prédios rústicos, localizados no sítio de “ X (...) ”, freguesia e concelho de (...) , adiante simplesmente designado por “propriedade” (e que o comprador declara conhecer perfeitamente, por se encontrar na vizinhança de terrenos seus), com as seguintes confrontações no seu conjunto: (…)

2.º (não legível)

3.º Pelo presente contrato, a vendedora promete vender ao comprador, que promete comprar, a Propriedade pelo preço de Esc. 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos), a pagar do seguinte modo:

a) com a assinatura do presente contrato, Esc …(rasurado);

b) no acto de celebração da escritura notarial de compra e venda, o restante.

4.º A escritura notarial de compra e venda será marcada pela vendedora logo que tenha obtido todos os necessários documentos, devendo avisar o comprador por carta registada enviada para a sua residência, com registo de correio não inferior a 15 dias antes da data marcada.

5.º As partes acordam em submeter o presente contrato ao regime de execução especifica.

(…)”

6. Aquando da celebração do contrato promessa aludido em 5. dos factos provados foi entregue à A. por J (…) a quantia de € 2.500.000$00 (dois milhões e quinhentos mil escudos).

7. Em 1991 a sociedade “D (…)” não podia fazer a escritura porque não dispunha de documentos para poder registar o prédio a seu favor.

8. Em 25.2.1998, J (…), então Advogado da Autora, redigiu uma missiva dirigida a J (…) onde consta que “a D (…) quer celebrar a escritura” e que poderia agendar a mesma.

9. O contrato definitivo de compra e venda a que alude o contrato promessa referido em 5. nunca foi celebrado.

10. J (…) faleceu em 18.4.2016, no estado de divorciado de C (…) sendo pai do Réu M (…), bem como os chamados M (…), A (…) , M (…), H (…), M (…), seus únicos herdeiros.

11. Após o contrato promessa a que se alude em 5., J (…) ocupou de imediato os prédios aí aludidos.

12. Em 22.9.2017, o Réu M (…) recebeu uma notificação judicial avulsa onde a Autora o interpelou para, no prazo de 15 dias, após o recebimento da mesma, desocupar o imóvel por si ocupado ou celebrar o contrato de compra e venda quanto ao mesmo.

13. Em resposta à notificação judicial avulsa que recebeu, o Réu M (…) remeteu em 6.10.2017 uma missiva à Autora, que esta recebeu, onde consta o seguinte:

“Em resposta à notificação judicial avulsa apresentada por V. Ex.ªs, venho dizer o seguinte:

1. Só por manifesto equivoco ou lapso se admite que V. Ex.as possam invocar direitos sobre o prédio melhor identificado naquele v/ requerimento;

2. Com efeito, na notificação judicial avulsa a que ora respondo, dizem-se V. Exa.s legítimos proprietários do dito terreno;

3. No entanto, não exibem V. Excias título bastante para legitimar tal avocação;

4. Ademais, é sugerido por V. Ex.as que eventual titulação existente a meu favor seria o corolário da prática de factos ilícitos, ilegítimos e ilegais;

5. A mera sugestão de qualquer meu comportamento ao arrepio da lei é por mim repudiada com veemência, porque infundada, e, nessa medida, inaceitável e inadmissível.

6. Assim, respondo a V. Exias por uma questão de transparência e lisura da minha parte, sendo certo que terão V. Ex.cias de pugnar noutra sede por qualquer pretensão V/que entendam legítima.”

14. O falecido pai do Réu M (…), após a ocupação referida no ponto 11 e ocorrida em finais de 1991, manteve-se na ocupação dos prédios sitos no Vale da Y (...) , vindo a doá-los, verbalmente, em data não apurada e anterior a 1996, ao Réu M (…)

15. Desde 1991, de forma contínua e ininterrupta, que o pai do R., primeiro, e o próprio R., depois, este após a doação verbal e até 04/05/2012, usaram e fruíram, como coisa exclusivamente sua, o referido conjunto de prédios, procedendo ao corte e recolha de árvores aí existentes, roçando o mato, colhendo os pastos, beneficiando, fruindo e colhendo as utilidades do(s) referidos(s) prédio(s).

17. Procedendo à remoção de terras e à adaptação do(s) prédio(s) para aí serem realizadas, com as suas autorizações, provas de ‘motocross’.

18. Atos que foram praticados à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que fosse, designadamente da A., por si ou através de pessoas a quem pede ou roga para o efeito, sempre na convicção, cada um a seu tempo (o pai do R. e o R.), de que eram donos e legítimos possuidores dos referidos prédios e de que com a prática de tais atos não ofendiam direitos ou interesses alheios.

19. Em 1996, o Réu participou às Finanças um prédio rústico (que corresponde aos que, no seu conjunto, lhe haviam sido doados pelo pai) com a área de 17.900 m2, de cultura arvense de regadio, sito ao ‘Vale da Y (...) ’, a confrontar (…) o mesmo foi inscrito a seu favor, tendo-lhe sido atribuído o artigo matricial rústico 1448 da extinta freguesia de (...) e a que corresponde o actual artigo matricial rústico 2815 da União das Freguesias de (...) e (...) .

20. Em 4.5.2012, no Cartório Notarial de (...) , o Réu M (…) outorgou uma escritura de justificação e doação onde justificou a titularidade do seu direito de propriedade relativamente ao prédio aludido em 21., constando de tal escritura que “ o mencionado prédio não se encontra descrito na Conservatória do registo predial de (...) e veio à posse do primeiro outorgante(aqui Réu), ainda no estado de solteiro, em dia e mês que não pode precisar no ano de 1991, por doação meramente verbal feita por seu pai J (…) (…) que não obstante a falta de titulo, sempre o tem possuído, desde essa data e em nome próprio, tirando dele todas as utilidades, cultivando-o, semeando-o, colhendo os frutos, pagando as devidas contribuições e impostos e fazendo as obras de conservação necessárias, sem a menor oposição de quem quer que seja, posse sempre exercida sem interrupção e ostensivamente com conhecimento de toda a gente, sendo assim uma posse pacifica, contínua, pública e de boa fé, pelo que o adquiriu por usucapião, não tendo todavia, dado o modo de aquisição, documento que lhe permita fazer prova do seu direito de propriedade.” (…) Declarou ainda o primeiro outorgante (ora Réu) que, pela presente escritura doa a sua filha menor, de sete anos de idade, C (…) (…), por conta da quota disponível, o prédio atrás identificado, a que atribui o valor de € 2.496,79.

21. Tal prédio referido em 19 e 20. encontra-se inscrito na matriz sob o art. 2815 da união das Freguesias de (...) e (...) a favor de C (…) filha do Réu M (…) bem como descrito na Conservatória do registo predial de (...) sob o n.º 815 da extinta freguesia de (...) e definitivamente registado a favor de C (…)pela AP. 928 de 2012.7.06.


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III – B – Factos não provados

Não se provou:

a) Que J (…) tenha recebido a missiva constante do ponto 8. dos factos provados.

b) Que a Administração da Autora, na pessoa do Dr. (…) tenha interpelado J (…) a celebrar tal escritura por carta datada de Abril ou Maio de 1992.

c) Que o contrato definitivo a que alude o contrato promessa referido em 5. dos factos provados nunca chegou a ser celebrado por culpa exclusiva de J (…)que nunca se disponibilizou para tal.

d) Que os prédios rústicos a que se alude no contrato promessa referido em 5 dos factos provados fossem os prédios referidos em 2. e 3 dos factos provados.

e) Que o Réu M (…) tenha informado a Autora que o prédio em causa nos autos lhe foi vendido pelo seu pai (J (…)).

f) Que os prédios na posse do Réu estejam ao abandono.

g) Que na recadastração de 1996 dos artigos matriciais, a área dos então artigos rústicos 1119.º, 1120.º e 1121.º tenha sido englobada em artigos rústicos contíguos pertencentes ao Réu e a seu pai J(...)

h) Que o conjunto de prédios aludidos no contrato promessa referido em 5. dos factos provados tivessem uma área de € 10.790m2.

i) Que o prédio com o art. Matricial 1119, em 1991 estivesse inscrito (1/2) a favor da “D(…)” e de M (…), tendo a inscrição sido eliminada em 2003, por ter passado a prédio urbano.

j) Que o prédio com o art. Matricial 1120 foi inscrito em 1996 a favor de J (…), vendido J (…) em 2001, encontrando-se atualmente inscrito a favor de M (…), e corresponde actualmente ao artigo matricial rústico1032 da união de freguesias de (...) e (...) .

k) Que o prédio com o art. Matricial 1121, em 1989 estava inscrito a favor da D (…) (72%) e de J (…) (28%), tendo em 1996, sido inscrito a favor de M (…)  , e a partir de 1998 a favor de C (…), a favor de quem se encontra inscrito e que corresponde atualmente ao art. Matricial rústico 1033 da união de freguesias de (...) e (...) .


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IV – Fundamentação de Direito

A presente ação, excluindo o pedido que a A. designa, incorretamente, de “alternativo” (e, claro, da ampliação do pedido), é, fora de toda a dúvida, uma típica ação real: uma ação em que o que está em causa é o direito de propriedade.

E trata-se mesmo duma “pura” e típica “reivindicação”, uma vez que se pede a restituição da coisa[11]; ou seja, invoca a A. a titularidade do direito de propriedade sobre três prédios, pedindo que tal seja declarado em termos de apreciação, tendo em vista extrair de tal apreciação positiva, como efeito útil, a declaração negatória, implícita, de que não é a outra parte o titular do direito de propriedade sobre os identificados prédios, após o que – como claramente consta da alínea b) do pedido – se pede que se condene o R. a “restituir à A., livres de pessoas e bens, os referidos prédios”.

E o que acabamos de dizer é decisivo para o desfecho/improcedência da lide; uma vez que, encurtando razões (que a seguir se explicarão), o caminho jurídico para o sucesso, num tal tipo de lide, está quase[12] sempre apenas e só na usucapião ou (faltando ainda tempo para usucapir) na posse.

É que numa ação em que se invoca o direito de propriedade – pese embora o disposto no art. 1316.º do C. Civil, segundo o qual o direito de propriedade se adquire por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão – é sobre questões respeitantes à posse e à usucapião que devemos ser colocados (máxime, quando, como é o caso, estão em causa prédios rústicos); atento o papel que ambas (posse e usucapião) desempenham na dinâmica dos direitos reais, mais exatamente, na sua constituição/aquisição, extinção e defesa.

E porque é que é (quase sempre) assim? Porque é que a posse e a usucapião vêm (quase sempre) “à baila”?

Segundo as regras gerais de repartição do ónus probatório (art. 342.º do C. Civil), é ao autor que cabe fazer a prova do direito que se arroga[13].

Porém, numa ação real (numa típica reivindicação), a prova do respetivo direito não pode/deve limitar-se à invocação e prova do título de aquisição do direito do autor – à v. g. escritura/contrato de compra e venda ou de doação – uma vez que tal título só prova que, sendo o alienante o legítimo titular do direito alienado, o autor adquiriu bem; mas não prova, em definitivo, a bondade do título de aquisição do alienante; e podendo esta objeção fazer-se em cadeia e para o passado, fica o autor da ação real sujeito a uma verdadeira prova diabólica ou mesmo impossível.

Sendo justamente aqui que se situa o interesse e a relevância da posse; que resulta da atenuação que, para essa prova diabólica, decorre do regime da usucapião e da presunção possessória.

Como a usucapião é uma forma de aquisição originária do direito real, destrói qualquer outro direito anterior; o que significa que, feita a prova da posse boa para usucapião, fica provado o direito real de que o autor se arroga.

Por outro lado, como a presunção possessória[14] inverte o ónus da prova, a parte que dela beneficia coloca a cargo da outra parte a prova que a ilida.

Por tudo isto, o enorme relevo[15], o papel decisivo, que a posse e a usucapião continuam a ter no desfecho de litígios, como é o caso, respeitantes ao domínio sobre prédios rústicos.

Posse – 1251.º do CC – que se traduz no exercício de poderes de facto sobre uma coisa em termos do direito de propriedade ou de outro direito real, integrando dois elementos: o corpus – seu elemento material – que consiste no domínio de facto sobre a coisa, traduzido no exercício efetivo de poderes materiais sobre ela, ou na possibilidade física desse exercício; e o animus, que consiste na intenção de exercer sobre a coisa como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio de facto[16].

Significa isto que também alinhamos em dizer[17] que a nossa lei consagra, em matéria de posse, a conceção subjetiva[18]; isto é, possuidor é apenas aquele que, além do corpus, tem também o animus possidendi – a intenção de exercer sobre a coisa um direito real próprio; pelo que, para se beneficiar do regime possessório, não bastará a prova do corpus, mostrando-se necessário, além disso, a existência do animus.

Afirmação que, embora conceitualmente rigorosa[19], não tem, entre nós, qualquer utilidade e relevo práticos, uma vez que, estabelecendo a lei uma importante presunção destinada a facilitar a prova do animus (art. 1252.º, n.º 2, do CC), não existe visível diferença prática entre o nosso sistema, teoricamente subjetivista, e os que consagram a conceção objetiva[20].

Usucapião – 1287.º do CC – que se baseia na posse, do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, com determinadas características e durante certo lapso de tempo.

Posse, enquanto poder que está na origem de todo o “domínio” e “apropriação”, que é também – sendo o furto e o roubo tão velhos como a apropriação e em face dos poderes conferidos por tais usurpações – uma contínua força de subversão e contestação do direito real.

Mas, da mesma maneira em que contribui para subverter, também colmata as brechas existentes na ordenação dominial definitiva, pondo fim a situações de indefinição, decidindo do estatuto dos bens.

Posse que cumpre assim uma dupla função e papel: cobre a lacuna, suprindo a falta do direito real; e permite o trânsito para um direito novo, reconstituindo a ordenação dominial definitiva.

Posse que existe logo que a coisa entra na órbita de disponibilidade fáctica, que existe logo que sobre ela se pode exercer, querendo, poderes empíricos (a disponibilidade fáctica/empírica sobre o bem).

Mas que, por outro lado, implica intencionalidade e voluntariedade; é sempre a expressão de uma autoridade fáctica.

Daí a noção de posse do art. 1251.º do C. Civil: exercício de poderes de facto sobre uma coisa em termos de um direito real.

Posse que – sublinha-se – se pode adquirir pela “usurpação”, aqui se incluindo todas as formas de aquisição originária contra a vontade do possuidor, designadamente, “pela prática reiterada, com publicidade, de atos materiais correspondentes ao exercício do direito” (1263.º, a), do C. Civil), modo mais comum e vulgar de se adquirir a posse (que comece por ser formal).

Atos materiais que são os atos que integram o corpus, que exprimem o poder de facto; atos que são normalmente materiais e físicos, mas não necessariamente, uma vez que para o corpus basta que a coisa esteja na esfera de disponibilidade fáctica.

Reiteração que significa que em princípio não basta um ato para a posse ser adquirida; que exige repetição, o que não significa atuação ininterrupta, contínua ou a prática periódica dos mesmos atos.

Atos materiais que, dependendo da coisa objeto da posse, exigem, segundo o consenso público, que se traduzam no exercício dum direito real, sendo essencial que tais atos se dirijam ao estabelecimento duma relação duradoura com a coisa.

Publicidade que exige algum consenso público no círculo social em que o domínio se exerce[21].

E o que acaba de ser dito, em termos genéricos, significa, aplicado ao caso sub judicio, que, em caso algum, a A. se podia ter limitado a alegar, como fez no art. 1.º da PI, “que é proprietária dos prédios rústicos”.

A situação é mesmo algo estranha e singular, uma vez que, intentando a A. uma típica ação de reivindicação, não alegou sequer o modo/título por que adquiriu o direito de propriedade de que se arroga, ante se limitado a alegar – é inverosímil, mas é apenas isto que consta da PI – “que é proprietária dos prédios rústicos”.

Resultando o que consta dos pontos 2 e 3 dos factos provados – ou seja, as escrituras de compra e venda em que a A. (ainda com a denominação de Dramin) declarou comprar, em 1972 e 1973, prédios sitos no sítio do X (...) – dos documentos que foram depois juntos pela A., após uma primeira sessão da audiência de discussão e julgamento e por tal lhe haver sido ordenado pelo tribunal[22].

Junção que, claro está, é insuficiente para corrigir/suprir a falta de alegação da A..

Não por as escrituras e o que delas resulta não poder ser considerado, mas sim por a A. ficar sujeita à “prova diabólica” de que supra falámos – numa típica reivindicação, a prova do respetivo direito de propriedade não pode limitar-se à invocação e prova das escrituras/contrato de compra e venda, uma vez que tal título/escritura só prova que, sendo o alienante o legítimo titular do direito alienado, o autor adquiriu bem, mas não prova, em definitivo, a bondade do título de aquisição do alienante (nas escrituras) – só ultrapassável pela alegação e prova da sua posse e da mesma ser boa para usucapião.

Só que a A. – se a propósito da alegação do modo/título por que adquiriu o direito de propriedade se limitou a alegar “que é proprietária dos prédios rústicos” – a propósito do seu exercício de poderes de facto (posse), em termos do direito de propriedade, sobre os prédios (reivindicados), não alegou sequer uma única palavra.

Pior ainda, tendo começado por alegar que, em 16 de Outubro de 1991, prometeu vender os 3 prédios ao pai do R. e que este só lhe pagou metade do preço, alegou a A. a seguir, no art. 5.º da PI, que “acresce que os prédios em causa foram de imediato ocupados pelo pai do R., conforme acordado na cláusula 7.ª do contrato promessa, mantendo-se os mesmos atualmente ocupados pelo R., que os tem na sua posse”.

Enfim, a A., depois do que não alegou, ainda logrou – face ao processo em que nos encontramos: uma ação real, de reivindicação de prédios rústicos – ir um pouco mais além em desfavor da sua própria pretensão, ou seja, a A. não só não alegou (na PI) um qualquer título aquisitivo do seu direito de propriedade e/ou a prática de quaisquer poderes de facto, em termos do direito de propriedade, sobre os prédios, como a seguir alegou que os prédios estão ocupados desde 1991 pelo pai do R. e atualmente pelo R., “que os tem na sua posse”.

Cumprindo aqui chamar a atenção da A. para a circunstância da posse (como resulta do supra referido, em termos genéricos, sobre o direito convocável para o caso), podendo ter na sua origem uma usurpação e sendo, em tal hipótese, uma força de subversão e contestação do direito real vigente, também cumpre o papel de permitir o trânsito para um direito real novo, reconstituindo a ordenação dominial definitiva.

Em termos mais prosaicos e mais compreensíveis: se, por hipótese, alguém era, em 1991, proprietário dum certo prédio e esse prédio passou desde aí (1991) a ser ocupado em exclusivo por outrem, o mais certo é esse outrem ter já adquirido (em 2017, ano da propositura da ação) o prédio por usucapião[23].

É certo que o possuidor dum prédio – e um proprietário (o de 1991) é à partida possuidor, quanto mais não seja possuidor causal – não perde a respetiva posse pelo simples facto de deixar de atuar de modo correspondente ao exercício do direito nos termos do qual se tem como iniciada a sua posse, ou seja, a posse presume-se que continua em nome de quem a começou (1257.º/2 CC), desde que – é o ponto – contra tal presunção não tenha surgido uma posse contrária.

É que a posse pode perder-se quando deixar de concorrer algum dos 2 elementos que a compõem; por exemplo, o possuidor perde a posse “pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo possuidor, se a nova posse houver durado mais de um ano” – cfr. art. 1267.º/1/d) do C. Civil.

E quando isto acontece, quando se inicia uma nova situação de posse e a mesma se mantém com certas características e virtualidades, a usucapião opera, decorridos que forem 20 anos (ou mesmo 15 anos, se se estiver de boa fé) sobre o início da posse, a favor do novo possuidor, retroagindo os seus efeitos (aquisitivos) à data do início da posse (cfr. 1288.º e 1317.º/c) do C. Civil); ou seja, a tutela provisória conferida ao novo possuidor (segundo a qual, como efeito da posse, goza da presunção da titularidade do direito – cfs. 1268.º/1 do CC[24]), converte-se em definitiva pela usucapião .

E, provada a usucapião, quaisquer outros direitos anteriormente constituídos, incompatíveis com tal aquisição originária emergente da usucapião, ficam automaticamente extintos; designadamente, fica extinto o direito real de propriedade do anterior proprietário[25].

É tudo isto que de imediato – da leitura da PI e não passando à frente – vem à cogitação jurídica, ou seja, ainda que a A. fosse proprietária dos prédios em 1991 (isto é, ainda que a A. tivesse alegado/provado devidamente a posse e a usucapião a seu favor), o mais certo era ter perdido, em face da por si “confessada” posse, desde o final de 1991, do J(...) e do filho, a propriedade da realidade predial reivindicada.

E é esta “perda” que, como se antevia inevitável, temos como provada[26].

Assim, muito em síntese, diremos que a razão da improcedência da presente ação/reivindicação está na circunstância da A/apelante não ter alegado/provado a aquisição do direito de propriedade de que se arroga, uma vez que escrituras/contratos de compra e venda não provam a bondade da aquisição do alienante (em tais escrituras)[27][28].

A circunstância do primitivo R. haver adquirido a realidade predial reivindicada por usucapião (como a seguir explicaremos) apenas afasta e prejudica – mesmo para aqueles que entendem, e não é o nosso caso, que o poder/dever de proferir despacho de aperfeiçoamento (do art. 590.º/2/b)/4 do CPC) se “transfere” para as instâncias superiores, se, como é o caso, a ação for improcedente por deficiência de alegação, tendo sido cometida a nulidade consistente na omissão do despacho de aperfeiçoamento – a relevância e a utilidade dum eventual despacho de aperfeiçoamento.

Efetivamente, do mesmo modo que referimos que a A., em caso algum, numa ação como a presente, se podia ter limitado a alegar “que é proprietária dos prédios rústicos”, também é nosso dever referir que, em caso algum, a presente ação podia ter seguido, como seguiu, para julgamento sem a prolação do devido despacho de aperfeiçoamento, sem a A. ser convidada a alegar o que não alegou, ou seja, o seu concreto modo de aquisição do direito de propriedade de que se arrogava.

Se tal despacho de aperfeiçoamento tivesse sido proferido e se a A. tivesse aperfeiçoado devidamente o alegado na PI seríamos então colocados perante uma alegação idêntica (com datas e protagonistas diferentes) à que o R. produziu nos art. 27.º a 44.º da sua contestação, ou seja, à alegação dos poderes de facto conducentes à usucapião, por parte e a favor dos anteriores “donos” dos prédios e por parte e a favor da A. até à data do CPCV referido em 5 dos factos provados.

E continuando nos “ses”, provando-se tudo isto, poderíamos concluir, aplicando o direito, que a A., em Outubro de 1991, era proprietária, por os haver adquirido por usucapião, dos prédios que, em tal data, prometeu vender ao pai do primitivo R..

Sendo após este raciocínio/conclusão jurídica que se iria colocar a relevância jurídica do que está provado nos pontos 11 e 14 a 18, ou seja, do primitivo R., de Outubro de 1991 para cá, haver adquirido, por usucapião, a realidade predial reivindicada pela A..

Assentando-se (nesta hipótese de raciocínio) que a A. era proprietária dos prédios em Outubro de 1991, podia suceder, e sucedeu, tudo o que supra se referiu sobre a posse ser um poder que está na origem de todo o “domínio” e “apropriação”, sobre a posse ser também uma contínua força de subversão e contestação do direito real e sobre a posse permitir o trânsito para um direito novo, reconstituindo a ordenação dominial definitiva.

Como já se referiu, a posse perde-se – e na hipótese de raciocínio que estamos a colocar a A. seria possuidora em Outubro de 1991 – quando deixar de concorrer algum dos 2 elementos que a compõem; e, no que aqui interessa, em face dos factos, a A. teria perdido a posse nos termos do art. 1267.º/1/c) do C. Civil (adquirindo-a o pai do primitivo R., por “traditio”, nos termos do art. 1263.º/b) do C. Civil).

Efetivamente, resulta dos factos constantes dos pontos 11 e 14 a 18 deste acórdão, que, a partir de Outubro de 1991, primeiro o pai do primitivo R e depois o R. entraram na posse dos prédios, o que fizeram desde aí e até 04/05/2012, à vista de toda a gente e sem oposição, ou seja, os factos provados revelam, indiscutivelmente, em relação e a favor do pai do primitivo R e depois do R., uma situação de posse, com as características e virtualidades suscetíveis de conduzir a usucapião.

Estamos perante uma posse que não foi iniciada com violência (segundo o 1261.º/2, considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coação física ou de coação moral nos termos do art. 255.º) e que tem sido exercida de modo a poder ser conhecida pelos interessados (1262.º)[29]; pelo que – presumindo-se tal posse de má-fé, por ser não titulada (art. 1259.º/1 e 1260.º/1 do C. Civil) – a usucapião operou, a favor do primitivo R., decorridos que foram 20 anos sobre o início da posse, ou seja, no final do ano de 2011.

Estão pois provados, concludentemente, os 2 elementos de que depende a usucapião: a posse com determinadas características e dignidade (que tem que ser pública e pacífica – 1293, a), 1297.º e 1300.º); e o decurso de certo período de tempo (os 20 anos do art. 1296.º, 2.ª parte, do C. Civil).

A única dificuldade jurídica que emergia estaria na aplicação (ou não) do instituto da acessão (art. 1256.º do C. Civil), ou seja, estaria na possibilidade (ou não) do primitivo R., para computar o tempo de posse necessário à usucapião, poder juntar o seu tempo de posse ao tempo de posse do seu pai (isto é, não ficar o primitivo R. limitado, para efeitos de usucapião, ao seu tempo de posse).

Durante muito tempo, a nossa doutrina[30] – na esteira do defendido primeiro por Manuel Rodrigues[31], no domínio do C. Seabra, e depois, na vigência do atual CC, por Pires de Lima e Antunes Varela[32] – ia no sentido de exigir, para que pudesse haver acessão da posse, que houvesse um “vínculo jurídico” válido (ou, pelo menos, segundo Pires de Lima/Antunes Varela, uma relação jurídica formalmente válida) entre o novo e o antigo possuidor.

Mais recentemente – na linha do defendido por Menezes Cordeiro e José Alberto Vieira[33] – vem-se sustentando que não há fundamento, no direito português atual, para fazer tal “exigência” (para afirmar que, à luz do art. 1256.º/1 do CC, deve haver um “vínculo/negócio jurídico” formalmente válido entre o novo e o antigo possuidor), na medida em que o regime vigente da usucapião prescinde da existência de título, bem como da boa fé (o possuidor sem título e de má fé também usucapem; o prazo é maior, mas também beneficiam da usucapião).

Como observa José Alberto Vieira[34], “(…) se o instituto da acessão visa facilitar o funcionamento da usucapião, (…) não faz qualquer sentido exigir para ela mais requisitos do que aqueles que se colocam à própria usucapião. O Direito português abandonou a exigência de título e de boa fé para efeitos de usucapião e permite que o possuidor formal beneficie desta. (sendo assim), por que razão exigir um título para um instituto (acessão) que atua no âmbito da usucapião, se o regime desta não o faz?”

Observação esta que merece a nossa adesão[35].

A nosso ver, um possuidor atual (como era o caso do primitivo R., quando outorgou a escritura de justificação e, logo a seguir, doou à filha) pode juntar a sua posse à posse do seu antecessor (no cado dos autos, o seu pai), caso tenha adquirido a posse deste por qualquer um dos modos de transmissão da posse que o direito reconhece (a tradição e o constituto possessório), independentemente da validade (formal e substantiva ou apenas formal) do título de transmissão.

Dito doutro modo, se o possuidor formal (no caso, o pai do primitivo R.) negoceia a sua posse – a doa verbalmente, como foi o caso, ao primitivo R. – e entrega a coisa ao terceiro adquirente (“traditio”), como foi manifestamente o caso, este (o primitivo R.) pode juntar o tempo de posse do seu transmitente/pai à sua posse, para efeitos de usucapião.

Verdadeiramente, o art. 1256.º/1 do C. Civil apenas exige que o adquirente da posse a tenha recebido por transmissão, isto é, que estejamos perante posses consecutivas (que se desenvolvem sem a intromissão de uma posse de terceiro), o que torna escusado falar duma exigência adicional de “continuidade” nas posses (uma vez que é a própria acessão a pressupor a transmissão da posse entre o novo e o antigo possuidor).

Restaria pois – para além da carácter “facultativo” da acessão, sendo que o interesse do primitivo R. em não prescindir de a invocar resulta de imediato da circunstância de ele haver invocado ser possuidor desde 1991 – a exigência imposta pelo n.º 2 do art. 1256.º do C. Civil (normalmente designada como de “homogeneidade” das posses) que, no caso, não constitui qualquer obstáculo (qualquer alongamento do prazo), uma vez que as posses do pai do primitivo R e do primitivo R. têm os mesmos caracteres (eram ambas de má fé e não tituladas) estando assim ambas sujeitas ao mesmo e pior prazo da usucapião: 20 anos.

Enfim, como já se referiu, invocada e operada a usucapião no final de 2011, a favor do primitivo R., os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse (cfr. 1288.º e 1317.º c) do C. Civil); e, provada tal usucapião, quaisquer outros (possíveis) direitos anteriormente constituídos, incompatíveis com tal aquisição originária emergente da usucapião, ficaram automaticamente extintos, designadamente um possível direito de propriedade da A. sobre a “realidade” reivindicada (isto é, voltando ao início do raciocínio, se, no seguimento do devido despacho de aperfeiçoamento, a A. alegasse/provasse a posse e a usucapião a seu favor até Outubro de 1991, o seu direito de propriedade seria agora – por força da usucapião operada, no final de 2011, a favor do primitivo R. – considerado automaticamente extinto).

Temos pois que, em 04/05/2012 – quando, imediatamente após justificar o prédio, o primitivo R. o doou à sua filha – transmitiu para esta o direito de propriedade, que já então tinha adquirido sobre o prédio, passando, desde aí, a ser a filha a proprietária do prédio (e a sua possuidora causal)[36].


*

Antes de terminar, ainda duas notas:

Quanto à ampliação do pedido (impugnação da escritura de justificação):

É pacífico que a impugnação da escritura de justificação notarial, uma vez que está em causa declarar sem efeito – isto é, inexistente (e não exatamente nula) – o direito afirmado em tal escritura, é uma ação de simples apreciação negativa; sendo ao impugnado, de acordo com o art. 343º/1 do C.C., que compete provar os factos constitutivos do direito de que se arrogou na escritura de justificação.

E, ainda que o justificante/impugnado tenha logrado o registo de aquisição a seu favor por usucapião, não ocorre qualquer inversão do ónus da prova, uma vez que a aquisição por usucapião afirmada na escritura de justificação e, com base nela, levado ao registo passa a estar incerta com a impugnação deduzida, não podendo assim o justificante beneficiar da presunção do art. 7.º do C.R. Predial..

Divergências houve – mas já não haverá, após Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2008, de 4-12-2007[37] – quando, como é o caso, a impugnante não logrou “impedir” a passagem da certidão da escritura de justificação, isto é, quando o justificante logrou, com base na escritura de justificação, efetuar a descrição do prédio na C. do Reg. Predial e a consequente inscrição de aquisição a seu favor.

Em tal hipótese, houve quem entendesse[38] que tal operava uma “espécie” de inversão do ónus da prova (mercê da presunção que deriva do art. 7.º do C. Reg. Predial), passando, em tal hipótese, a ser o impugnante da justificação notarial que teria que fazer a prova de que não se verificou a causa de aquisição constante da escritura de justificação (teria o impugnante que provar que não se verificou a usucapião a favor do justificante), porém, o entendimento contrário[39] fez vencimento no referido Acórdão Uniformizador.

Ou seja, ainda que o justificante tenha logrado o registo de aquisição a seu favor por usucapião, não ocorre qualquer inversão do ónus da prova; é certo que, em tal hipótese, o prédio objeto da justificação está descrito na Conservatória do Registo Predial e encontra-se com inscrição de aquisição a favor da justificante, porém, importa não esquecer que tal inscrição foi feita exatamente com base na escritura de justificação impugnada, que apenas vale (a escritura de justificação), com as declarações nela contidas, para efeitos de abrir tal descrição e inscrição.

Efetivamente, a escritura de justificação notarial tem apenas em vista o estabelecimento de trato sucessivo no registo predial (e está prevista no artigo 116.º/1 do C.R. Predial e nos artigos 89.º, 96.º/1 e 101.º do C. Notariado[40]); sendo um “expediente técnico” que substitui, para efeitos de registo, a falta de “títulos”, que responde às dificuldades, em termos de “títulos”, colocadas pelo princípio do trato sucessivo, possibilitando registos que de outro modo seriam impossíveis. Trata-se de uma forma especial de titular direitos sobre imóveis, para efeito de descrição na conservatória do registo predial, baseada em declarações dos próprios interessados, embora confirmadas por três declarantes; mas, como é evidente, não oferece cabais garantias de segurança e de correspondência com a realidade, potenciando, mesmo, a sua utilização fraudulenta e permitindo que o justificante dela se sirva para titular direitos que não possui, com lesão de direitos de terceiros[41]. Não constitui ato translativo, pressupondo sempre, no caso de invocação de usucapião, uma sequência de atos a ela conducentes, que podem ser impugnados, antes ou depois de ser efetuado o registo, com base naquela escritura.

Impugnação – ação de impugnação do facto justificado – a que o referido art. 101.º/1 do Código do Notariado não fixa qualquer prazo; e em que os justificantes não podem beneficiar da presunção (art. 7.º do C. R. Predial) derivada do registo a que procederam.

É que, insiste-se, o registo é feito exatamente com base na escritura de justificação sob impugnação; daí que, impugnada a escritura de justificação com base na qual foi lavrado o registo, por impugnado também se tem de haver esse mesmo registo, não podendo valer contra o impugnante a referida presunção, que a lei concede no pressuposto da existência do direito registado.

Enfim, a escritura de justificação notarial, com as declarações que nela foram exaradas, apenas vale para efeito de descrição do prédio na conservatória do registo predial[42], se não vier a ser impugnada (artigo 101.º do Código do Notariado); pelo que, sendo o registo feito com base em escritura de justificação, não pode tal registo, na ação que impugna tal escritura de justificação, constituir qualquer presunção de que o direito existe, já que é esse mesmo direito cuja existência está a ser apurada e declarada na impugnação[43].

Em síntese, as aquisições por usucapião afirmadas numa escritura de justificação notarial e que, com base nela, foram levados ao registo não beneficiam, na ação de impugnação de tal escritura de justificação notarial, da presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial; ou, dito doutra forma, a aquisição declarada na escritura de justificação e, com base nela, levado ao registo, passou a estar incerta com a impugnação deduzida, pelo que o justificante não pode beneficiar da presunção contida no art. 7º do C. Reg. Predial.

Não se concorda pois com a afirmação, constante da sentença recorrida, da filha do primitivo R. beneficiar da presunção do registo e desta presunção não ter sido ilidida pela A.: o registo foi feito a partir da escritura de justificação ora impugnada e, em consequência, não ocorre qualquer inversão do ónus da prova, uma vez que a aquisição por usucapião afirmada na escritura de justificação e, com base nela, levado ao registo passa a estar incerta com a impugnação deduzida, não podendo assim o justificante beneficiar da presunção do art. 7.º do C.R. Predial.

O que não significa um desfecho diferente do de improcedência, estabelecido na sentença recorrida (para tal pedido de impugnação da justificação notarial).

Como começámos por referir, tal pedido configura uma ação de simples apreciação negativa, sendo ao impugnado, de acordo com o art. 343º/1 do C.C., que compete provar os factos constitutivos do direito que se arrogou na escritura, prova esta que no caso reputamos como suficientemente feita.

Como acabámos de concluir, o primitivo R., na data da escritura de justificação (em 04/05/2012), havia efetivamente já adquirido, por usucapião, a realidade justificada.

Não é totalmente exato, é certo, o que foi feito constar da escritura de justificação – ser o primitivo R. possuidor desde o ano de 1991 – porém, havendo lugar a acessão (e indo esta até ao ano de 1991, como explicámos), é de não conferir relevância a tal “divergência” e considerar que ficaram provados os factos constitutivos do direito de que o justificante se arrogou na escritura e julgar improcedente, por esta razão/fundamento, o pedido de impugnação da escritura de justificação (referida no ponto 20 dos factos).

Quanto ao pedido formulado, segundo a A., “em alternativa[44]:

Em face do disposto nos arts. 553.º e 554.º do CPC, tal pedido será, quando muito, subsidiário; e a lógica da A. ao formulá-lo parece ter sido a seguinte: se a reivindicação (o primeiro pedido) for julgada improcedente, então que me seja concedida a parte do preço (do contrato promessa de compra e venda dos prédios ao pai do primitivo R.) que ainda me não foi paga.

Só que a “lógica jurídica” não é esta.

Admitindo que o CPCV era formalmente válido (e por isso juridicamente vinculante), a A. só estaria em condições de poder exigir o seu cumprimento (e das obrigações que do mesmo emergiam para o pai do primitivo R.) à contraparte[45] se ela própria pudesse cumprir as obrigações para si emergentes do CPCV, sendo que a improcedência do primeiro pedido – por a A. não ser (ou já não ser) a proprietária dos prédios – inviabilizava tal cumprimento por parte da A.

Na sentença recorrida, julgou-se improcedente tal pedido por o crédito peticionada (respeitante a metade do preço do CPCV) estar prescrito, porém, a nosso ver, os factos não conferem à A. qualquer crédito.

A usucapião produz seus efeitos aquisitivos por a lei entender que, não obstante a falta de título válido de aquisição, a posse prolongada duma coisa justifica a titularidade do direito e a consolidação do respetivo valor na esfera jurídica do possuidor, ou seja, quando alguém se apropria por usucapião de bens pertencentes a outrem, não há nada a pagar a esse outrem, seja a que título for, isto é, seja a título de preço (dum CPCV que, em tempos, possam ter celebrado), seja de indemnização ou mesmo a título de enriquecimento sem causa[46].


*

Em conclusão, improcede tudo o que a A/apelante invocou e concluiu na sua alegação recursiva, o que determina o naufrágio do recurso e a confirmação do sentenciado na 1ª instância, que não merece os reparos que se lhe apontam.

*


V - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida.

Custas, em ambas as instâncias, pela A/apelante.

Coimbra, 10/12/2020

Barateiro Martins ( Relator )

Arlindo Oliveira

Emídio Santos




[1] Art. 6.º da PI.
[2] Alegando-se isto, não se percebe porque é que a mãe é também chamada “em seu (próprio) nome”.
[3] Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2000, pág. 154 e António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, 1997, pág. 254.

[4] Mais uma singularidade, uma vez que o primitivo R. só invoca/alega atos de posse até 04/05/2012 (data da escritura de justificação e doação referida em 20 dos factos provados) ou seja, para a A/apelante, o primitivo R. é possuidor numa data em que o próprio admite que já não o é.
[5] O ponto 16 é de suprimir.
[6] Ou algum seu representante/mandatário

[7] O que, sendo a realidade predial em causa de “cultura arvense”, significa que a mesma não é limpa e desbastada.

[8] Único modo, aliás, do facto constante da alínea f), embora curto, não ser uma contradição nos seus próprios termos, ou seja, se se quisesse dizer, ao mesmo tempo, que os prédios estão na posse do R. e logo a seguir que a posse está perdida, seria contraditório.
[9] Ou seja, servem para fazer dos titulares inscritos sujeitos passivos do imposto; não era preciso referi-lo, mas o art. 12.º/5 do CIMI diz mesmo que “as inscrições matriciais só para efeitos tributários constituem presunção de propriedade”.

[10] A descrição predial procede à individualização, caracterização e diferenciação dum prédio, tendo em vista dar uma pública compreensão do mesmo e, por via disso, tornar inteligível o prédio a que se referem os factos registados, assim publicitando com clareza os factos jurídicos inscritos; daí o que no art. 7.º do C. Registo Predial se dispõe, que, “traduzido”, quer dizer que facto jurídico definitivamente registado (“o registo definitivo”) faz presumir que o direito resultante do facto registado existe e pertence a quem assim é considerado no facto jurídico registado, sendo que a presunção (de titularidade, constante do preceito) diz respeito apenas e só à inscrição predial, uma vez que a inscrição é o único ato registal em causa (a descrição não é um registo, mas o suporte para o mesmo) e daí, consequentemente, que os elementos da descrição registal (que não fazem parte do que se regista) não estejam abarcados pela presunção (de titularidade constante do art. 7.º do C. Registo Predial), ou seja, a presunção apenas abarca o que resulta do facto jurídico inscrito tal como foi registado (v. g., uma inscrição de compra e venda traz, como resultado, a presunção do comprador ser o proprietário e não faz presumir os elementos da descrição predial, designadamente a área).

[11] Na ação de reivindicação, é sabido, diz-se que há um “pedido” principal e um secundário. O principal é o do reconhecimento da titularidade do direito; o secundário, o da restituição da coisa reivindicada.
[12] Dizemos “quase sempre” por causa da hipótese de poder ser invocada a presunção registral.

[13] Este é um aspeto básico e elementar, embora, lendo as peças processuais da A/apelante, se fique com a sensação que tal não está devidamente incorporado.

[14] Assim como a presunção registral – cfr. art. 7.º do C. Registo Predial, segundo o qual “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.

[15] Que, por certo, continuará a ter por muitos e longos anos, designadamente, enquanto não tivermos, por todo o nosso país, um cadastro geométrico e rigoroso da propriedade rústica (que torne o conflito sobre a propriedade menos aleatório, moroso e ineficiente).

[16] Cfr. Henrique Mesquita, Direitos Reais, pág. 66 e 67.

[17] Como a generalidade da jurisprudência e doutrina nacionais.

[18] Cfr. art. 1251.º e 1253.º, ambos do CC.

[19] Na controvérsia entre a orientação subjectivista (Savigny) e objectivista (Jhering).

[20] Ausência de diferença acentuada pela ampliação da tutela possessória ao locatário (1037.º), ao comodatário (1133.º) e ao depositário (1188.º).

[21] Os actos clandestinos não merecem protecção, dado que os interessados em contrariar a posse não têm deles conhecimento.
[22] Ou doutro modo poderíamos estar apenas e só perante a citada expressão de “que é proprietária dos prédios rústicos”.

[23] A ação de reivindicação é imprescritível, mas “sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião”, como se refere no art. 1313.º do C. Civil.

[24] Presunção que, claro está, até à usucapião, não vale contra o (antigo) proprietário.

[25] Assim como ficam extintos os “presumíveis” direitos incompatíveis conferidos pelo registo predial, que não confere com a sua tutela senão uma presunção iuris tantum (art. 7.º do C. Registo Predial), justamente também ilidida pela prova da usucapião (diz-se que o registo tem uma função meramente declarativa, que não dá ou constitui direitos).

[26] E, claro, escrevemos perda entre aspas porque a A. nem sequer demonstrou, repetimo-lo, um modo/título idóneo de aquisição do direito de propriedade de que se arroga.

[27] É isto – serem as escrituras de compra e venda insuficientes para afirmar a propriedade da A. – que é dito, seguindo-se exatamente o mesmo raciocínio jurídico agora exposto, na sentença recorrida, ao que a A./Apelante não contrapõe rigorosamente nada, limitando-se a dizer, indiferente ao que foi exposto (e como se nada tivesse sido exposto), o que consta da conclusão 24.

[28] Para além de, no caso, face à resposta negativa dada ao facto constante da alínea d), não estar estabelecida a conexão entre os prédios identificados nas duas escrituras e os que foram objeto do contrato promessa referido no ponto 5 (contrato promessa este que esteve na origem da posse do pai do primitivo R.).

[29] A publicidade mede-se pelos padrões de cognoscibilidade e não pelo efectivo conhecimento; a posse é cognoscível se um interessado razoável (medianamente diligente e sagaz) colocado na posição do real interessado, dela puder ter percepção, pelo que, quanto aos imóveis, dificilmente se “concebe” uma posse que seja oculta.
[30] E também a nossa jurisprudência: cfr. Ac. Rel. Porto de 30/04/1998, in BMJ 476, pág. 489; Ac. Rel. Porto de 09/11/1982, in CJ 1982, Tomo V, pág. 210; e Ac. Rel. Porto de 07/01/1976, in BMJ 256, pág. 170.
[31] In “A Posse”, pág. 250/3.
[32] In CC anotado, Vol III, em anotação ao art. 1256.º; no mesmo sentido: Durval Ferreira, Posse e Usucapião, pág. 459; e, mais recentemente, Santos Justo, Direitos Reais, pág. 200/2.
[33] In a Posse, pág. 133. e ss., e in Direitos Reais, pág. 416 e ss, respetivamente; e também neste sentido – não exigindo a validade (ainda que apenas formal) dum vínculo entre novo e antigo possuidor – Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, pág. 312, e Oliveira Ascensão, Direitos Reais, pág. 115.
[34] Local citado, pág. 417.

[35] Aliás, face à exigência colocada pela doutrina tradicional, apenas o possuidor causal poderia acabar por beneficiar da acessão na posse.

[36] Nada havendo para analisar, em termos de posse formal, após 04/05/2012, uma vez que nada foi sequer alegado (a alegação do R. sobre os poderes de facto sobre o prédio acaba na data da doação), razão pela qual, repete-se, o ponto 15 dos factos provados foi retificado na sua redação (e se o primitivo R. continua no tempo mais recente, com diz a A./Apelante, a exercer poderes de facto sobre o prédio, será – para além de não haver uma qualquer alegação sobre tal factualidade – certamente em nome da filha e nos termos do art. 1252.º do C. Civil).
[37] In CJ, Acórdãos Uniformizadores, pág. 12 a 16.
[38] V. G. Ac. Rel de Lisboa de 15-5-1997, in CJ, Tomo II, pág. 85; e Ac. Rel. de Coimbra de 25-11-1997, in CJ, Tomo V, pág. 23.

[39] Que foi sempre a nossa posição pelas razões constante do Ac. do STJ de 3-3-1998 (in CJ, tomo I, pág. 115).

[40] Em que se dispõe:

Artigo 116.º, n.º 1, do Código do Registo Predial:

«O adquirente que não disponha de documento para prova do seu direito pode obter a primeira inscrição mediante escritura de justificação notarial ou decisão proferida no âmbito do processo de justificação previsto neste capítulo.»

Artigo 89.º do Código do Notariado:

«1 - A justificação para efeitos do n.º 1 do artigo 116.º do Código do Registo Predial consiste na declaração, feita pelo interessado, em que este se afirme, com exclusão de outrem, titular do direito que se arroga, especificando a causa da sua aquisição e referindo as razões que o impossibilitam de a comprovar pelos meios normais.

2 - Quando for alegada a usucapião, baseada em posse não titulada, devem mencionar-se expressamente as circunstâncias de facto que determinam o início da posse, bem como as que consubstanciam e caracterizam a posse geradora da usucapião.»

Artigo 96.º, n.º 1, do Código do Notariado:

«As declarações prestadas pelo justificante são confirmadas por três declarantes.»

Artigo 101.º do Código do Notariado:

«1 - Se algum interessado impugnar em juízo o facto justificado, deve requerer simultaneamente ao tribunal a imediata comunicação ao notário da pendência da ação.

2 - Só podem ser passadas certidões de escritura de justificação decorridos 30 dias sobre a data em que o extrato for publicado, se dentro desse prazo não for recebida comunicação de pendência da impugnação.

3 - O disposto no número anterior não prejudica a passagem de certidão para efeito de impugnação.

4 - Em caso de impugnação, as certidões só podem ser passadas depois de averbada a decisão definitiva da ação.

5 - ...»
[41]Apesar das reservas que alguns notários põem na sua aceitação e muito embora alcunhadas pelo público de escrituras de mentira, elas têm vingado e proliferado, pelo seu forte cariz de ordem prática” – assim se lhes referiu Isabel Pereira Mendes, in Estudos sobre o Registo Predial, 1997, pág. 100.
[42] A escritura de justificação é apenas um meio de suprir a falta de um título para registo.

[43] Dantes (até ao DL 116/2008, de 04/07), se os registos já se encontrassem lavrados, o impugnante ainda tinha que pedir também o seu cancelamento (cfr. art. 8.º/1 do C. Reg. Predial), como fez a A., mas, atualmente, o art. 8.º o C. Reg. Predial até dispõe que “a impugnação judicial de factos registados faz presumir o pedido de cancelamento do respetivo registo”.
[44] Embora seja duvidoso que a improcedência do mesmo se possa/deva considerar como fazendo parte do objeto do recurso.
[45] Sem entrar aqui na questão do primitivo R. não ser a contraparte contratual e de no pedido (assim como quando foram chamados os seus irmãos) não ter sido minimamente ponderado que, enquanto sucessor do seu pai, ele e os irmãos só respondem na qualidade/veste de co-titulares da herança do seu pai e pelas forças/bens de tal herança (cfr. arts. 2068.º, 2097.º e 2098.º, todos do CC); e sem entrar na questão dos irmãos do primitivo R. terem sido chamados apenas para o pedido subsidiário.

[46] Cfr. (a propósito do enriquecimento sem causa) Ac. desta Relação de 13/11/2018, proferido na apelação n.º 1.484/15.8T8LRA.C1, in ITIJ.