Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4762/16.5T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: EXECUÇÃO
EMBARGOS DE EXECUTADO
LIVRANÇA
PRESCRIÇÃO
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
ARTICULADO COMPLEMENTO
AVAL
FIANÇA
Data do Acordão: 11/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA, COIMBRA, JUÍZO DE EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 590, Nº4, 703 Nº1 C) CPC, 30, 31, 32, 70, 77 LULL
Sumário: 1.- O articulado apresentado na sequência de despacho de aperfeiçoamento, nos termos do art. 590 nº4 CPC, constitui um complemento de articulados (normais ou eventuais) do processo.

2.- É processualmente válida e relevante a arguição da prescrição feita no articulado inicial, mesmo que ela se omita no articulado complemento.

3.- No caso de letra/livrança em branco, o prazo de prescrição da obrigação cambiária corre a partir do dia do vencimento inscrito pelo portador, desde que não se mostre violado o pacto de preenchimento e o princípio geral da boa fé.

4.- Uma vez extinta a obrigação cambiária, o aval não se transforma automaticamente em fiança da relação subjacente.

Decisão Texto Integral:



            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

M S (…) e M L (…), deduziram os presentes embargos de executado, por apenso à execução para pagamento de quantia certa, com processo comum, que lhes move a “C (…), SA”, já todos identificados nos autos, peticionando a respectiva procedência e, consequentemente, não possa a execução prosseguir os seus termos.

Alegando, para tal, em síntese, que a execução se funda em duas livranças, que avalizaram, e diversos documentos que retratam a relação subjacente à emissão/subscrição de cada uma delas, que se reconduzem à celebração de dois contratos de mútuo celebrados entre a exequente a devedora principal, sendo que, quanto ao primeiro de tais contratos, sem que disso tenham sido informados, se alterou a natureza de um financiamento de curto para longo prazo, o que vai contra os interesses dos ora executados, na qualidade de avalistas.

Relativamente ao segundo contrato, alegam que “se limitaram a apor a sua assinatura em tudo o que lhes foi pedido”, sem que algo lhe tenha sido explicado, tendo-se procedido à alteração do valor mutuado, sem o seu conhecimento e sem que se possa concluir qual a livrança que respeita a cada um de tais contratos.

Mais referem que não obstante em ambas as livranças exequendas ter sido aposta a data de vencimento de 31/12/2015, as quais foram entregues em branco, não pode relevar esta data, porquanto a devedora principal foi declarada insolvente, por sentença proferida em 15 de Junho de 2012, transitada em julgado, em face do que a obrigação principal se venceu nesta data, em consequência do que alegam que “a obrigação está inexoravelmente prescrita nos termos do que se prescreve no artº 70.º da LULL” – (sublinhado nosso), acrescentando que a data de vencimento aposta nas livranças constitui violação do pacto de preenchimento, tanto mais que a exequente reclamou os seus créditos na supra referida insolvência, bem como que a arbitrária indicação da data de vencimento da livrança terá como efeito a sua nulidade, por força do disposto no artigo 33.º da LULL.

Mais alegam que atento o lapso temporal decorrido entre o vencimento das obrigações e o preenchimento da livrança e sem que tenha havido por parte da exequente uma interpelação para o cumprimento da obrigação, acarreta que o preenchimento das livranças é abusivo, o que configura má fé da exequente, já que só intentou a execução, “após deixar avolumar o valor em dívida”.

Depois de liminarmente admitidos os embargos, foi a exequente-embargada notificada para os contestar, o que fez, alegando que as livranças foram preenchidas em conformidade com o estabelecido no pacto de preenchimento, tendo os embargantes, na qualidade de avalistas ficado vinculados ao acordo de preenchimento havido entre os intervenientes iniciais, sendo portadora legítima das livranças exequendas e podendo, nessa qualidade, accionar os ora executados-embargantes, na qualidade de avalistas.

Mais refere que as preencheu respeitando o pacto de preenchimento, inscrevendo os valores em dívida, fixando as datas de vencimento e interpelando os devedores ao cumprimento, através do envio de cartas registadas.

Relativamente à prescrição, alega que “tendo as mesmas como data de vencimento 31.12.2015, e tendo a execução sido instaurada em 15.06.2016, evidente se torna que não se encontra, de modo algum, prescrita a obrigação” – (sublinhado nosso), uma vez que o prazo de prescrição a considerar é o de 3 anos, cf. artigo 70 § 1.º, ex vi artigo 77.º, ambos da LULL.

Ainda que assim não fosse, sempre as livranças poderiam valer como títulos executivos, cf. artigo 703., n.º 1, al. c), do CPC, ou como documento particular, de acordo com o disposto no artigo 46.º, n.º 1, al. c), do CPC, na vigência do DL n.º 329-A/95, de 12/12, atento o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 408/2015, de 14/10.

Para além de que a prescrição da obrigação cambiária não acarreta a extinção da obrigação fundamental, pois que ainda que prescrita a obrigação fundamental, a livrança continua a constituir título executivo válido, designadamente, contra os avalistas.

Relativamente ao teor dos contratos que subjazem à emissão/subscrição das livranças, alega que os intervenientes intervieram na respectiva outorga, bem como nas inerentes e subsequentes alterações contratuais, de tudo tendo tido conhecimento.

Quanto à imputada litigância de má fé, defende que assim não actua, tendo-se limitado a exercer os direitos que lhe advêm de ser legítima portadora das livranças exequendas.

Respondendo, os embargantes, reiteram o que alegaram quanto à prescrição das livranças exequendas; ou seja, que a mesma decorre do seu abusivo preenchimento, não podendo as mesmas configurar um documento particular, nos moldes referidos pela embargada, tendo sido entregues em branco.

Conforme despacho de fl.s 76 a 78, o M.mo Juiz a quo, convidou os embargantes a aperfeiçoar a petição inicial de embargos, nos seguintes termos:

“Pelo exposto, convidam-se:

Os Executados/Embargantes a, no prazo de 10 dias, apresentarem nova e integral petição inicial em que:

– Aleguem quais os negócios jurídicos que foram celebrados entre a Subscritora/Emitente e a Tomadora das Livranças e que constituem as relações fundamentais causais da Subscrição/Emissão das Livranças em branco;

– Aleguem se a celebração desses negócios jurídicos e a Subscrição/Emissão das Livranças em branco foi acompanhada da celebração pelas Partes de pactos de preenchimento das Livranças (subscritos pelos Executados/Embargantes como Avalistas) que constituem as convenções executivas das relações fundamentais;

– Qual o teor desses pactos de preenchimento; e

– O relato descritivo e factual sobre o estado de cumprimento ou de incumprimento das relações fundamentais e a sua conjugação com o teor dos pactos de preenchimento, permitindo concluir que os títulos cambiários não deviam ter sido preenchidos (por não se verificarem os pressupostos dos pactos que permitem os preenchimentos) ou que foram preenchidos de forma incorrecta (alegando qual é o estado do incumprimento das relações fundamentais e quais são os correctos termos e os concretos valores dos preenchimentos dos títulos de acordo com os pactos).

*

Na ausência desta alegação, não dão os Executados/Embargantes a conhecer ao Tribunal a sua versão sobre os factos que consubstanciam um conclusivamente alegado preenchimento abusivo das Livranças – cuja prova pudesse impedir ou reconfigurar a sua responsabilidade cambiária de acordo com o correspondente conteúdo literal inscrito nas Livranças – e fica por cumprir o ónus de alegação que apenas sobre si recai.

*

Oportunamente, será dada oportunidade à Exequente/Embargada de apresentar nova e integral contestação perante a petição inicial aperfeiçoada que for apresentada.”.

No seguimento do que, os embargantes-executados, vieram a apresentar nova e integral petição inicial de embargos aperfeiçoada (cf. fl.s 80 a 87), na qual, no que ao presente recurso interessa, vieram explicitar os pontos referidos no despacho de aperfeiçoamento, designadamente, o modo como foram entregues as livranças exequendas (em branco) e contratos que lhes subjazem.

Relativamente às datas de vencimento inscritas nas mesmas, reiteram que a obrigação subjacente se venceu com a declaração de insolvência da obrigada principal, tendo a data de vencimento de coincidir com a do vencimento das livranças, sob pena de abuso do direito, não podendo, arbitrariamente, a exequente apor-lhes a data que entender, mormente a que delas consta – 31de Dezembro de 2015, sem que nada o justifique, tanto mais que entre a data da referida insolvência e a do vencimento, inexistiu, por parte da exequente, interpelação para pagamento.

Nesta nova petição aperfeiçoada, os embargantes-executados, nada referem quanto à questão da prescrição, invocada na primitiva petição de embargos.

Apresentando, nova contestação, a exequente-embargada, reitera o alegado na primitiva contestação, designadamente quanto aos contratos em causa e responsabilidade dos ora embargantes-executados, decorrentes do aval que prestaram à subscritora das livranças.

Bem como que os informaram de que as mesmas iriam ser preenchidas, dada a situação de incumprimento, de acordo com o anteriormente, quanto a tal, estabelecido.

Considerando que os autos já permitiam a decisão, sem necessidade de produção de prova, o M.mo Juiz a quo, cf. decisão de fl.s 102, ordenou a notificação das partes, para declararem se prescindiam da realização da audiência prévia, ao que estas anuíram.

Após o que foi proferida a decisão de fl.s 123 a 129, na qual se considerou conterem os autos todos os elementos para se proferir decisão de mérito; se procedeu ao saneamento tabelar dos autos; se fixou a matéria de facto considerada como fixada e a final, se decidiu o seguinte:

Pelo exposto, o Tribunal decide:

1) Julgar parcialmente procedente a Oposição à Execução e extinguir parcialmente o Processo Executivo na parte em que excede, por referência à data da apresentação do requerimento executivo (15-06-2016):

a) €382.402,83 de capital;

b) €60.460,10 de juros moratórios vencidos até 15-06-2016 (inclusive);

c) Juros moratórios vincendos, sobre o capital, à taxa legal determinada nos termos do artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil, desde 15-06-2016 (exclusive) até efectivo e integral pagamento;

d) Imposto do Selo sobre os juros moratórios vincendos.

2) Absolver a Exequente/Embargada do pedido de condenação por litigância de má fé.

3) Fixar o valor dos Embargos de Executado em €556.305,89 (art.os 297.º/1, 304.º/1, 306.º/1/2, e 607.º/6 CPC).

4) Condenar no pagamento das custas dos Embargos de Executado os Executados/Embargantes na proporção de 80% e a Exequente/Embargada na proporção de 20%.”.

Inconformados com a mesma, dela interpuseram recurso os embargantes-executados, (…), recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – (cf. despacho de fl.s 140), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

(…)

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.         

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir, são as seguintes:

A. Se se se deve considerar que os recorrentes invocaram a prescrição das livranças exequendas, com o fundamento em que, embora o não tenham feito na nova petição aperfeiçoada de embargos, apresentada no seguimento de convite para assim procederem, já a haviam invocado na primitiva petição de embargos e;

B. A assim se considerar, se as livranças exequendas estão, efectivamente, prescritas.

É a seguinte a matéria de facto considerada como provada na decisão recorrida:

 1. A Exequente/Embargada, a 19-10-1999, celebrou com a sociedade “G (…)” e, entre outros, com os Executados/Embargantes, um convénio outorgado por documento escrito particular denominado “CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA-CORRENTE DE UTILIZAÇÃO SIMPLES” ao qual foi atribuído o n.º 002 (...) (fls.3 a 5v. do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

2. Nesse convénio foi celebrado entre a Exequente/Embargada e a “G (…)” um contrato de financiamento bancário sob a forma de abertura de crédito em conta-corrente.

3. Nesse convénio foi também celebrado um contrato de fiança entre a Exequente/Embargada e, entre outros, os Executados/Embargantes, pelo qual estes se constituíram perante a Exequente/Embargada como fiadores solidários e principais pagadores de todas e quaisquer quantias que viessem a ser devidas à Exequente/Embargada pela “G (.,..)” por causa do financiamento acordado.

4. Para titulação e garantia das obrigações assumidas pela “G (…)”, as partes convencionaram a entrega à Exequente/Embargada de uma Livrança em branco, Subscrita/Emitida pela “G (…)” e Subscrita/Avalizada, entre outros, pelos Executados/Embargantes, autorizando a Exequente/Embargada a preencher a Livrança quando tal se mostre necessário tendo em conta que: a data de vencimento será fixada pela Exequente/Embargada em caso de incumprimento pela Devedora; a importância da Livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes da abertura de crédito, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas, encargos fiscais, incluindo os da própria Livrança.

5. A 15-02-2000, as partes no contrato n.º 002 (...) convencionaram uma alteração contratual no que concerne aos prazos estabelecidos (fls.6 e 6v. do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

6. A 04-11-2004, as partes no contrato n.º 002 (...) convencionaram uma alteração contratual, nomeadamente no que concerne aos prazos estabelecidos e ao limite do crédito que passou para €100.000,00 (fls.7 a 9 do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

*

7. A Exequente/Embargada celebrou com a sociedade “G (…)” e, entre outros, com os Executados/Embargantes, um convénio outorgado por documento escrito particular (datado de 31-10-2002 e com assinaturas reconhecidas a 31-01-2003) denominado “CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA-CORRENTE DE UTILIZAÇÃO SIMPLES” ao qual foi atribuído o n.º 001 (...) (fls.9v. a 11v. do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

8. Nesse convénio foi celebrado entre a Exequente/Embargada e a “G (…)” um contrato de financiamento bancário sob a forma de abertura de crédito em conta-corrente.

9. Nesse convénio foi também celebrado um contrato de fiança entre a Exequente/Embargada e, entre outros, os Executados/Embargantes, pelo qual estes se constituíram perante a Exequente/Embargada como fiadores solidários e principais pagadores de todas e quaisquer quantias que viessem a ser devidas à Exequente/Embargada pela “G (…)” por causa do financiamento acordado.

10. Para titulação e garantia das obrigações assumidas pela “G (…)”, as partes convencionaram a entrega à Exequente/Embargada de uma Livrança em branco, Subscrita/Emitida pela “G (…)” e Subscrita/Avalizada, entre outros, pelos Executados/Embargantes, autorizando a Exequente/Embargada a preencher a Livrança quando tal se mostre necessário tendo em conta que: a data de vencimento será fixada pela Exequente/Embargada em caso de incumprimento pela Devedora; a importância da Livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes da abertura de crédito, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas, encargos fiscais, incluindo os da própria Livrança.

11. A 07-06-2004, as partes no contrato n.º 001 (...) convencionaram uma alteração contratual, nomeadamente no que concerne aos prazos estabelecidos e ao limite do crédito que passou para €400.000,00 (fls.12v. a 15 do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

12. A 05-07-2006, as partes no contrato n.º 001 (...) convencionaram uma alteração contratual, nomeadamente no que concerne aos prazos estabelecidos e ao limite do crédito que passou para €600.000,00 (fls.15v. a 18v. do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

*

13. A 14-06-2012, foi a Devedora “G (…)”, Subscritora/Emitente das Livranças em branco, declarada insolvente (fls.109 a 113 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

14. No Processo de Insolvência da Devedora “G (…)”, a Exequente/Embargada apresentou Reclamação de Créditos nos seguintes termos (fls.113v. a 119v. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):

Quanto ao contrato n.º 002 (...) (PT 0003 (...) ):

Capital-------------------------------------------- €75.000,00;

Juros de 21-02-2012 a 04-07-2012--------- €1.612,53;

Despesas---------------------------------------------- €30,00;

TOTAL------------------------------------------- €76.642,53.

*

Quanto ao contrato n.º 001 (...) (PT0 0004 (...)):

Capital------------------------------------------ €293.917,29;

Juros de 21-02-2012 a 04-07-2012--------- €8.038,56;

Despesas-------------------------------------------- €355,13;

TOTAL----------------------------------------- €303.857,79.

15. A Exequente/Embargada instaurou, a 15-06-2016, a Acção Executiva de que os presentes Embargos de Executado constituem incidente declarativo processado por apenso contra os Executados/Embargantes com vista à cobrança coactiva dos seguintes créditos (fls.1 a 2v. do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):

– €546.425,33 de capital;

– €9.880,56 de juros vencidos desde 31-12-2015 a 13-06-2016;

– Juros moratórios vincendos, sobre o capital, à taxa legal, desde 13-06-2016 até efectivo e integral pagamento;

– Imposto do Selo, sobre os juros moratórios vincendos.

16. No Processo Executivo, a Exequente/Embargada apresentou à execução como título executivo uma Livrança preenchida (na parte relevante) nos seguintes termos (fls.26 do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):

– Local e data de emissão: x... – 19-10-1999;

– Vencimento: 31-12-2015;

– Importância: €119.552,67;

– Valor: “responsabilidades relativas à conta corrente n.º PT 0003 (...) ”;

– Tomadora: “G (…)da”;

– Assinatura dos Subscritores/Avalistas: Executados/Embargantes.

17. No Processo Executivo, a Exequente/Embargada apresentou à execução como título executivo uma Livrança preenchida (na parte relevante) nos seguintes termos (fls.26 do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):

– Local e data de emissão: x... – 31-01-2003;

– Vencimento: 31-12-2015;

– Importância: €426.872,66;

– Valor: “responsabilidades relativas à conta corrente n.º PT0 0004 (...)”;

– Tomadora: “G (…)”;

– Assinatura dos Subscritores/Avalistas: Executados/Embargantes.

A que há que acrescentar o seguinte:

18. Os ora embargantes apuseram a sua assinatura, no verso de cada uma das livranças exequendas, transversalmente, por baixo da seguinte expressão, nelas aposta manualmente:

“Bom para aval ao subscritor”.

A. Se se se deve considerar que os recorrentes invocaram a prescrição das livranças exequendas, com o fundamento em que, embora o não tenham feito na nova petição aperfeiçoada de embargos, apresentada no seguimento de convite para assim procederem, já a haviam invocado na primitiva petição de embargos.

Como resulta do relatório que antecede, a questão ora em apreciação, reconduz-se a saber se continua relevante a alegação da prescrição, que os embargantes invocaram na primitiva petição de embargos.

Como se retira da sentença recorrida, nesta, considerou-se que aquela invocação não releva, referindo-se que embora se pudesse considerar que as livranças exequendas estavam prescritas, a prescrição, no caso concreto, não foi invocada.

É inquestionável – cf. artigo 303.º do Código Civil – que a prescrição tem de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita.

É, igualmente, certo, que na petição aperfeiçoada de embargos, apresentada no seguimento de convite que para tal lhes endereçou o M.mo Juiz a quo, os embargantes não repetiram a invocação da prescrição, que haviam feito na primitiva petição.

Efectivamente, como resulta do relatório que antecede (que pormenorizámos mais do que o habitual, para melhor se compreender e apreender a questão em apreço), cf. artigos 37.º a 40.º da primitiva petição de embargos, os embargantes alegaram que as datas de vencimento apostas nas livranças exequendas, não podem ser consideradas, uma vez que a obrigada principal foi declarada falida no dia 15 de Junho de 2012, data a partir da qual, se venceram as obrigações causais, vindo-lhes a ser aposta a data de vencimento de 31 de Dezembro de 2015; ou seja, para além do prazo de três anos, pelo que as mesmas estão prescritas, nos termos do artigo 70.º da LULL.

Invocação da prescrição que reiteram na sua “resposta” de fl.s 63 a 64 v.º.

O M.mo Juiz a quo, como se viu, convidou os embargantes a “apresentarem nova e integral petição inicial” em que concretizassem a exposição da matéria de facto, relativamente às matérias ali melhor referidas, nos termos que acima se acham reproduzidos.

Repete-se, na nova petição de embargos, os embargantes nada referem quanto à prescrição.

Mas será que tal “omissão” acarreta a desconsideração da invocação da prescrição, tal como ocorreu na primitiva petição de embargos?

Salvo o devido respeito por contrário entendimento, assim não se poderá considerar, mantendo-se válida a invocação da prescrição feita na primitiva petição de embargos.

Conforme se dispõe no artigo 590.º, n.º 4, do CPC, no âmbito dos poderes que são conferidos ao juiz, quanto à boa gestão processual:

“Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.”.

Daqui decorre, pois, que o articulado apresentado na sequência de convite para tal, nos termos em que o permite o preceito ora referido, constitui um complemento de articulados (normais ou eventuais) do processo – neste sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, Vol. 2.º, 3.ª Edição, Almedina, Julho de 2017, pág. 636.

Efectivamente, o despacho de aperfeiçoamento incide sobre certa matéria e a petição inicial aperfeiçoada, ainda que completa, em obediência à determinação do juiz, exarada no despacho acima transcrito, não deixa de ser um complemento ou uma correcção da inicialmente apresentada, tal como decorre do citado artigo 590.º, n.º 4.

Ainda que, como sucede in casu, o Juiz determine que deva ser apresentada uma petição inicial aperfeiçoada completa (talvez a fim de evitar que o processo se transforme numa “manta de retalhos”), isso não pode ter como consequência a alteração da lei processual que, claramente, configura o articulado aperfeiçoado como um complemento ou correcção do anteriormente oferecido.

Quando muito, só se resultasse da petição aperfeiçoada que os embargantes renunciaram à prescrição, anteriormente invocada, se poderia considerar extinto o direito de a arguir.

Tal não sucede no caso em apreço, pelo que, nos termos expostos, se tem de concluir que os embargantes invocaram – valida e legalmente – a prescrição das livranças exequendas, o que implica que se conheça tal excepção, a fim de averiguar se as mesmas estão ou não, prescritas, ao que se procederá de seguida.

Assim, nos termos expostos, não pode subsistir a decisão recorrida, na parte em que considerou não invocada a prescrição das livranças exequendas.

Pelo que, quanto a esta questão, procede o recurso.

B. Se é de considerar que as livranças exequendas estão, efectivamente, prescritas.

Como flui do exposto, consideram os embargantes que ao ser declarada a insolvência da devedora principal, no dia 15 de Junho de 2012, se venceram as obrigações que sobre esta (insolvente) impendiam, designadamente as que consubstanciam os créditos a que se arroga a aqui exequente-embargada, que, desde logo, ficou em condições de preencher as livranças de que era portadora, no que aqui interessa, quanto à data de vencimento.

Como só o veio a fazer para além do prazo de três anos a que se alude no artigo 70.º da LULL, aplicável ex vi seu artigo 77.º, as mesmas estão prescritas.

Responde a embargada, que o que conta é a data de vencimento que lhes foi aposta, pelo que sendo esta a de 31 de Dezembro de 2015 e tendo a execução sido intentada no dia 15 de Junho de 2016, não ocorreu a invocada prescrição.

Efectivamente, cf. artigo 70.º I, ex vi artigo 77.º, ambos da LULL, como o aceitam as partes, o prazo de prescrição aplicável é o de três anos.

O dissídio existente entre as ora partes consiste em saber quando se inicia a contagem de tal prazo: para os embargantes iniciou-se em 14 de Junho de 2012, quando foi declarada a insolvência da devedora principal (cf. item 13.º); ao invés, para a exequente, o mesmo só se conta a partir do momento em que lhe apôs a data de vencimento, isto é, em 31 de Dezembro de 2015.

A questão não é pacífica na jurisprudência, a qual, maioritariamente, tende a considerar que no caso de letra/livrança em branco o prazo prescricional ora em análise corre a partir do dia do vencimento inscrito pelo portador, desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento – sobre esta problemática e solução aqui seguida, veja-se Carolina Cunha, in Manual de Letras e Livranças, Almedina, 2016, pág.s 200 a 206.

Parece-nos, com o devido respeito, que esta solução contende com a finalidade da emissão dos títulos de crédito e regime cambiário, o qual, designadamente, a nível da fixação dos prazos de prescrição, se afasta sobremaneira dos da prescrição ordinária, prevista no Código Civil, como se segue.

De acordo com os ensinamentos desta autora e a que se adere (ob. cit., pág. 200):

“Em alguns ordenamentos jurídicos, o legislador preocupa-se expressamente em balizar o período de tempo durante o qual o subscritor em branco pode ficar sujeito ao preenchimento do título.

(…)

O objectivo é impedir que se prolonguem, para além de um limite de tempo razoável, situações incertas e não cabalmente reguladas, que podem prestar-se a divergências de interpretação e abusos, tanto quanto mais se dilate no tempo a sua definição.

Nos ordenamentos jurídicos em que a lei não fixa qualquer prazo, alguma doutrina defende que o preenchimento que for de reputar extemporâneo deverá valer como abusivo ou desconforme. Resta, naturalmente, a delicada questão de apurar quando e em que condições o preenchimento se pode dizer extemporâneo”.

Acrescentando que um dos óbices ao que considera a jurisprudência maioritária (ob. cit., a pág.s 201/2) é o de que:

“o acordo de preenchimento raramente prevê a data de vencimento que deve ser aposta no título. Submete, isso sim, de forma genérica, o preenchimento do título à superveniência de determinado evento – por norma, o incumprimento e/ou a resolução do contrato fundamental – sem, todavia, impor ao credor um limite temporal taxativo.

Podemos concluir que esta interface entre o acordo de preenchimento e a prescrição cambiária não nos fornece automaticamente a chave para solucionar o problema da aposição de um limite temporal à faculdade de preenchimento. O cálculo da prescrição supõe o vencimento “da letra” (arts 70.º e 33.º e ss., LU), mas numa letra em branco tipicamente o vencimento corresponde a uma menção omissa, a preencher pelo portador que pretenda exercer o direito cambiário. Se o fizer correctamente, então os prazos de prescrição contam-se também regularmente, nos termos do art. 70.º da LU, a partir desse vencimento inscrito. Mas a questão subsiste: pode o credor preencher o título quando bem lhe aprouver e/ou nele inserir a data de vencimento que entender?

A resposta é obviamente negativa: cabe ao intérprete encontrar a justa medida com apoio na vontade objectivamente manifestada pelo subscritor em branco.

Sustentar que, “não se tendo provado qualquer acordo das partes sobre a ocasião em que uma letra em branco deveria ser preenchida, a mesma pode sê-lo em qualquer altura uma vez que a lei não fixa qualquer prazo para o efeito parece-nos inadequado.

(…)

O ponto nevrálgico da solução a adoptar é fornecido pelo evento – tipicamente, o incumprimento e/ou a resolução do contrato fundamental – cuja superveniência legitima o portador a preencher o título”.

Acrescentando, a pág. 203 que:

“A verdadeira dificuldade é a levantada pelas situações de incumprimento da relação fundamental – ou seja, pela verificação do evento que legitima o credor a preencher o título pelo valor em dívida e a mover a correspondente acção executiva. A partir daí, o credor pode preencher o título. Mas quid iuris se o não faz durante um longo período de tempo? Conserva essa faculdade enquanto não conseguir cobrar, por (qualquer) via extra-cambiária, a quantia em falta?”.

E assinalando as diferentes razões para os títulos cambiários terem prazos de prescrição mais curtos e cotejando com a hipótese de um credor dispor, desde o início, de uma letra já completamente preenchida, por contraponto a uma em branco, acrescenta (pág.s 203/4):

“Por razões ligadas à especial eficácia coerciva do mecanismo cambiário (inversão do ónus da prova, acesso directo à via executiva, etc.), os prazos de prescrição são substancialmente mais curtos. Ora esta discrepância exprime uma valoração legislativa: a exigência de que o credor cambiário exerça rapidamente o seu direito (no prazo de um ano a contar do protesto, contra sacador e endossantes; no prazo de três anos a contar do vencimento, contra o aceitante – art.70.º II e I LU). Se o credor, pela sua inércia, deixar esgotar tais prazos, o direito cambiário extingue-se – sem embargo, naturalmente, de continuar a poder exercer o direito de crédito emergente da relação fundamental.

É justamente esta valoração legislativa inerente à rapidez da prescrição cambiária – por outras palavras, a exortação a que o credor, uma vez exercitável o direito cambiário, efectivamente o exerça num breve espaço de tempo – que não pode eclipsar-se perante as hipóteses de subscrição em branco”.

Concluindo que o direito cambiário emergente de um título cambiário em branco (pág.s 205/6):

“torna-se exercitável a partir do momento em que o respectivo portador está legitimado a preenchê-lo – tipicamente, a partir da ocorrência do incumprimento e subsequente resolução do contrato fundamental. Ou seja, a verificação do pressuposto a que o preenchimento está submetido faculta-nos a determinação da data de vencimento que deve ser aposta no título e assim acaba, reflexamente, por traçar um limite factual taxativo ao exercício da faculdade de preenchimento: pode ocorrer até ao final do prazo de prescrição cambiária.

Por conseguinte, não é correcto afirmar que o credor tem a faculdade de indicar livremente a data de vencimento a apor no título: está vinculado, quanto a esse parâmetro como quanto aos outros, pelo que resulta do acordo de preenchimento. E se é verdade que não está propriamente obrigado a preencher o título no exacto momento em que procede a resolução do contrato fundamental por incumprimento, a verdade é que impende sobre si o ónus de o fazer com alguma brevidade, sob pena de, decorridos (no máximo) três anos sobre esse instante perder definitivamente a possibilidade de exercitar o direito cambiário. Se persistir em preencher e/ou accionar o título para lá desse limite temporal, indicando uma data de vencimento posterior, incorre em preenchimento abusivo e culposo nos termos do art. 10.º da LU e, por referência à data de vencimento correcta, o direito cambiário deve considerar-se prescrito.”.

No mesmo sentido, cita, Gonsalves Dias, Da Letra e da Livrança, vol. IV, pág.s 561/2.

Ora, cf. itens 13 e 14, dos factos provados, está assente que a devedora principal foi declarada insolvente, por sentença de 14 de Junho de 2102, sendo que a aqui exequente até ali deduziu reclamação dos seus créditos.

Assim, desde tal data, dado o carácter de execução universal do processo de insolvência e que acarreta o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva – cf. artigo 91.º, n.º 1, do CIRE, estava a exequente legitimada, em condições, de preencher as livranças que tinha em seu poder.

Não obstante só lhe apôs a data de vencimento em 31 de Dezembro de 2015; isto é, para além do prazo de três anos, a que se refere o artigo 70.º I da LULL, pelo que as mesmas são de considerar como prescritas.

Salvo o devido respeito por contrário entendimento, só assim não seria se a exequente-embargada, tivesse alegado a existência de algum fundamento ou circunstância, que legitimasse o preenchimento das livranças, em data posterior ao decurso do prazo de prescrição, designadamente, dada a existência de bens na massa insolvente, que fizessem supor que o seu crédito seria pago; que os avalistas pedissem uma moratória, relativamente ao prazo de pagamento; conversações havidas entre as partes para a efectivação da liquidação da obrigação; promessa de pagamento, ou equivalentes.

Nada disto é alegado pela exequente, pelo que nada justifica que não accionasse os avalistas dentro do prazo que a lei estipula para a ocorrência da prescrição das livranças exequendas.

Efectivamente, nos termos do artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil, impõe-se às partes que, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, procedam/actuem de boa fé.

Ora, ao proceder, como procedeu, a exequente, protelando no tempo, o preenchimento da data de vencimento das livranças exequendas, sem razão justificativa, não actuou de acordo com os ditames da boa fé negocial, agravando a situação dos avalistas, o que acarreta que a aposição da data, que consta como sendo a do respectivo vencimento, é abusiva e, por conseguinte, não pode ser legalmente sancionada, pelo que, não fica afastada a supra referida prescrição das livranças exequendas.

Considerar que a exequente, enquanto portadora de um título de crédito, não esteja limitada pelos ditames da boa fé e pelo uso correcto dos direitos cambiários, no cumprimento e observância do pacto de preenchimento, designadamente, quanto à aposição da data de vencimento, seria a legitimação de situações abusivas, o que a lei não pode consentir.

A partir do momento em que estão verificadas as condições de que dependia o completo preenchimento da letra ou livrança em branco – por regra o incumprimento da relação subjacente – deve o exequente, sob pena de a letra ou livrança, deixar de poder valer como título cambiário, proceder ao seu preenchimento e accionar o direito correspondente, nas condições e termos previstas para o accionamento dos títulos cambiários, designadamente, respeitando os prazos de prescrição, não o podendo fazer, pelo menos, sem motivo justificativo (v.g., os acimas referidos), quando lhe aprouver, mormente, para além do referido prazo.

Aqui chegados, importa, ainda, averiguar se os executados-embargantes, se podem prevalecer da prescrição.

Ao que, desde já se antecipando a resposta, importa concluir pela afirmativa.

Efectivamente, conforme disposto nos artigos 30.º e 32.º I da LULL (aplicáveis ex vi seu artigo 77.º):

“O pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte garantido por aval.

Esta garantia é dada por um terceiro ou mesmo por um signatário da letra.”.

“O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada.”.

A forma de dar aval, nos termos do disposto no artigo 31.º da LULL, exprime-se pelas palavras «bom para aval» ou equivalente e pode resultar da simples assinatura do dador aposta na face anterior da letra.

No caso e em face da factualidade provada é indubitável que se trata de aval prestado pelos embargantes à subscritora da livrança.

A natureza jurídica do aval tem vindo a ser encarada sobre diversas perspectivas (para o que se pode ver Abel Delgado, in LULL, Anotada, 5.ª Edição (actualizada), Petrony, 1984, pág. 193 e seg.s), mas, seguindo Carolina Cunha, Letras e Livranças Paradigmas Actuais e Recompreensão de um Regime, Almedina, 2012, a pág.s 117 e 286, podemos concluir que “o avalista se caracteriza como um puro obrigado de garantia cujo ingresso no círculo cambiário supõe, de forma estrutural e estruturante, a aparência de uma ligação à posição jurídica de outro obrigado (sacador, aceitante, emitente de livrança, endossante – ou mesmo de outro avalista). A segunda conclusão é a de que a configuração cambiária e literal da responsabilidade desse obrigado de referência (o avalizado) vai servir de modelo à delimitação da obrigação do avalista, sem embargo de este assumir uma vinculação cambiária autónoma.”.

Daí que, como propugnado nos Acórdãos da Relação do Porto de 28/05/2009, Processo 3093/07.6TBSTS e desta Relação de 21/05/2013, Processo n.º 4052/10.7TJCBR-B.C1, cada um deles disponível no respectivo sítio do itij, se considere que a obrigação do avalista reveste uma natureza estruturalmente cambiária, porque o aval é um acto cambiário, que origina uma obrigação autónoma e independente da obrigação emergente da relação subjacente ou fundamental, do que resulta, para além do mais, que inexiste uma relação fundamental ou causal do aval, que tem a sua razão de ser apenas e tão só no título cambiário.

O aval, do ponto de vista estritamente cambiário, radica, tem como causa de pedir a simples aposição do aval, ao passo que a acção causal se fundamenta no negócio ou na relação jurídica que se estabeleceu entre o avalista e o avalizado e que condicionou a prestação de aval.

Desta configuração do aval tem de se extrair a conclusão de que o mesmo se esgota no título cambiário e perde toda a sua eficácia se a relação cambiária se extinguir, designadamente, entre outras razões, por prescrição, precisamente porque o mesmo, do ponto de vista cambiário, nada tem que ver com a relação fundamental, não podendo transmutar-se em fiança, a não ser que se alegue e demonstre que o avalista se queria obrigar como fiador relativamente à obrigação fundamental, assumindo o respectivo pagamento, o que não se verifica in casu, uma vez que apenas se alega a existência da prestação do aval, desligada da relação causal, uma vez que, como consta do relatório que antecede, a exequente, no âmbito dos presentes autos, apenas se prevalece da existência do aval, dos títulos cambiários, enquanto tal.

Do que tem de se extrair a conclusão de que prescrita a acção cambiária, deixa de ter o aval relevância para que o avalista possa ser responsável pelo pagamento da dívida corporizada pelo negócio/relação causal.

Como referido no Acórdão do STJ, de 06/11/1979, Processo 068082, sumariado no respectivo sítio do itij “extinta a obrigação cambiária, o aval não pode transformar-se automaticamente em fiança da relação subjacente.”.

Também Carolina Cunha, in ob. cit., a pág.s 292 e 293, defende que é de rejeitar “liminarmente a pretendida “transformação” do aval em fiança: a prescrição não legitima semelhante reconversão do negócio de onde o direito promana, A existir, a fiança constituirá um negócio paralelo, que acresce ao aval e que carece de ser demonstrado por outro expediente que não a simples declaração cambiária do avalista.”.

Especificando que para ser possível a afirmação da existência de uma fiança da obrigação fundamental não basta a simples declaração de aval, exigindo-se, para além disso, a alegação e prova dos “dados extra-cartulares”, “os factos de que tais obrigações possam resultar”, em consonância com o estatuído no artigo 628.º, n.º 1, do Código Civil, que exige que a vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada.

Face ao exposto, impõe-se concluir que em virtude de nos presentes autos, a exequente apenas demandar os executados, na qualidade de avalistas da subscritora das livranças exequendas, apenas se prevalece do título cambiário e, por isso, extinta a relação cambiária, por prescrição – reitera-se a única que foi alegada – não subsiste qualquer responsabilidade por parte dos avalistas, enquanto responsáveis cambiários e só nesta perspectiva, não pode a exequente exercer os direitos a que se arroga, não podendo, por isso, subsistir o decidido.

Assim, também, quanto a esta questão, procede o presente recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida, que se substitui por outra que declara prescritas as livranças exequendas, não podendo, consequentemente, a execução prosseguir os seus termos.

Custas, pela exequente-embargada.

Coimbra, 28 de Novembro de 2018.

Arlindo Oliveira ( Relator )

Emídio Santos

Catarina Gonçalves