Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1803/08.3TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: DANOS NÃO PATRIMONIAIS
FACTO NOTÓRIO
Data do Acordão: 06/22/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.496 CC, 514 Nº1 CPC
Sumário: I - Um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos. De acordo com este tipo de consideração, a Relação, ao abrigo do disposto no artigo 514.°, n.° 1, do CPC pode considerar certos factos como notórios, independentemente - até - de os mesmos, no caso de terem sido levados ao questionário, terem obtido resposta negativa por parte do tribunal.

II - Não carecendo o facto notório nem de alegação, nem de prova, não deve figurar no questionário.

III – Os danos não patrimoniais, mesmo que não provados em audiência, devem ser tomados em conta se forem considerados factos notórios.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

M (…) instaurou a presente acção, com processo sumário contra A (…) e I (…), pedindo que os réus sejam condenados solidariamente a pagar-lhe a quantia de 9 743,37 euros acrescida dos juros vincendos até integral pagamento.

Como fundamento do seu pedido a autora alega, em síntese, que, no final do mês de Junho de 2005, foi agredida fisicamente pelos réus e, em virtude dessa agressão, veio a receber assistência no Hospital de ... o que originou despesas, no montante de 4 283,77 euros, que a autora liquidou, na convicção de que os réus a reembolsariam.

Mais alega que, em virtude da agressão sofrida e das injúrias perpetradas, na mesma data, pelos réus, a autora passou noites sem dormir, angustiada e atormentada pela imagem que não conseguiu esquecer do seu filho e nora a agredirem-na. Todos os dias da sua vida são assombrados pelo temor e pânico de que tais agressões possam vir a repetir-se já que, constantemente, é ameaçada pelos réus.

*

Regularmente citados, os réus contestaram, defendendo-se por impugnação, negando a prática de qualquer agressão ou injúria à autora.

Alegam, ainda, que foi o réu quem pagou as despesas do Hospital, o que fez por liberalidade e por ser filho da autora.

Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que

Pelo exposto, e nos termos dos fundamentos de direito invocados, julgo parcialmente provada e procedente a presente acção e, consequentemente, condeno os réus A (…) e I (…) a pagar solidariamente à autora M (…) a quantia de €4 283,77 (quatro mil duzentos e oitenta e três euros e setenta e sete cêntimos), à qual acrescem juros moratórios à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.

M (…), A. na acção que moveu contra A (…) e mulher I (…), não se conformando com a sentença proferida, veio dela interpor recurso de apelação, alegando e concluindo que:

1- Foi dado como provado na douta sentença recorrida:

“ 1. No final do mês de Junho de 2005, a autora encontrava-se na sua residência, junto do seu falecido marido, alimentando-o.

2- Que se encontrava acamado/imobilizado, por lhe ter dado um A VC.

3- Nessa altura, os réus moravam na casa ao lado da casa da autora.

4- Em 20.07.2009, os réus empurraram a autora.

5- Com a conduta referida, a autora caiu ao chão, onde ficou imobilizada.

6- Sem que os réus lhe tenham prestado qualquer tipo de auxílio.

7- Então a autora gritou pelo seu outro filho, com quem vive, para que este a pudesse ajudar.

8- Este, indo de encontro à sua mãe, mas sem saber o que fazer, agarrou-a pelos braços até à sala, onde estava o telefone.

9- Chamados os Bombeiros transportaram a autora ao serviço de urgências do hospital de ....

10- De tal conduta dos réus resultaram para a autora os ferimentos descritos na “perícia de avaliação do dano corporal “junta fis. 11 e seguintes, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

11- Em consequência da conduta dos réus a autora foi internada no Hospital de ... de ... a 20 de Julho de 2005, tendo sido operada no dia 25 do mesmo mês e tendo alta no dia 4 de Agosto do mesmo ano.

12- Ainda     em consequência das descritas agressões a autora ficou limitada na sua movimentação, só conseguindo andar com auxílio de canadianas.

2. No entanto, a Meretissima Juiz “a quo” entendeu não fixar qualquer montante a título de indemnização por danos não patrimoniais;

3.      No nosso modesto entendimento a decisão da Meritíssima Juiz “a quo” pecou no que à prova dos danos não patrimoniais concerne e apenas e tão só relativamente aos mesmos.

4.      Uma vez, que existe contradição entre os factos provados e a decisão proferida.

5.      Está provado que os RR. perpetraram agressões físicas e verbais contra a A., mas não estão provados os danos patrimoniais, o que se requer.

Assim sendo,

6.      A A. em virtude das agressões perpetradas pelos RR. passou noites sem dormir, angustiada e atormentada pela imagem que não conseguiu esquecer do seu filho e nora a agredirem-na. Todos os dias da sua vida são assombrados pelo temor e pânico de que tais agressões possam vir a repetir-se já que, constantemente, é ameaçada pelos RR.

7.      Qual é mãe que não sofre com esta situação?

8.      Carecem tais factos de ser provados, perguntamos nós.

9.      Tais factos consubstanciam um facto notório ao abrigo do disposto no artigo 514.° n.° 1.° do Código de Processo Civil.

10. Dispõe aquele artigo “Não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar — se como tais os factos que são do conhecimento geral “.

11. Facto notório é aquele que é do conhecimento geral. Como refere Calamandrei (Per La Definizione Dei Fatto Notorio, 1925, 1°, pg. 309), trata-se do conhecimento comum das pessoas que pertencem a uma determinada esfera social, sendo esta constituída por um conjunto de pessoas que, por diversos motivos - de tempo, religião, de profissão, de cultura, etc.-, têm interesses comuns. Daí que, a doutrina tem classificado os factos notórios em duas espécies.

- Os acontecimentos de que a generalidade das pessoas tomou conhecimento (v.g., um terramoto, uma guerra, um ciclone, uma inundação, um incêndio, uma revolução política, etc.),

- Os factos que adquiriram o carácter de notórios por via indirecta, ou seja, através de raciocínios desenvolvidos a partir de factos do conhecimento comum.

12. Nesta senda, Alberto dos Reis (CPC Anotado, III, p. 261) classifica como ‘factos notórios apenas aqueles que sejam do conhecimento geral, ou seja, os que sejam do conhecimento da massa dos cidadãos portugueses regularmente informados, isto é, com acesso aos meios normais de informação “. Consequentemente, não se podem considerar como notórios os factos que sejam do conhecimento de um sector restrito de pessoas, com informação muito acima da média ou de um sector muito específico (ex. problemas de natureza económica, ocorrências ou práticas de funcionais de uma profissão).

13. Os danos não patrimoniais, mesmo que se entenda que não foram provados em Audiência de Discussão e Julgamento, ainda assim,

14. deveriam ter sido dado como provados, por se tratarem de factos notórios e, como tal, não carecerem de prova, porque subsumíveis no disposto no artigo 514.°, n.° 1 do C.P.C.

15. Violou assim a douta decisão recorrida, o disposto no art° 514.° n.°1.° do Código de Processo Civil e demais normas legais no que apenas e tão somente concerne aos danos não patrimoniais por não terem sido provados.

16. Assim, devem os RR. serem condenados no pagamento da indemnização a titulo de danos não patrimoniais peticionados correspondentes ao montante de 5000,00€.

Não foram produzidas contra-alegações.

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

1. No final do mês de Junho de 2005, a autora encontrava-se na sua residência, junto do seu falecido marido, alimentando-o.

2. Que se encontrava acamado/imobilizado, por lhe ter dado um AVC.

3. Nessa altura, os réus moravam na casa ao lado da casa da autora.

4. Em 20.07.2009, os réus empurraram a autora.

5. Com a conduta referida, a autora caiu ao chão, onde ficou imobilizada.

6. Sem que os réus lhe tenham prestado qualquer tipo de auxilio.

7. Então a autora gritou pelo seu outro filho, com quem vive, para que este a pudesse ajudar.

8. Este, indo de encontro à sua mãe, mas sem saber o que fazer, agarrou-a pelos braços e arrastou-a até à sala, onde estava o telefone.

9. Chamados os Bombeiros transportaram a autora ao serviço de urgências do hospital de ....

10. De tal conduta dos réus resultaram para a autora os ferimentos descritos na “perícia de avaliação do dano corporal” junta a fls. 11 e seguintes, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

11. Em consequência da conduta dos réus a autora foi internada no Hospital de ... de ... a 20 de Julho de 2005, tendo sido operada no dia 25 do mesmo mês e tendo alta no dia 4 de Agosto do mesmo ano.

12. Ainda em consequência das descritas agressões a autora ficou limitada na sua movimentação, só conseguindo andar com o auxílio de canadianas.

13. O réu A (…) recebeu em sua casa uma notificação do Hospital de ..., S .A, de ..., para que procedesse ao pagamento das despesas efectuadas naquele, no montante de 4 283,77 euros (quatro mil duzentos e oitenta e três euros e setenta e sete cêntimos), relativos à assistência prestada à autora.

14. Os réus, depois de recebida aquela, dirigiram-se a casa da autora, informando-a do sucedido e que não iriam pagar.

15. Tendo-a convencido a acompanhá-los àqueles serviços para regularizarem a situação.

16. A autora pagou a divida hospitalar.

Nos termos do art. 684°, n°3, e 690°,n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2, do art. 660°, do mesmo Código.

Das conclusões, ressalta a seguinte questão:

1. Os danos não patrimoniais, mesmo que se entenda que não foram provados em Audiência de Discussão e Julgamento, ainda assim, deveriam ter sido dado como provados, por se tratarem de factos notórios e, como tal, não carecerem de prova, porque subsumíveis no disposto no artigo 514.°, n.° 1 do C.P.C, que, assim, sai violado.

 Apreciando, diga-se que a indemnização correspondente a danos não patrimoniais deverá ser fixada segundo a equidade, tendo-se em conta ainda o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que se tenham por justificadas (Ac. STJ. 31- 3-1993:BMJ, 425-544).

Na vinculação do disposto no art. 496°, Cód. Civil, a indemnização por danos não patrimoniais não visa reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento mas sim compensar de alguma forma o lesado pelas dores físicas ou morais sofridas e também sancionar a conduta do lesante (Ac. RC. 31-3-1 987: CJ 1987. 2.°- 85). A indemnização dos danos não patrimoniais visa, assim, compensar o lesado e sancionar o lesante.

 Equidade, por sua vez, não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim um critério para correcção do direito, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto (Ac. RE. 13-10-1988: BMJ.380.°-560).

Os «danos morais», ou «prejuízos de natureza não patrimonial». correspondem, finalmente, àquilo que, na linguagem jurídica se costuma designar por pretium doloris, ou ressarcimento tendencial da angústia, da dor física, da doença, ou do abalo psíquico-emocional resultante de uma situação de «luto» (transporte afectivo e das faculdades psíquicas originado por uma situação de perda de objecto ou do «ser» amado) (do Ac. STJ. 28- 10-1 992: BMJ, 420-550).

Na vinculação do disposto no art. 562°, CC, a determinação/fixação indemnizatória devida por danos morais, para além da factualidade atendível, deverá sê-lo segundo critérios de equidade, que nos conduzem para o plano jurídico, para uma questão de direito. Determinar o valor dos danos e/ou lucros cessantes é matéria de facto da exclusiva competência das instâncias, bem como a correcção ou actualização dos valores monetários. Todavia, é matéria de direito a determinação e fixação dos elementos a considerar no sentido de saber quais os danos indemnizáveis, assim como a determinação do âmbito material e temporal da correcção monetária (Ac. STJ, 26-2-1 991: BMJ, 404.°- 424).

O que leva a concluir pela inadequação do firmado, na sua expressão, assim impossibilitando o seu sufrágio. Com efeito, tal retórica argumentativa não pode postergar outro tipo de considerações pressuponentes. Com efeito, configura-se como conveniente distinguir entre a «notoriedade» definida no art. 514.°, n.° 1, do Cód. Proc. Civil e que se traduz no «conhecimento geral» dos factos que a revestem — tornado dispensável a sua prova e até a sua alegação — e o carácter «notório» dos factos que a lei, ao invés, exige que sejam aduzidos e demonstrados, cuja noção, correspondente à formulada pela doutrina civilística (cfr. Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Anotado vol. 1°, p. 166) se inseriu no n.° 2 do art. 257.° do Cód. de 1966: «O facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar».

Aflora aí a lição do Prof. Manuel de Andrade (Teoria Geral, vol. 2.°, p. 89) enquanto tinha por notório «tanto aquilo que é geralmente sabido, como aquilo que é de per si evidente».

Na verdade, o que se «evidencia» torna-se susceptível de ser notado por qualquer pessoa de normal diligência, independentemente do seu «generalizado conhecimento» (do Ac. STJ, de 1.10.1974: BMJ, 240.°-234).

Ou seja, um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos (A. dos Reis, CPC Anot., 3.°-259 e ss.; Castro Mendes, Do conceito de prova, págs. 711 e ss., com grandes desenvolvimentos; Vaz Serra, Provas, em BMJ, 110.°- 61 e ss.).

De acordo com este tipo de consideração, a Relação, ao abrigo do disposto no artigo 514.°, n.° 1, do Cód. Proc. Civil, pode considerar certos factos como notórios, independentemente - até - de os mesmos, no caso de terem sido levados ao questionário, terem obtido resposta negativa por parte do tribunal (Ac. STJ, de 24.4.1986: BMJ, 356.°-295).

Vale isto por dizer que esta aplicação legal do conceito indeterminado «factos notórios» «aos factos que são do conhecimento geral», tem o seu eco no comentário de J. A. dos Reis sobre «o conhecimento geral», no sentido de que é o conhecimento tido por parte da grande maioria dos cidadãos do País, regularmente informada». Sobre o que a doutrina entende por «facto notório», e pensando-se no leque de opiniões fundadas na lei, muito se tem escrito, não sendo ora momento azado para uma referência, ainda que sumária, aos critérios normalmente seguidos para o efeito. Em todo o caso, acha-se oportuna a indicação de que a «notoriedade», vista no facto x ou y, histórico, sociológico, etc., é a conhecida pelo juiz, sem que este necessite de recorrer a operações lógicas e cognitivas, como a juízos presuntivos: o facto apresenta-se notório ao juiz, porque ele o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado (J. A. dos Reis — Código de Processo Civil Anotado, vol. III, págs. 259 e segs.; J. Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, págs. 711 e segs., onde o assunto vem desenvolvidamente tratado; e A. Vaz Serra, «Provas (Direito Probatório Material)», Boletim do Ministério da Justiça, n.° 110, págs. 61 e segs. — só para nos cingirmos à literatura jurídica portuguesa)» (do Ac. STJ, de 11.12.1991: BMJ, 411.°-574).

Um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos. A circunstância de, porventura, ser dispensada a sua alegação e prova não significa que os factos notórios não tenham de ser fixados pelas instâncias, sem prejuízo de o STJ poder apreciar a violação de norma legal, nos termos do n.° 2 do art. 722.º do CPC (Ac. STJ, de 28.5.2002, Rev. n.° 1163/02-2.ª: Sumários, 5/2002).

Com tal esquisso, revertendo à situação dos factos, constata-se que a apelante - como a decisão dá conta a fls. 172 dos Autos -,

“designadamente, alega que, em virtude da agressão sofrida e das injúrias perpetradas, na mesma data, pelos réus, a autora passou noites sem dormir, angustiada e atormentada pela imagem que não conseguiu esquecer do seu filho e nora a agredirem-na.

Todos os dias da sua vida são assombrados pelo temor e pânico de que tais agressões possam vir a repetir-se já que, constantemente, é ameaçada pelos réus”.

Apreciando, considera,

 “porém, nenhuns destes factos, acabados de referir, foram provados pela autora, assim, porque a autora apenas pediu danos não patrimoniais, em virtude dessa factualidade, e não, por exemplo, em virtude das dores que com certeza padeceu nem por ter estado imobilizada, terá de improceder na totalidade esta parte do pedido”.

Mas a verdade é que, também, de mais não precisava, neste contexto, pois que saiu demonstrado que

4. Em 20.07.2009, os réus empurraram a autora.

5. Com a conduta referida, a autora caiu ao chão, onde ficou imobilizada.

6. Sem que os réus lhe tenham prestado qualquer tipo de auxilio.

7. Então a autora gritou pelo seu outro filho, com quem vive, para que este a pudesse ajudar.

8. Este, indo de encontro à sua mãe, mas sem saber o que fazer, agarrou-a pelos braços e arrastou-a até à sala, onde estava o telefone.

9. Chamados os Bombeiros transportaram a autora ao serviço de urgências do hospital de ....

10. De tal conduta dos réus resultaram para a autora os ferimentos descritos na “perícia de avaliação do dano corporal” junta a fls. 11 e seguintes, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

11. Em consequência da conduta dos réus a autora foi internada no Hospital de ... de ... a 20 de Julho de 2005, tendo sido operada no dia 25 do mesmo mês e tendo alta no dia 4 de Agosto do mesmo ano.

12. Ainda em consequência das descritas agressões a autora ficou limitada na sua movimentação, só conseguindo andar com o auxílio de canadianas.

Tal, inequivocamente, consubstancia situação que, de forma evidenciada acarretou dores, incómodos e limitações de tal provenientes para a recorrente, revelados como factos notórios.

Em interpretação, de resto concordante com específica orientação jurisprudencial que, em termos similares, apreciou (ac. do TRP de 8.1.91, ALVES CORREIA, BMJ, 403, p. 487):

“Não carecendo o facto notório nem de alegação, nem de prova, não deve figurar no questionário.

É facto notório, do conhecimento geral pertinente à cultura média ou comum, fazendo parte de cultura geral do juiz, que a fractura de um punho provoca dores, incómodos e limitações a quem a sofre.

A resposta negativa ao quesito em que se perguntava se o autor sofreu dores, incómodos ou limitações provenientes da fractura não releva, podendo o juiz, na sentença, tomar em conta esse facto, notório, nos termos dos artigos 664º. e 514º. do Código de Processo Civil”;

Ou (Ac. do TRP de 21.6.95, JUDAK FIGUEIREDO, www.dgsi.pt proc. 9540320) determinando que, como tal, se consideram “as dores provocadas por um murro que rasga o lábio do agredido”,

“por ser notório, não carece de prova que um murro desferido com tal violência que produziu rasgamento de um dos lábios do queixoso, deixando-o a sangrar, provoca necessariamente dores mais ou menos duradouras.

Consignando-se na decisão que o lesado não logrou demonstrar que do murro que lhe foi desferido e lhe causou sangramento do lábio lhe advieram quaisquer dores, há erro de julgamento, pois os danos não patrimoniais são notórios e merecem a tutela do direito atenta a intensidade da ofensa”.

Tendo-se mesmo decidido que

“o tribunal da Relação pode considerar certos factos como notórios, independentemente (até) de terem obtido resposta negativa por parte do tribunal que tenha julgado a matéria de facto em 1ª . instância (ac. do STJ de 24.4.86, SOLANO VIANA, BMJ, 356, p. 295).

Com base  na circunstância que,

 

“de acordo com o artigo 514°, n.° 1, do Código de Processo Civil, não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral.

A Relação, o abrigo desta disposição legal, pode considerar certos factos como factos notórios, independentemente de os mesmos, no caso de terem sido levados ao questionário, terem obtido resposta negativa por parte do Tribunal.

Pode acontecer que não se tenha feito prova de determinado facto na audiência de discussão e julgamento, face aos meios de prova ali produzidos, e que a Relação, a quem compete a fixação da matéria de facto, venha a considerar esse facto como facto notório, que como tal está dispensado de prova e até de alegação”.

Foi o que sucedeu no presente caso, nos Autos. O que leva a considerar os factos descritos, dados como não provados pelo Tribunal, como factos notórios, não carecendo, portanto, de prova.     

Consequentemente, porque os réus empurraram a autora e de tal conduta dos réus resultaram para a autora os ferimentos descritos na “perícia de avaliação do dano corporal” junta a fls. 11 e seguintes, levando em consideração que em consequência da conduta dos réus a autora foi internada no Hospital de ... de ... a 20 de Julho de 2005, tendo sido operada no dia 25 do mesmo mês e tendo alta no dia 4 de Agosto do mesmo ano, e que, ainda em consequência das descritas agressões, a autora ficou limitada na sua movimentação, só conseguindo andar com o auxílio de canadianas, tais factos são de considerar como notórios, independentemente de os mesmos, no caso de terem sido levados ao questionário, terem obtido resposta negativa por parte do tribunal.

Face aos factos provados, entende-se adequada a importância de 5.000,00 Euros peticionada pelos prejuízos de ordem não patrimonial, sofridos pela autora, em virtude da conduta dos Réus.

Podendo, assim, concluir-se que:

1. Na vinculação do disposto no art. 496°, Cód. Civil, a indemnização por danos não patrimoniais não visa reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento, mas sim compensar de alguma forma o lesado pelas dores físicas ou morais sofridas e também sancionar a conduta do lesante. A indemnização dos danos não patrimoniais visa, assim, compensar o lesado e sancionar o lesante.

 2. Equidade, por sua vez, não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim um critério para correcção do direito, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto.

3. Os «danos morais», ou «prejuízos de natureza não patrimonial». correspondem, finalmente, àquilo que, na linguagem jurídica se costuma designar por pretium doloris, ou ressarcimento tendencial da angústia, da dor física, da doença, ou do abalo psíquico-emocional resultante de uma situação.

4. Um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos. De acordo com este tipo de consideração, a Relação, ao abrigo do disposto no artigo 514.°, n.° 1, do Cód. Proc. Civil, pode considerar certos factos como notórios, independentemente - até - de os mesmos, no caso de terem sido levados ao questionário, terem obtido resposta negativa por parte do tribunal.

5. Não carecendo o facto notório nem de alegação, nem de prova, não deve figurar no questionário.

6. Porque os réus empurraram a autora e de tal conduta dos réus resultaram para a autora os ferimentos descritos na “perícia de avaliação do dano corporal” junta a fls. 11 e seguintes, levando em consideração que em consequência da conduta dos réus a autora foi internada no Hospital de ... de ... a 20 de Julho de 2005, tendo sido operada no dia 25 do mesmo mês e tendo alta no dia 4 de Agosto do mesmo ano, e que, ainda em consequência das descritas agressões, a autora ficou limitada na sua movimentação, só conseguindo andar com o auxílio de canadianas, tais factos são de considerar como notórios, independentemente de os mesmos, no caso de terem sido levados ao questionário, terem obtido resposta negativa por parte do tribunal, nos termos dos artes. 664º e 514º do CPC.

A Decisão:

Pelas razões expostas, concede-se provimento ao recurso interposto, julgando a acção provada e procedente, em consequência do que se condenam os RR., solidariamente, ao pagamento de indemnização à A. - para lá do fixado (€ 4.283,77), a título de danos não patrimoniais peticionados e correspondentes à quantia de 5. 000, 00 Euros, o que tudo perfaz € 9.743,37, acrescida dos juros vincendos até integral pagamento.

Sem custas.