Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
292391/11.7YPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: QUALIFICAÇÃO
CONTRATO
MEDIADOR
FALTA
AUTORIZAÇÃO
FALTA DE FORMA LEGAL
RETRIBUIÇÃO
COMISSÃO
Data do Acordão: 03/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – M. E P INST. CÍVEL AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: DL 211/2004, À ÉPOCA VIGENTE; E, ACTUALMENTE, LEI 15/2013, DE 08-02
Sumário: 1 - Deve ser qualificado como contrato de mediação imobiliária o contrato em que uma parte solicita à contraparte que lhe localize espaços comerciais que possa arrendar para a expansão da sua actividade comercial; não descaracterizando tal qualificação contratual uma acessória actividade de estudo e pesquisa, tendo em vista encontrar os espaços/lojas pretendidas.

2 - Não impede tal qualificação contratual – e a sua validade – a circunstância da contraparte não ser um mediador imobiliário devidamente autorizado e licenciado; e o facto do contrato não ter sido reduzido a escrito.

3 - O que significa que a retribuição/comissão a pagar depende da conclusão e perfeição do negócio a celebrar entre o comitente e o terceiro, como consequência adequada/causal da actividade desenvolvida pelo mediador; e que, não sendo esta devida, também não é devida outra qualquer, designadamente, a que o mediador construa a partir do tempo gasto e das despesas tidas.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A... , Lda., com sede na Rua (...), Ílhavo, instaurou a presente acção declarativa para cumprimento de obrigações pecuniárias contra B..., residente na Av. (...), (...), Aveiro, pedindo a condenação do requerido no pagamento da quantia de € 6.184,93, sendo € 5.581,13 de capital, € 351,80 de juros de mora, € 150,00 de outras quantias e € 102,00 de T. Justiça.

Alegou, em síntese, que, no exercício da sua actividade, prestou ao requerido serviços de consultadoria por este solicitados, o que implicou também a realização de deslocações, despesas com portagens e comunicações, tendo emitido a competente factura, datada de 15.02.2011, que deveria ter sido paga no prazo de 8 dias após a sua emissão; o que requerido não fez.

O requerido contestou, alegando, em resumo, que se deslocou às instalações da requerente e solicitou, verbalmente, que esta diligenciasse no sentido de encontrar proprietário/senhorio interessado em arrendar uma loja, no centro de Aveiro, onde o requerido pudesse vir a iniciar a sua actividade comercial, ou seja, o que solicitou foram serviços de mediação imobiliária e nunca serviços de consultadoria; serviços que não implicaram as despesas solicitados pelo requerido e de cujos resultados não beneficiou.

Concluiu pela total improcedência da acção.

Foi proferido despacho saneador – que declarou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e, realizada a audiência, a Exma. Juíza proferiu sentença, em que “julgou a acção parcialmente procedente, condenando o requerido B... a pagar à requerente A..., Lda. o montante de € 5.435,06, acrescido juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde 24.02.2011 até efectivo e integral pagamento (…)”.

Inconformado com tal decisão, interpôs o R. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que julgue a acção totalmente improcedente.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

2 - Conforme resulta do disposto no artigo 2º da Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro, que regula a Actividade de Mediação Imobiliária, a mesma caracteriza-se por:

“1 - A actividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessação de posições em contratos que tenham por objecto bens imóveis.

2- A actividade de mediação imobiliária consubstancia-se também no desenvolvimento das seguintes acções: a)Prospecção e recolha de informações que visem encontrar os bens imóveis pretendidos pelos clientes; b) Promoção dos bens imóveis sobre os quais os clientes pretendem realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação ou publicitação, ou da realização de leilões. (...)”.

3 - Em face dos factos provados ficou assente que a Requerente e Requerido acordaram que aquela efectuasse uma pesquisa de lojas, em todo o território nacional, tendo em vista o arrendamento por parte do Requerido, devendo aquela apresentar proposta aos senhorios que aquela encontrasse apresentando a respectiva proposta, caso o Requerido estivesse interessado naquele imóvel concreto.

4 - Ora, entende a Apelante que foi praticado por parte da Requerente uma verdadeira actividade de mediação imobiliária que se circunscreveu essencialmente na procura de lojas (imóveis) - acção de prospecção (alínea a) do nº2 do artigo 2º da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro) -e como conseguinte na procura, por parte da Requerente, em nome do Requerido, de destinatários para a realização de um negócio - o arrendamento de um bem imóvel: loja.

5 - Não se poderá afirmar que a actividade acordada entre Requerente e Requerido fosse uma mera prestação de serviços de consultoria.

6 - Para além disso, foi dado como provado que a Requerente acordou com o Requerido o pagamento àquela o montante equivalente ao valor de uma renda de um dos referidos estabelecimentos, que era à data de cerca de €10.000,00.

7 - Ou seja, o mesmo será dizer que foi acordado um comissionamento no caso da celebração de um negócio, comissionamento esse que iria ser recebido pela Requerente. Tal facto apenas poderá ter lugar na actividade de mediação imobiliária.

8 - Nos termos do disposto no artigo 18º do Decreto-Lei nº 211/2004, de 20 de Agosto, “ A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação (...)”.

9 - Não podemos pois sufragar do entendimento sustentado pela Meritíssima a quo, porquanto, dos factos dados como provados resulta efectivamente o acordo entre Requerido e Requerente na celebração de um verdadeiro contrato de mediação imobiliária e não num simples contrato de prestação de serviços.

10 - Mormente, na parte da douta sentença que refere expressamente o seguinte: “Ora, no caso vertente, dizer que o trabalho desenvolvido pela requerente foi somente no sentido de conseguir interessado para a realização de um negócio incidente sobre bens imóveis nos termos que acabam de deixar-se enunciados é muitíssimo redutor. Ainda que se admitisse que parte do trabalho realizado se enquadra no conceito de mediação imobiliária, o certo é que, na sua globalidade, tal trabalho envolveu muito mais do que isso, nomeadamente o estudo, a pesquisa, a prospecção adequados a encontrar o espaço (que era um espaço comercial e com características muito específicas) pretendido pelo requerido.”

11 - Ora, com o devido respeito por entendimento contrário, é exactamente isso a actividade de mediação imobiliária. A mediação imobiliária é esse “muito mais” em comparação a um mero contrato de prestação de serviços. A mediação imobiliária pressupõe a pesquisa de imóveis, em todo o território nacional, que vá de encontro às características pretendidas pelo cliente (aqui Requerido) com o intuito de encontrar interessado na celebração do negócio pretendido por aquele. E foi essa mesma actividade que efectivamente a Requerente desenvolveu para com o Requerido.

12 - E veja-se que de forma ilegítima porquanto a mesma não detém no seu objecto social a mediação imobiliária, nem está habilitada para tanto, não sendo detentora de Licença AMI e sem que tenha sido celebrado contrato por escrito como é exigido legalmente.

13 - Por tudo isto, entende o Requerido que a Requerente não poderia ter desenvolvido a actividade que prestou àquele e em consequência não cobrar quaisquer quantias seja a que título fosse, uma vez que desempenhou uma actividade ilegal e até punida por lei (artigos 38º e seguintes do Decreto-Lei nº 211/2004, de 20 de Agosto).

14 - Mas mesmo que assim não se entenda - o que por mera hipótese académica se coloca - também não estaremos perante a celebração de um contrato de prestação de serviços, como foi classificado pela Meritíssima Juiz a quo, na douta sentença.

15 - Nos termos do disposto no artigo 1154º do Código Civil, o contrato de prestação de serviços “(...) é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.

16 - Neste sentido, ficaram provados os seguintes factos:

“3. No exercício da sua actividade a requerente foi contactada pelo requerido para pesquisar lojas em Portugal com vista à abertura de mais estabelecimentos e para apresentar a este espaços comerciais do seu interesse, bem como para que, neste âmbito, fossem elaboradas e apresentadas propostas quando solicitadas pelo cliente.

7. Não tendo o Requerido chegado a arrendar qualquer das lojas que para o efeito lhe foram apresentadas pela requerente, (...)”.

17 - A admitir que tenha sido celebrado entre a Requerente e o Requerido um contrato de prestação de serviços - que só se coloca por mera hipótese académica - o mesmo pressupõe um resultado. O resultado do trabalho solicitado ou contratado.

18 - No presente caso, o Requerido solicitou à Requerente uma loja com características específicas para arrendar, nunca tendo sido celebrado o pretendido contrato de arrendamento de nenhuma das lojas apresentadas pela Requerente, pelo que o Requerido não obteve qualquer resultado dos serviços prestados pela Requerente, não podendo a mesma imputar àquele quaisquer despesas relativamente a deslocações, a comunicações efectuadas e por cada imóvel localizado.

19 - Por assim ser e por tudo quanto ficou supra exposto deveria a Meritíssima Juiz a quo - salvo melhor entendimento - ter decidido pela improcedência da acção, por a Requerente ter facturado serviços prestados sem que a mesma tivesse legitimidade para tal e nesse seguimento, deveria ter absolvido o Requerido do pedido.

20 - Termos em que deve dar-se provimento ao recurso e consequentemente revogar-se a sentença proferida, substituindo - a por outra que julgue improcedente a acção julgando-se procedente por provado o presente recurso.

Não foi apresentada qualquer resposta.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

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II – Fundamentação de Facto

Foram dados como provados, sem censura, os seguintes factos:

A) A requerente dedica-se, entre outras actividades, à prestação de serviços de consultadoria e gestão.

B) O requerido explora um estabelecimento de venda a retalho de produtos chineses, sito na Av. (...), em Aveiro.

C) No exercício da sua actividade, a requerente foi contactada pelo requerido para pesquisar lojas em Portugal com vista à abertura de mais estabelecimentos e para apresentar este espaços comerciais do seu interesse, bem como para que, neste âmbito, fossem elaboradas e apresentadas propostas quando solicitadas pelo cliente.

D) Foi acordado entre as partes que, como contrapartida da actividade supra referida, o requerido pagaria à requerente o montante equivalente ao valor de uma renda de um dos referidos estabelecimentos, que era à data de cerca de € 10.000,00, bem como todas as despesas realizadas.

E) No cumprimento do acordado com o requerido, a requerente escolheu e apresentou àquele, entre Agosto de 2010 e Fevereiro de 2011, 11 espaços comerciais com as áreas, localizações e demais características solicitadas, em diversos locais do país, nomeadamente Abrantes, Aveiro, Braga, Coimbra, Leiria, Marinha Grande, Porto e Tomar.

F) A requerente teve, para realizar os serviços que lhe foram solicitados pelo requerido, despesas com comunicações, portagens e combustível nos montantes, respectivamente, de € 200,00, € 232,50 e € 1.705,00 (correspondendo este último valor a 3.100 km percorridos, ao valor acordado de € 0,55 por km).

G) Não tendo o requerido chegado a arrendar qualquer das lojas que para o efeito lhe foram apresentadas pela requerente, esta cobrou, pelos serviços prestados, o montante de € 200,00 por cada espaço comercial localizado e alvo de estudo (tendo por base um valor/hora de € 25,00).

H) Na sequência do referido em 6 e 7 a requerente emitiu e enviou ao requerido para pagamento a factura nº 01.02.2011, junta aos autos a fls. 35, com data de 15.02.2011, a qual devia ser paga no prazo de 8 dias após a sua emissão.

I) Relativamente a um dos estabelecimentos referidos em 5 a requerente apenas despendeu 2 horas de trabalho.

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III – Fundamentação de Direito

Centra-se e cinge-se o recurso à questão da qualificação do contrato celebrado entre as partes; daqui – da sua qualificação – irradiando a resposta, quase imediata e automática, para a questão da remuneração contratual (que a sentença recorrida concedeu e que o requerido/apelante sustenta não ser devida).

Começando pelo indiscutível: as partes celebraram, claramente, um contrato de prestação de serviço.

Tudo está em saber – é o que se discute – se o que fizeram corresponde à celebração de algum subtipo legalmente regulado ou socialmente típico.

Vejamos:

Provou-se que “a requerente foi contactada pelo requerido para pesquisar lojas em Portugal com vista à abertura de mais estabelecimentos e para que lhe apresentasse espaços comerciais do seu interesse, bem como para que, neste âmbito, fossem elaboradas e apresentadas propostas quando solicitadas pelo cliente”; tendo sido “acordado que, como contrapartida de tal actividade, o requerido pagaria à requerente o montante equivalente ao valor de uma renda de um dos referidos estabelecimentos, que era à data de cerca de € 10.000,00, bem como todas as despesas realizadas”; em execução do acordado “a requerente escolheu e apresentou ao requerido, entre Agosto de 2010 e Fevereiro de 2011, 11 espaços comerciais com as áreas, localizações e demais características solicitadas, em diversos locais do país, nomeadamente Abrantes, Aveiro, Braga, Coimbra, Leiria, Marinha Grande, Porto e Tomar”, no que teve “despesas com comunicações, portagens e combustível”, “não tendo o requerido chegado a arrendar qualquer das lojas que para o efeito lhe foram apresentadas pela requerente”.

Tendo isto presente – perante o que as partes combinaram ser o conteúdo da prestação a cargo da requerente/apelante – não vemos como possa ser negada ao contrato celebrado a qualificação de contrato de mediação e, dentro deste, de mediação imobiliária.

Pelo seguinte:

O contrato de mediação é contrato pelo qual uma parte – o mediador – se vincula para com a outra – o comitente ou solicitante – a, de modo independente e mediante retribuição, preparar e estabelecer uma relação de negociação entre este último e terceiros – os solicitados – com vista à eventual conclusão definitiva de negócio jurídico.

A sua principal característica – e elemento distintivo – está pois na convenção/acordo entre mediador e solicitante no sentido do primeiro servir de intermediário num ou mais contratos a celebrar pelo último com terceiros, preparando e aproximando as respectivas partes; está pois em, pelo contrato de mediação, o mediador se comprometer perante um interessado (comitente) a localizar e a interessar um co-contratante, promovendo, com este, a conclusão contratual definitiva.

Característica que, indiscutivelmente, se verifica no caso; uma vez que foi exactamente isto que foi pelo requerido/apelante solicitado à requerente/apelada: que localizasse espaços comerciais que o requerido pudesse arrendar para a expansão da sua actividade comercial.

Foi tal actuação material, típica do contrato de prestação de serviço de mediação, que o requerido solicitou à requerente.

Contrato de mediação que continua a não ter, entre nós, uma regulação genérica, mantendo-se como contrato atípico, embora nominado; que não dispõe, é certo, de um regime geral próprio e unitário, mas em que existem normas que regulam o exercício de determinadas actividades profissionais de mediação, como é o caso e no que aqui interessa, da mediação imobiliária (cfr. DL 211/2004, à época vigente; e, actualmente, Lei 15/2013, de 08-02).

E os preceitos de tais diplomas legais incluem, fora de toda a dúvida, na actividade de mediação imobiliária, a actuação material solicitada à requerente/apelante; na medida em que se diz, no art. 2.º/2/a) de ambos os diplomas referidos, que a actividade de mediação imobiliária se consubstancia também no desenvolvimento de acções de prospecção e recolha de informações que visem encontrar o bem imóvel pretendido pelo cliente.

Foi exactamente isto, insiste-se, que foi solicitado à requerente, não se vislumbrando nada, entre os factos alegados e provados, que possa ter ido além de tal actividade e/ou que dê à prestação da requerente uma configuração global diversa da prestação típica a cargo dum mediador imobiliário.

Sustentou-se, na sentença recorrida, que “ainda que se admitisse que parte do trabalho realizado se enquadra no conceito de mediação imobiliária, o certo é que, na sua globalidade, tal trabalho envolveu muito mais do que isso, nomeadamente o estudo, a pesquisa, a prospecção adequados a encontrar o espaço (que era um espaço comercial e com características muito específicas) pretendido pelo requerido”.

Em face do que vimos expondo, não podemos concordar.

Os factos alegados e provados não espelham, com o devido respeito, qualquer actividade de estudo, pesquisa e prospecção, além, natural e presuntivamente, daquela que possa ter sido acessória das acções de prospecção e recolha de informações tendo em vista encontrar as lojas pretendidas pelo requerido; mas isto, evidentemente, não transborda ou exorbita da actividade de mediação imobiliária.

Dito doutro modo, nada foi alegado e/ou ficou provado que reflicta uma específica prestação de serviço de consultoria; de informação, conselho e planeamento específicos (além dos que, natural e presuntivamente, se supõe hão-de ter acompanhado a mediação imobiliária).

Podemos/devemos pois afirmar que, em termos de regime jurídico, relevam para o concreto contrato de mediação imobiliária celebrado as normas avulsas pertinentes à relação jurídico-negocial de mediação consagradas na competente lei especial (v. g., art. 18.º e 19.º do DL 211/2004, de 20-08, então vigente); e, na falta ou insuficiência destas, as estipulações contratuais e as regras do contrato de prestação de serviços.

É certo que a requerente/apelada não é um mediador imobiliário profissional devidamente autorizado e licenciado, porém, tal circunstância, assim como não impede a qualificação do contrato (como de mediação imobiliária), também não gera só por si (por o mediador não estar licenciado/autorizado) a invalidade do mesmo.

Tem-se entendido que o licenciamento, no campo imobiliário, só se aplica a profissionais, mas não ao mediador esporádico e ocasional[1]; e que a falta de licenciamento e registo (art. 5.º e ss e 24.º e ss. do DL 211/2004), ainda que normas imperativas, não se dirigem ao conteúdo do próprio negócio e não contendem com o elemento interno e formativo, não sendo assim aplicável ao concreto contrato sub judice a sanção da nulidade cominada pelo art. 294.º do C. Civil.

Por outro lado, embora a mediação imobiliária esteja, desde o DL 285/92, sujeita à forma escrita – que no caso não foi observada – sempre se entendeu (e passou a constar claramente quer do art. 19.º/8 do. DL 211/2004 quer, actualmente, do art. 16.º/5 da Lei 15/2013) que a sua inobservância gera uma mera nulidade atípica; isto é, que depende da sua arguição pelo comitente, o que no caso não ocorreu (pelo menos, de forma indiscutível e categórica).

Concluindo – respondendo à questão central do recurso – temos pois que, em face dos factos, as partes terão celebrado um contrato válido de mediação imobiliária.

O que significa, ainda em face dos factos, que não assiste à requerente/apelada o direito a exigir a retribuição/comissão.

A mediação imobiliária, particularmente quando comercial, é onerosa; cabendo às partes prever com toda a precisão a retribuição devida, as circunstâncias em que deve ser paga e o momento em que terá lugar a sua satisfação; não foi exactamente o caso do presente contrato, como se extrai do facto C) deste acórdão.

Em todo o caso, independentemente da estipulação das partes ou da sua insuficiência, há toda uma ponderação legal (art. 18.º/1 do DL 211/2004, à época vigente; e art. 19.º da Lei 15/2013, de 08-02, actualmente vigente) e jurisprudencial que permite dizer que a retribuição só é devida com a conclusão do contrato definitivo – não bastando esforços nesse sentido; que a actividade do mediador deve ser causa adequada ao fecho do contrato definitivo ou, então, que este deve alcançar-se como efeito de intervenção do mediador; que cabe ao mediador fazer a prova de que a conclusão do negócio definitivo resultou da sua intervenção; e que a remuneração é ainda devida na hipótese do contrato definitivo só não ser concluído por causa imputável ao comitente (o solicitante não cumpre o contrato de mediação se bloquear o contrato definitivo).

Ora, como resulta claramente do facto G) deste acórdão, o requerido não chegou a arrendar qualquer das lojas que para o efeito lhe foram apresentadas pela requerente[2]; o que significa que não foi concluído o negócio visado pela mediação, não sendo assim devida a remuneração/comissão combinada.

Assim como não é devida qualquer outra.

No contrato de mediação imobiliária, a contraprestação a pagar pelo comitente ao mediador depende da conclusão e perfeição do negócio a celebrar entre aquele e o terceiro, como consequência adequada/causal da actividade desenvolvida pelo mediador

E, naturalmente, não sendo devida a contraprestação, não é devida quer a combinada quer outra qualquer, designadamente, a que o mediador construa a partir do tempo gasto e das despesas tidas.

Aliás, a assim construída até será duplamente indevida: por não haver lugar a contraprestação e por não ter sido essa a combinada.

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Procede pois a apelação, o que determina a revogação do sentenciado na 1ª instância, significando isto, em termos úteis e finais, a improcedência do pedido que havia sido formulado na acção.
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IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e revoga-se a sentença recorrida que se substitui por decisão a julgar improcedente a acção e a absolver o R. do pedido.

Custas em ambas as instâncias pela A..

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Coimbra, 18/03/2014

 (Barateiro Martins - Relator)

 (Arlindo Oliveira)

(Emídio Santos)

[1] Entendimento este – face ao modo como a lei procura organizar, disciplinar e conformar toda a actividade de mediação imobiliária – algo controverso. Efectivamente, a lei ao impor requisitos substantivos de acesso à actividade (dos quais depende a concessão de licença), como a idoneidade comercial e a existência de seguro de responsabilidade civil (ou garantia financeira ou instrumento equivalente que o substitua), e ao obrigar à inclusão de diversos elementos no contrato de mediação imobiliária, transmite a firme ideia de querer assegurar a transparência da actuação dos mediadores imobiliários, o que, evidentemente, não será conseguido, se se admitir, como legalmente possível, uma actividade “freelancer” na mediação imobiliária.
[2] Não tendo sido sequer aflorado que algum contrato definitivo não foi concluído por causa imputável ao comitente/requerido; ou que este bloqueou algum contrato definitivo.