Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1157/10.8TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
CONTROLO JUDICIAL
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
VENDA
COISA IMÓVEL
RESPONSABILIDADE
DEFEITOS
CADUCIDADE DO DIREITO
COMPRADOR
Data do Acordão: 03/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZOS CÍVEIS DE COIMBRA – 1º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 905º, 913º, 914º, 918º, 921º E 1218º DO C.CIVIL.
Sumário: I) De harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa.
II) O vendedor que tenha construído o imóvel vendido responde, no tocante aos defeitos patenteados por esse bem, na qualidade de empreiteiro.

III) A caducidade dos direitos do comprador ou do dono da obra, fundados nos defeitos da coisa ou da obra prestada, por se referir a direitos disponíveis, não é conhecimento oficioso, pelo que a excepção peremptória correspondente, deve, sob pena de preclusão, ser alegada no articulado de contestação.

IV) O reconhecimento pelo vendedor ou pelo empreiteiro dos direitos do comprador ou dono da obra, na pendência do prazo de caducidade, impede esta mesma caducidade, com a consequente sujeição do exercício daqueles direitos ao prazo de prescrição ordinário.

V) A não eliminação, pelo vendedor ou pelo empreiteiro, do defeito da coisa ou da obra prestada não confere ao comprador o direito de, por si ou por terceiro, eliminar o defeito ou refazer a obra, e de reclamar, depois – ou mesmo antecipadamente – do vendedor o reembolso da despesa correspondente, excepto nos casos de cumprimento definitivo daquela obrigação ou de comprovada urgência.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.

C… propôs, no 1º Juízo Cível de Coimbra, no dia 4 de Abril de 2010, contra F… e cônjuge, E…, acção declarativa de condenação, com processo comum, sumário pelo valor, pedindo a condenação dos últimos a pagar-lhe a quantia de € 13.650,00, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, até pagamento.

Fundamentou esta pretensão no facto de ter comprado ao réu, em Julho de 2001, por € 63.000,00, o prédio, destinado a habitação, sito na R. …, construído pelos réus; de, a partir do momento em que começou a habitar a casa, antes da celebração do contrato definitivo de compra e venda, ter notado que o imóvel padecia de defeitos; que os réus, em 11 de Julho de 2001, se vincularam a reparar – suprimento das manchas no alçado principal, acabamentos em redor da chaminé, reparação dos gradeamentos, substituição do soalho do 1º andar, colocação da tampa na caixa da instalação eléctrica, reparação das portas dos roupeiros, suprimento das infiltrações no 1º andar e na garagem reparação e substituição do mosaico do rés-do-chão – mas que não repararam, tendo, entretanto, surgido fendas, fissuras e descolamentos, nas partes interior e exterior do prédio, tendo a vistoria, feita pelos serviços municipais de Coimbra, detectado assentamento do patamar junto à entrada, originado fenda no revestimento e descolamento das colunas ornamentais, denunciando deficiente compactação do solo, muros de suporte laterais e escada de acesso ao logradouro com fendas acentuadas, fissura horizontal entre o topo da laje e que constitui a parede divisória entre a caixa e as escadas e o 1º andar, manifestações de humidade na base da parede divisória entre o hall e a instalação sanitária; de o réu ter assumido e reconhecido tais defeitos, tendo sido acordado que seria um terceiro construtor a repará-los, pelo que confiando que o réu iria custear as obras, contratou um empreiteiro e suportou ele próprio o valor de € 13.650,00, que, porém, o réu se recusou a pagar por ser um valor exagerado.

                Os réus defenderam-se alegando que nos trabalhos de construção de uma piscina e de uns anexos, que o autor decidiu fazer após ter adquirido o prédio, foram utilizadas máquinas pesadas que danificaram a calçada e provocaram, com a trepidação, avaria e estragos a que são alheios, nomeadamente infiltrações e rachadelas em muros e paredes; que repararam todos os defeitos da obra que lhe foram denunciados; que nunca lhes foi apresentado qualquer orçamento elaborado por terceiros nem foi acordado que um terceiro construtor fizesse qualquer obra por sua conta.

                Oferecida a resposta e seleccionada a matéria de facto, e realizada uma perícia colegial ao prédio procedeu-se, com registo sonoro dos actos de prova levados a cabo oralmente, à audiência de discussão e julgamento.

                A sentença final da causa – depois de ponderar que entre o autor e o réu foi celebrado um contrato de compra e venda e que entendia que o imóvel vendido não tinha as qualidades necessárias para a realização do fim a que era destinado – a habitação – julgou a acção procedente.

E esta sentença que os réus impugnam no recurso ordinário de apelação – no qual pedem a sua revogação e substituição por outra que os absolva do pedido – tendo rematado a sua alegação com estas conclusões:

...

Na resposta, o autor – depois de observar que o recurso padece de um erro de qualificação do contrato celebrado entre as partes, dado que o recorrente baseia as conclusões partindo do pressuposto que o contrato é de empreitada – concluiu, naturalmente, pela sua improcedência.

2. Factos provados.

...

3. Fundamentos.

3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito objectivo do recurso pode ser limitado, pelo próprio recorrente, no requerimento de interposição ou, expressa ou tacitamente, nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

Na petição inicial o autor, depois de assentar que entre ele e os réus foi celebrado um contrato de compra e venda, sublinhou, porém, que por os réus terem sido simultaneamente empreiteiros, aos defeitos do prédio alienado é aplicável o regime do artº 1225 e não o do artº 916 do Código Civil. A sentença impugnada, porém, depois de qualificar o contrato como compra e venda, escolheu, para enquadrar juridicamente os defeitos alegados como causa petendi pelo autor, as normas dispostas a esse propósito dispostas na lei para aquele contrato de troca.

No corpo da alegação do recurso, os réus sustentam que ao caso são aplicáveis as disposições do contrato de empreitada, qualificação que, na resposta, o autor acha que padece de erro.

Para além desta divergência quanto à qualificação, i.e., quanto à escolha das normas adequadas para enquadrar o caso concreto, os recorrentes mostram-se também hostis no tocante à decisão de alguns factos controvertidos, que, no seu ver, foram erroneamente julgados.

E nalguns casos esse erro de julgamento é patente.

Assim, na alínea B) da sentença impugnada declara-se que o contrato de compra e venda foi celebrado em Julho de 2001. Vê-se, porém, do documento particular autenticado incluso a fls. 76 a 81, que a compra e venda foi concluída no dia 14 de Setembro de 2001.

Escreveu-se, na mesma sentença, na alínea G): Assim, em 17/11/2001, os réus vincularam-se contratualmente a reparar os defeitos prontamente denunciados. Esta declaração, no tocante à data, é também errónea – embora um tal erro não se deva a equívoco de julgamento, mas mais a lapso ostensivo de escrita, dado que aquele facto resultou da resposta ao quesito 3º no qual se perguntava se aquela vinculação ocorreu em 11/07/2001, e que foi julgado provado sem qualquer restrição.

Mais complexa é questão do error in iudicando, por erro na valoração das provas, que os recorrentes assacam às respostas que para os pontos de facto insertos na base instrutória sob os nºs 5, 8 e 17 foram encontradas pelo decisor de facto da 1ª instância.

Todavia, a verdade é que, apesar da impugnação dos recorrentes, não há proceder à reponderação desse julgamento. Fundamento: o princípio da utilidade dos actos processuais.

De harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC)[1].

Se o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância. Isso sucederá sempre que, mesmo com a substituição a solução o enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação.

Portanto, a reponderação apenas deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, i.e., segundo todos os enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da acção.

Na espécie sujeita, a solução ou o enquadramento jurídico do caso é inteiramente insensível ao erro de julgamento da questão de facto alegado pelos recorrentes, dado que, mesmo admitindo a exactidão desse mesmo julgamento, tanto a excepção peremptória da caducidade invocada pelos recorrentes como a acção nunca procederiam.

3.2. Natureza jurídica do acordo de vontades invocado pelo autor como causa petendi e sobre as consequências jurídicas que se associam ao mau ou inexacto cumprimento que, por força desse acordo, os recorrentes se encontram adstritos e modo de extinção das pretensões assentes nesse cumprimento defeituoso.

Tem-se por axiomático que entre o autor, por um lado, e o recorrente, por outro, foi celebrado um típico contratos de compra e venda (artºs 874 e 875 do Código Civil).

Do contrato de compra e venda emergem, no direito português, três efeitos primordiais: o efeito translativo do direito; a obrigação de entrega da coisa e a obrigação de pagamento do preço (artºs 408 nº 1 e 879 do Código Civil). Não oferece dúvida, a qualificação deste contrato como bivinculante, sinalagmático e oneroso: do contrato derivam obrigações para ambas as partes, como contrapartida uma das outras e ambas suportando esforço económico.

A distinção mais importante entre as modalidades do contrato de compra e venda é que cinde a compra e venda de coisa, quer dizer, do direito de propriedade sobre a coisa – da compra e venda de direito. No caso, estamos nitidamente perante a primeira modalidade.

As obrigações de entrega da coisa, a cargo do vendedor, e de pagamento do preço, a cargo do comprador, são obrigações simples. Mas sendo obrigações simples, elas surgem sempre acompanhadas de deveres acessórios[1]. Entre os deveres acessórios específicos da compra e venda e que derivam de lei expressa, contam-se, naturalmente, os deveres legais atinentes á responsabilidade por vícios ou defeitos da coisa.

O vendedor, adstrito ao dever de entregar a coisa objecto mediato do contrato, pode violar esse seu dever de prestar por uma de duas formas: ou pelo puro e simples incumprimento ou impossibilitando a prestação (artºs 798 e 801 nº 1 do Código Civil). Existe, no entanto, uma terceira possibilidade, que, relativamente ao contrato de compra e venda, é objecto de previsão específica: a de ter havido um cumprimento defeituoso ou inexacto (artº 913 e ss. do Código Civil). O vendedor não está só adstrito à obrigação de entregar certa coisa; ele encontra-se ainda vinculado a entregar uma coisa isenta de vícios e conforme com o convencionado, quer dizer, sem defeitos (artº 913 Código Civil).

Coisa defeituosa é, portanto, aquela que tiver um vício ou se mostrar desconforme com aquilo que foi acordado. O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal de coisas daquele tipo; a desconformidade representa uma discordância com respeito a fim acordado[2].

Quando não houver acordo das partes acerca do fim a que a coisa se destina, atende-se à função normal de coisas da mesma categoria (artº 913 nº 2 do Código Civil). Há, portanto, um padrão normal relativamente à função de cada coisa: é com base nesse padrão que se aprecia a existência de vício. Por exemplo, pressupõe-se que no prédio vendido não haja humidade nem fissuras nas paredes.

Apesar de apenas a propósito do contrato de empreitada a lei se referir aos defeitos ocultos e aos defeitos aparentes ou reconhecíveis, esta distinção deve valer também para a compra e venda, desde que se admita, como se deve – sob pena de se premiar a negligência do comprador - o dever deste de proceder, no momento da entrega da coisa, á verificação do defeito (artº 1218 do Código Civil)[3].

No contexto da compra e venda, defeito oculto é, portanto, aquele que, sendo desconhecido do comprador pode ser legitimamente ignorado, pois não era detectável através de um exame diligente, i.e. não era reconhecível pelo bonus pater familias[4]; defeito aparente é aquele que é detectável mediante um exame diligente, de que o comprador se poderia ter apercebido usando de normal diligência[5].

Maneira que o defeito da coisa prestada só faculta ao comprador os meios jurídicos enunciados se o desconhecer sem culpa. Por outras palavras: a responsabilidade emergente da prestação de coisas defeituosas só existe em caso de defeito oculto.

Aos vícios supervenientes, i.e., sobrevindos após a celebração do contrato de compra e venda e antes da entrega da coisa, como de resto à venda de coisa futura ou de coisa genérica, manda a lei aplicar as regras relativas ao não cumprimento das obrigações (artº 918 do Código Civil). Esta estatuição mostra que lei reporta a garantia edilícia apenas aos vícios preexistentes ou contemporâneos da conclusão do contrato e tem directamente em vista a venda de coisa específica, certa e determinada[6].

A lei assinala à prestação de coisa defeituosa várias consequências jurídicas que assentam num plano comum: a culpa, ainda que meramente presumida do vendedor: a responsabilidade deste pelo cumprimento defeituoso é necessariamente subjectiva (artº 799 nº 1 do CC)[7]. Presume-se, porém, que mau cumprimento ou cumprimento inexacto procede de culpa do vendedor (artº 799 nº 1 do Código Civil).

Assim, e em primeiro lugar, faculta-se ao comprador a supressão do contrato, fonte de qualquer daquelas obrigações (artº 905, ex-vi artº 913 nº 1 do Código Civil)[8]; em segundo lugar, reconhece-se ao comprador a possibilidade de exigir a reparação do defeito, caso esta seja possível, ou a substituição da coisa defeituosa, naturalmente se esta for fungível e se a entrega da coisa de coisa substitutiva não corresponder a uma prestação excessivamente onerosa para o vendedor, atento o proveito do comprador (artºs 914 e 921 do Código Civil); em terceiro lugar, atribui-se ao comprador o direito de reclamar a redução do preço convencionado (artº 911 ex-vi artº 913 nº 1 do Código Civil; por último, concede-se-lhe a faculdade de pedir uma indemnização (artº 911, ex-vi artº 913 do Código Civil).

Os diversos meios jurídicos facultados ao comprador no caso de prestação de coisa defeituosa, não podem ser exercidos em alternativa, estando entre si numa ordem lógica: em primeiro lugar o vendedor está adstrito a eliminação do defeito da coisa; depois à sua substituição; frustrando-se estas pretensões, o comprador pode reclamar a redução do preço e, por fim, a extinção do contrato.

Mostrando-se a coisa prestada pelo vendedor defeituosa, o direito primeiro que a lei reconhece ao comprador é o de exigir a eliminação do defeito (artº 914 do Código Civil). Na verdade, tendo este direito sido estabelecido no interesse de ambos os contraentes, não é lícito ao comprador impedir o cumprimento dessa obrigação do vendedor, mesmo no caso de já mostrar constituído, no tocante a ela, na situação de mora. À semelhança do que ocorre com o contrato de empreitada, a não eliminação do defeito não confere ao comprador o direito de, por si ou por terceiro, eliminar o defeito ou refazer a coisa prestada, reclamando, depois – ou mesmo antecipadamente – do vendedor - o reembolso da despesa correspondente[9]. Só assim não será, segundo a doutrina que se tem por preferível, e também à imagem do sucede no contrato de empreitada, no caso de incumprimento definitivo daquela obrigação do vendedor de eliminação do defeito ou em caso de comprovada urgência (artºs 339 nº 1 e 808 nº 1 do Código Civil)[10].

O quadro das pretensões que o comprador pode alicerçar na venda de coisa defeituosa, que corresponde ao regime clássico da garantia edilícia, tem notória e directamente em vista os vícios intrínsecos, estruturais da coisa vendida, que a tornam imprópria para o seu destino, e os danos decorrentes de qualquer desses vícios lesivos do interesse na prestação – danos na própria coisa, danos directos, imediatos do vício ou danos da imperfeição do cumprimento, v.g., despesas com a reparação ou com a indisponibilidade da coisa.

 O direito de indemnização reconhecido ao comprador de coisa defeituosa assenta também necessariamente na culpa do vendedor (artº 908, ex-vi artº 913 do Código Civil). Ao contrário do que sucede na venda de coisas oneradas, na venda de coisas defeituosas, só foi estabelecida uma responsabilidade subjectiva (artº 915 do Código Civil). Esta obrigação de indemnização não é independente das demais pretensões do devedor, estando, pelo contrário, sujeita aos mesmos pressupostos e é complementar dessas pretensões. Ela não pode ser requerida em substituição de qualquer dos outros pedidos - mas é complemento deles, com vista a reparar o prejuízo excedente.

Porém, para que o vendedor de coisa defeituosa se mostre constituído em responsabilidade exige a lei que o defeito lhe seja denunciado: o comprador deve comunicar ao vendedor o facto de a coisa prestada sofrer de determinado defeito, ou seja, que tem um vício ou vícios ou que não corresponde à qualidade convencionada.

O comprador está, portanto, sujeito, excepto no caso de dolo, a um verdadeiro ónus de denúncia - que se resolve numa declaração receptícia, sem forma especial, através da qual o comprador, de uma forma circunstanciada, e o mais exacta possível, comunica ao vendedor os defeitos de que a coisa se encontra ferida (artº 916 nº 1 do Código Civil). A denúncia não é exigível, por ser inteiramente inútil, se o vendedor, depois da entrega da coisa, reconheceu o defeito.

Tratando-se de coisa imóvel, a denúncia deve ser feita no ano subsequente ao do conhecimento do defeito e nos cinco anos posteriores à entrega da coisa. Assim, em coisas daquela espécie, o comprador tem cinco anos a contar da entrega dela para descobrir o defeito; depois de descoberto o defeito, tem um ano para o comunicar ao vendedor (artº 916 nº 3 do Código Civil, na redacção do Decreto-Lei nº 267/94, de 25 de Outubro).

Apenas a acção que tenha por objecto a anulação do contrato é expressamente sujeita a um prazo de caducidade de seis meses (artº 917 do Código Civil). Contudo esta disposição deve ser objecto de interpretação extensiva de modo a aplicar-se a todas as demais pretensões reconhecidas ao comprador no contexto da garantia edilícia e a ela ligadas[11].

Este é, nos seus traços gerais mais relevantes, o regime da responsabilidade do vendedor pela prestação de coisa com vícios ou com defeitos.

Todavia, nos casos de imóveis destinados a longa duração construídos pelo vendedor, na responsabilidade deste pelo mau cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso há que ponderar as regras relativas à responsabilidade do empreiteiro pela prestação de obra defeituosa. Sempre que o vendedor seja, simultaneamente, o construtor do imóvel de longa duração, àquela responsabilidade aplicam-se as regras do contrato de empreitada que regem a responsabilidade – ex contractu – do empreiteiro pelos defeitos da obra (artº 1225 nº 4 do Código Civil).

De uma maneira deliberadamente simplificadora, pode dizer-se que o empreiteiro, adstrito ao dever de realizar uma obra, pode violar o seu dever de prestar por uma de duas formas: ou pelo puro e simples incumprimento ou impossibilitando a prestação (artºs 798 e 801 nº 1 do Código Civil). Existe, no entanto, uma terceira possibilidade, que, relativamente ao contrato de empreitada, é também objecto de previsão específica: a de ter havido um cumprimento defeituoso ou inexacto (artº 1218 e ss. do Código Civil). O empreiteiro não está vinculado apenas à obrigação de realizar uma obra, de obter certo resultado; ele encontra-se ainda vinculado a executar uma obra isenta de vícios e conforme com o convencionado, quer dizer, sem defeitos (artºs 1218 nº 1 e 1219 nº 1 do Código Civil).

Obra defeituosa é, portanto, aquela que tiver um vício ou se mostrar desconforme com aquilo que foi acordado. O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal das prestações daquele tipo; a desconformidade representa uma discordância com respeito ao fim acordado[12].

Quando não houver acordo das partes acerca do fim a que a obra se destina, atende-se, naturalmente, à função normal das obras da mesma categoria. Há, portanto, um padrão normal relativamente à função de cada obra: é com base nesse padrão que se aprecia a existência de vício. Na construção de um edifício, pressupõe-se, por exemplo, que as superfícies se mantenham agregadas e que a exteriores sejam impermeáveis.

A lei assinala à prestação de obra defeituosa várias consequências jurídicas, que assentam num plano comum: a culpa, ainda que meramente presumida do empreiteiro: a responsabilidade deste pelo cumprimento defeituoso é necessariamente subjectiva (artº 799 nº 1 do Código Civil).

Em caso de cumprimento defeituoso, atribui-se ao dono da obra, além da indemnização, o direito de exigir a eliminação dos defeitos, a realização de nova obra, a redução do preço e a resolução do contrato de empreitada (artºs 1221, 1222, 1223 e 1224 do Código Civil). Mas estes direitos não são de exercício atrabiliário, antes obedecem a uma ordem lógica[13].      

Mostrando-se a prestação do empreiteiro defeituosa, o direito primeiro que a lei reconhece ao dono da obra é o de exigir a eliminação do defeito (artºs 1218 nº 1 e 1221 nº 1 do Código Civil). Na verdade, tendo este direito sido estabelecido no interesse de ambos os contraentes, não é lícito do dono da obra impedir o cumprimento dessa obrigação do empreiteiro, mesmo no caso de já mostrar constituído, no tocante a ela, na situação de mora. A não eliminação do defeito ou a não repetição da obra não confere ao dono da obra o direito de, por si ou por terceiro, eliminar o defeito ou refazer a obra, reclamando, depois – ou mesmo antecipadamente - do empreiteiro, o reembolso da despesa correspondente[14]. Só assim não será, segundo a doutrina que se tem por preferível, no caso de incumprimento definitivo daquela obrigação do empreiteiro de eliminação do defeito ou em caso de comprovada urgência (artºs 339 nº 1 e 808 nº 1 do Código Civil)[15].

Os direitos conferidos ao dono da obra estão também sujeitos, para o seu exercício, a prazos de caducidade, em geral, particularmente curtos (artº 1224 nºs 1 e 2 do Código Civil). Todavia, o prazo geral de dois anos é alargado para cinco, também a contar da entrega, no caso de a empreitada ter por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis, destinados por sua natureza, a longa duração (artº 1225 nº 1 do Código Civil).

A denúncia do defeito deve ser feita no prazo de um ano, sendo também de um ano o prazo para a interposição da acção judicial (artº 1225 nºs 2 e 3 do Código Civil). Portanto, no caso de o contrato de empreitada ter por objecto a construção de imóveis, a denúncia do defeito deve ser feita no prazo de um ano e a indemnização e eliminação dos efeitos deve ser pedida no ano seguinte ao da denúncia. A lei não indica o momento partir do que se inicia o prazo da denúncia. Deve, porém entender-se, que esse prazo começa a correr a partir da descoberta do defeito (artº 1220 nº 1, por analogia, do Código Civil).

A comparação do regime da compra e venda, tout court, e da compra e venda de imóveis em que o vendedor foi quem o construiu, modificou ou reparou, mostra uma divergência de prazos: no primeiro caso o limite máximo da garantia pode atingir cinco anos e meio a contar da entrega, dado que aos cinco anos desde a entrega da coisa vendida para a denúncia do defeito, somam-se mais seis meses para interpor a acção judicial (artºs 916 nº 3 e 917 do Código Civil); no segundo, esse último prazo é de um ano (artº 1225 nºs 2 e 3 do Código Civil).

É, portanto, patente uma convergência fundamental de regimes entre a responsabilidade do vendedor e do empreiteiro, que minimizou as injustiças de tratamento desigual, sem fundamento razoável para essa diferença, entre e um e outro caso. Mas a equiparação não é total, pois o vendedor que não tenha construído, modificado ou reparado o imóvel responde nos termos dos artºs 917 e ss. do Código Civil, ao passo que aquele que venda o edifício depois de o ter construído, modificado ou reparado, responde na qualidade de empreiteiro, nos termos do artº 1218 e ss. do mesmo Código. Note-se que a aplicação deste último regime não tem a virtualidade de alterar a qualificação do contrato: este continua a ser um contrato de compra a que são aplicáveis, excepto quanto àquele ponto, as normas específicas deste tipo contratual.

Como se notou os diversos direitos, no caso de violação positiva do contrato ou de cumprimento defeituoso das obrigações que dele emergem para o vendedor ou para o empreiteiro, que a lei reconhece ao comprador, estão sujeitos a caducidade.

A caducidade traduz a extinção de uma posição jurídica pela verificação de um facto stricto sensu, dotado de eficácia extintiva[16]. Em sentido estrito, a caducidade exprime a cessação de situações jurídicas pelo decurso de um prazo a que estejam sujeitas. A caducidade só é impedida pela prática do acto a que a lei ou a convenção atribuam semelhante efeito (artº 331 nº 1 do Código Civil).

No caso, da leitura ainda que meramente oblíqua dos preceitos que a estabelecem conclui-se que se trata de uma caducidade simples, quer dizer, não punitiva, dado que se limita a prever a cessação da situação jurídica pelo decurso do prazo legal, visto que é predisposta directamente pela lei, e relativa a matéria disponível: a sua apreciação não é oficiosa (artºs 330, 331 nº 2 e 333 do Código Civil).

A caducidade produz, ao contrário da prescrição, um efeito extintivo, na espécie sujeita, dos direitos do comprador ou do dono da obra, assentes na prestação de coisa ou de obra defeituosa. Dado que este direito é disponível, a caducidade confere ao devedor o direito potestativo de, através de declaração de vontade, que consiste em invocá-la, por termo àquele direito[17].

Por mesma razão – o carácter disponível dos direitos resultantes da prestação de coisa ou de obra defeituosa – a caducidade não é oficiosamente cognoscível, antes depende de invocação do interessado (artºs 303, ex-vi artº 333 nº 2 do Código Civil)[18].

Todavia, a caducidade pode ser impedida pelo reconhecimento do direito por parte daquele contra quem é exercido (artº 331 nº 2 do Código Civil). Se o vendedor ou o empreiteiro reconhece, de forma inequívoca, na pendência do prazo de caducidade, a existência do direito, ainda que não pratique os actos equivalentes à sua realização – v.g., a eliminação dos defeitos ou a entrega de nova obra – a caducidade deve ter-se impedida[19]. E o impedimento resultante do reconhecimento do respectivo direito, não determina a contagem de novo prazo de caducidade, antes importa a sujeição do exercício do direito ao prazo de prescrição ordinário[20].

Todavia, não está sujeito à caducidade apontada o direito de indemnização do dono da obra por danos não patrimoniais que tenha sofrido em consequência do cumprimento defeituoso nem por danos patrimoniais que tenha suportado com a eliminação dos defeitos ou a reconstrução, por si ou por terceiro, da obra, em resultado de um incumprimento definitivo pelo empreiteiro, de quaisquer destas obrigações: aquele direito à indemnização está sujeito ao prazo ordinário de prescrição[21]. Aquele direito resulta da aplicação das regras gerais do direito das obrigações e não das regras específicas previstas para a venda ou a realização de obra com defeito, e, por isso, não são aplicáveis os prazos de caducidade apontados, previstos para o exercício dos direitos conferidos pelas aquelas normas específicas (artº 798 do Código Civil). Um tal direito está, pois, apenas sujeito ao prazo ordinário de prescrição (artº 309 do Código Civil).

Não assim, porém, quando esse direito emerge não do incumprimento definitivo do vendedor ou do empreiteiro mas da necessidade sentida pelo comprador em proceder, por sua conta, à eliminação dos defeitos, face à urgência na reparação. Como aqui estamos perante a uma simples substituição da modalidade de indemnização a que o vendedor ou o empreiteiro ficaram obrigados pelo cumprimento defeituoso, os prazos de caducidade indicados têm inteira aplicação. A solução justifica-se por o comprador não haver ainda exercido qualquer direito perante o vendedor ou o empreiteiro relativamente aos defeitos da coisa ou da obra prestada.

De harmonia com a decisão da matéria de facto – a que, neste ponto, não é assacado qualquer erro de julgamento – os recorrentes, além de terem procedido à venda do prédio – procederam igualmente à sua construção. Ora, dado que se reúne, nos recorrentes, as qualidades de vendedor e de construtor, é-lhes aplicável o regime jurídico da responsabilidade do empreiteiro pelos defeitos da coisa prestada (artº 1225 nº 4 do Código Civil).

O contrato concluído entre o recorrente e o recorrido não deixa de ser um contrato de compra e venda. Porém, á responsabilidade do primeiro pelos defeitos da coisa – e só quanto a essa responsabilidade – é aplicável o regime da prestação de obra defeituosa[22].

Este pecúlio de considerações é suficiente para se decidir se, realmente, a decisão de procedência da acção contida na sentença impugnada é, ou não, juridicamente exacta.

3.3. Concretização.

O recorrido, fundado nos defeitos que a coisa que os réus construíram e o recorrente lhe prestou, visa, com a acção declarar e fazer valer, não o direito à eliminação daqueles defeitos, mas antes o direito à indemnização, correspondente aos custos das obras de eliminação dos defeitos, entretanto realizadas, por terceiro, que ele mesmo contratou.

Os recorrentes sustentam, na sua alegação, porém, que este direito se mostra extinto por caducidade. Mas é por demais patente a improcedência de uma tal excepção peremptória.

Como se notou – e ao contrário dos que os recorrentes obtemperam no seu recurso – esta caducidade, por se referir a direitos disponíveis, não é de conhecimento oficioso. E não sendo de conhecimento oficioso, a excepção peremptória correspondente, por força do princípio da concentração ou da preclusão a que está submetida a contestação em sentido material – de harmonia com o qual toda a defesa deve ser deduzida na contestação, ou melhor, no prazo da sua apresentação - deveria ter sido alegada naquele articulado (artº 489 nº 1 do CPC de 1961). Não o tendo sido, ficou irremediavelmente precludida a sua invocação[23]. Neste sentido, aquela excepção peremptória nem constitui sequer objecto admissível do recurso, dado que este – dado o seu carácter de recurso de reponderação – visa a apreciação da decisão proferida nas mesmas condições em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento, pelo que o tribunal ad quem não pode ser chamado a pronunciar-se, designadamente, sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida: o recurso é um instrumento de impugnação da decisão proferida em não meio de julgamento de questões novas.

Depois, embora só no tocante aos defeitos que o recorrente se vinculou a reparar, é patente o impedimento, pelo reconhecimento do direito, da caducidade, com a consequente sujeição daquele direito ao prazo de prescrição ordinário.

No entanto, se a excepção peremptória da caducidade deve improceder – o mesmo deve suceder com a acção.

Um das questões mais controversas em matéria de empreitada é a de saber se o dono da obra – ou o comprador – perante os defeitos, goza do direito de recorrer a terceiro para os reparar, assumindo os custos necessários à sua eliminação e imputando, depois esses custos, ao empreiteiro.

A posição tradicional – assente, fundamentalmente, no direito do empreiteiro ao cumprimento perfeito - recusa essa possibilidade. Realmente, o último é o principal interessado nesse cumprimento e, em princípio, procederá à supressão dos defeitos a um custo mais baixo de forma mais consciente. Permitir a um terceiro substituir-se ao empreiteiro, traduzir-se-á, as mais das vezes, num prejuízo certo para o empreiteiro.

Como regra, portanto, o comprador no caso de imóvel construído pelo vendedor – em face dos defeitos que lhe foi prestada pelo vendedor/construtor, não goza em princípio, do direito de proceder, por recurso a terceiros – à supressão dos defeitos e, depois, pedir o reembolso da quantia correspondente ao vendedor/construtor. Só assim não será, de harmonia com a doutrina que se tem por exacto em dois casos contados: na eventualidade de urgência das obras – por perigo eminente de danos graves na própria coisa ou outros bens relevantes da comprador ou de terceiros[24] - ou, independentemente da urgência na realização das obras de eliminação dos defeitos, no caso de incumprimento definitivo, pelo empreiteiro/vendedor, dos deveres de proceder à supressão daqueles defeitos. Tal incumprimento pode decorrer da recusa terminante – peremptória, categórica, séria e definitiva – em cumprir aqueles deveres, do não acatamento da interpelação admonitória, ou de uma várias tentativas frustradas de os cumprir, que, naturalmente, colocam o comprador numa situação de falta injustificada de confiança do vendedor/construtor – perda do interesse objectivo da prestação por este mesmo vendedor/construtor (artº 808 do Código Civil). Deste ponto de vista, o custo do recurso a um terceiro, apresenta-se, apenas e tão-somente, como mais um dano indemnizável decorrente do mau cumprimento ou cumprimento defeituoso, convertido em definitivo. O que não é suficiente, para que reconheça ao comprador o direito a essa indemnização, é a constituição do vendedor/construtor, no tocante ao dever de suprimir os defeitos, em simples mora (artº 804 nº 2 do Código Civil).

                É claro que o vendedor e o comprador podem convencionar entre si que a eliminação dos defeitos será levado a cabo por terceiros, acordo que envolve, necessariamente a renúncia tácita do vendedor ao seu direito ao cumprimento perfeito (artºs 217 e 405 nº 1 do Código Civil).

                Mas um tal acordo é necessário, mas não suficiente, para que se reconheça ao comprador do direito de exigir do vendedor/construtor o custo da reparação dos defeitos por terceiros: além disso, é naturalmente indispensável que se tenha convencionado que aquele custo será suportado, em última extremidade, pelo vendedor/construtor, ou que, o comprador tinha fundadas razões para crer que o último assumiria, nessas mesmas condições, a obrigação de reembolsar o comprador do custo das obras de reparação que satisfez ao terceiro que realizou a obra.

                Pergunta-se, em face da matéria de facto apurada na instância de que provém o recurso – e admitindo mesmo a exactidão do seu julgamento – a supressão dos defeitos da coisa vendida era comprovadamente urgente ou a obrigação correspondente dos recorrentes deve ter-se por definitivamente incumprida?

                Decididamente, a resposta é negativa – o que não deve surpreender dado que nem uma coisa nem outra foi objecto de oportuna alegação. Realmente, a razão alegada pelo recorrido para que tenha sido um terceiro a proceder à reparação dos defeitos invocados, não consistiu na urgência na supressão dos defeitos ou no incumprimento definitivo dos apelantes da obrigação de proceder à sua reparação – mas num acordo, com esse conteúdo, que concluiu com o apelante. Todavia, um tal acordo não ficou demonstrado, julgamento cuja exactidão ninguém controverte no recurso. De resto, também não foi alegado que se convencionou que os custos das obras de correcção feitas por terceiros seriam suportadas pelos recorrentes – mas apenas que o recorrido confiou que o recorrente iria custear essas obras, sem se especificar os factos que tornariam fundada – e, correspondentemente, merecedora de tutela – uma tal confiança.

Decerto que – admitindo em toda a sua extensão a exactidão do julgamento da questão de facto – os apelantes se constituíram em mora no tocante à obrigação de eliminação dos defeitos alegados.

Realmente, há mora do devedor quando, por acto ilícito e culposo deste, se verifique um cumprimento retardado (artº 804 nº 2 do Código Civil). A mora é, portanto, o atraso ilícito e culposo no cumprimento da obrigação: existe mora do devedor, quando, continuando a prestação a ser possível, este não a realiza no tempo devido. Para se concluir que há mora do devedor, não basta, portanto, dizer que, no momento do cumprimento, aquele não efectuou a prestação devida; é ainda necessário que sobre ele recaia um juízo de censura ou de reprovação. Exige-se, portanto, a ilicitude e a culpa do devedor, embora, tratando-se de responsabilidade obrigacional, qualquer retardamento na efectivação da prestação seja, por presunção, atribuído a ilícito cometido com culpa pelo devedor (artº 799 nº 1 do Código Civil).

Simplesmente essa mora dos apelantes no cumprimento da obrigação de suprimir os defeitos alegados não se converteu, por uma das três vias apontadas, em incumprimento definitivo, e só um incumprimento com esta característica abriria a porta à reparação dos defeitos por terceiro e, correspondentemente, ao direito do apelado de exigir dos recorrentes, o respectivo custo.

Sendo isto exacto, então – mesmo admitindo a correcção do julgamento da questão de facto nos segmentos em que foi objecto de impugnação - a conclusão de que os recorrentes não dispõem do direito que lhes foi reconhecido pela sentença apelada é meramente consequencial.

Importa, pois, julgar procedente o recurso, revogar a sentença impugnada e absolver os recorrentes do pedido.

Síntese recapitulativa:

a) De harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância, só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa;

b) O vendedor que tenha construído o imóvel vendido, responde, no tocante aos defeitos patenteados por esse bem, na qualidade de empreiteiro;

c) A caducidade dos direitos do comprador ou do dono da obra, fundados nos defeitos da coisa ou da obra prestada, por se referir a direitos disponíveis, não é conhecimento oficioso, pelo que a excepção peremptória correspondente, deve, sob pena de preclusão, ser alegada no articulado de contestação;

d) O reconhecimento pelo vendedor ou pelo empreiteiro dos direitos do comprador ou dono da obra, na pendência do prazo de caducidade, impede esta mesma caducidade, com a consequente sujeição do exercício daqueles direitos ao prazo de prescrição ordinário,

e) A não eliminação, pelo vendedor ou pelo empreiteiro, do defeito da coisa ou da obra prestada não confere ao comprador o direito de, por si ou por terceiro, eliminar o defeito ou refazer a obra, e de reclamar, depois – ou mesmo antecipadamente – do vendedor - o reembolso da despesa correspondente, excepto nos casos de cumprimento definitivo daquela obrigação ou de comprovada urgência.

                O apelado sucumbe no recurso. Deverá, por esse motivo, satisfazer as custas dele (artº 527 nºs 1 e 2 do NCPC).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, concede-se provimento ao recurso, revoga-se a sentença impugnada e absolvem-se os recorrentes, F… e cônjuge, E…, do pedido.

                Custas do recurso pelo apelado.

                                                                                                                             14.03.18

                                                                                                              Henrique Antunes

                                                                                                             José Avelino Gonçalves

                                                                                                              Regina Rosa


[1] Cfr., relativamente aos deveres acessórios de protecção, e no sentido da sua descontratualização, cfr. Manuel A. Carneiro da Frada, Contrato e Deveres de Protecção, Coimbra, 1994, págs. 55 a 92.
[2] Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, Coimbra, 1994, pág. 185. É portanto, à luz do fim da coisa prestada pelas partes – concepção subjectivo-concreta de defeito – ou, na sua falta, à luz do uso corrente, habitual – noção objectiva do defeito – que se aprecia a existência do vício. Cfr. João Calvão da Silva, Estudos Jurídicos (Pareceres), Almedina, Coimbra, 2001, págs. 335 e 336.
[3] Pedro Romano Martinez, Compra e Venda e Empreitada, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil, e dos 25 anos da Reforma de 1977, vol. III, Coimbra Editora, págs. 246 e 247 e Contratos em Especial, UCP, Lisboa, 1996, pág. 128 e João Calvão da Silva, cit. pág. 336;
[4] Ac. da RL de 21.02.91, CJ, XVI, I, pág. 161
[5] Ac. da RP de 17.11.92, CJ, XVIII, V, pág. 224.
[6] Neste sentido, João Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança. Almedina, Coimbra, 2001, págs. 82 a 84. Mas o ponto é duvidoso. Cfr., no sentido da aplicação, no tocante às situações de defeito superveniente, as regras específicas da venda de coisas defeituosas – e, portanto, propondo uma interpretação restritiva do preceito no sentido de que se pretendeu unicamente esclarecer, que no caso previsto, têm aplicação as regras gerais relativas à transferência da propriedade e do risco - Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, cit., págs. 214 e 215 e 224 a 227.
[7] Ressalva-se, evidentemente, a responsabilidade sem culpa do vendedor, se for dada garantia de bom funcionamento (artº 921 do Código Civil). Mas esta responsabilidade objectiva não vale para todas as pretensões edilícias – mas apenas para os deveres de reparar a coisa e de proceder à sua substituição.
[8] É de caso pensado que o texto se refere à supressão do contrato e não a anulabilidade dele, directamente indicada na lei. O uso daquela expressão teve em vista compreender o entendimento segundo o qual a venda de coisa defeituosa faculta ao comprador não o exercício da faculdade de requerer a anulação do contrato, mas de promover resolução dele e que, portanto, não trata de um problema de erro mas de incumprimento. Cfr., v.g., Pedro Romano Martinez, Contratos em Especial, UCP, Lisboa, 1996, págs. 129 e 130 e Acs. do STJ de 26.6.95, CJ (STJ), II, pág. 143, da RC de 28.03.89 CJ XIV, II, pág. 47 e da RP de 13.05.93, CJ, XVIII, III, pág. 201.
[9] João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, págs.106 a 110; Acs. STJ de 19.10.94, CJ, STJ, II, III, pág. 93, RE de 26.09.96, CJ XXI, IV, pág. 282 e RC de 02.10.01, CJ XXVI, IV, pág. 24.
[10] João Cura Mariano, A Responsabilidade, cit., págs. 114 e 115, Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 346 e Direito das Obrigações (Parte Especial). Contratos. Compra e Venda. Locação. Empreitada, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 483 e Acs. da RP de 22.01.96, CJ XXI, I, pág. 202 e da RC de 10.12.96, RLJ Ano 131, pág. 113.
[11] Neste sentido, João Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Almedina, Coimbra, 2001 e Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, pág. 372 e Direito das Obrigações, pág. 144 e nota (4) e o Assento do STJ de 04.12.96, DR, I Serie, de 30 de Janeiro de 1997 e, v.g., o Ac. do STJ de 02.11.06, www.dgsi.pt. Mas esta solução não vale para pretensões que não se compreendam no artº 913 do Código Civil, quer dizer, para os casos em violação culposa dos deveres do devedor não se refere a vício orgânico ou extrínseco da coisa; nesta hipótese, a responsabilidade ex contracto está sujeita ao prazo ordinário de prescrição (artº 309 do Código Civil). Neste sentido João Calvão da Silva, Compra e Venda, cit., pág. 72 e Ac. do STJ de 22.02.07, www.dgsi.pt.
[12] Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, Coimbra, 1994, pág. 185. É portanto, à luz do fim visado pelas partes com a obra – concepção subjectivo-concreta de defeito – ou, na sua falta, à luz do uso corrente, habitual – noção objectiva do defeito – que se aprecia a existência do vício. Cfr. João Calvão da Silva, Estudos Jurídicos (Pareceres), Almedina, Coimbra, 2001, págs. 335 e 336.
[13] Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, Coimbra, 1994, pág. 395 e João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, Coimbra, 2004, págs. 115 a 119; Acs. da RC de 10.12.96, RLJ, Ano 131, pág. 113, RE de 23.04.98, BMJ nº 476, pág. 507 e RL de 18.05.99, CJ, XXIV, II, pág. 102.
[14] João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, págs.106 a 110; Acs. STJ de 19.10.94, CJ, STJ, II, III, pág. 93, RE de 26.9.96, CJ XXI, IV, pág. 282 e RC de 2.10.01, CJ XXVI, IV, pág. 24.
[15] João Cura Mariano, A Responsabilidade, cit., págs. 114 e 115, Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 346 e Direito das Obrigações (Parte Especial). Contratos. Compra e Venda. Locação. Empreitada, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 483 e Acs. da RP de 22.1.96, CJ XXI, I, pág. 202 e da RC de 10.12.96, RLJ Ano 131, pág. 113.
[16] António Menezes Cordeiro, Da Caducidade no Direito Português, Estudos em Memória do Professor Doutor José Dias Marques, Almedina Coimbra, 2007, pág. 7.
[17] Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, Coimbra Editora, 2008, págs. 26 a 30.
[18] Assim, no tocante à caducidade dos direitos do dono da obra, o Ac. da RC de 12.12.06, www.dgsi.pt.
[19] Acs. da RP de 27.04.06, 26.10.06, 22.02.07, 03.07.08, 06.11.08, 03.03.09, da RL de 26.11.09, da RP de 09.06.10, 09.12.10, 08.02.11, 21.02.11, 22.05.11, 17.11.11, 22.03.11, da 02.11, 21.02.11, 22.05.11, 17.11.11, 22.03.11, da RE de 17.11.11, da RL DE 23.02.12, da RP 22.05.12, do STJ de 22.05.12 e da RL de 12.07.12, www.dgsi.pt
[20] Acs. da RL de 23.02.12, da RC de 08.05.12, do STJ de 22.05.12, da RL de 05.07.12, 12.07.12 e da RP de 11.12.12, www.dgsi.pt.
[21] João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 194 e Ac. da RC de 02.06.09, www.dgsi.pt.
[22] Assim, por último, Pedro de Albuquerque/Miguel Assis Raimundo, Direito das Obrigações, 2012, volume II, Contrato de Empreitada, Almedina, Coimbra, pág. 451.
[23] Ac. do STJ de 29.01.14, www.dgsi.pt.
[24] Note-se que para que se considere justificada a iniciativa do comprador, deve o dano a que se reporta o perigo que se pretende remover ter um valor manifestamente superior ao prejuízo causado ao empreiteiro pelo facto de não ter sido ele a proceder à eliminação dos defeitos (artº 339 nº 1 do Código Civil). O ónus da prova dessa manifesta superioridade, por tratar de facto constitutivo do direito do comprador, vulnera este último (artº 342 nº 1 do Código Civil).