Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
320/10.6TBTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: ALIMENTOS
EX-CÔNJUGE
Data do Acordão: 04/17/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TOMAR – 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 2004º, Nº 2, 2016º, Nº 1, E 2016º-A DO C. CIVIL .
Sumário: I – Com a reforma do C. Civil levada a efeito pelo DL 61/2008, de 31-10, o legislador afirmou, expressamente, o princípio de que depois do divórcio, cada ex-cônjuge deve prover à sua subsistência – n.º 1 do art.º 2016º do C. Civil –, o que já resul­tava das normas gerais sobre alimentos – n.º 2 do art. 2004º –, deixando, contudo, expresso que o ex-cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio – art.º 2016º-A.

II - Com esta orientação o legislador visou explicitar, de uma forma clara, que o direito a alimentos na sequência do divórcio só se constitui se o ex-cônjuge não tiver possibilidades de prover à sua subsistência.

III - Assim, constatada que esteja a qualidade de ex-cônjuge do demandante de alimentos, tem que se apurar a sua incapacidade de prover à sua subsistência e somente após a constatação desta é que se parte para a verificação dos requisitos daquele preceito, i. e., a ponderação das necessidades de quem os pretende e as possibilidade daquele que os presta, sendo de considerar as várias circunstâncias ali enumeradas, com a finalidade de fixar o montante respectivo.

IV - Está fora de qualquer dúvida que a prova da incapacidade de prover à subsistência, que está na génese do direito a alimentos entre divorciados, impende, como facto constitutivo desse direito, àquele que deles pretende beneficiar, sendo assim a Autora que terá que ter demonstrado os factos donde resulte essa incapacidade, seja com os seus bens pessoais, rendimentos do trabalho ou de capital.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
A Autora intentou a presente acção com processo ordinário, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe, a título de prestação de alimentos, a quantia mensal de € 550,00.
Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese:

O Réu contestou, alegando, em síntese:

Concluiu pela improcedência da acção.

Veio a ser proferida sentença que julgou a acção nos seguintes termos:
Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente por pro­vada e, em consequência, condeno J… a pagar, a título de alimentos, a I…, a prestação mensal de € 250,00, prestação que será paga até ao dia 10 do mês a que disser respeito, acrescida da quantia de € 50,00 por mês até amortização das prestações alimentares já vencidas.

                                             *

Insatisfeito com a decisão o Réu interpôs recurso, formulando as seguin­tes conclusões:
...
A Autora apresentou resposta, defendendo a confirmação da decisão.
1. Do objecto do recurso
Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das ale­gações do recorrente, cumpre apreciar as seguintes questões:
a) A Autora não tem necessidade de alimentos?
b) Os rendimentos do Réu não permitem satisfazer a necessidade de ali­mentos da Autora?
2. Dos factos
Os factos provados são os seguintes:

3. O direito aplicável
O presente recurso foi interposto na sequência da decisão que condenou o Réu a pagar à Autora a quantia mensal de € 250,00, a título de alimentos.
Como fundamentos do recurso o Réu invoca a falta de necessidade da Autora, por um lado, e a sua incapacidade para lhos prestar, por outro.
Autora e Réu foram casados entre si, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio por mútuo consentimento decretado por sentença proferida em 28 de Junho de 2007.
A Autora dirige o seu pedido de alimentos contra o Réu, na sua qualidade de ex-cônjuge, tendo intentado a presente acção em 15.3.2010.
Com a reforma do C. Civil levada a efeito pelo DL 61/2008, de 31-10, o legislador afirmou, expressamente, o princípio de que depois do divórcio cada cônjuge deve prover à sua subsistência – n.º 1 do art.º 2016º do C. Civil –, o que já resul­tava das normas gerais sobre alimentos – n.º 2 do art. 2004º –, deixando, contudo, expresso que o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio – art.º 2016º-A.
Com esta orientação o legislador visou explicitar, de uma forma clara, que o direito a alimentos na sequência do divórcio só se constitui se o ex-cônjuge não tiver possibilidades de prover à sua subsistência.
E só se a um deles tal não for de todo possível, terá então o direito a receber alimentos do outro cônjuge, em montante que lhe permita garantir um mínimo de vida digna, e sempre de acordo com as reais possibilidades económicas do ex-cônjuge obrigado a prestá-los. Este direito, assentando num dever assisten­cial que perdura para além do casamento, passou a ter carácter subsidiário e, seguramente, limitado pela obrigação de socorro numa situação de grande exigên­cia resultante de manifesta carência de meios de subsistência num quadro de impossibilidade ou séria dificuldade de obtenção de rendimento suficiente à realiza­ção de uma vida minimamente condigna.[1]
Assim, constatada que esteja a qualidade de ex-cônjuge do demandante de alimentos, tem que se apurar a sua incapacidade de prover à sua subsistência e somente após a constatação desta é que se parte para a verificação dos requisitos daquele preceito, i. e, a ponderação das necessidades de quem os pretende e as possibilidade daquele que os presta, sendo de considerar as várias circunstâncias ali enumeradas, com  a finalidade de fixar o montante respectivo.
Está fora de qualquer dúvida que a prova da incapacidade de prover à subsistência, que está na génese do direito a alimentos entre divorciados, impende, como facto constitutivo desse direito, àquele que deles pretende beneficiar, sendo assim a Autora, no caso que nos ocupa, que terá que ter demonstrado os factos donde resulte essa incapacidade, seja com os seus bens pessoais, rendimentos do trabalho ou de capital.
Na verdade, a necessidade do alimentando consiste na impossibilidade de prover total ou parcialmente à sua subsistência, seja com os seus bens pessoais seja com o seu trabalho, sendo, pois, a impossibilidade de prover ao seu sustento aferida pelo seu património e pela sua capacidade de trabalho. No caso de poder prover às suas necessidades através do seu trabalho ou de outros meios que lhe proporcionem um rendimento suficiente, o direito a alimentos pelo ex-cônjuge não lhe deve ser reconhecido, dado ser um meio subsidiário, só justificável na ausência de outros meios de subsistência.
Quanto ao património deve ter-se em conta os rendimentos que lhe pro­porcionem os bens do qual é proprietário, mas também a possibilidade de proceder à alienação desses bens para daí obter proventos que possibilitem a sua subsistência.
Quanto à capacidade de trabalho do alimentando, caso não se encontre a exercer uma profissão remunerada, deve ter-se em conta a sua formação, competên­cias, idade e o seu estado de saúde, tendo sempre presente que é sobre si que impende o dever de prover à satisfação das suas necessidades fundamentais, de harmonia, de resto, com o princípio da responsabilidade pessoal de cada um dos cônjuges pelo seu futuro económico depois do divórcio.           Não basta, no entanto a simples capacidade para o trabalho, sendo ainda necessária a possibilidade real de efectiva ocupação laboral, dada a dificuldade com que se pode deparar em encontrar posto de trabalho em consequência do desemprego e da crise económica.
Nada se apurou quanto à impossibilidade da Autora prover ao seu próprio sustento, nomeadamente que esteja impossibilitada de trabalhar ou que não seja possível rentabilizar ou alienar o seu património imobiliário no sentido de obter meios que lhe permitam prover, por si só, ao seu sustento.
Com alguma relevância apenas se provou que a Autora tem como único rendimento o montante que lhe é pago a título de RMI, que no divórcio Autora e Réu acordaram em que este lhe pagava, a título de alimentos e até à partilha dos bens, a quantia mensal de € 500,00, e que a Autora sempre foi doméstica. Estes factos se revelam que a Autora não aufere rendimentos suficientes para a sua sub­sistência condigna, não são suficientes para permitirem a conclusão de que a Autora não tem condições para, através do desempenho de uma profissão ou da rentabiliza­ção do seu património, prover ao seu sustento.
Face ao exposto, não tendo a Autora demonstrado uma impossibilidade efectiva de prover ao seu sustento não podem à mesma ser atribuídos alimentos a prestar pelo ex-cônjuge, ficando assim prejudicada a apreciação das possibilidades do Réu em os prestar.

Decisão
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso interposto pelo Réu e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, julgando-se a acção improcedente e absolvendo-se o Réu do pedido formulado pela Autora.
Custas da acção e do recurso pela Autora.


Sílvia Pires (Relatora)
Henrique Antunes
Regina Rosa


[1] Ac. do T. R. P., de 15.9.2011, relatado por Filipe Caroço, proc. n.º 11425/08.3TBVNG.P1, acessível em www.dgsi.pt.