Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1313/18.0T8FIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: TEMPO DE TRABALHO
DESLOCALIZAÇÃO DO TRABALHADOR NO ESTRANGEIRO
‘LEI MACRON’
Data do Acordão: 12/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUIZO DO TRABALHO DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: CCTV OUTORGADO ENTRE A FESTRU, ATUAL FECTRANS, E A ANTRAM, PUBLICADO NO BTE 1ª SÉRIE, Nº 9, DE 8/3/80, COM AS SUCESSIVAS ACTUALIZAÇÕES.
Sumário: 1. Salvo acordo em sentido contrário, os tempos de deslocação de um trabalhador deslocalizado no estrangeiro, para e da sua residência em Portugal, para gozar descansos compensatórios e retomar o seu trabalho no estrangeiro, não podem ser contabilizados como tempo de trabalho.

2. Após a cessação do contrato de trabalho, o direito à retribuição é renunciável e não é de exercício necessário.

3. A denominada “Lei Macron” apenas se aplica às empresas não residentes em território francês: i) que deslocam motoristas para a França para realização de operações de transporte com origem ou destino em França; ii) ou com operações de cabotagem nesse país.

4. Apesar da consagração do princípio da “autonomia privada” no art. 3º/1 da Convenção de Roma de 1980 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, em resultado do que as partes contratantes podem optar pela lei que irá regular o contrato de trabalho, o art. 6º/1 da mesma Convenção impõe o afastamento da aplicação daquela lei escolhida nas situações em que da mesma resulte a privação para o trabalhador da protecção emergente de disposições imperativas legais que lhe seriam aplicáveis na falta de escolha.

5. Por força da primazia do Direito da União, o art. 8º/1 do CT/09 tem de ser interpretado em termos de não ser postergado o estatuído na Directiva 96/71/CE.

Decisão Texto Integral:










Acordam na 6.ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

O autor propôs contra a ré a presente acção com a forma de processo comum e emergente de contrato de trabalho, tendo deduzido o pedido seguidamente transcrito:

Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada declarando-se a rescisão do contrato efectuada com justa causa e a R. condenada a pagar ao A. a quantia de 26.412,39€, acrescida dos juros moratórios à taxa legal a contar de 30.04.2018 e até integral pagamento.”.

Como fundamento da sua pretensão alegou, em resumo, que tendo sido trabalhador subordinado da ré, resolveu, com justa causa subjectiva para o efeito, o contrato de trabalho, sendo que do contrato e da sua cessação emergiram para si os créditos melhor identificados e quantificados ao longo da petição inicial, os quais não foram satisfeitos pela ré.

Citada, a ré contestou, pugnando pela improcedência da acção, “… à exceção: - Do valor de €145,90 referente à diferença salarial na retribuição de férias, resultantes da inclusão na mesma dos valores médios recebidos pelo autor, a título de trabalho suplementar prestado em dias de descanso, respeitante ao ano de 2017.”.

Alegou, em resumo, que o autor não é titular de qualquer dos créditos a que se arroga na petição, com excepção da diferença salarial na retribuição de férias de 2017 no valor de €145,90 que admite estar em dívida.

A acção prosseguiu os seus regulares termos, acabando por ser proferida sentença de cujo dispositivo consta, designadamente, o seguinte: “Pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:

a) Condeno a R. “T..., S.A.” a pagar ao A. N... quantia a liquidar posteriormente e nunca podendo exceder os montantes peticionados a estes títulos pelo A., relativa aos dias de férias não gozadas pelo A. e à retribuição do trabalho prestado pelo A. ao serviço da R. de acordo com o instrumento de regulamentação coletiva do trabalho aplicável, excluindo o pagamento de descansos compensatórios e depois de descontados os montantes já pagos pela R., acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos desde 30/4/2018 e até efetivo e integral pagamento;

b) Absolvo a R. “T..., S.A.” do demais peticionado pelo A. N....

Inconformado com o assim decidido, apelou o autor, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:

a) - O A. realizava, no estrangeiro, ao serviço da Ré e por determinação desta, como motorista TIR para que foi contratado, viagens entre a Bélgica onde a Ré tinha a sua base na cidade de Leuze e vários países europeus com excepção de Portugal, pelo que todo o tempo dos contratos, o primeiro de 04.08.2015 a 03.08.2016 e o segundo de 02.11.2016 a 31.12.2017, excluindo os dias que o A. passou em Portugal nos termos do disposto na Clª 4º nº4 de ambos os contratos se têm que considerar como dias passados no estrangeiro ao serviço da Ré.

b)- Se não se decidir assim, o A. que trabalhou sempre destacado no estrangeiro, acabava por ter menos direitos que os motoristas TIR, pois estes são considerados como passados ao serviço da Ré todos os dias, desde o dia da partida até ao da chegada a Portugal e ao chegarem a Portugal não podem legalmente sair para nova viagem sem descansarem tantos dias úteis quanto os domingos e feriados que passaram nessas viagens, no estrangeiro, acrescido de mais um dia ( 24 horas) antes da partida para a nova viagem.

c)- Ora como atento o regime de trabalho do A. no estrangeiro, não era possível determinar os descansos correspondentes aos fixados na Clª 20 nº3 do CCTV as partes ao fixarem na Clª 4 nº4 dos contratos o direito do A. vir a Portugal descansar 2 semanas, após 60 dias de trabalho, estavam a fixar aleatoriamente que naquelas 2 semanas estavam incluídos todos os descansos compensatórios a gozar pelo A. correspondentes aos 60 dias de trabalho, tanto mais que só se referiram a descansos e caso quisessem fixar férias teriam expressamente que o dizer, com a restrição que o A. ao chegar a Portugal não poderia começar a gozar férias sem primeiro gozar todos os descansos compensatórios a que tinha direito.

d)- Por tudo o já dito a este propósito, não tem qualquer fundamento a restrição do MMª Juiz de impedir o A. de reclamar o pagamento, em liquidação, das verbas relativas aos descansos compensatórios a que tinha direito, pelo que, neste sentido, deve eliminar-se da decisão, expressão “excluindo o pagamento de descansos compensatórios” por violar os direitos do A. plasmados na Clª 20 nº3 e 41 nº6 do C.C.T.V.

e)- O MMº Juiz não definiu se, juridicamente, os dias de descanso que o A. vinha gozar a Portugal de 60 em 60 dias eram descansos compensatórios ou eram férias, sendo que só com tal definição será possível liquidar, quer os descansos compensatórios quer as férias não gozadas.

f) – O MMº Juiz não se pronunciou sobre o peticionado pelo A. a título de subsídio de férias nos arts. 26 e 38º da petição inicial onde pedia a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 285,30, da qual deverá ser reconhecida.

g)- Uma vez que as partes acordaram nos contratos que o A. viria a Portugal gozar 2 semanas (ou 14 dias consecutivos) de descanso após cada período de 6 semanas de trabalho e tal só se poderá entender no sentido da Ré pretender dar a gozar ao A. os descansos compensatórios a que este tinha direito nos termos das Clªs 20, nº 3 e 41, nº 6 do CCTV, então sobre a Ré recaia a obrigação de suportar todas as despesas com essas deslocações desde a saída do A. da cidade belga de Leuze onde a Ré tinha a sua base até à povoação de Mira onde o A. tinha a sua residência em Portugal e regresso, e pagar todos os dias gastos nessas viagens como dias de trabalho, isto é, passados ao serviço da Ré no estrangeiro, incluindo as diárias e os acréscimos legais sempre que esses dias fossem de descanso.

h) – O A. nas viagens realizadas em França tinha direito a que a remuneração horária mínima ilíquida fosse a vigente em França de 9,88€, quer por aplicação do disposto na Lei Macron dirigido à empresa Ré, quer emergente dum direito próprio do A. que lhe é conferido pelo disposto no art. 7º nº1 al. e) e nº2 al. a) , “ ex vi” do art.8º do C. do T., dado o A. se encontrar em França como trabalhador destacado.

i) – A Ré deve ser condenada a pagar ao A. o total a liquidar previamente à execução relativo aos dias de descanso, (sábados, domingos e feriados) passados no estrangeiro ao serviço e por determinação da Ré e que são todos os respeitantes à duração dos contratos, dele excluindo apenas os dias que o A. descansou em Portugal em cumprimento do acordado na Clª 4 nº4 dos contratos individuais celebrados entre as partes.

j) – Todos os fundamentos invocados como justa causa para a rescisão do contrato se verificaram pelo que dada a ilicitude da conduta da Ré, devia esta ter sido condenada a pagar ao A. a indemnização pedida a este título. ORA

l) – Ao não condenar a Ré pela forma e no montante peticionado pelo A. na p.i. e atentos os fundamentos “supra” referidos, violou o MMº Juiz “a quo” o disposto na Clª 41 nº6 e 20 nº3 do C.C.T.V. no art. 7º nº1 al. e) e nº2 al. a), 127 nº3 e 194 nº4 do C. do T., Clª 47 nº6.”.

A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente.

Cumpre decidir.

II – Questões a resolver

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex-vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:

1ª) se os factos dados como provados permitem reconhecer o autor como titular de um crédito pecuniário sobre a ré decorrente de descansos compensatórios que não foram concedidos ao autor pela ré e que lhe deveriam ter sido concedidos por trabalho prestado à ré, no estrangeiro, em sábados, domingos ou feriados;

2ª) se a sentença recorrida incorreu em qualquer vício ao decidir como decidiu em matéria de créditos por férias não gozadas;

3ª) se a sentença recorrida incorreu em qualquer vício ao decidir como decidiu em matéria de créditos por subsídio de férias;

4ª) se o autor tinha direito a que a ré lhe custeasse, por ocasião das suas deslocações entre a sua residência em Portugal e a sua base de trabalho em Leuze, para gozo de férias e descansos compensatórios, todas as despesas necessárias à concretização dessas deslocações, mesmo para lá das despesas com as viagens de avião entre Bruxelas e Porto que a ré suportou;

5ª) se o autor logrou provar os factos constitutivos do direito de crédito a que se arrogou na petição inicial e referente à retribuição correspondente a sábados, domingos e feriados em que o autor se terá deslocado entre a Bélgica e Portugal e vice-versa com a finalidade de gozar em Portugal descansos compensatórios;

6ª) se a ré deveria ter sido condenada a pagar ao autor as quantias a cujo direito se arrogou na petição inicial e referente às “diárias” relativas aos dias das viagens “Portugal/Bélgica”;

7ª) se a ré deveria ter sido condenada a pagar ao autor as quantias a cujo direito se arrogou na petição inicial com fundamento em aplicação da denominada “Lei Macron”;

8ª) se deve ser introduzido qualquer esclarecimento no dispositivo da sentença recorrida referente ao crédito do autor por trabalho prestado no estrangeiro aos sábados, domingos e feriados;

9ª) se assistia ao autor o direito a resolver, com justa causa subjectiva para o efeito, o contrato de trabalho entre ele e a ré.

III – Fundamentação

A) De facto

Factos provados

O tribunal recorrido descreveu como provados os factos seguidamente transcritos:

1º A R. dedica-se ao Transportes Público Rodoviário de Mercadorias. (Artigo 1º da Petição Inicial)

2º O A. e a R. assinaram os documentos juntos ao processo (e ora dados por integralmente reproduzidos), intitulados “Contrato de trabalho a termo certo” (dois) e “Acordo de prorrogação do contrato de trabalho”, tendo o A. sido admitido ao serviço da R. em 4/8/2015, saindo da R., por vontade do A., no dia 3/8/2016, e sendo readmitido ao serviço da R. em 2/11/2016, mantendo-se a trabalhar para a R. até ao dia 30/4/2018 (sendo que esta ação foi apresentada em juízo em 5/9/2018 e a R. foi citada em 17/9/2018). (Respostas aos Artigos 2º, 10º, 12º a 14º, 16º, 20º da Petição Inicial, aos Artigos 1º, 2º, 4º a 6º, 14º a 17º e 24º da Contestação e aos Artigos 14º e 15º da Resposta à Contestação)

3º O A., ao serviço da R., exercia as funções de motorista de veículos pesados com carta da ADR para o transporte de matérias perigosas, desempenhando as funções de motorista dos Transportes Internacionais Rodoviários de Mercadorias, trabalhando sob as ordens e fiscalização da R., sendo que a R. não pagava ao A. as refeições à fatura, nem antes da saída para as viagens lhe fazia adiantamentos, pagando-lhe uma “diária” de €50 e, a partir de 2/11/2016, de €55 por cada dia em que trabalhasse, que levava aos recibos no “Código 34” a título de “Ajudas de Custo-Estrangeiro – Motoristas”. (Respostas aos Artigos 3º a 9º da Petição Inicial)

4º O A. recebeu da R., sob as rubricas aí constantes, as quantias que constam dos recibos de vencimento do A. juntos ao processo (ora dados por integralmente reproduzidos), tendo trabalhado, ao serviço da R., em fins-de-semana e feriados não concretamente apurados, sendo que R. emitiu e entregou ao A., para as ter consigo quando estava ao seu serviço em França, as “Attestation de Detachement” juntas ao processo (igualmente dadas por reproduzidas na sua globalidade). (Respostas aos Artigos 11º, 26º a 38º, 44º e 60º a 83º da Petição Inicial e aos Artigos 40º a 49º e 70º a 106º da Contestação)

5º A R. colocou o A. a efetuar viagens apenas no estrangeiro, tendo como base a cidade de Leuze na Bélgica, trabalhando o A. 6 semanas no estrangeiro e vindo 2 semanas a Portugal, saindo do aeroporto de Bruxelas quase sempre num sábado e regressando após 2 semanas a Bélgica quase sempre num domingo, ao mesmo aeroporto de Bruxelas. (Respostas aos Artigos 17º a 10º, 21º da Petição Inicial)

6º O A. gozou, enquanto esteve ao serviço da R., um número não concretamente apurado de dias de férias em Portugal. (Respostas aos Artigos 23º a 25º da Petição Inicial e aos Artigos 28º a 36º da Contestação)

7º O A. realizou várias viagens, às ordens e por determinação da R., entre a Bélgica e Portugal, para gozo de férias e descanso em Portugal, sendo que a R. apenas pagava ao A. o bilhete de avião entre Portugal e Bruxelas (e vice-versa), suportando o A. as despesas inerentes às restantes deslocações do A. (que ascenderam a um montante não concretamente apurado) e não lhe pagava a “diária” relativa aos dias em que o A. realizava essas viagens. (Respostas aos Artigos 39º a 43º e 45º a 59º da Petição Inicial e aos Artigos 50º a 69º da Contestação)

8º O A. enviou à R., que a recebeu, a carta registada datada de 30/4/2018 e junta ao processo (também aqui dada por totalmente reproduzida), em que consta que o A. vem rescindir o contrato de trabalho com os fundamentos aí constantes. (Respostas aos Artigos 84º e 85º da Petição Inicial e aos Artigos 108º a 110º da Contestação).

B) De Direito

Como nota prévia ao conhecimento subsequente das questões a decidir supra enunciadas, importa referir que a matéria de facto enunciada pelo tribunal recorrida como provada e não provada não foi objecto de impugnação nos termos e para os efeitos enunciados no art. 640º do NCPC, ex-vi da alínea a) do nº 2 do artigo 1º do CPT.

Por outro lado, não se vislumbra fundamento bastante para uma intervenção oficiosa deste Tribunal da Relação do tipo da prevista no art. 662º/2 do NCPC,

Como assim, a matéria de facto a considerar no âmbito desta apelação é, exclusivamente, a enunciada pelo tribunal recorrido, ou seja, apenas a título de exemplo, que: i) o autor trabalhou, “… ao serviço da R., em fins-de-semana e feriados não concretamente apurados…”; ii) “O A. gozou, enquanto esteve ao serviço da R., um número não concretamente apurado de dias de férias em Portugal.”; iii) “O A. realizou várias viagens, às ordens e por determinação da R., entre a Bélgica e Portugal, para gozo de férias e descanso em Portugal, …”.

Por outro lado, não é possível considerar que: i) em 04/08/2015, o autor fez a viagem Portugal/Bélgica, para iniciar o primeiro contrato de trabalho, tendo realizado, no âmbito de vigência desse primeiro contrato, as viagens de ida e volta Bélgica/Portugal enunciadas no art. 39º da petição para gozar em Portugal os descansos compensatórios dos feriados e dias de descanso obrigatório trabalhados no estrangeiro; ii) o autor realizou uma viagem Portugal/Bélgica, no dia 2/11/2016, para iniciar o segundo contrato de trabalho, tendo realizado, no âmbito de vigência desse segundo contrato, as viagens de ida e volta Bélgica/Portugal enunciadas no art. 40º da petição para gozar em Portugal os descansos compensatórios dos feriados e dias de descanso obrigatório trabalhados no estrangeiro; iii) no período de vigência do primeiro contrato e com excepção dos períodos de tempo enunciados no art. 39º da petição, o autor esteve sempre ao serviço da ré no estrangeiro; iv) no período de vigência do segundo contrato e com excepção dos períodos de tempo enunciados no art. 40º da petição, o autor esteve sempre ao serviço da ré no estrangeiro.

Quedam inconsistentes, por isso e porque consequentemente não encontram respaldo na decisão sobre a matéria de facto, algumas afirmações que o apelante faz nas suas alegações, de que são exemplo as seguintes: i) é possível “…saber os dias que o A. passou em Portugal nas viagens entre a Bélgica e Portugal.”, designadamente os identificados nos arts. 39º e 40º da petição inicial; ii) é possível saber “… não só os domingos e feriados, mas todos os dias de descanso incluindo os sábados, que o A. passou ao serviço da Ré no estrangeiro, às ordens e por determinação desta.”, concretamente os identificados no art. 64º da petição inicial.

Isto dito, importa agora conhecer e decidir as supra identificadas questões integradoras do objecto desta apelação.

Primeira questão: se os factos dados como provados permitem reconhecer o autor como titular de um crédito pecuniário sobre a ré decorrente de descansos compensatórios que não foram concedidos ao autor pela ré e que lhe deveriam ter sido concedidos por trabalho prestado à ré, no estrangeiro, em sábados, domingos ou feriados.
À relação de trabalho entre o autor e a ré aplica-se o CCTV outorgado entre a FESTRU, actual FECTRANS, e a ANTRAM, publicado no BTE 1ª série, nº 9, de 8/3/80, com as sucessivas actualizações de que foi objecto (cfr. BTE´s nºs 16/82, 18/86, 12/81, 16/82, 18/83, 18/86, 18/87, 28/88, 20/89, 19/90, 18/91, 25/92, 25/93, 24/94, 20/96 e 30/97), ex-vi das Portarias de Extensão publicadas nos BTE nº 30, de 15/08/1980, e 33 de 08/09/1982).

Por outro lado, não vem impugnado o segmento da decisão recorrida em que se afirma “… relativamente aos dias de descanso compensatório peticionados pelo A., competia ao A. não apenas a prova que tivesse trabalhado para a R. em dias de descanso (o que efetivamente sucedeu, embora se desconheça em que dias concretos), mas também do não gozo desses dias de descanso compensatório.”.

Finalmente, o decidido pela sentença recorrida no concreto segmento em apreço foi no sentido de não ser reconhecido ao autor qualquer crédito pecuniário emergente do facto da ré ter inobservado a cláusula 41ª/6 do CCTV supra identificado, nos termos da qual “Por cada dia de descanso semanal ou feriado em serviço no estrangeiro o trabalhador, além do adicional referido nos nºs 1 e 2 desta cláusula, tem direito a um dia de descanso complementar, gozado seguida e imediatamente à sua chegada.”.

Assim sendo, conquanto o pedido do autor não incluísse qualquer verba pecuniária que considerasse ser-lhe devida com esse fundamento apreciado pelo tribunal recorrido[1] e uma vez que neste domínio não vem arguida qualquer nulidade da sentença por excesso[2] ou omissão[3] de pronúncia, a nossa actividade cognitiva e decisória incidirá exclusivamente sobre o assim decidido pelo tribunal recorrido.

Como assim, a resposta a esta questão só pode ser afirmativa se for possível sustentar, face aos factos dados como provados, que: i) o autor trabalhou no estrangeiro um determinado número de dias correspondentes a sábados, domingos e feriados, concretamente todos ou alguns dos 186 dias identificados no art. 64º) da petição inicial; ii) a ré concedeu um número de dias de descanso compensatório em número inferior aos sábados, domingos e feriados em que o autor trabalhou para a mesma, com inobservância do disposto na cláusula 41ª/6 do CCTV supra identificado.

Ora, a respeito do que foi alegado pelo autor no art. 64º da petição, provou-se apenas que o mesmo trabalhou para a ré “… em fins-de-semana e feriados não concretamente apurados …” (ponto 4º dos factos descritos como provados).

Por outro lado, não resulta dos factos provados que a ré não tenha concedido ao autor todos ou alguns dos dias de descanso compensatório devidos por trabalho prestado no estrangeiro aos sábados, domingos ou feriados, matéria essa que, aliás, nem sequer se encontrava alegada na petição inicial[4].

Neste enquadramento, não podia a sentença recorrida ter reconhecido ao autor, ainda que dependente de ulterior liquidação quantificadora, qualquer crédito por descansos compensatórios devidos por força da cláusula 41º/6 e que não tivessem sido dados a gozar.

Aliás, estando em causa uma relação contratual de trabalho subordinado já cessada, com a consequente disponibilidade dos créditos salariais de que o autor fosse titular e que daquela emergissem, e uma vez que o autor nada alegou ou peticionou em termos de descansos compensatórios não gozados, o reconhecimento pela sentença recorrida de qualquer crédito devido a tal título faria incorrer aquela peça processual em nulidade por condenação em objecto diverso do pedido (art. 615º/1/e NCPC).

É negativa, assim, a resposta à questão que está em apreciação.

Segunda questão: se a sentença recorrida incorreu em qualquer vício ao decidir como decidiu em matéria de créditos por férias não gozadas.

Com o fundamento de que “…não se tendo apurado, prima facie, os … dias de férias não gozadas pelo A. …”, decidiu a sentença recorrida condenar a ré a pagar ao autor a “… quantia a liquidar posteriormente e nunca podendo exceder os montantes peticionados a estes títulos pelo A., relativa aos dias de férias não gozadas pelo A. …”.

Ora, importa sublinhar que todo o raciocínio discordante formulado pelo apelante relativamente ao assim decidido pela sentença recorrida assenta num duplo pressuposto, a saber: i) a sentença recorrida não decidiu uma dada questão preliminar[5], sendo dessa decisão que dependia a solução para a outra questão do direito invocado pelo autor por férias não gozadas, incorrendo-se assim em omissão de pronúncia; ii) caso a decisão omitida nos termos mencionados em i) tivesse sido no sentido de que o autor também gozou férias em Portugal nalguns dos períodos de duas semanas que o mesmo passava em Portugal (ponto 5º dos factos provados), então a sentença recorrida deveria ter considerado que a ré não concedeu ao autor todos os descansos compensatórios a que o mesmo tinha direito ao abrigo da cláusula 41ª/6 do CCTV supra identificado, razão pela qual não deveria ter excluído do montante a apurar em sede de liquidação os créditos do autor por esses descansos não gozados.

Quanto ao primeiro desses pressupostos, importa considerar que a omissão de pronúncia constitui um dos vícios determinantes da nulidade da sentença (art. 615º/1/d NCPC).

Ora, independentemente de se saber se a sentença enferma desse vício de nulidade que lhe é assacado pelo recorrente, o certo é que a arguição do mesmo não teve lugar no requerimento de interposição do recurso, expressa e separadamente, tal como impunha o art. 77º/1 CPT vigente à data da interposição do recurso.

Como se sabe, esse art. 77º/1 encontrava a sua razão de ser na circunstância das nulidades serem, em primeira linha, dirigidas à apreciação pelo juiz do tribunal da 1ª instância e para que o possa fazer; radica no “…princípio da economia e celeridade processuais para permitir ao tribunal que proferiu a decisão a possibilidade de suprir a arguida nulidade.” – neste sentido, por exemplo, acórdão da Relação do Porto de 20-2-2006, proferido no processo 0515705, bem como demais jurisprudência aí invocada.

O acórdão do Tribunal Constitucional n° 304/2005, publicado no DR, II Série, de 05/08/2005, deixou consignado que em processo do trabalho, o requerimento de interposição de recurso e a motivação deste, no caso de arguição de nulidades da sentença, devia ter duas partes: a primeira dirigida ao juiz da 1ª instância, contendo essa arguição; a segunda, contendo a motivação do recurso, dirigida aos juízes do tribunal ad quem.

O recorrente não respeitou tal procedimento, pois que numa única peça de alegações e respectivas conclusões, dirigida a este tribunal, arguiu a nulidade e motivou o recurso.

Como assim, uma vez que o recorrente não respeitou, relativamente à arguição da nulidade da sentença, o procedimento legalmente estabelecido para o efeito no CPT vigente à data da interposição do recurso, não deve conhecer-se de tal nulidade.

Quanto ao segundo pressuposto, já supra se deixou evidenciado que o autor nada peticionou em matéria de créditos por descansos compensatórios não concedidos pela ré e devidos por força da cláusula 41ª/6 do CCTV supra identificado.

De resto, é o próprio apelante que também o reconhece ao referir nas alegações que “…facto do A. não ter pedido o pagamento dos descansos compensatórios por os considerar todos gozados nos dias passados em Portugal, não obsta à condenação da Ré, nesse sentido, dado o princípio do “ultra petita partium””.

Sucede que tal raciocínio não pode merecer acolhimento por parte deste Tribunal.

É certo que nos termos do art. 74º do CPT, “O juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 514.º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.”.

E, “…o art. 74.º (…) constitui precisamente um caso em que a lei impõe ao julgador um dever oficioso de aplicar a lei aos factos de que possa servir-se, em homenagem ao interesse e ordem pública que constituem pressuposto das normas imperativas e indisponíveis de natureza laboral, interesse este que é mais vasto do que o interesse individual dos titulares dos inerentes direitos na sua satisfação efectiva e que justifica a impossibilidade de afastamento de aplicação destas normas por livre determinação da vontade das partes.”, sendo certo que “Têm a doutrina e a jurisprudência feito uma distinção básica entre os direitos de existência necessária, mas que não são de exercício necessário, como é o caso do direito ao salário após a cessação do contrato, e os direitos cuja existência e exercício são necessários, aí situando justamente o caso dos direitos a reparação por acidente de trabalho (…) e, também, do direito ao salário na vigência do contrato. É pacífico que a condenação “extra vel ultra petitum” só se justifica neste segundo tipo de direitos, que têm subjacentes interesses de ordem pública, cabendo ao juiz o suprimento dos direitos de exercício necessário imperfeitamente exercidos pelo seu titular (ou seu representante).” – Abílio Neto, Código de Processo do Trabalho Anotado, Ediforum, 2011, p. 193.

Esta possibilidade de o magistrado judicial condenar para além do pedido, resulta da circunstância nada despicienda de estarmos na presença de direitos imbuídos de uma natureza muito específica. Respeitam a aspectos de assistência na doença e na invalidez. Buscam, portanto, a sua indisponibilidade absoluta em razões de interesse e de ordem pública, isto é, em interesses supra-individuais. Destarte, é da mais elementar justiça material que, se o interessado não actua, exercendo os direitos com vista à indemnização por acidente de trabalho ou doença profissional (reitere-se, direitos de exercício necessário), o juiz se lhe deva sobrepor, atribuindo-lhe e arbitrando-lhe as indemnizações resultantes de previsão legal no ordenamento jurídico-laboral nacional.” – Paulo Sousa Pinheiro, A condenação extra vel ultra petitum, Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, nº 12, 2007, p. 231.

 “Os limites da condenação ultra vel extra petitum devem então encontrar-se nos direitos, que, do ponto de vista do trabalhador, são irrenunciáveis, quer quanto à sua existência, quer quanto ao seu exercício” (…) – Pedro Madeira de Brito, A tramitação do Processo Declarativo Comum no Código do Processo do Trabalho, Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, volume 3, p. 471.

Ora, cessado o contrato de trabalho o direito à retribuição, nele se incluindo o direito à retribuição por descansos compensatórios não gozados, não assume as características de direito irrenunciável e, por isso, de exercício necessário que possibilite a invocação pelo tribunal do regime do art. 74º em apreciação – neste sentido, a título de exemplo, acórdão do STJ de 1/7/2009, proferido no processo 08S3443, acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/9/2015, proferido na apelação 2189/16.8T8CSC.L1-4, de 8/6/2005, proferido na apelação 3793/2005-4, acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5/12/2011, proferido no processo 845/09.6TTGMR.P1.

Não podia o tribunal recorrido socorrer-se, assim, do mecanismo do art. 74º do CPT que o apelante invoca para os efeitos por si pretendidos.

A significar, assim, que não podem ser acolhidos por este tribunal os dois fundamentos em que o apelante assenta todo o raciocínio discordante que enuncia na apelação a respeito da questão que está em análise.

Consequentemente, tem de improceder a sua pretensão no sentido de que: i) deve decidir-se preliminarmente a “… a questão de definir se os dias passados em Portugal, conforme ao acordado nos dois contratos eram os  descansos compensatórios ou se eram as férias.”; ii) no “… caso de se decidir que esses dias eram os descansos compensatórios então há que condenar a Ré a pagar ao A. as férias que se vierem a liquidar em prévia execução de sentença e, caso se entenda que esses dias foram de gozo de férias, então há que condenar a Ré a pagar ao A. o que se vier a liquidar relativamente aos descansos compensatórios não gozados, aditando-se as respectivas e necessárias correcções aos factos provados e não provados.”.

Terceira questão: se a sentença recorrida incorreu em qualquer vício ao decidir como decidiu em matéria de créditos por subsídio de férias.

A este propósito discorre o apelante no sentido de que “O MMº Juiz não se pronunciou sobre o peticionado pelo A. a título de subsídio de férias nos arts. 26 a 38 da p.,i.”.

Ora, como visto: i) mesmo a ter ocorrido, a omissão de pronúncia constitui um dos vícios determinantes da nulidade da sentença (art. 615º/1/d NCPC); ii) o apelante não arguiu tal vício no requerimento de interposição do recurso, expressa e separadamente, tal como impunha o art. 77º/1 CPT vigente à data da interposição do recurso; iii) a omissão procedimental referida em ii) obsta a que se conheça da questão em análise.

Não se conhece, assim, da questão ora em apreço

Quarta questão: se o autor tinha direito a que a ré lhe custeasse, por ocasião das suas deslocações entre a sua residência em Portugal e a sua base de trabalho em Leuze, para gozo de férias e descansos compensatórios, todas as despesas necessárias à concretização dessas deslocações, mesmo para lá das despesas com as viagens de avião entre Bruxelas e Porto que a ré suportou.

Estão em causa no âmbito desta questão, apenas, as despesas que o autor suportava entre Leuze[6] e Bruxelas[7], e as despesas que o autor suportava entre Mira[8] e o Porto[9], nas viagens realizadas pelo autor para gozo de descansos semanais e férias em Portugal.

Resulta dos contratos de trabalho em que outorgaram a ré e o autor que a este foi fixado em Portugal o seu local de trabalho, mais concretamente em x (...) ou concelhos limítrofes – cláusulas 3ª dos contratos de trabalho.

A significar que mesmo para o exercício da actividade contratada do transporte internacional de mercadorias, o autor foi contrato para exercer esse transporte a partir e com regresso a uma base de trabalho sita em Portugal, sita em x (...) ou em concelhos limítrofes.

Nada nos factos provados resulta no sentido de que a ré tivesse acordado com o autor no sentido de a mesma custear as despesas de deslocação entre a residência do autor em Portugal e a base de trabalho do mesmo sita em Portugal, desconhecendo-se igualmente qualquer dispositivo legal ou convencional que impusesse à ré o custeamento de tais despesas.

A significar que o autor não tinha direito a que a ré lhe custeasse as despesas com deslocações em território nacional, entre o local de início ou de fim de uma jornada de trabalho na base de trabalho em Portugal e a residência do autor, que se revelassem necessárias para que o autor pudesse exercer a sua actividade de motorista do serviço internacional a partir daquela base.

Sucede que a ré deslocalizou o autor, pois que o colocou a efectuar viagens apenas no estrangeiro, tendo como base a cidade de Leuze na Bélgica (ponto 5º dos factos provados), pagando-lhe a ré, apenas, as viagens aéreas entre Portugal e Bruxelas e suportando o autor as demais despesas de deslocação entre a sua residência e Leuze na Bélgica (ponto 7º dos factos provados).

Nos termos da cláusula 47ª/6 do CCTV supra identificado, reportado, designadamente, a deslocações no continente nacional, “Os trabalhadores deslocados em serviço determinado pela entidade patronal têm direito ao pagamento das despesas de transporte.”.

Assim, se por força da decisão de deslocalização o trabalhador passa a ter de deslocar-se entre a sua residência e um aeroporto nacional, para daí se fazer transportar em avião para um outro aeroporto nacional, a partir do qual se faz transportar por outro meio para o seu novo local de trabalho também em território nacional, dúvidas não subsistem de que a entidade empregadora está obrigada a suportar todas essas despesas de deslocação entre a residência e ou seu novo local de trabalho.

A razão de ser subjacente a tal estatuição convencional radica num princípio de que a entidade empregadora deve suportar as despesas de deslocação em território nacional dos seus trabalhadores que sejam determinadas pela decisão daquela deslocalizar o posto de trabalho destes e da qual resulte para estes a necessidade de suportarem despesas que não suportavam antes da deslocalização; se é a entidade patronal que deslocaliza o trabalhador e com isso ocasiona despesas de transporte que antes não tinham de ser suportadas, nada mais justo e equitativo de que essas despesas corram por conta de quem as ocasionou.

Ora se isso é assim em relação a deslocalizações de posto de trabalho entre dois pontos do próprio território nacional, o mesmo deve passar-se, por identidade ou mesmo maioria de razão[10], com as deslocalizações que importam transferência do posto de trabalho de um local em território nacional para outro local fora dos limites do território nacional.

E tanto basta para concluir no sentido de que a ré devia custear todas as despesas com as deslocações do autor entre a sua residência e o seu novo local de trabalho na Bélgica, e não apenas as despesas necessárias ao transporte aéreo entre Bruxelas e um aeroporto nacional.

De outro modo, ficaria ao inteiro critério unilateral e discricionário do empregador escolher os aeroportos de partida e de chegada do trabalhador, por mais distantes em que os mesmos se encontrassem do local de residência e de base de trabalho do autor, correndo integralmente por conta destes as despesas de deslocação originadas por decisões unilaterais do empregador entre estes locais e aqueles aeroportos, o que se mostra manifestamente contrário à razão de ser ínsita ao estatuído naquela cláusula 47ª/6 do CCTV.

De resto, o princípio supra aludido e que subjaz à estatuição convencional contida nessa cláusula é também o que subjaz ao estatuído no art. 194º/4 do CT/09, do qual se extrai a regra de que o empregador deve custear o acréscimo de despesas com deslocações determinadas pela decisão de deslocalização do posto de trabalho do trabalhador.

Ora, se por força de uma decisão de deslocalização do seu posto de trabalho o trabalhador passou a suportar despesas de deslocação que antes não suportava entre aeroportos e os seus locais de residência e de base de trabalho no estrangeiro, deve a entidade empregadora suportar esses novos custos decorrentes da decisão de deslocalização da sua única e exclusiva responsabilidade.

Assim, no montante a quantificar em sede de ulterior liquidação devem incluir-se, porque ora indeterminadas no seu montante, as despesas suportadas pelo autor entre a sua residência e a sua base de trabalho no estrangeiro, por um lado, e os aeroportos onde tomava o avião para as deslocações entre Portugal e Bruxelas ou vice-versa, por outro lado.

Quinta questão: se o autor logrou provar os factos constitutivos do direito de crédito a que se arrogou na petição inicial e referente à retribuição correspondente a sábados, domingos e feriados em que o autor se terá deslocado entre a Bélgica e Portugal e vice-versa com a finalidade de gozar em Portugal descansos compensatórios.

Como fundamento da sua pretensão, alegou o autor que para gozar descansos compensatórios em Portugal fez em sábados e domingos as seguintes viagens entre Portugal e Bélgica: i) no ano de 2015 nos dias 12/12 e 27/12; ii) no ano de 2016, nos dias 6/12, 12/3, 3/4, 4/6, 19/6 e 17/12; iii) nos anos de 2017 e 2018, nos dias 21/1, 29/1, 11/3, 26/3, 6/5, 21/5, 1/7, 16/7, 21/10, 5/11, 16/12, todos de 2017, 13/2 e 29/4 de 2018.

Para que pudesse proceder a concreta pretensão do autor, o mesmo tinha que provar (art. 342º/1 do CC) que realizou as concretas viagens que identificou no seu articulado inicial para efeitos de integração da causa de pedir correspondente ao pedido que formulou neste âmbito.

Na verdade, no que respeita à causa de pedir o NCPC consagra, tal como o consagrava o VCPC, a denominada teoria da substanciação de acordo com a qual a causa de pedir é integrada pelo facto ou factos produtores do efeito jurídico pretendido pelo demandante; a causa de pedir radica, pois, no facto gerador do direito, divergindo a causa de pedir sempre que seja diferente o facto constitutivo invocado.

Segundo Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, I, Almedina Coimbra, 1981, pp. 205 e seguintes), que considerada que é esta a que a nossa lei consagra, para a teoria da substanciação, a causa de pedir será o facto gerador do direito, divergindo a acção sempre que seja diferente o facto constitutivo invocado (diferente como acontecimento concreto).

Segundo Lebre de Freitas (Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais, Coimbra Editora, 1996, pp. 54 e ss), para a teoria da individualização bastava ao autor indicar o pedido, com o que todas as possíveis causas de pedir podiam ser consideradas no processo, de tal modo que, ao responder afirmativa ou negativamente à pretensão, a sentença decidia em absoluto sobre a existência ou inexistência da situação jurídica afirmada pelo autor. E exemplificando escreve o mesmo autor que “…afirmada a titularidade do direito de propriedade, todas as causas possíveis de aquisição do direito podiam ser consideradas no processo, com a consequência, no caso de absolvição do pedido, de não poder o autor propor nova acção em que alegasse uma causa de pedir que não tivesse sido efectivamente considerada no processo anterior.”.

Para a teoria da substanciação ao invés, a afirmação da situação jurídica tem de ser fundada em factos que, ao mesmo tempo que integram, tal como os outros factos alegados pelas partes, a matéria fáctica da causa, exercem a função de individualizar a pretensão para o efeito de conformação do objecto do processo.”.

Segundo o mesmo autor, a definição do art. 498º/4 do CPC “…aponta, como referência fundamental do conceito, para as normas de direito substantivo em cuja previsão se contém o facto para a qual estatuem o efeito jurídico pretendido…”.

Igualmente Antunes Varela concorda que a nossa lei adjectiva rejeitou a teoria da individualização e consagrou a da substanciação, a qual “…exige sempre a indicação do título (facto jurídico) em que se baseia o direito do autor…”, ao passo que aquela “…prescinde, pelo contrário, da indicação desse título, sempre que, como sucede nas acções reais (e ao invés do que sucede nas acções creditórias), ela não seja necessária para identificar o direito invocado pelo autor…”. Daí a importância da alusão ao facto concreto (ocupação, acessão, usucapião), sendo certo que a instauração de uma acção com base na usucapião não obsta à instauração de uma nova acção com base noutro título. Isto porque, na sentença “…só constituirá caso julgado a resposta final dada à pretensão concretizada no pedido e coada através da causa de pedir…”, concluindo que a nossa lei perfilha uma concepção mais restrita da eficácia de caso julgado, confinando a respectiva autoridade à relação jurídica que serve de base à pretensão e afastando-a de todos os motivos da decisão que com aquela se não conformem – Manual de Processo Civil, 2ª edição, pp. 714, 718 e 719.

Também Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, 1 e 2, 1997, pp. 176 e 187) refere que é clara, no nº 4, do art. 498º, a opção legislativa pelo sistema da substanciação da causa de pedir em detrimento do da individualização. Neste, “…bastaria a indicação do pedido, devendo a sentença esgotar todas as possíveis causas de pedir da situação jurídica enunciada pelo autor, impedindo-se que após a sentença houvesse alegação de factos anteriores e que porventura não tivessem sido alegados ou apreciados.”. Naquele, é necessário “…articular os factos de onde deriva a sua pretensão, formando-se o objecto do processo e, por arrastamento, o caso julgado, apenas relativamente aos factos integradores da causa de pedir invocada…”.
Assim, “…
a causa de pedir é integrada pelo facto ou factos produtores do efeito jurídico pretendido e não deve confundir-se com a valoração jurídica atribuída pelo autor, a qual, de todo o modo, não é vinculativa para o tribunal, devido ao princípio, consignado no artº 664º, segundo o qual o tribunal conhece oficiosamente do direito aplicável…”, ou seja, “…a causa de pedir é consubstanciada tão só pelos factos que preenchem a previsão da norma que concede a situação subjectiva alegada pela parte.” - idem, p.177.

A significar que sob pena de alteração judicial não consentida da causa de pedir invocada pelo autor, porque efectuada à revelia das partes (cfr. art. 265º/1 do NCPC), estava vedado ao tribunal recorrido, assim como está vedado a este tribunal, deferir a pretensão do autor em análise com base em fundamentos fácticos diferentes daqueles que concretamente foram invocados pelo autor para suporte da sua pretensão.

Ora, certo é que o autor não logrou provar, como só a ele competia, que realizou as concretas viagens que invocou como fundamento da sua pretensão.

É certo ter-se demonstrado que “O A. realizou várias viagens, às ordens e por determinação da R., entre a Bélgica e Portugal, para gozo de férias e descanso em Portugal, …”, (ponto 7º dos factos provados), “…trabalhando o A. 6 semanas no estrangeiro e vindo 2 semanas a Portugal, saindo do aeroporto de Bruxelas quase sempre num sábado e regressando após 2 semanas a Bélgica quase sempre num domingo, ao mesmo aeroporto de Bruxelas.” (ponto 5º dos factos provados).

Ainda assim: i) daí não resulta que o autor tenha realizado as concretas viagens que invocou como fundamento da sua pretensão e, como visto, únicas que poderiam fundamentar a procedência da sua pretensão - no ano de 2015 nos dias 12/12 e 27/12; no ano de 2016, nos dias 6/12, 12/3, 3/4, 4/6, 19/6 e 17/12; nos anos de 2017 e 2018, nos dias 21/1, 29/1, 11/3, 26/3, 6/5, 21/5, 1/7, 16/7, 21/10, 5/11, 16/12, todos de 2017, 13/2 e 29/4 de 2018; ii) excluído não está que várias das viagens referidas no ponto 5º) dos factos provados pudessem anteceder e suceder a períodos de férias gozados em Portugal, sendo que o autor só deduziu pedido em relação a viagens a anteceder e a suceder a descansos compensatórios.

Assim, não tendo o autor cumprido o ónus da prova que sobre ele impendia no âmbito da questão que está em apreço, a resposta à mesma não pode deixar de ser negativa.

Sexta questão: se a ré deveria ter sido condenada a pagar ao autor as quantias a cujo direito se arrogou na petição inicial e referente às “diárias” relativas aos dias das viagens “Portugal/Bélgica” para gozar em Portugal descansos compensatórios.

Comece por dizer-se que não está demonstrado qualquer acordo entre o autor e a ré no sentido de que esta devesse pagar àquela o valor das “diárias” que está em consideração.

A despeito do acabado de referir, o autor parte do princípio de que são tempos de trabalho os tempos de viagem de e para o local de trabalho na Bélgica para efeitos de serem gozados em Portugal os descansos compensatórios por trabalho no estrageiro aos sábados, domingos e feriados, razão pela qual sustenta que a ré estava legalmente obrigada ao pagamento das “diárias” em consideração.

Não vislumbramos fundamento legal que nos permita acompanhar o entendimento do apelante.

Assim, começando pelo CT/09, o tempo de trabalho corresponde ao período em que o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade empregadora e no exercício da sua actividade ou das suas funções, bem como determinadas interrupções ou intervalos como tal taxativamente enunciados e dos quais não importa aqui cuidar por nenhum deles estar em equação – art. 197º/1/2 do CT/09.

O tempo de descanso obtém-se por exclusão, no sentido de que deve ser considerado como tal todo o tempo que não possa qualificar-se como de trabalho – art. 199º do CT/09.

Ora, não é do primeiro tipo o tempo compreendido entre o início das viagens em Leuze ou no aeroporto belga de embarque e o termo dessas viagens em Portugal[11], para o autor gozar descansos ou férias.

Outrossim, não é desse tipo o tempo compreendido entre o início das viagens em Portugal[12] e o termo dessas viagens na Bélgica[13], para o autor retomar o seu trabalho na Bélgica.

Acresce dizer que esse tempo também não é passível de ser considerado como “tempo de disponibilidade” passível de ser contabilizado como tempo de trabalho, ou seja, aquele em que o trabalhador se mantém em presença física no local de trabalho - cfr. o acórdão do STJ de 02/11/2004, proferido no Recurso n.º 340/04 - 4.ª Secção (https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/social2004.pdf), numa situação em que estava em causa uma relação de trabalho referente a motorista profissional; o acórdão do STJ de 23/02/2005, proferido no processo 04S3164; o acórdão do STJ de 19/11/2008, proferido no processo 08S0930; o acórdão da Relação de Coimbra de 08/11/2007, proferido no processo 482/05.4TTVIS.C1; os acórdãos do STJ de 20/6/2018, proferido no processo 641/15.1T8LSB.L1.S1, de 2/5/2018, proferido no processo 157/14.3TTSTR.E1.S1, da Relação de Lisboa de 17/12/2014, proferido no processo 715/13.3TTVFX.L1-4, da Relação de Évora de 14/9/2017, proferido no processo 97/14.6T8STR.E1, de 16/2/2017, proferido no processo 618/13.1TTFAR.E1.

Como assim, à Luz do CT/09 e por exclusão, esse “tempo de viagem” não pode deixar de ser considerado como tempo de descanso.

Considerando o mesmo problema à luz da Directiva 2002/15/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março de 2002, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário, não vemos como a solução correspondente possa deixar de ser a mesma.
Com efeito, nos termos do art. 3º dessa Directiva, “… entende-se por:
a) "Tempo de trabalho"SD:
1. No caso dos trabalhadores móveis, o período compreendido entre o começo e o fim do trabalho, durante o qual o trabalhador se encontre no seu posto de trabalho, à disposição do empregador e no exercício das suas funções ou actividades, ou seja:
- o tempo consagrado a todas as actividades de transporte rodoviário. Essas actividades incluem, nomeadamente:
i) condução;
ii) carga e descarga;
iii) assistência aos passageiros que entrem ou saiam do veículo;
iv) limpeza e manutenção técnica;
v) todas as restantes tarefas destinadas a assegurar a segurança do veículo, carga e passageiros ou a satisfazer as obrigações legais ou regulamentares directamente ligadas à operação específica de transporte em curso, incluindo o controlo das operações de carga e descarga, formalidades administrativas com a polícia, alfândegas, serviços de imigração, etc.
- os períodos durante os quais não pode dispor livremente do seu tempo, sendo-lhe exigida a presença no posto de trabalho, pronto para retomar o trabalho normal, desempenhando certas tarefas associadas ao serviço, nomeadamente períodos de espera pela carga ou descarga cuja duração previsível não seja antecipadamente conhecida, isto é, antes da partida ou imediatamente antes do início efectivo do período em questão, ou de acordo com as condições gerais negociadas entre os parceiros sociais e/ou previstas pela legislação dos Estados-Membros.
(…)
São excluídos do tempo de trabalho os períodos de pausa referidos no artigo 5.o, os períodos de repouso referidos no artigo 6.o e ainda, sem prejuízo da legislação dos Estados-Membros ou de acordos entre os parceiros sociais que prevejam a compensação ou limitação desses períodos, o tempo de disponibilidade referido na alínea b) do presente artigo,”.

Como assim, à luz desta Directiva comunitária o “tempo de viagem” em consideração não pode ser considerado como tempo de trabalho.

Além disso, não se vislumbra que esse “tempo de viagem” possa ser qualificado como tempo de trabalho à luz do DL 237/2007, de 19/6, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2002/15/CE.

À mesma conclusão se chega tendo em consideração o IRCT aplicável, designadamente a cláusula 41ª/6 que o apelante convoca em seu benefício e nos termos da qual “Por cada dia de descanso semanal ou feriado em serviço no estrangeiro o trabalhador, além do adicional referido nos n.ºs 1 e 2 desta cláusula, tem direito a 1 dia de descanso complementar, gozado seguida e imediatamente à sua chegada.”.

Com efeito, dessa cláusula não resulta minimamente que deva qualificar-se como tempo de trabalho o “tempo de viagem” que ora está em equação.

Improcedem assim, por ausência de suporte legal que as sustente, as conclusões do autor no sentido de que “a) – Desde que o A. vai de Portugal, em cumprimento das suas funções de motorista TIR e do acordado com a Ré, até que regressa a Portugal, o A. encontra-se sempre ao serviço da Ré.

Só após entrar em Portugal e enquanto aqui permanecesse ele deixa de estar ao serviço e sob as ordens da Ré. ASSIM

b) – As diárias dos alimentos respeitantes aos dias das viagens acordadas entre Bélgica/Portugal e Portugal/Bélgica, terão que ser suportadas Ré.”.

Acresce dizer o seguinte: estão aqui em causa as “diárias” de €50 e de €55 referidas no ponto 3º) dos factos enunciados como provados como sendo pagas pela ré em substituição dos adiantamentos e dos pagamentos das refeições mediante apresentação de factura previstos na cláusula 47ª-A do CCTV aplicável.

Sucede que o sistema retributivo posto em prática pela ré em substituição daquele que decorria do CCTV aplicável foi declarado nulo pela sentença recorrida, sem divergência recursiva de qualquer das partes.

Nesse sistema retributivo declarado nulo incluía-se o pagamento das referenciadas “diárias”.

Ora, representando o pagamento das diárias uma parcela de um sistema retributivo que globalmente foi declarado nulo, jamais poderia o tribunal recorrido, assim como não pode este tribunal, acolher a pretensão do autor no sentido da condenação da ré no pagamento de algo que foi declarado ilícito, concretamente as diárias de 50 e 55 euros que o autor peticionou e que ora estão em consideração.

Sétima questão: se a ré deveria ter sido condenada a pagar ao autor as quantias a cujo direito se arrogou na petição inicial com fundamento em aplicação da denominada “Lei Macron”.

Em 1 de Julho de 2016 entrou em vigor em França o decreto Nº 2016-418, de 7/4[14], tendo por objecto a “adaptation de certaines dispositions du code du travail applicables aux entreprises établies hors de France détachant des salariés roulants ou navigants sur le territoire français pour tenir compte des spécificités du secteur des transports”, com vista  à “.. l'application des dispositions du chapitre unique du titre III du livre III de la première partie législative du code des transports, telles qu'issues de l'article 281 de la loi n° 2015-990 du 6 août 2015[15] pour la croissance, l'activité et l'égalité des chances économiques.”.

Como reconhecem o autor e a ré, aquele decreto apenas se aplica às empresas não residentes em território francês: i) que deslocam motoristas para a França para realização de operações de transporte com origem ou destino em França; ii) ou com operações de cabotagem nesse país.

Só essas empresas ficaram sujeitas, designadamente, à obrigação do pagamento do salário mínimo interprofissional francês aos seus trabalhadores deslocados decorrente da conjugação daqueles diplomas legais.

Ora, os factos provados são insuficientes para se concluir no sentido de que a ré realizasse operações de cabotagem em França, do mesmo modo que não permitem concluir que o autor alguma vez tenha efectuado transportes com origem ou com destino em França.

O facto de por vezes o autor se encontrar ao serviço da ré em França (ponto 4º dos factos provados) não é sinónimo de que o mesmo tivesse efectuado operações de carga ou descarga em França, bem podendo estar em consideração situações de operações de transporte com início e fim em países diferentes da França mas com trânsito necessário pelo território francês, sem qualquer operação de carga/descarga nesse território.

É certo que “O trabalhador contratado por uma empresa estabelecida em Portugal, que preste actividade no território de outro Estado em situação a que se refere o artigo 6.º, tem direito às condições de trabalho previstas no artigo anterior, sem prejuízo de regime mais favorável constante da lei aplicável ou do contrato.” – art. 8º/1 do CT/09.

Certo é, igualmente, que: i) apesar da consagração do princípio da “autonomia privada” no art. 3º/1[16] da Convenção de Roma de 1980[17] sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, em resultado do que as partes contratantes podem optar pela lei que irá regular o contrato de trabalho, o art. 6º/1[18] da mesma Convenção impõe o afastamento da aplicação daquela lei escolhida nas situações em que da mesma resulte a privação para o trabalhador da protecção emergente de disposições imperativas legais que lhe seriam aplicáveis na falta de escolha[19]; ii) o Direito da União prevalece sobre todo o direito interno, incluindo o Constitucional, razão pela qual o direito nacional deve ser interpretado conformemente ao direito comunitário e em termos de ser alcançado o resultado pretendido pelo último, devendo excluir-se a aplicação de normas internas contrárias ao disposto no direito comunitário[20]; iii) o artigo 3.º da Directiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 1996, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços, prescreve que “1. Os Estados-membros providenciarão no sentido de que, independentemente da lei aplicável à relação de trabalho, as empresas referidas no nº 1 do artigo 1º garantam aos trabalhadores destacados no seu território as condições de trabalho e de emprego relativas às matérias adiante referidas que, no território do Estado-membro onde o trabalho for executado, sejam fixadas:

- por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas e/ou

- por convenções colectivas ou decisões arbitrais declaradas de aplicação geral na acepção do nº 8, na medida em que digam respeito às actividades referidas no anexo:

(...)
c) Remunerações salariais mínimas, incluindo as bonificações relativas a horas extraordinárias; a presente alínea não se aplica aos regimes complementares voluntários de reforma;

(...)
Para efeitos da presente directiva, a noção de «remunerações salariais mínimas» referida na alínea c) do nº 1 é definida pela legislação e/ou pela prática nacional do Estado-membro em cujo território o trabalhador se encontra destacado.

(...)
7. O disposto nos nºs 1 a 6 não obsta à aplicação de condições de emprego e trabalho mais favoráveis aos trabalhadores
.”; iv) o art. 8º/1 do CT/09 deve ser interpretado em termos de dever ser alcançado o desiderato prosseguido por aquela directiva de se salvaguardar, sem prejuízo de regime mais favorável, o direito de o trabalhador destacado ser remunerado em termos de nunca receber menos do que o salário mínimo vigente no país onde se encontra destacado.

Contudo, menos certo não é que resulta dos factos provados que o autor estava deslocalizado numa base sita na Bélgica (ponto 5º dos factos provados), nada permitindo concluir no sentido de que o autor alguma vez tenha estado deslocalizado em França nalguma das situações previstas no art. 6º/1 do CT/09.

Por isso, não tem o autor direito à legislação francesa referente às condições de trabalho previstas no artigo 7º do CT/09, designadamente à que regulamenta a retribuição mínima no Estado Francês, seja por inaplicabilidade do art. 8º/1 do CT/09, seja porque o autor não pode considerar-se deslocalizado em França para efeitos da Directiva 96/71/CE.

Como assim, soçobra a pretensão do autor a que lhe seja reconhecido o direito de crédito em causa no âmbito desta questão.

Oitava questão: se deve ser introduzido qualquer esclarecimento no dispositivo da sentença recorrida referente ao crédito do autor por trabalho prestado no estrangeiro aos sábados, domingos e feriados.

Da leitura da sentença recorrida e do correspondente dispositivo resulta para nós evidente que a ré foi condenada a pagar ao autor, designadamente, a remuneração prevista na cláusula 41ª/1 do CCTV aplicável e por reporte a todos os sábados, domingos e feriados em que o autor esteve no estrangeiro e durante o período de execução dos dois contratos de trabalho em que o autor e a ré outorgaram, descontando-se, porém, o que a ré tenha entretanto pago ao autor a esse título, tudo a quantificar em ulterior liquidação[21].

Tratando-se dos dias em que o autor esteve no estrangeiro, pois só em relação a eles faz sentido aplicar a referida cláusula 41ª/1 devem excluir-se[22]: i) os sábados, domingos e feriados em que o autor esteve de descanso em Portugal, indeterminados em face dos factos enunciados como provados, não apenas quanto ao seu número total, mas também no tocante à sua concreta localização temporal, como claramente emerge de uma leitura conjugada dos pontos 4º), 5º) e 7º) dos factos enunciados como provados e confronto do que se aí enunciou como provado com o que a propósito foi alegado pelo autor, designadamente, nos arts. 39º), 40º), 64º) e 65º) da petição inicial; ii) os sábados domingos e feriados em que o autor esteve de férias em Portugal, também estes indeterminados não apenas quanto ao seu número total, mas também no tocante à sua concreta localização temporal, como claramente emerge de uma leitura conjugada dos pontos 6º) e 7º) dos factos enunciados como provados e confronto do que se aí enunciou como provado com o que a propósito foi alegado pelo autor, designadamente, nos arts. 28º) e 29º) da contestação.

Tendo decidido, como decidiu, no sentido decorrente dos dois antecedentes parágrafos, em respeito integral do resultante da aplicação aos factos dados como provados do enunciado naquela cláusula 41ª/1[23] e do estatuído, designadamente, nos arts. 476º do CT/09[24], 289º do CC[25] e 609º/2[26] do NCPC, não se vislumbra fundamento suficiente para introduzir na sentença recorrida e no respectivo dispositivo, qualquer esclarecimento do tipo de pretendido pela apelante: ser a ré condenada “…a pagar ao A. o total a liquidar previamente à execução relativo aos dias de descanso, (sábados, domingos e feriados) passados no estrangeiro ao serviço e por determinação da Ré e que são todos os respeitantes à duração dos contratos, dele excluindo apenas os dias que o A. descansou em Portugal[27] em cumprimento do acordado na Clª 4 nº4 dos contratos individuais celebrados entre as partes.”.

Nona questão: se assistia ao autor o direito a resolver, com justa causa subjectiva para o efeito, o contrato de trabalho entre ele e a ré.

O artº 394º/1 do CT/2009 dispõe que “Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.”, prescrevendo o nº 2 desse mesmo normativo que “Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador: a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição; b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador; c) Aplicação de sanção abusiva; d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho; e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante.”.

Como é sabido, a resolução com justa causa pode concretizar-se numa de duas modalidades tipicamente previstas, a saber: a) a fundada em justa causa subjectiva, porque derivada de um comportamento ilícito e culposo do empregador – constituem exemplos de situações integradoras da justa causa subjectiva aquelas que estão enunciadas no art. 394º/2 do CT/2009; b) a fundada em justa causa objectiva, porque derivada de circunstâncias objectivas atinentes ao trabalhador ou relacionadas com a prática de actos lícitos pelo empregador – estão aqui em causa as situações previstas no nº 3 do art. 394º do CT/2009.

O nº 4 desse mesmo dispositivo estabelece que a justa causa relevante para efeitos de fundada resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador é apreciada nos termos do nº 3 do art. 351º com as necessárias adaptações.

Neste normativo (art. 351.º, n.º 3), por sua vez, prevê-se que, “Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.

Assim, é necessário que, além da verificação do elemento objectivo e subjectivo, se conclua que se tornou impossível a manutenção da relação laboral.

A verificação de justa causa pressupõe, deste modo, a ocorrência dos seguintes requisitos:

a) um de natureza objectiva - o facto material integrador de algum dos comportamentos referidos nas alíneas do n.º 2 do art. 394º do Código de Trabalho;

b) outro de carácter subjectivo - a existência de nexo de imputação desse comportamento, por acção ou omissão, a culpa exclusiva da entidade patronal;

c) outro de natureza causal - que o comportamento da entidade patronal gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, tornando inexigível, em concreto e de acordo com as regras de boa fé, que o trabalhador permaneça ligado à empresa por mais tempo.

Não basta, pois, uma qualquer violação por parte do empregador dos direitos e garantias do trabalhador para que este possa resolver o contrato de trabalho com justa causa.

Torna-se necessário que a conduta culposa do empregador seja de tal modo grave, em si mesma e nas suas consequências, que, à luz do entendimento de um bonnus pater familias, torne inexigível a manutenção da relação laboral por parte do trabalhador.

Importa referir, apesar daquela remissão para a norma regulamentadora do conceito de justa causa relevante para despedimento disciplinar do trabalhador pelo empregador, que esse conceito de justa não deve ser objecto de igual concretização nessas duas situações, seja porque há diversidade dos interesses e dos valores em causa em cada uma delas, seja porque o trabalhador não dispõe, ao contrário do que sucede com o empregador, de meios de reacções conservatórios da relação laboral.

Como efeito, atente-se a este respeito na lição de Albino Mendes Baptista que sustenta que a justa causa de resolução exige, além da verificação dos elementos objectivo e subjectivo, que se registe uma situação de impossibilidade de manutenção da relação laboral, apesar do que alerta para a circunstância do empregador dispor de sanções intermédias para censurar um determinado comportamento ilícito do trabalhador, ao passo que o trabalhador lesado por um comportamento ilícito do empregador não dispõe de formas alternativas à resolução para reagir, cabendo-lhe, apenas, a opção entre fazer cessar unilateralmente ou não o contrato de trabalho.

Por isso mesmo, face a essa disparidade de meios de reacção colocados à disposição do empregador e do trabalhador, considera aquele autor que o conceito de justa causa para efeitos de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador deve ser objecto de uma interpretação menos rigorosa que que aquele que deve dispensar-se a esse mesmo conceito no âmbito da cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador e por despedimento com fundamento em comportamento culposo do trabalhador – cfr. Notas sobre a cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, A Reforma do Código do Trabalho, Coimbra Editora, p. 548.

Por sua vez, José Eusébio Almeida sustenta que “… a compreensão de justa causa de resolução (…) indica-nos um conceito de inexigibilidade, bem mais do que um de gravidade e de culpa, sem prejuízo de, tantas vezes, estes estarem ínsitos no primeiro ou serem – mormente a culpa – expressamente exigidos nos exemplos típicos (…)”, razão pela qual “… em rigor, não faz inteiro sentido remetermos para a cláusula relativa à justa causa do despedimento.” – cfr. A cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, A Reforma do Código do Trabalho, Coimbra Editora, pp. 557/558.

Segundo Pedro Romano Martinez, “…nem toda a violação de obrigações contratuais por parte do empregador confere ao trabalhador o direito de resolver o contrato: é necessário que o comportamento seja ilícito, culposo e que, em razão da sua gravidade, implique a insubsistência da relação laboral.” - Contrato de Trabalho, 2.ª ed. pp. 987/8.

Como assim, como ensina Júlio Gomes, citado por Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª ed,. p. 534), a violação dos direitos do empregador ou do trabalhador podem atingir intensidades diferentes para efeitos de se considerar verificada a inexigibilidade da continuidade da relação de trabalho exigida para a lícita cessação da relação de trabalho, consoante esteja em causa uma situação de despedimento com justa causa ou outra de resolução do contrato de trabalho com justa causa.

Finalmente, como se decidiu no acórdão da Relação de Lisboa de 20/3/2013, proferido no âmbito do processo 174/11.5, o conceito de justa causa deve ser apreciado diferenciadamente nas situações de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador com invocação de justa causa e de despedimento pelo empregador com igual invocação, pois na primeira dessas situações, ao contrário do que sucede nas segundas, não é necessário que a infracção do empregador torne prática e imediatamente impossível a subsistência da relação de trabalho, bastando que seja grave e torne inexigível para o trabalhador a manutenção do seu contrato de trabalho.

Importa não perder de vista, ainda, que cabe ao trabalhador o ónus da prova dos fundamentos que invoca para a resolução do contrato de trabalho com justa causa subjectiva para o efeito, na justa medida em que estão em causa factos constitutivos do direito à resolução que pretende ver reconhecido (art. 342º/1 do CC) – neste sentido, por exemplo, acórdãos do STJ de 4/7/2018, proferido no processo 14383/16.7T8PRT.P1.S1, de 28/1/2016, proferido no processo 579/11.1TTCSC.L1.S1, do Tribunal da Relação de Coimbra de 10/5/2007, proferido no processo 851/04.7TTCBR.C1, do Tribunal da Relação de Guimarães de 18/2/2016, proferido no processo 351/12.1TTGMR.G1. de 7/1/2015, proferido no processo 732/13.3TTVCT.G1, do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/9/2016, proferido no processo 828/08.3TTALM-4, do Tribunal da Relação de Évora de 9/3/2010, proferido no processo 160/08.2TTFAR.E1.

Como assim, se pretende fundar-se o direito à resolução contratual na circunstância de o sistema remuneratório praticado pela ré ser menos favorável do que o instituído pelo IRCT aplicável, então terão de alegar-se e provar-se factos de onde resulte aquela menor favorabilidade, com a consequente declaração de créditos do trabalhador emergentes daquele IRCT e que não tenham sido liquidados pelo empregador.

Sublinhe-se que para efeitos de se ter por satisfeito o enunciado no antecedente parágrafo não basta a mera declaração de nulidade do sistema remuneratório praticado pela ré, nos termos em que o foi pelo tribunal recorrido, pela circunstância de não se ter provado que esse sistema era mais favorável para o trabalhador no confronto do emergente do IRCT aplicável.

Na verdade, concluir-se que “… se a R. adotou um sistema remuneratório diverso do previsto no CCT referido, tendo pago ao A. diversas quantias substitutivas das prestações pecuniárias referidas, temos que, todavia e por força do disposto no Art. 476º do Código do Trabalho de 2009 … esse sistema remuneratório só seria válido se fosse globalmente mais favorável para o A., o que não se deu como provado …”, não é o mesmo que concluir-se no sentido de que o sistema remuneratório praticado pela ré era menos favorável do que o emergente do IRCT aplicável.

No limite, não está excluído que em sede de liquidação e após comparação entre o que é a “… retribuição do trabalho prestado pelo A. ao serviço da R. de acordo com o instrumento de regulamentação coletiva do trabalho aplicável , excluindo o pagamento de descansos compensatórios …”, por um lado, e os “… montantes os montantes já pagos pela R. …”, por outro lado, se conclua que estes montantes sejam iguais ou até mesmo superiores àquela retribuição, caso em que não será liquidada qualquer quantia a pagar pela ré ao autor a título de diferenças entre aquela retribuição e estes montantes.

A significar que os factos dados como provados nesta fase declarativa do processo não permitem concluir, para efeitos de se reconhecer ao autor o direito à resolução do contrato de trabalho fundado na titularidade de direitos de crédito sobre a ré que esta não satisfez, no sentido de que o autor seja realmente titular de créditos dessa natureza decorrentes do facto de o sistema remuneratório praticado pela ré não ter permitido a satisfação de todos os créditos emergentes da relação de trabalho entre o autor e a ré nos termos creditícios em que a mesma é regulamentada pelo IRCT aplicável.

Assim, neste concreto segmento o autor não logrou ainda provar ser titular efectivo e incondicional[28] de créditos sobre a ré decorrentes da diferença entre sistemas remuneratórios que está em consideração, razão pela qual não pode ser com base nessa diferença que pode reconhecer-se ao autor o direito à resolução do contrato de trabalho.

Por outro lado, na sentença recorrida relegou-se para ulterior liquidação o montante devido ao autor e relativo “… aos dias de férias não gozadas pelo A. …”.

Importa sublinhar que dos factos dados como provados apenas resulta demonstrado que “O A. gozou, enquanto esteve ao serviço da R., um número não concretamente apurado de dias de férias em Portugal.” (ponto 6º dos factos descritos como provados), sem que daí possa concluir-se, sem mais, que os dias de férias efectivamente gozados pelo autor sejam inferiores, iguais ou superiores àqueles que deveriam ter sido gozados em face do estatuído no contrato de trabalho e IRCT aplicável.

Por isso, excluído também não está que em sede de ulterior liquidação a ré consiga provar o concreto número de dias que o autor efectivamente gozou enquanto esteve ao serviço e, no limite, que esse número seja igual ao do número de dias de férias que assistia ao autor em face do estatuído no contrato de trabalho e IRCT aplicável.

A significar que neste concreto segmento o autor não logrou provar ser titular de titular efectivo e incondicional[29] de créditos sobre a ré decorrentes da diferença entre o número de dias de férias que gozou e aquele que deveria ter gozado em face do IRCT aplicável, razão pela qual não pode ser com base nessa diferença que pode reconhecer-se ao autor o direito à resolução do contrato de trabalho.

Neste acórdão ainda se reconheceu ao autor o direito a que a ré lhe pague o montante, ainda inquantificável, das despesas suportadas pelo autor entre a sua residência e a sua base de trabalho no estrangeiro, por um lado, e os aeroportos onde tomava o avião para as deslocações entre Portugal e Bruxelas ou vice-versa, por outro lado.

Ainda assim, mesmo conjugando este crédito do autor com outros eventuais créditos que ao mesmo assistam por força da diferença entre a prática remuneratória da ré e a decorrente do ICT aplicável e eventuais dias de férias não gozadas, é nosso entendimento que o autor não logrou provar factos que permitam reconhecer-se-lhe justa causa subjectiva para a resolução do contrato de trabalho.

Com efeito, importa não perder de vista que o sistema remuneratório praticado pela ré e que foi declarado ilícito foi o consensualizado com o autor nos contratos escritos de trabalho em que ambos outorgaram, tendo o autor anuído, por duas vezes temporalmente descontinuadas, naquele sistema remuneratório.

Por outro lado, não se conhece a concreta grandeza quantitativa dos eventuais créditos que se possam vir a reconhecer ao autor em sede de ulterior liquidação.

A tudo acresce que dos factos provados não resulta que: i) concretas consequências se terão verificado na esfera pessoal e patrimonial do autor e do seu agregado familiar em resultado da situação de incumprimento da ré; ii) na pendência dos contratos de trabalho a ré tenha sido confrontada com qualquer circunstância que a devesse ter alertado para as situações de incumprimento em que se encontrava, persistindo a ré, apesar disso e agora de modo intencional, nesses incumprimentos; iii) alguma vez o autor tenha dirigido à ré qualquer interpelação no sentido de cessarem as situações de incumprimento a que se vem aludindo.

No enquadramento decorrente do antecedentemente referido, é nosso entendimento que os factos provados e os créditos que em face dos mesmos venham a ser reconhecidos ao autor não evidenciam uma situação de incumprimento contratual por parte da ré de tal gravidade que fosse inexigível para o autor a manutenção do seu contrato de trabalho.

É negativa, assim, a resposta a esta questão.

IV- DECISÃO

Acordam os juízes que integram esta sexta secção do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de: i) julgar a apelação parcialmente procedente, incluindo-se no montante a liquidar ulteriormente, as despesas suportadas pelo autor entre a sua residência e a sua base de trabalho no estrangeiro, por um lado, e os aeroportos onde tomava o avião para as deslocações entre Portugal e Bruxelas ou vice-versa, por outro lado; ii) no mais, julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença apelada.

Custas pelo apelante e pela apelada, na proporção de 8/9 para o primeiro e de 1/9 para a segunda.

Coimbra, 6/12/2019


(Jorge Manuel Loureiro)

(Paula Maria Roberto)

(Ramalho Pinto)


Sumário:

Salvo acordo em sentido contrário, os tempos de deslocação de um trabalhador deslocalizado no estrangeiro, para e da sua residência em Portugal, para gozar descansos compensatórios e retomar o seu trabalho no estrangeiro, não podem ser contabilizados como tempo de trabalho.

Após a cessação do contrato de trabalho, o direito à retribuição é renunciável e não é de exercício necessário.

A denominada “Lei Macron” apenas se aplica às empresas não residentes em território francês: i) que deslocam motoristas para a França para realização de operações de transporte com origem ou destino em França; ii) ou com operações de cabotagem nesse país.

Apesar da consagração do princípio da “autonomia privada” no art. 3º/1 da Convenção de Roma de 1980 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, em resultado do que as partes contratantes podem optar pela lei que irá regular o contrato de trabalho, o art. 6º/1 da mesma Convenção impõe o afastamento da aplicação daquela lei escolhida nas situações em que da mesma resulte a privação para o trabalhador da protecção emergente de disposições imperativas legais que lhe seriam aplicáveis na falta de escolha.

Por força da primazia do Direito da União, o art. 8º/1 do CT/09 tem de ser interpretado em termos de não ser postergado o estatuído na Directiva 96/71/CE.


***



[1] Em matéria de créditos relacionados com descansos, o autor apenas peticionou uma diferença entre aquilo que devia ser pago por cada sábado, domingo ou feriado passados no estrangeiro ao serviço da ré (50,00 € por cada dia, num total de 186 dias, ascendendo o devido a 9.300 € – arts. 63º da petição a 65º da petição) e aquilo que a ré pagou (3.603,97 € - art. 66º da petição), sendo que a sentença recorrida não emitiu pronúncia explícita sobre tal pretensão.
[2] Ter-se pronunciado sobre uma pretensão que em rigor não foi deduzida.
[3] Não se ter pronunciado sobre a pretensão deduzida pelo autor e mencionada na nota nº 1.

[4] Nesse articulado não foi alegado que a ré não concedeu descansos compensatórios devidos ao abrigo daquela cláusula 41ª/6; o que realmente se alegou foi que existia uma diferença entre aquilo que devia ser pago por cada sábado, domingo ou feriado passados no estrangeiro ao serviço da ré (50,00 € por cada dia, num total de 186 dias, ascendendo o devido a 9.300 € – arts. 63º da petição a 65º da petição) e aquilo que a ré pagou (3.603,97 € - art. 66º da petição).

[5] Dicorre-se assim nas alegações: “Efectivamente, este contrato traz em si uma questão que não foi apreciada pela douta sentença, constituindo nessa parte uma omissão de pronúncia e que consiste no seguinte:

As duas semanas que o A. vinha gozar a Portugal ao fim de cada 60 dias de trabalho eram os descansos compensatórios não gozados ou eram férias?”.
[6] Base de trabalho da ré em que o autor foi colocado a trabalhar.
[7] Local onde o autor chegava ou de onde partia, provindo do Porto ou com esse destino, em viagens aéreas custeadas pela ré, para o gozo de férias ou de descansos em Portugal e subsequente regresso à base de trabalho.
[8] Local onde residia em Portugal.
[9] Local onde chegava e de onde partia, provindo de Bruxelas ou com esse destino, em viagens aéreas custeadas pela ré, para o gozo de férias ou de descansos em Portugal e subsequente regresso à base de trabalho.
[10] As disposições de uma convenção colectiva de trabalho devem ser interpretadas segundo as regras atinentes à interpretação da lei, consignadas, em particular, no artigo 9.º, do Código Civil (acórdãos do STJ de 10/11/1993, CJ, Acórdãos do STJ, Ano I, Tomo III, p. 291; de 9/11/1994, CJ, Acórdãos do STJ, Ano II, Tomo III, p. 284; de 10/5/2001, proferido no processo 300/99; de 14/2/2007, proferido no processo 3411/06; de 9/6/2010, proferido no processo 3976/06.0TTLSB.L1.S1; de 5/4/2011, proferido na no processo 4319/07.1TTLSB.L1.S1; e de 1/10/2015, proferido no processo 4156/10.6TTLSB.L1.S1), visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstracção e serem susceptíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros. (Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 2006, p. 1109, e Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 2005, pág. 111); são, por isso, passíveis de interpretação extensiva, seja pelo argumento de identidade de razão, seja pelo de maioria de razão.
[11] Quer se considere como local de termo da viagem o aeroporto português de desembarque ou o domicílio do autor em Portugal
[12] Quer se considere como local de início da viagem o domicílio do autor em Portugal ou o aeroporto português de embarque.
[13] Quer se considere como local de termo da viagem o aeroporto belga de desembarque ou Leuze onde estava sediada a base de trabalho do autor na Bélgica.

[14] https://www.legifrance.gouv.fr/eli/decret/2016/4/7/2016-418/jo/texte
[15] https://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=JORFTEXT000030978561&categorieLien=id#JORFARTI000030978578
[16]O contrato rege-se pela lei escolhida pelas partes. Esta escolha deve ser expressa ou resultar de modo inequívoco das disposições do contrato ou das circunstâncias da causa. Mediante esta escolha, as partes podem designar a lei aplicável à totalidade ou apenas a uma parte do contrato.”.
[17] A que Portugal aderiu pela convenção assinada no Funchal, em 18/05/1992, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 3/94 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 1/94, diplomas publicados no DR, I Série-A, nº 28, de 03/02/1994, vigente na ordem jurídica portuguesa desde 01/09/1994 (Aviso n.º 240/94 de 30/08/1994, no DR, I Série-A, n.º 217, de 19/09/1994).
[18]Sem prejuízo do disposto no artigo 3º, a escolha pelas partes da lei aplicável ao contrato de trabalho, não pode ter como consequência privar o trabalhador da protecção que lhe garantem as disposições imperativas da lei que seria aplicável, na falta de escolha, por força do nº 2 do presente artigo.”.
[19] Cfr. acórdão do STJ de 12/5/2016, proferido no processo 2998/14.2TTLSB.L1.S1; acórdão do Tribunal da Relação de Porto de 5/5/2014, proferido no processo 525/09.2TTPRT.P1; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 4/10/2018, proferido no processo 40/15.5T8BCL.G1
[20] Cfr., v.g, ,acórdãos do TJUE: Handelsgesellschaft, de 17/12/1970, proferido no processo 11/70, ECLI:EU:C:1970:114: Melloni, de 26/2/2013, proferido no processo 399/11, ECLI:EU:C:2013:107.
[21] Neste concreto segmento não existe discordância recursiva quanto ao decidido pelo tribunal recorrido.
[22] É quanto aos dias que devem ser excluídos dos sábados, domingos e feriados compreendidos nos períodos de duração dos contratos de trabalho entre o autor e a ré que o autor manifesta discordância recursiva.
[23]O trabalho prestado em dias feriados ou dias de descanso, semanal e ou complementar é remunerado com o acréscimo de 200%.”.
[24] De onde se extrai a nulidade do sistema remuneratório praticado pela ré, no confronto daquele que era imposto pelo CCTV aplicável.
[25] De onde se extrai o efeito repristinatório e retroactivo decorrente da nulidade referida na nota anterior.
[26] De onde se extrai a necessidade de se relegar para ulterior liquidação os créditos de quantificação impossível em face dos factos dados como provados na acção declarativa condenatória onde de reconhece a existência desses créditos.
[27] Como visto, além destes dias de descanso devem ser excluídos os dias de férias.
[28] O efectivo reconhecimento dessa titularidade está dependente do que vier a apurar-se e decidir-se em sede de ulterior liquidação, podendo suceder, até, que contabilizando os montantes já pagos pela ré se conclua ulteriormente que nenhum crédito assiste ao autor
[29] O efectivo reconhecimento dessa titularidade está dependente do que vier a apurar-se e decidir-se em sede de ulterior liquidação, podendo suceder, até, que contabilizando os montantes já pagos pela ré se conclua ulteriormente que nenhum crédito assiste ao autor