Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3322/22.6T8LRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES
ACÇÃO DE REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
CRITÉRIOS DE ATRIBUIÇÃO DA COMPETÊNCIA
RESIDÊNCIA HABITUAL DO MENOR
Data do Acordão: 03/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 8.º, 4 E 202.º DA CRP
ARTIGOS 37.º, 2 E 38.º DA LEI 62/2013, DE 26/8
ARTIGOS 9.º E 17.º DA LEI 141/2015, DE 8/9
ARTIGOS 59.º; 62.º; 63.º E 94.º DO CPC
ARTIGOS 7.º, N.º 1 E 10.º, A) A C) E CONSIDERANDOS 19, 20 E 25 DO REGULAMENTO (EU) 2019/1111
Sumário: I-Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, nos termos do artº 59 do C.P.C., quando se verifique alguma das circunstâncias mencionadas nos artºs 62 e 63º, ou quando as partes lhe tenham atribuído competência nos termos do artº 94º, sem prejuízo do que se achar estabelecido em regulamentos europeus e outros instrumentos internacionais.

II-Em acção de regulação de responsabilidades parentais de menor que se encontra com a progenitora neste país, residindo o progenitor no Dubai, todos com nacionalidade portuguesa, a competência dos tribunais deste Estado, terá de ser aferida de acordo com os critérios constantes do Regulamento (UE) 2019/1111 do Conselho de 25 de Junho de 2019 relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de crianças directamente aplicável neste Estado, por via do disposto no artº 288, §2, do TFUE e 8, nº4, da nossa Constituição.

III-O primeiro critério para atribuição de competência ao tribunal de um Estado-membro é o da residência habitual do menor, que deve ser entendido, de acordo com o disposto no artº 7 deste Regulamento, como correspondendo ao lugar onde a criança tem organizada a sua vida, em termos de maior estabilidade e permanência, de acordo com os seguintes parâmetros: a duração da permanência do menor no território de um Estado-membro; a regularidade dessa permanência e as condições nas quais o menor aí permanece; as razões dessa permanência e da mudança da família, para esse Estado-membro, a nacionalidade do menor, o local e condições de escolaridade do menor, os seus conhecimentos linguísticos e os laços familiares e sociais do menor nesse Estado-membro.

IV-Deve entender-se que a residência habitual de um menor se situa em território nacional, quando este, de nacionalidade portuguesa, nasceu neste país e aqui residiu até aos 5 anos, fala a língua portuguesa, regressou a este país com a progenitora que não tem meios de subsistência no Dubai, a sua família alargada materna e paterna reside neste país, aqui está perfeitamente integrado em equipamento escolar, não tendo nos Emirados Árabes Unidos, para além do seu progenitor, qualquer outro familiar e não tendo qualquer ligação afectiva, linguística ou cultural com aquele país. 

Decisão Texto Integral:
Proc. Nº 3322/22.6T8LRA.C1 - Apelação

Recorrente: AA  

Recorrida: BB

Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves

Juízes Desembargadores Adjuntos: Teresa Albuquerque

                                        Falcão de Magalhães


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Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação De COIMBRA:


RELATÓRIO

AA in tentou em 03/09/2022 no tribunal Judicial ..., junto dos Juízes de Família e Menores, a presente ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais do menor CC, contra BB, pedindo que a criança seja entregue à guarda e cuidados do pai, e que seja fixada a residência da criança na cidade do Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, junto do pai.

Para tal alegou, em suma, que o menor e a requerida se mudaram para os Emirados Árabes Unidos, em 2019, onde o progenitor requerente se encontrava já a trabalhar, fixando a sua residência nesse país. Mais alega que se separaram em 2021, tendo acordado que a criança passaria uma semana com cada progenitor, o que se verificou desde Abril de 2021, exercendo ambos em conjunto as responsabilidades parentais e que a progenitora em 14/07/2022, viajou para Portugal com o menor para passar as férias escolares, com sua autorização, mas decidiu de forma unilateral não regressar ao Dubai com o menor.

Em 11/10/2022 foi realizada conferência de pais, em que não tendo sido alcançado acordo, foram as partes remetidas para audição técnica especializada, não tendo sido fixado um regime provisório de regulação de responsabilidades parentais.


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Em 16/10/2022, o progenitor veio invocar a incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer a presente acção, alegando que o menor e os progenitores tinham residência nos Emirados Árabes Unidos, que a criança aí frequentava a escola e que no momento em que este processo foi instaurado a residência da criança se localizava no Dubai, não podendo a retenção ilícita da criança em Portugal, por pouco mais de um par de meses, à revelia do consentimento do pai ou de qualquer ordem judicial que o permitisse, conduzir à alteração da residência da criança para Portugal.

A título subsidiário, declarou desistir da instância, pedindo a sua homologação.


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A progenitora pronunciou-se no sentido de que, aquando da entrada da ação proposta pelo progenitor, a criança se encontrava a residir com a mãe em ..., desde julho de 2022, está matriculada no Colégio ..., onde frequenta o 3.º ano escolar e que residiu com a mãe desde que nasceu, nunca tendo existido qualquer guarda partilhada da criança.

Mais invocou que o progenitor aproveitando uma ocasião em que lhe foi permitido estar com o menor, no dia 16 /10/2022, não o entregou nesse dia conforme fora combinado e saiu do país com este menor, levando-o para os Emirados Árabes Unidos, sem sua autorização.


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O MP pronunciou-se no sentido de ser indeferido o requerido quanto à incompetência do presente tribunal e ainda quanto à desistência da instância tendo sempre em consideração o superior interesse da criança, promovendo ainda que seja solicitada informação ao ISS sobre o resultado da audição técnica especializada.

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Após, pelo tribunal recorrido, foi proferida decisão que julgou este tribunal internacionalmente competente e indeferiu o pedido de desistência da instância pelo requerente, considerando “aplicável, pese embora o Dubai não seja um Estado-Membro, o Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, que vigora em Portugal desde 01.08.2004. Com efeito, Para que o Reg. 2201/2003 seja aplicado, não é necessário que um dos cônjuges seja nacional de um EM (art. 3º, nº1, al. a)), ou que a criança cuja responsabilidade parental é regulada tenha residência habitual num dos EMs (art. 12º, nº4). O Reg. admite, em vários aspetos, uma relação com Estados terceiros (estabelecida, por exemplo, através da nacionalidade ou residência habitual dos cônjuges ou da nacionalidade da criança (art. 3º, nº1, e 8º, nº1). Portanto, o Reg. 2201/2003 não pressupõe necessariamente uma conexão do caso com outro EM. (João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL, 2022, pág. 235). Neste conspecto, reza o considerando nº 12 do Regulamento que As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental. Deflui do exposto que a aferição da residência habitual da criança reporta-se ao momento da propositura da ação, ou seja, no caso a 03.09.2022, e na sua fixação deve atender-se ao critério do superior interesse da criança e ao critério da proximidade. Ora, no caso vertente, extrai-se do quadro factual apurado que, à data da entrada da ação, a criança encontrava-se a residir em Portugal há quase 2 meses, sendo certo que esta nascera em Portugal, tem nacionalidade portuguesa e aqui viveu a maior parte da sua vida, regressando a Portugal, passados cerca de 2 anos e meio de vivência no Dubai. Tal regresso deveu-se à circunstância de a sua progenitora, aos cuidados de quem sempre esteve entregue de facto desde que nasceu, ter decidido regressar ao seu país, dada a separação dos progenitores e a inexistência de qualquer familiar ou trabalho no Dubai, sendo que ambos os progenitores têm nacionalidade portuguesa, encontrando-se em Portugal os membros da família alargada da criança. Acresce ainda que, atualmente, a criança está matriculada numa escola no nosso país, tendo já iniciado a frequência do ano letivo em curso. De acordo com o descrito, ponderando o superior interesse da criança e o critério da proximidade, impõe-se concluir que, na data da entrada da ação, a criança tinha em Portugal o centro da sua vida, situando-se aqui a sua residência habitual, donde se constata a competência internacional dos tribunais portugueses. Não se olvida, acrescente-se, que a criança se deslocou para Portugal com a anuência do progenitor para apenas passar férias, mas o certo é que, ponderada a factualidade especificamente apurada e os critérios que devem presidir à interpretação do conceito de residência habitual da criança, impõe-se fixar em Portugal a sua residência. É ainda de salientar, a propósito da extensão da competência prevista no artigo 12º, nº 3 do citado Regulamento que Os tribunais de um Estado-Membro são igualmente competentes em matéria de responsabilidade parental em processos que não os referidos no n.º 1, quando: a) A criança tenha uma ligação particular com esse Estado-Membro, em especial devido ao facto de um dos titulares da responsabilidade parental ter a sua residência habitual nesse Estado-Membro ou de a criança ser nacional desse Estado-Membro; e b) A sua competência tenha sido aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal e seja exercida no superior interesse da criança. Tal significa que, à luz deste normativo e tendo presente a factualidade demonstrada, a competência dos tribunais portugueses para a presente ação sempre defluiria da evidente ligação particular da criança com Portugal, atenta a residência da sua progenitora e a própria nacionalidade da criança, e ainda em face da aceitação explícita e inequívoca da competência deste Tribunal por todas as partes no processo – mormente pelo progenitor que aqui instaurou a presente ação –, sendo esta, como já exarado, exercida no superior interesse da criança. Acresce dizer que, ainda que se entendesse não ser aplicável ao caso dos autos o citado Regulamento, restando a aplicação das regras internas que regem quanto à competência internacional, a decisão da presente questão sempre seria no mesmo sentido. Na verdade, estabelece o artigo 62º do CPC, com acuidade no caso vertente, que, Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes: a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras da competência territorial estabelecidas na lei portuguesa.

Neste conspecto, é aplicável o artigo 9º do RGPTC que prevê, no seu nº 1, que Para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado, sendo, aliás, irrelevantes as modificações de facto que ocorram após a instauração do processo (nº 9 do citado normativo e no mesmo sentido artigo 38º, nº 1 da LOSJ).

Donde se conclui, de igual modo, que residindo a criança em Portugal no momento em que a ação foi instaurada, mais concretamente em ..., são os tribunais portugueses internacionalmente competentes, sendo certo que tal residência não é a residência formal, indicada no documento de identificação civil ou indicada para efeitos fiscais, mas antes o domicílio efetivo, de facto, que a criança tem.”

Mais ordenou a notificação do progenitor para informar do paradeiro do menor.


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A esta notificação respondeu o progenitor nos seguintes termos:

“1. O AA encontra-se no Dubai, Emirados Árabes Unidos, na companhia do Requerente, tendo já renovado o seu visto de residência (cf. cópia que se junta como Doc. 1, que ora se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os legais efeitos).

2. Encontra-se, ademais, a frequentar a escola ..., que frequentou nos 1.º e 2.º anos de escolaridade e onde já se encontra matriculado para frequentar o 3.o ano desde 10 de maio de 2022, p.p. (cf. cópia que se junta como Doc. 2, que ora se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os legais efeitos).

3. Ademais, cumpre informar que se encontra pendente processo de regulação das responsabilidades parentais nos Emirados Árabes Unidos, ao qual foi atribuído o número de processo 2022/32... (cf. cópia que se junta como Doc. 3, que ora se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzidos para os legais efeitos).

4. E, finalmente, foi também emitida decisão judicial (processo no 2720/20...) que impede a criança de se ausentar do País, salvo com o consentimento do Requerente ou decisão judicial nesse sentido. (cf. cópia que se junta como Doc. 4, que ora se junta e cujo teor se dá aqui por reproduzido para os legais efeitos),

5. Havendo o tribunal, aliás, ordenado à Requerida que procedesse à entrega do original do passaporte do menino (Cf. o Doc. 4).”


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Intentou ainda recurso da decisão que se pronunciou sobre a competência internacional do tribunal nacional e sobre o indeferimento da desistência da instância por si requerida, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

1. A decisão revidenda enferma de erro de julgamento quanto à matéria de facto.

2. Assim, decidiu o Tribunal a quo que a criança havia residido com a progenitora desde que nasceu e até dezembro de 2019, altura em que ambos alteraram a sua residência para junto do progenitor, no Dubai,

3. Apesar de resultar dos elementos probatórios juntos aos autos que a mudança para o Dubai foi feita por ambos os progenitores em conjunto.

4. E de não constar dos autos qualquer elemento probatório relativo à residência da criança em Lisboa, desde o seu nascimento até à alteração de residência para o Dubai, que permita afirmar a residência exclusiva do menino com a Recorrida.

5. Ademais, e apesar de constarem dos autos elementos probatórios que permitem identificar o momento da separação, o Tribunal a quo deu por provado apenas “que os progenitores se separaram no Dubai”.

6. Decisão que não permite apurar qual o concreto período de tempo de residência da criança nessa cidade, após a separação dos seus progenitores, apesar de tal elemento de facto ser relevante para efeitos de aferição do país da residência habitual da criança.

7. Assim, resulta do Petição Inicial do Recorrente e, bem assim, dos depoimentos dos progenitores em Conferência de Pais, que o Recorrente e a Recorrida já se encontravam separados em abril de 2021.

8. Residindo a criança, desde essa data até julho de 2022, em contexto de residência alternada com ambos os progenitores.

9. Da factualidade apurada resulta ainda que a viagem da criança com a Recorrida a Portugal, no ano de 2022, deveria ter-se limitado a uma deslocação ocasional e temporária, para mãe e filho passarem as férias de Verão, estando previsto o seu regresso a 27 de agosto p.p. 10. Tendo sido nesse pressuposto que a viagem foi autorizada pelo Recorrente, que nunca autorizou a alteração do país de residência da criança.

11. Sendo estas circunstâncias também relevantes para aferir da residência habitual da criança e, por essa via, da competência internacional dos tribunais portugueses, crê-se que também elas deveriam ter sido incluídas na decisão relativa à matéria de facto.

12. Quanto aos motivos da decisão da Recorrida de fixar a sua residência em Portugal, considerou o Tribunal a quo que estes se prendiam com a separação, e a circunstância da Recorrida não ter aí nem trabalho nem família, o que não se pode inferir dos elementos indiciários carreados para os autos.

13. Deu ainda o Tribunal a quo como provado que a criança estava matriculada numa escola portuguesa, onde frequentava o 3.º ano escolar, sendo certo que, ao tempo da propositura da ação, a criança não estava ainda a frequentar a referida escola, nada resultado dos elementos probatórios juntos aos autos quanto ao momento da sua matrícula.

14. Pelo contrário, resulta dos elementos probatórios documentais juntos aos autos que a criança, ao tempo da propositura dos autos, se encontrava matriculada na ..., onde frequentava igualmente os 1.º e 2.º anos, estando a faltar às aulas nessa escola desde o dia 31 de agosto, facto que é omitido na douta decisão revidenda.

15. Como tal, impugnam-se os pontos 2, 3, 4, 5, 6 e 7 da matéria de facto, nos termos e para os efeitos do art. 640.º, n.º 1, do CPC, impondo-se a seguinte decisão quanto às questões de facto impugnadas:

“2. a criança residiu em Portugal com ambos os progenitores desde que nasceu e até dezembro de 2019, altura em que os três alteraram a sua residência para o Dubai.

3. Os progenitores separaram-se no Dubai, vivendo em casas diferentes pelo menos a partir de abril de 2021, continuando a criança a residir nos Emirados Árabes Unidos com ambos os progenitores, em regime de residência alternada.

4. Nesse ano de 2021, a mãe e a criança deslocaram-se temporariamente a Portugal, para passar as férias escolares do menino, regressando em setembro aos Emirados Árabes Unidos. 5. Em 14.07.2022, a criança viajou para Portugal com a mãe, com autorização do pai, para passar as férias escolares, estando previsto o seu regresso ao Dubai a 27.08.22.

6. Chegada essa data, a progenitora decidiu não regressar ao Dubai, continuando a mãe e a criança a residir em Portugal, na casa dos avós maternos, sem o consentimento do progenitor. 7. A progenitora decidiu não regressar ao Dubai em virtude de aí não ter trabalho nem outras estruturas de apoio que não o progenitor.

8. A criança encontra-se matriculada no terceiro ano, na escola ..., sita no Dubai, que frequentou nos 1.º e 2.º anos de escolaridade, estando a faltar às aulas nessa escola desde o dia 31 de agosto.

9. O menino estudou na escola as línguas inglesa e árabe, não tendo nunca estudado a língua portuguesa.”

16. Talvez por força da incorreta apreciação em matéria de prova, o Ilustre Tribunal a quo incorreu em novo erro de julgamento, desta feita na interpretação autónoma do conceito de residência habitual da criança.

17. Decidindo que a criança tinha a sua residência habitual em Portugal, apesar desta se encontrar, ao tempo da propositura da acção, apenas há um mês e meio neste país.

18. Sucede que esta deslocação a Portugal era inicialmente ocasional, em férias, prevendo-se o regresso da criança aos Emirados Árabes Unidos, país onde já residia há dois anos e meio por decisão consensual de ambos os progenitores.

19. Primeiro no contexto da relação afetiva dos progenitores e, posteriormente, cerca de um ano e meio após a sua separação.

20. Foi nesse país que iniciou a sua escolaridade e que sempre frequentou a escola, estando socialmente bem integrada entre professores e colegas, exprimindo-se no seu dia-a-dia em língua inglesa e estudando ainda a língua árabe.

21. O português, apesar de ser a sua língua materna, seria, portanto, uma língua em que a criança se exprimia com menos frequência, nunca tendo estado incluída no seu currículo escolar.

22. Considerando a tenra idade do menino ao tempo da alteração da residência para o Dubai, e a sua idade atual, haverá de considerar que é nesse local que a criança tem as suas principais memórias, que terá como referente na concretização das suas rotinas e estruturação da sua personalidade.

23. Reconhecendo a ciência e a psicologia que a amnésia infantil se dá precisamente entre os 7 e os 8 anos de idade.

24. Pelo exposto, impõe-se identificar os Emirados Árabes Unidos como país da residência habitual da criança.

25. E isto apesar da criança, ao tempo da instauração dos autos, continuar retida em território português, por imposição unilateral da Recorrida.

26. A este propósito, importará precisar que nenhum dos progenitores poderia, unilateralmente, deslocar a residência habitual da criança para outro país.

27. Pois que, por força da lei aplicável às relações entre país e filhos (a Portuguesa, nos termos do art. 57.º, n.º 1, 2ª parte, ex vi art. 31.º, n.º 1, ambos do CC), ambos os progenitores exerceriam conjuntamente as responsabilidades parentais, sendo necessário o acordo de ambos em questões de particular importância (cf. art. 1901.º, n.ºs 1 e 2, ex vi 1912.º, n.º 2, todos do CC).

28. E dúvidas não podem subsistir relativamente à qualificação da fixação da residência da criança como questão de particular importância.

29. É, aliás, neste contexto, que vários instrumentos internacionais outorgados pelo Estado Português, entre eles a Convenção de Haia de 1980 e o Regulamento Bruxelas II Bis, rejeitam o reconhecimento da residência habitual da criança no país onde esta se encontra ilicitamente retida.

30. Coordenada interpretativa do conceito de residência habitual a que o Estado Português, internacionalmente vinculado com os objetivos da referida Convenção, não poderá deixar de atender, no momento de determinar o país da residência habitual da criança.

31. Sempre se impondo a rejeição da deslocação da residência habitual da criança para Portugal, à luz da ilegitimidade da Recorrida para, unilateralmente, a determinar.

32. Não obstante, verifica-se que, de qualquer forma, a situação de facto não permite defender que o centro de vida da criança se deslocou para Portugal.

33. Não só à luz da curta duração da sua estadia neste território ao tempo da propositura da ação (excluindo o tempo que a criança aqui passaria de férias, constata-se que o menino apenas se encontrava neste território há pouco mais de 10 dias, entre 23 de agosto e 3 de setembro p.p.)

34. Mas também por não haver elementos de facto que permitam constatar a integração social e familiar da criança neste país.

35. A este propósito, o Tribunal a quo configura a deslocação a Portugal como um “mero regresso”, atendendo à circunstância de a criança já ter residido neste território no passado, por período até superior àquele que viveu no Dubai.

36. Porém, não só se crê que a idade da criança e o lapso de tempo entretanto decorrido não permite tecer tais considerações, atendendo à importância específica dos últimos dois anos de vida para uma criança de 8 anos,

37. Como o ambiente a que a criança agora “regressa” é em todo distinto daquele que conheceu, nos seus primeiros anos de vida.

38. Com efeito, resulta da decisão da matéria de facto que, até à mudança para o Dubai, o AA residiu em Lisboa, na companhia de ambos os progenitores.

39. No entanto, o menino passa agora a residir em ..., na companhia da Recorrida e dos avós maternos, com quem nunca antes residiu, num contexto em que a Progenitora necessita de lhes prestar apoio, em atenção aos seus problemas de saúde, além de gerir a empresa de rodos do seu pai, pela qual é agora responsável.

40. Tais condições de vivência constituem um ambiente social e familiar completamente novo, que a criança nunca antes conheceu.

41. Não se aceitando o raciocínio do Tribunal a quo a este respeito, que parece fazer equivaler a circunstância de a criança ter família num determinado país, para aí se considerar inserida em termos familiares.

42. À luz do exposto, deveria o Tribunal a quo ter fixado a residência habitual da criança nos Emirados Árabes Unidos,

43. Tendo procedido a uma incorreta ponderação deste critério, e infringido o art. 7.º, n.º 1, do Regulamento n.º 2019/1111, e, bem assim, do art. 9.º, n.º 1 do RGPTC, aplicável por força do art. 62.º, al. a), do CPC.

44. Na fundamentação da sua decisão, refere o Tribunal a quo que, de qualquer modo, a competência internacional dos tribunais portugueses sempre decorreria da aplicação do art. 12.º, n.º 3 do Regulamento Bruxelas II Bis, por força da evidente ligação particular da criança a Portugal ou da circunstância da competência destes tribunais ter sido aceite pelo Recorrido, que aí interpôs a ação.

45. No entanto, e salvo melhor opinião, não parece que lhe assista razão.

46. Desde logo, verifica-se que ao tempo da propositura da ação, o Regulamento Bruxelas II Bis já havia sido revogado pelo Regulamento (UE) n.º 2019/1111 do Conselho, de 25 de junho de 2019, aplicável em todos os Estados-Membros a partir de 1 de agosto de 2022.

47. Errando por isso o Tribunal a quo ao aplicar o anterior Regulamento, violando os arts. 104.º, n.º 1 e 105.º, n.º 2, do referido Regulamento.

48. E, por essa via, procedendo a erro na determinação da norma aplicável, aplicando o art. 12.º do anterior Regulamento Bruxelas II Bis, ao invés do art. 10.º do Regulamento (UE) n.º 2019/1111, que o substitui.

49. Nos termos deste novo Regulamento (EU) n.º 2019/1111, a extensão da competência dos tribunais de um Estado-Membro, em função da especial ligação da criança a esse país, apenas é admissível mediante o preenchimento de um conjunto de condições cumulativas.

50. Entre elas a escolha dos tribunais desse país pelas partes e o exercício da competência no superior interesse da criança [cf. art. 10.º, n.º 1, als. b) e c) do referido Regulamento].

51. Conclusão que se retira quer da epígrafe do preceito legal indicado («Escolha do Tribunal»), que da utilização do copulativo “e” antes da enunciação da última condição cumulativa, prevista na al. c).

52. A este propósito, e no que concerne à escolha do tribunal pelas partes, o Regulamento releva duas alternativas: i) a celebração de pacto atributivo de jurisdição ao Estado-Membro; ou ii) a aceitação explícita da competência do tribunal do Estado-Membro, no decurso do processo.

53. Referindo-se que, nesta última hipótese, o tribunal teria a obrigação de assegurar que todas as partes foram informadas do seu direito de não aceitar a competência (cf. art. 10.º, n.º 1, al. b), subalínea ii), in fine).

54. Considerando-se, nessa hipótese, tal aceitação implícita, caso as partes não apresentassem oposição à atribuição da competência ao Estado Membro no decurso do processo, nos termos do art. 10.º, n.º 2, 2ª parte, do referido diploma legal.

55. Assim, estabelece-se expressamente nos termos do Regulamento que a possibilidade de deduzir oposição à competência do tribunal do Estado-Membro é conferida a ambas as partes, e não apenas àquela contra quem a ação foi instaurada.

56. À luz de tal disposição, não se poderá aceitar a interpretação do Tribunal a quo, no sentido de que a aceitação da competência dos tribunais portugueses, para os efeitos do art. 10.º, n.º 1, al. b), se basta com a interposição da ação por um dos titulares das responsabilidades parentais.

57. Em especial, na circunstância, como a dos autos, em que o Tribunal português não informou as partes do seu direito legal de apresentar oposição a essa competência, nem das legais consequências de não o fazer.

58. E em decisão provocada, justamente, pela oposição expressa do Recorrente à atribuição da competência aos tribunais portugueses, cuja competência internacional acabava de contestar. 59. Não se podendo afirmar o acordo do Recorrente quanto à competência dos tribunais portugueses, tal competência não poderá ser afirmada, nos termos do art. 10.º do Regulamento, devendo antes ser regulada pelas leis internas de direito internacional privado, como decorre do art. 14.º do mesmo diploma legal.

60. A qual ademais sempre haveria de ser rejeitada, por ser contrária ao superior interesse da criança.

61. E por abrir as portas ao forum shopping e ao recurso ao rapto internacional, em prejuízo dos objetivos e finalidades do Regulamento n.º 2019/111, que reafirma e reforça os compromissos assumidos no âmbito da Convenção de Haia de 1980, sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional.

62. Sendo certo que se deverá presumir que, salvo em circunstâncias excecionais, a deslocação ou retenção ilícitas são contrárias ao superior interesse da criança, e que o regresso à sua residência habitual lhe permitirá não só o acesso a ambos os progenitores, como lhe assegurará a decisão de mérito quanto ao exercício das responsabilidades parentais mais adequada.

63. Embora os Emirados Árabes Unidos não sejam País Contratante desta Convenção, Portugal, enquanto País Contratante, e, como tal, internacionalmente comprometido com a dissuasão do rapto internacional, não poderá deixar de atender a estas considerações no momento de interpretar o conceito de “superior interesse da criança”.

64. Reconhecendo que a sua salvaguarda importa a declaração da incompetência internacional dos tribunais portugueses quanto à regulação das responsabilidades parentais da criança, afirmando-se a competência dos tribunais da sua residência habitual.

65. Sendo o “superior interesse da criança” o princípio coordenador de todo o processo tutelar cível, estas considerações deverão ainda ser atendidas no momento da interpretação do art. 62.º do CPC.

66. Não se podendo relevar a circunstância de ter sido praticado em território português facto que serve de causa de pedir da ação, ou de algum dos factos que a integram, à luz da reduzida conexão de tais fatores face ao critério de proximidade geográfica expresso pelo conceito de residência habitual.

67. Pelo exposto, procedeu o Ilustre Tribunal a quo numa errada interpretação dos arts. 10.º e 14.º do Regulamento n.º 2019/1111, e, bem assim, do art. 62.º do CPC, antes se impondo declarar a incompetência internacional do tribunal português.

68. Quanto ao pedido subsidiário do Recorrente, de desistência da instância, sempre se dirá que nenhum obstáculo impossibilita a sua homologação.

69. Pois que, em primeiro lugar, tal desistência não dependeria da aceitação da Recorrida, que não ofereceu qualquer contestação ao pedido do Requerente (cf. art. 286.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do art. 33.º, n.º 1, do RGPTC).

70. E, em segundo lugar, o superior interesse da criança não se opor à desistência da instância, antes aconselhando o fim da tramitação dos presentes autos.

71. Valendo a este propósito os argumentos atrás aduzidos, nomeadamente:

72. I) o interesse da criança em que o processo seja tramitado nos tribunais do seu país de residência habitual, atendendo aos riscos de que a decisão de mérito por tribunal de outro país não seja adequada à sua situação concreta (quer pela maior dificuldade na produção de prova, quer pelo desconhecimento das suas condições de vida);

73. II) o interesse da criança na dissuasão de situações de remoção indevida do seu país de residência habitual, em preservação da sua estabilidade e desenvolvimento integral;

74. III) o risco de prolongamento da situação de retenção ilícita, mediante a possibilidade do tribunal do país onde a criança se encontra retida vir a proferir decisão de mérito que atrase ou impeça o seu regresso ao país de residência habitual, em prejuízo do seu direito de acesso a ambos os progenitores e da sua estabilidade e desenvolvimento.

75. Tendo, por conseguinte, o Ilustre Tribunal a quo agido em violação do art. 286.º, n.º 1, do CPC e, bem assim, dos arts. 4.º, n.º 2 e 33.º, n.º 1, do RGPTC.

Pelo Que, Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser dado provimento ao recurso, procedendo-se à alteração da decisão da matéria de facto nos termos pugnados e declarando-se a incompetência absoluta do tribunal português para o pleito ou, subsidiariamente, homologando-se a desistência da instância, pois, só assim, se fará JUSTIÇA.


*


Pela requerida, foram interpostas contra-alegações, contendo as seguintes conclusões:

“a) A d. sentença recorrida fez correta interpretação dos factos e da lei. Pelo que,

e) A sentença em causa não merece qualquer censura ou reparo, devendo manter-se

f) É o que se pede e espera desse Alto Tribunal, assim se fazendo J U S T I Ç A !”


*

Por sua vez o Ministério Público apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:

“III – Conclusões:

1 - Em nosso entendimento, o Tribunal a quo efectuou uma correcta interpretação dos elementos constantes dos autos, bem como efectuou uma correcta interpretação e aplicação das normas aplicadas ao caso em concreto, não ocorrendo erro de julgamento quanto a matéria de facto não merecendo a douta decisão proferida qualquer censura, não tendo ocorrido qualquer vício processual, violação de direitos e princípios, violação de normas que acarretem nulidades ou irregularidades tais com ónus que afectem a marcha do processo e coloquem em causa os fundamentos da decisão que veio a ser proferida, não merecendo a douta decisão proferida qualquer censura uma vez que salvaguardou e respeitou o superior interesse da criança.

2 - A criança é titular de direitos reconhecidos juridicamente – artigos 64.º n.º2, 67.º, 68.º e 69.º da Constituição da República Portuguesa.

3 - O critério orientador e que terá necessariamente de presidir à decisão do tribunal é o interesse superior da criança e não os dos progenitores, o qual apenas terá e deverá ser considerado, até por imposição constitucional (artigos 36.º n.ºs 3 a 6, 67.º, 68.º e 69.º da Constituição da República Portuguesa), na medida em que se mostrem conformes ao interesse superior da criança, não colocando em crise esse interesse.

4 - A lei não define o que deve entender-se por “interesse superior da criança”, estando-se na presença de um conceito aberto, a concretizar atentando nas necessidades físicas, intelectuais, religiosas e materiais da criança, na sua idade, sexo, grau de desenvolvimento físico e psíquico, na continuidade das relações daquela, a sua adaptação ao ambiente escolar e familiar, bem como as relações que vai estabelecendo com a comunidade em que se integra.

5 - O superior interesse deve presidir à decisão do tribunal e, em caso de incompatibilidade entre os direitos e os interesses dos progenitores e os da criança, é o interesse desta última que deve impreterivelmente prevalecer.

6 - O princípio da audição do menor constante em preceitos do direito interno e do direito internacional a que o Estado Português está vinculado, tem como pressuposto a consideração de que o menor deve ser ouvido nas decisões que lhe dizem respeito, pelo respeito pela sua personalidade.

7 - Foi o recorrente AA quem, em 2.09.2022, instaurou a presente acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativa ao seu filho CC, contra a progenitora BB, em Portugal, no Juízo de Família e Menores ..., indicando a morada da progenitora, pedindo que a criança seja entregue à guarda e cuidados do pai, que o exercício das responsabilidades parentais seja atribuído ao pai, que seja fixada a residência da criança na cidade do Dubai, nos Emirados Árabes Unidos e que o pai seja nomeado o encarregado de educação da criança, por se tratar do local da residência da criança.

8 - Em Dezembro de 2019, a progenitora e a criança foram para o Dubai ter com o recorrente, uma vez que este estava lá a trabalhar, e está lá a trabalhar no Dubai, nos Emiratos Árabes Unidos.

9 - Foi recolhida informação junto da CPCJ ... que a criança tinha pendente naquela entidade o processo de promoção e protecção n.º...87, que se encontrava em avaliação diagnóstica, com início numa sinalização realizada pelo mandatário do recorrente em 14.09.2022, por existência de problemas a nível psicoafectivo, não recebendo a criança os cuidados e a afeição adequados à sua idade e situação pessoal.

10 - Na referida sinalização foi indicado que a criança residia com a progenitora em Rua ..., ... ... e ainda que AA se encontrava matriculado e a frequentar o Colégio ..., sito na Rua ..., em ....

11- Foi apurado durante a conferência de pais que o progenitor exerce a sua actividade profissional no Dubai e ainda em outros países da Europa, Ásia e Brasil, deslocando-se mensalmente para os vários países em negócios, onde permanece durante algumas semanas, sem regressar ao Dubai, ficando a criança aos cuidados de terceiros, empregados assalariados. 12- O progenitor revelou possuir uma capacidade económica superior à da progenitora, esclarecendo que esta sempre viveu na sua dependência económica enquanto mantiveram o relacionamento, e mesmo posteriormente, admitindo que a progenitora era boa mãe e sempre assegurou os cuidados ao filho de ambos, mantendo a criança um forte vínculo afectivo com a mesma, tendo tentado convencer a progenitora a se manter a residir no Dubai, tendo surgido vários conflitos, admitindo que realiza muitas viagens em trabalho por todo o Mundo, passando muitos dias fora do Dubai.

13- Procedeu-se à audição da criança no âmbito dos presentes autos, tendo AA confirmado que o progenitor viaja frequentemente devido ao seu trabalho, passando muito tempo fora, na companhia de outras pessoas, que passava a maior parte do seu tempo aos cuidados da progenitora e ainda confiado a terceiros que trabalhavam para o seu pai, que mantém contatos frequentes por videochamada, que o relacionamento dos progenitores era conflituoso, recordando-se de alguns episódios de agressões.

14 - Após Julho de 2022, passou a residir com a progenitora em casa dos avós maternos, tendo passado a conviver regularmente com os vários familiares do lado materno e ainda com os familiares do lado paterno, passado alguns dias de férias com os avós paternos no ..., tendo convivido com os tios paternos e primos, de quem gosta muito, informando que não esteve no período compreendido entre Julho e Outubro de 2022 com o seu pai porque apesar deste viajar frequentemente, não gosta de vir a Portugal.

15 - Declarou que gosta muito da escola portuguesa onde está matriculado e inserido, possui vários amigos, falando alegremente das actividades que desenvolve com estes, do futebol, manifestando interesse em ficar a residir com a mãe em Portugal e conviver com o pai sempre que este tivesse disponibilidade para o efeito.

16 - AA manifestou maturidade para compreender o conflito vivenciado pelos progenitores e capacidade para formar opinião quanto a tal matéria e aptidão para perceber o alcance das suas declarações na solução a atingir.

17 - Porém, apesar de terem conhecimento da posição do filho, os progenitores não chegaram a acordo, a progenitora não pretende residir no Dubai e o progenitor não deseja residir em Portugal, pretendendo que a criança passe a residir consigo no Dubai, independentemente da vontade deste.

18 - Dada a falta de entendimento, foi designada data para Audição Técnica Especializada, dois dias depois, para o dia 13.11.2022, pelas 9h30m, com vista a assegurar a presença do progenitor em território nacional e com esperança que fosse alcançado um acordo ainda que provisório, ficando previsto que o progenitor fosse à escola que a criança frequentava e apurasse por si a sua boa integração e satisfação.

19 - No dia 14.10.2022, os progenitores estiveram presentes no Colégio ..., na ..., onde a criança está a frequentar o 3.º ano escolar, onde verificaram que a criança se adaptou bem, que brinca com os colegas de turma e com outros alunos no futebol e em outras actividades, acompanhando a turma em todas as disciplinas, recebendo ainda apoio adicional à disciplina de português.

20 - No dia 16.10.2022, o progenitor veio arguir a excepção de incompetência absoluta do tribunal por violação das regras previstas e, a título subsidiário, desistir da instância.

21 - Nesse mesmo dia, 16.10.2022, pelas 19h, o progenitor não entregou a criança à progenitora conforme acordado entre ambos, tendo-se apurado que no dia 17.10.2022, de manhã, a criança se encontrava no Dubai aos cuidados do pai, desconhecendo-se a forma como terá viajado.

22 - Foi proferida decisão pelo tribunal a quo, na qual se julgou improcedente a excepção dilatória invocada pelo requerida e, em consequência, declarou o Tribunal de Família e Menores ... como sendo internacionalmente competente para apreciar e decidir a presente acção de regulação das responsabilidades parentais, não sendo homologado o pedido de desistência apresentado, por tal não se mostrar adequado ao superior interesse da criança. 23 – Perante o fim do projecto familiar com o progenitor e ausência de trabalho no Dubai, em Julho de 2022, a progenitora viajou para Portugal, fazendo-se acompanhar da criança AA, tendo fixado residência na casa dos avós maternos da criança, pretendendo a progenitora ai permanecer definitivamente, cuidar dos seus progenitores, pessoas de idade já avançada, cuidar da empresa familiar de produção de rodos, assumindo a sua gerência, daí retirando rendimentos económicos para a subsistência do agregado familiar.

24 - AA foi matriculado no Colégio, no 3.º ano, iniciou a frequência das aulas e integrou-se perfeitamente no estabelecimento de ensino.

25 - Pelo menos, desde Julho de 2022, a criança tem a sua residência em Portugal.

26 - Estatui o artigo 59.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 33.º n.º1 do Regime do Processo Tutelar Cível, relativamente à competência internacional dos Tribunais portugueses: “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94º.”

27 - Todavia, a relevância de tais elementos de conexão e, bem assim, da atribuição de competência pelas partes, não prejudica “o que que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais» (artigo 59.º 1.ª parte, do Código de Processo Civil).

28 -- Estamos no âmbito material do Regulamento 2019/1111 do Conselho de 25.06.2019 que se tornou aplicável a partir de 1.08.2022 aplicando-se em matéria civil relativamente ao divórcio, separação e anulação do casamento e é ainda aplicável às matérias relativas à atribuição, exercício, delegação, limitação ou cessação da responsabilidade parental, existindo lapso na indicação do Regulamento anterior face ao seu pouco tempo de vigência.

29 - O artigo 7.º determina que os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo é instaurado no tribunal.

30 - Trata-se de uma concretização do superior interesse da criança através do princípio da proximidade, assente no pressuposto de que o Tribunal de residência da criança é o que está em melhor posição de conhecer a sua situação e o estado do seu desenvolvimento.

31 - De acordo com o artigo 62.º do Código de Processo Civil (para o qual remete a segunda parte do artigo 59.º daquele Código):

- Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:

a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;

b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;

c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.

32 - A criança, à data do requerimento de regulação do exercício das responsabilidades parentais, residia com a progenitora em Portugal, mais em Rua ..., ... ..., estando devidamente integrado em equipamento escolar que frequenta.

33 - Estando a criança integrada em termos familiares, escolares e de amizades, em ..., forçoso é concluir que esta tem a sua residência habitual em Portugal, não sendo a mesma ocasional.

34 - Na verdade, a “residência habitual” de um menor é o local onde se encontra organizada a sua vida familiar em termos de maior estabilidade e permanência, onde desenvolve habitualmente a sua vida, em suma, onde está efectivamente radicado.

35 - Assim, a residência supõe, para além da presença física, Ac. do TJUE de 02-04-2009 Proc. C-523 /07, uma determinada integração do menor num ambiente social e familiar. Para esse fim, deve ser tido em conta, as condições e as razões de permanência no território de um Estado e da mudança da família para esse Estado, a nacionalidade da criança, o local e as condições de escolaridade e os laços familiares e sociais que a criança tiver no referido Estado (Ac. TJUE de 2.04.2009) assim como quaisquer outros elementos que indiquem que essa presença não tem carácter temporário ou ocasional, incluindo a residência habitual das pessoas de referência com as quais vive, que a guardam efectivamente e dela cuidam (Ac. TJUE de 22.10.2010, Barbara Mercredi, Proc. C-497/10, pelo que se deverá concluir que a residência habitual da criança é em Portugal, com a progenitora.

36 - A progenitora vive, com carácter de permanência, com os avós maternos da criança, pessoas de idade avançada, auxiliando-os nos cuidados diários, exerce actividade profissional na gerência da empresa de rodos, detida pelos avós maternos da criança, não prevendo regressar ao Dubai devido ao fim do relacionamento e ausência de condições para viver no referido país, sem trabalho e familiares.

37 - Encontrando-se a criança a maior parte do tempo a cargo da progenitora, devido às ausências prolongadas em viagens de negócios por parte do progenitor, exercendo a mesma actividade profissional em Portugal com caracter de permanência, frequentando a criança estabelecimento de ensino, entendemos que o centro de vida da criança também se encontraria estabilizado. Em Portugal, a criança convive com todos os outros familiares do lado materno e do lado paterno, avós, tios e primos, permitindo-lhe desfrutar momentos de qualidade e de afecto, o que não se verifica no Dubai, deixando o progenitor a criança aos cuidados de terceiros nas suas ausências prolongadas.

38 - Por isso, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para a regulação do exercício das responsabilidades parentais da criança.

39 - Entre as providências tutelares cíveis previstas no Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) incluise “a regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes” – conforme artigo 3.º alínea c) do referido RGPTC.

40 - E, o artigo 9.º do RGPTC, sob a epígrafe “Competência territorial”, estipula que: 1- Para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado.

41 - Dispositivo esse que é complementado pelo artigo 85º n.º1 do Código Civil que estabelece que “o menor tem domicílio no lugar da residência da família; se a família não existir, tem por domicílio o do progenitor a cuja guarda estiver”.

42 - Ora, da factualidade apurada nos autos constata-se que a criança, à data do requerimento de regulação do exercício das responsabilidades parentais (2.09.2022), residia com a progenitora em Portugal, mais concretamente em ..., estando devidamente integrado em equipamento escolar que frequenta desde esta data.

43 - Assim, o tribunal territorialmente competente é o Juízo de Família e Menores ..., nos termos artigo 123.º n.º1, alínea d) da Lei nº62/2013 (LOSJ), o qual deverá assegurar a continuidade da tramitação do processo, por inoperância da desistência apresentada pelo progenitor, com vista a salvaguardar o interesse superior da criança em ter a sua situação jurídica definida. Pelo exposto, entendemos que mantendo o despacho proferido, negando provimento ao recurso Vossas Ex.as, decidindo, farão Justiça.”


***


 

QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]

Nestes termos, as questões a decidir consistem em determinar

a) Se deve ser alterada a decisão de facto considerada pelo tribunal recorrido para decisão da sua competência internacional.
b) Se os Tribunais Portugueses são internacionalmente competentes, para a acção de regulação das responsabilidades parentais do menor CC.
c) Se deve ser deferida a desistência da instância pelo requerente.


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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal recorrido fez consignar a seguinte matéria como relevante para a apreciação da competência internacional dos tribunais portugueses:

“1. CC nasceu em .../.../2014, no ..., Lisboa e encontra-se registado como sendo filho de AA e BB.

2. A criança residiu em Portugal com a progenitora desde que nasceu e até dezembro de 2019, altura em que ambas alteraram a sua residência para junto do progenitor, no Dubai.

3. Os progenitores separaram-se no Dubai.

4. Em 14.07.2022, a criança viajou para Portugal com a mãe, e com autorização do pai, para passar as férias escolares.

5. A progenitora e a criança passaram a residir na casa dos pais daquela e não regressaram ao Dubai.

6. A progenitora decidiu não regressar ao Dubai em virtude de estar separada do progenitor e de aí não ter trabalho nem família.

7. A criança está matriculada no Colégio ..., sito na ..., onde frequenta o 3.º ano escolar.

8. A família alargada da criança, designadamente os seus avós maternos e paternos residem em Portugal.

9. Ambos os progenitores têm nacionalidade portuguesa.

10. A presente ação deu entrada em 03.09.2022 e foi proposta pelo progenitor.


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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Insurge-se o recorrente contra a decisão da matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido alegando que os pontos 2, 3, 4, 5, 6 e 7 da matéria de facto, devem ser alterados para o seguinte:

“2. a criança residiu em Portugal com ambos os progenitores desde que nasceu e até dezembro de 2019, altura em que os três alteraram a sua residência para o Dubai.

3. Os progenitores separaram-se no Dubai, vivendo em casas diferentes pelo menos a partir de abril de 2021, continuando a criança a residir nos Emirados Árabes Unidos com ambos os progenitores, em regime de residência alternada.

4. Nesse ano de 2021, a mãe e a criança deslocaram-se temporariamente a Portugal, para passar as férias escolares do menino, regressando em setembro aos Emirados Árabes Unidos.

5. Em 14.07.2022, a criança viajou para Portugal com a mãe, com autorização do pai, para passar as férias escolares, estando previsto o seu regresso ao Dubai a 27.08.22.

6. Chegada essa data, a progenitora decidiu não regressar ao Dubai, continuando a mãe e a criança a residir em Portugal, na casa dos avós maternos, sem o consentimento do progenitor.

7. A progenitora decidiu não regressar ao Dubai em virtude de aí não ter trabalho nem outras estruturas de apoio que não o progenitor.

8. A criança encontra-se matriculada no terceiro ano, na escola ..., sita no Dubai, que frequentou nos 1.º e 2.º anos de escolaridade, estando a faltar às aulas nessa escola desde o dia 31 de agosto.

9. O menino estudou na escola as línguas inglesa e árabe, não tendo nunca estudado a língua portuguesa.”

Indica como meios de prova o seu depoimento e o da progenitora, bem como os documentos juntos com o seu requerimento inicial e que comprovam a matrícula do menor na escola que identifica.

Primeiro ponto que importa referir: os presentes autos foram intentados pelo progenitor que excepcionou a incompetência deste tribunal, que no decurso deste processo e estando pendente pedido por si formulado junto dos tribunais portugueses para regulação das responsabilidades parentais do menor AA e fixação da sua residência, ausentou-se de forma ilícita deste país com o menor, sem informar o tribunal e sem autorização nem do tribunal, nem do outro progenitor e que, após, vem por intermédio do seu Ilustre mandatário, alegar que afinal aos tribunais nacionais não assiste competência para decidir do destino do menor. Como vem, posteriormente à decisão do tribunal nacional que se julgara competente para a decisão da causa, comunicar que solicitou e obteve dos tribunais do Dubai uma decisão que proíbe o menor de sair do Dubai, sem autorização do requerente ou decisão judicial nesse sentido.

É assim manifesto o desrespeito pelos tribunais nacionais e por qualquer decisão que estes houvessem de proferir e que o próprio solicitara, o desrespeito pelos direitos do menor e a total má-fé com que o requerente actua nestes autos, que não poderá deixar de ser sancionada, independentemente de qualquer decisão que venha a ser tomada em relação às questões colocadas no recurso.

Volvendo ao objecto do recurso, há que referir que os autos se encontram numa fase inicial e que os elementos recolhidos pelo tribunal recorrido para aferir da sua competência, são apenas os que decorrem das declarações de ambos os progenitores e da audição do próprio menor e os que resultam de documentos não impugnados juntos as autos, em consonância com a natureza de jurisdição voluntária destes autos (artº 12 da Lei 141/2015 de 8 de Setembro).

Acresce que os factos que o tribunal tem que apurar nesta fase, são os relevantes para a aferição da sua competência internacional, tendo em conta o disposto no artº 62 do C.P.C. e o critério da proximidade previsto no artº 9 da Lei 141/2015 de 8 de Setembro e nos regulamentos internacionais aplicáveis, sendo certo que deferiu para momento posterior a fixação de regime provisório.

Há que considerar, ainda, que em regra a competência dos tribunais nacionais se afere pelo quod disputatum, pelos termos em que o autor configura a relação jurídica controvertida, pressupondo que o litígio, apresenta um ou mais elementos de conexão com uma ou várias ordens jurídicas distintas do ordenamento do foro, sem necessidade de produção de prova sobre estes concretos factos.

No entanto, quando em causa a regulação das responsabilidades parentais, o primeiro critério apontado para aferir dessa competência é o da proximidade, o da residência habitual do menor, que não coincide exactamente com qualquer residência fiscal, mas antes determina-se de acordo com a ligação que o menor tem àquele lugar, de acordo com vínculos afectivos e sociais e de estabilidade da vivência do menor.

Nesta medida, estes critérios carecem de enquadramento fáctico e de apuramento dos pertinentes factos pelo tribunal, tendo em conta a natureza de jurisdição voluntária destes autos e com a liberdade conferida ao magistrado de coligir os meios de prova que repute convenientes, de fixar os factos que julgue pertinentes sem estar vinculado pelos estritamente alegados e de adoptar as providências mais adequadas com vista à salvaguarda do superior interesse do menor.     

No que se reporta à residência do menor, o que resultou da audição de ambos os progenitores é que o menor residia em Portugal em permanência com a sua mãe, sendo a vivência com o pai mais esporádica quando este se deslocava a Portugal. Também não resultou dos depoimentos de ambos que após a separação, ocorrida em 2021, o menor continuou a residir nos Emirados Árabes Unidos com ambos os progenitores, em regime de residência alternada. O que resultou é que em virtude do trabalho do requerente e das suas frequentes viagens que se prolongavam por semanas num único mês, nunca foi possível o regime de guarda alternada, apesar de numa fase inicial ter sido equacionado e que, na prática, o recorrente não tem disponibilidade para cuidar do menor, deferindo esse encargo que é seu, em assalariados.

Em relação ao ponto 4, resulta das versões de ambos os progenitores que se terão separado pelo menos em Abril de 2021, residindo em casas separadas e residindo o menor em permanência com a sua mãe e que efectivamente, no verão de 2021, progenitora e menor vieram para Portugal em férias, regressando em Setembro ao Dubai.

Em relação aos demais pontos, os nºs 5, 6 e 7, já resultam da matéria fáctica, deferindo-se apenas a alteração no sentido de constar que o menor se encontrava matriculado num colégio no Dubai.

Altera-se, assim o ponto 3 no seguinte sentido:

“Os progenitores separaram-se no Dubai, vivendo em casas diferentes pelo menos a partir de abril de 2021, continuando a criança a residir nos Emirados Árabes Unidos com a progenitora.

Adita-se um ponto 3-A e um ponto 7-A, com a seguinte redacção:

“3-A. Após a separação, em 2021, a mãe e a criança deslocaram-se a Portugal, para passar as férias escolares, regressando em Setembro aos Emirados Árabes Unidos.

 7-A. A essa data, o menor encontrava-se matriculado num colégio no Dubai.”

No demais indefere-se a pretendida alteração da matéria de facto.


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Insurge-se igualmente o requerente contra a decisão que considerou o tribunal nacional competente para a regulação das responsabilidades parentais do menor, apesar de ter intentado a presente acção peticionando precisamente a regulação dessas responsabilidades parentais, antes de ter decidido subtrair este menor do país, sem autorização do tribunal nem da progenitora e levá-lo para os Emirados Árabes Unidos, alegando que:

-a residência habitual do menor é no Dubai;

-a sua autorização para a deslocação para Portugal com a progenitora foi apenas para passar férias escolares, sendo a sua retenção, após este período, neste país ilícita;

-não se pode considerar a competência do tribunal nacional por aplicação dos critérios definidos no artº 10 do Regulamento EU 2019/1111, pois que não se pode considerar que existiu aceitação explícita da competência deste tribunal, nem foi informado do seu direito de não aceitar a competência.

Decidindo

a) da atribuição de competência internacional aos Tribunais Portugueses para a acção de regulação de responsabilidade parentais.

Em primeiro lugar e como questão prévia, há que referir que a decisão sobre a retenção lícita ou ilícita deste menor, na ausência de convenção que regule o rapto internacional de menores que vincule ambos os Estados, dependia da decisão a proferir por este tribunal sobre o local de residência habitual deste menor e sobre os pedidos que tinham sido formulados pelo próprio progenitor a este respeito.

Preferiu, no entanto, o progenitor, colocar a requerida e este Tribunal, perante um alegado facto consumado. Para o requerente a questão está decidida, pois que tendo levado o menor para o Dubai - ilicitamente e de forma que cumpre apurar, pois que desacompanhado dos documentos que deveriam ser exigíveis para um menor sair deste país - nele obteve, alegadamente, decisão que impede o menor de sair do país, sem sua autorização ou sem decisão dos tribunais daquele Estado.

No entanto, pese embora esta atitude do requerente, os Tribunais deste Estado, não se demitem da sua função de julgar (imposta e salvaguardada pelo artº 202 da Constituição) e de procurar assegurar o interesse do menor, se considerarem que existem factores que permitam a fixação da sua competência.

 Com efeito, do disposto no artº 37 nº2 da Lei 62/2013 de 26/08, decorre que “A lei de processo fixa os fatores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais.”, decorrendo do disposto no artº 38 da supra referida Lei, que esta se fixa no momento em que a acção, é proposta (princípio da perpetuatio fori ou jurisdictionis) - sendo irrelevantes as modificações de facto, salvo os casos especialmente previstos na lei ocorridos na pendência da acção - exceto se for suprimido o órgão a que a causa estava afeta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecia para o conhecimento da causa.

Nestes termos, o artº 59 do C.P.C. dispõe que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique alguma das circunstâncias mencionadas nos artºs 62 e 63º, ou quando as partes lhe tenham atribuído competência nos termos do artº 94º, sem prejuízo do que se achar estabelecido em regulamentos europeus e outros instrumentos internacionais.

Como critérios gerais para que seja atribuída competência internacional aos tribunais nacionais, resultam do disposto no artº 62 do C.P.C., os seguintes: que esta acção deva ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa (critério da coincidência); que tenha sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram (critério da causalidade); o direito invocado não possa tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português, ou quando constituir para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real (critério da necessidade).

Decorre ainda do disposto neste preceito legal que basta a verificação de alguma das descritas circunstâncias ou factores (princípio da autonomia ou da independência) para que ao tribunal português seja atribuída a competência, sendo certo que esta se fixa no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevante alterações posteriores, salvo nos casos permitidos ou definidos na lei.[3]

A determinação da competência internacional dos tribunais portugueses, afere-se ainda pelo conteúdo de tratados internacionais e regulamentos europeus que vinculem o Estado Português e que prevalecem sobre as normas de direito nacional (artº 59 do C.P.C. e 8, nº4, da Constituição).

Nestes termos, “a aplicação das disposições legais do Código de Processo Civil que fixam e estabelecem os factores de atribuição de competência internacional dos tribunais portugueses encontra-se negativamente delimitada pelas convenções internacionais ou outros instrumentos da União Europeia regularmente ratificadas ou aprovadas e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.”[4]    

No caso em apreço, ambos os progenitores e o menor são de nacionalidade portuguesa, encontrando-se a progenitora e o menor, à data da instauração dos presentes autos a residir em Portugal e o progenitor que intenta a acção, a residir nos Emirados Árabes Unidos. Não oferece dúvida que os Emirados Árabes Unidos não subscreveram a Convenção de Haia, nem existem outros instrumentos internacionais subscritos por ambos os Estados, que disponham sobre os critérios para aferir a competência dos tribunais destes Estados para a regulação do poder parental de menor de nacionalidade portuguesa, filho de progenitores também de nacionalidade portuguesa, residindo um dos progenitores no Dubai e o menor e sua mãe em território nacional.

A competência deste tribunal terá assim de ser decidida de acordo com o disposto no artº 62 do C.P.C., tendo em conta a interpretação do critério de residência habitual do menor, exigido pelo nº1 do artº 9 da 145/2015 de 08/09 e, essencialmente, de acordo com o Regulamento (UE) 2019/1111 do Conselho de 25 de Junho de 2019 relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de crianças. Regulamento que é obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável neste Estado, por via do disposto no artº 288, §2, do TFUE e 8, nº4, da nossa Constituição, prevalecendo mesmo sobre a legislação nacional que lhe for contrária.

Efectivamente como referiu o tribunal a quo, para a aplicabilidade deste regulamento é necessário um elemento de estraneidade, mas não é necessário que o litígio envolva Estados-membros, sendo directamente aplicável caso se conclua pela verificação dos critérios nele explanados para a atribuição de competência aos tribunais nacionais.

Na aferição do primeiro critério, resulta do disposto no artº 9 nº1 da Lei 141/2015 que é competente para decretar as providências tutelares cíveis, o tribunal da residência da criança, no momento em que o processo foi instaurado. Este conceito de residência do menor, deve ser entendido como correspondendo ao “lugar onde a criança reside habitualmente, isto é, o local onde se encontrava organizada a sua vida, em termos de maior estabilidade e permanência, onde desenvolve habitualmente a sua vida, onde está radicada.”[5]

Está este conceito da lei nacional de acordo com o critério de proximidade que resulta do Regulamento (EU) 2019/1111 do Conselho de 25 de Junho, para a atribuição de competência ao tribunal de um Estado-membro. Decorre deste Regulamento, no que se reporta à competência em matéria de responsabilidade parental, que esta deve ser “definida em função do superior interesse da criança e devem ser aplicadas em função desse interesse. Todas as referências ao superior interesse da criança deverão ser interpretadas à luz do artigo 24.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia («Carta») e da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989 («Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança»), aplicadas ao abrigo do direito e dos procedimentos nacionais (considerando 19).

Para salvaguardar este superior interesse da criança, “a competência jurisdicional deverá, em primeiro lugar, ser determinada em função do critério da proximidade. Consequentemente, a competência deverá ser atribuída aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança, exceto em determinadas situações previstas no presente regulamento, por exemplo, nos casos em que ocorra uma mudança da residência habitual da criança ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental” (considerando 20).

Por último, se “não puder ser determinada a residência habitual da criança nem for possível determinar a competência com base no acordo relativo à escolha do tribunal, deverão ser competentes os tribunais do Estado-Membro em que se encontra a criança.” (considerando 25).

Resulta destes considerandos e do disposto no artº 7 nº1 do aludido Regulamento que o critério a observar para atribuição de competência ao Tribunal de um Estado-membro é o da proximidade, ou seja o da residência habitual da criança. O superior interesse da criança justifica que seja atribuída competência “ao tribunal mais próximo da criança e consequentemente, aquele que conhece melhore a sua situação, o seu estado de desenvolvimento e, por isso, está mais apto a adoptar as decisões necessárias e de forma mais eficiente para salvaguardar o seu superior interesse.[6]  

O conceito de residência habitual, constante do artº 7 deste Regulamento deve ser interpretado independentemente das definições da lei nacional, mediante uma interpretação autónoma e uniforme dos mesmos, em todos os países da União.

O que constitui a residência habitual da criança, foi objecto de interpretação pelo TJUE, no âmbito do artigo 8 (1) do Regulamento Bruxelas II, no sentido de que este corresponde ao local que revelar uma determinada integração do menor num ambiente social e familiar, aferido de acordo com determinados requisitos, tais como; a duração da permanência do menor no território de um Estado-Membro; a regularidade dessa permanência e as condições nas quais o menor aí permanece; as razões dessa permanência e da mudança da família, para esse Estado-membro, a nacionalidade do menor, o local e condições de escolaridade do menor, os seus conhecimentos linguísticos e os laços familiares e sociais do menor nesse Estado-Membro.[7]

Acresce ainda que, conforme decidido no Acórdão do TJUE de 08/06/2017, C-111/17, OL-PQ[8], a mera “intenção dos progenitores não pode, em princípio, por si só, ser decisiva para determinar a residência habitual de uma criança, na aceção do Regulamento n.° 2201/2003, mas constitui um «indício» suscetível de completar um conjunto de outros elementos concordantes (…) o peso a atribuir a esta consideração, para determinar o lugar da residência habitual da criança, depende das circunstâncias específicas do caso concreto.” (§47, 48).

Por conseguinte “o consentimento ou a falta de consentimento do pai, no exercício do seu direito de guarda, em que a criança se estabeleça num lugar não pode ser uma consideração decisiva para determinar a «residência habitual» dessa criança, na aceção do Regulamento n.° 2201/2003, o que, aliás, está de acordo com a ideia de que esse conceito reflete essencialmente uma questão de facto.(…) Esta interpretação é, além disso, corroborada pelo artigo 10.° desse regulamento, que prevê, precisamente, a situação em que a criança adquire uma nova residência habitual na sequência de uma deslocação ou retenção ilícitas.” (§ 54 e 55)

Por outro lado, no Acórdão Barbara Mercredi, o TJUE veio esclarecer que “para distinguir a residência habitual de uma simples presença temporária, a residência habitual deve, em princípio, ter uma certa duração para traduzir uma estabilidade suficiente. No entanto, o regulamento não prevê uma duração mínima. Com efeito, para a transferência da residência habitual para o Estado de acolhimento, importa sobretudo a vontade do interessado de aí fixar, com intenção de lhe conferir um carácter estável, o centro permanente ou habitual dos seus interesses.”(§51)

Quer isto dizer que nem a falta de consentimento do progenitor em que a criança permaneça neste território, nem o período de duração da sua estada em território nacional são determinantes por si só, para fixar a residência habitual do menor. São factores a ponderar em consideração com outros factores como a integração social e familiar da criança, a frequência de estabelecimento de ensino em território de um Estado-membro, a intenção de aí se fixar definitivamente, o seu conhecimento da língua (e o desconhecimento da língua do Estado onde reside o outro progenitor), o facto de anteriormente à sua saída de território nacional, aqui ter residido desde o seu nascimento, sendo a permanência noutro Estado por menor período de tempo, os motivos para a permanência ou regresso do progenitor com quem reside a este território, etc.    

Ora, tal como referido pelo Tribunal recorrido “a criança encontrava-se a residir em Portugal há quase 2 meses, sendo certo que esta nascera em Portugal, tem nacionalidade portuguesa e aqui viveu a maior parte da sua vida, regressando a Portugal, passados cerca de 2 anos e meio de vivência no Dubai. Tal regresso deveu-se à circunstância de a sua progenitora, aos cuidados de quem sempre esteve entregue de facto desde que nasceu, ter decidido regressar ao seu país, dada a separação dos progenitores e a inexistência de qualquer familiar ou trabalho no Dubai, sendo que ambos os progenitores têm nacionalidade portuguesa, encontrando-se em Portugal os membros da família alargada da criança. Acresce ainda que, atualmente, a criança está matriculada numa escola no nosso país, tendo já iniciado a frequência do ano letivo em curso.”

Efectivamente, à excepção do seu progenitor, todos os laços familiares e referências afectivas deste menor encontram-se em Portugal, país onde nasceu e viveu ininterruptamente até aos quase seis anos de idade, e não no Dubai, decorrendo dos autos que a deslocação para o Dubai com os progenitores decorreu das exigências de trabalho do seu progenitor e não de um projecto de vida definitivo de ambos os progenitores. Não é alegado qualquer vínculo afectivo estabelecido pelo menor no Dubai, sendo irrelevante para o efeito que este aí frequente uma escola internacional, ou que não estude a língua portuguesa. O menor, de nacionalidade portuguesa, tem como língua materna o português, ambos os progenitores, são de nacionalidade portuguesa e não é alegado sequer que o menor fale a língua do país para onde foi levado pelo progenitor, mas apenas que a estuda, a par do inglês, no colégio internacional que frequenta.

Acresce que o menor tem como referência principal a sua mãe que não tem meios de subsistência no Dubai, e da sua audição, imposta pelo artº 21 do Regulamento de Bruxelas 2119/111, resultou a sua integração num meio que identifica como o seu meio natural e familiar e que se localiza em Portugal e a sua vontade de permanecer neste país. O tribunal deve de acordo com o supramencionado preceito “ter devidamente em conta as opiniões da criança, em função da sua idade e maturidade”. O menor tem 8 anos, idade em que tem já noção do que é residir num ou noutro país e já pode expressar a sua opinião. Afinal quais os vínculos sociais, afectivos, culturais estabelecidos pelo menor no Dubai e que justifiquem que sejam os tribunais deste Estado a decidir os aspectos essenciais da sua vida? Na realidade, não se identifica qualquer elemento de conexão com este Estado, para além de o progenitor aí residir, o menor ali ter residido durante um período limitado de tempo e de frequentar uma escola internacional. No que se reporta ao local de residência deste progenitor, é o próprio progenitor e a progenitora que referem que este viaja frequentemente e durante semanas, pelo que na prática os contactos do menor com o progenitor são mais esparsos e efectivamente delegados os seus deveres para com o menor, no Dubai, a terceiros assalariados.

Nesta medida, tem de se concluir que a integração deste menor num ambiente social e familiar se faz e, sempre se fez, por referência a este país e à sua família alargada aqui residente, quer materna, quer paterna e não num país onde não tem quaisquer referências, seja afectivas, linguísticas ou culturais, pelo que a residência habitual a considerar é efectivamente a situada neste Estado, sendo os tribunais nacionais competentes para a regulação das responsabilidades parentais do menor.

Acresce que, ainda que assim não fosse, sempre seria de fixar a competência dos Tribunais portugueses, pois que se verificam os pressupostos previstos no artº 10 alíneas a) a c) do aludido Regulamento. A alegação do recorrente a este respeito e, aliás toda a sua actuação processual nestes autos, evidenciam a sua má-fé. Ao contrário do que refere o recorrente, constitui atribuição expressa e unívoca de competência pela parte que instaura o processo no tribunal nacional e que lhe imputa a competência para julgar a causa, formulando perante aquele tribunal um dado pedido, aceite pela parte requerida que a ela não deduziu oposição.

Conclui-se, pois, pela competência internacional dos tribunais nacionais para a regulação das responsabilidades parentais do menor.

No que se reporta à desistência da instância suscitada pelo recorrente, olvida este recorrente que o processo com vista à regulação de responsabilidades parentais dos menores é um processo de jurisdição voluntária que se norteia pelo superior interesse da criança e que não está na disponibilidade das partes, nem visa assegurar o interesse dos progenitores, nomeadamente o interesse egoísta do progenitor que, após ter intentado a acção nos tribunais nacionais, pretende afinal obstar a esta decisão, após ter efectivamente raptado o menor AA, bem sabendo que se encontrava pendente em tribunal acção com vista à regulação das responsabilidades parentais deste menor.

Não está este processo sujeito sequer a critérios de legalidade estrita, o que permite ao Juiz usar de alguma liberdade na condução do processo e na investigação dos factos, adoptando em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, seja para coligir oficiosamente provas que repute essenciais às finalidades concretas do processo, seja para prescindir de actos ou de provas que repute inúteis, seja para adoptar as providências que considere mais adequadas ao superior interesse do menor.

Não carece sequer de ser intentado pelos progenitores, conforme decorre do disposto no artº 17 da Lei 141/2015. Por último, impõe-se a regulação judicial do poder parental de menores, cujos progenitores, estando separados de facto não tenham chegado a acordo sobre a regulação destas responsabilidades, de acordo com o superior interesse do menor.

Em conclusão, improcede na totalidade a apelação interposta pelo recorrente.

Por último, impõe-se ao tribunal recorrido que diligencie pelo cumprimento desta decisão e pelo regresso do menor, utilizando os meios coercivos ao seu dispor com vista a este desiderato ou que, diligencie pela aplicação das sanções devidas ao progenitor que raptou o menor.

Dos autos resulta ainda que a atitude processual do recorrente, acima explanada, constitui violação grave dos deveres de boa fé previstos nos artºs 8 e 9 do C.P.C., pelo que entende este tribunal ser de notificar o progenitor para se pronunciar querendo (cfr. artº 3, nº3 do C.P.C.), sobre a sua intenção de sancionar esta conduta nos termos previstos no artº 542 do C.P.C.


*

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida.
Determina-se a notificação do recorrente para se pronunciar querendo, sobre a intenção deste tribunal de sancionar a sua conduta, nos termos previstos no artº 542 do C.P.C.
*
Custas pelo apelante, que se fixam em 5 U.C.s (artº 527 nº1 do C.P.C.).
                       
                                               Coimbra 28/03/23



[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3] Acórdão do STJ de 25-11-2004, relatado pelo Consº Araújo de Barros, que mantém a sua plena aplicação no âmbito do novo regime processual civil.
[4] FIALHO, António José, “A competência internacional dos tribunais portugueses em matéria de responsabilidade parental” Revista Julgar nº 37 Janeiro-Abril de 2017, (13-35), pág. 15.
[5] RAMIÃO, Tomé d`Almeida, Regime Geral do Processo Tutelar Civil Anotado, Quid Juris, 2017, pág. 45.  
[6] GONÇALVES, Anabela Susana, “Competência em matéria de responsabilidades parentais (Artigos 7º a 21º)” Revista Julgar, 47, Maio-Agosto 2022,(51-66)pág. 52.
[7] Cfr. acórdão do TJUE Korkein hallinto-oikeus, de 2 de abril de 2009, proc .C-523/07; acórdão do TJUE Barbara Mercredi, de 22 de outubro de 2010, proc. 497/10 PPU e  acórdão do TJUE J.McB., de 5 de outubro de 2010, proc. C-400/PPU. No Acórdão Bárbara Mercredi, considerou o Tribunal de Justiça que “O conceito de «residência habitual», na acepção dos artigos 8.° e 10.° do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponde ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar.”
[8] ECLI:EU:C:2017:436.