Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1365/13.0TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JACINTO MECA
Descritores: REVITALIZAÇÃO
QUALIFICAÇÃO
CRÉDITO
TORNAS
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 01/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA – 3º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 47º, Nº 4, AL. B), 48º E 49º DO CIRE; 1378º, Nº 4 DO CC.
Sumário: I – Verificando-se existir uma especial relação entre credores e devedores, a mesma será totalmente alheia à constituição do um crédito reclamado se este tiver sido constituído em data bastante anterior à declaração de insolvência ou se tiver por fonte uma decisão judicial elaborada e transitada em data muito anterior à declaração de insolvência, pelo que não é de aplicar a alínea b) do nº 4 do artigo 47º ex vi alínea a) do artigo 48º ambos do CIRE.

II - Quando tal acontece o crédito deve ser qualificado de comum e não de subordinado.

III - Quando o interessado não reclame as tornas, os juros começam a ser devidos desde a data da sentença de partilha – nº 4 do artigo 1378º do CC.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que integram a 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

                1. Relatório/Síntese da marcha processual

Nos presentes autos de processo especial de revitalização (PER), proferido despacho inicial em 25.03.2013, foi apresentada pelo senhor administrador provisório a lista provisória de créditos nos termos do artigo 17.º D, n.º 3 do CIRE em 30.04.2013. Em 06.05.2013, os credores G… e M… impugnaram o crédito reconhecido a E…, sustentando que o alegado crédito provém de “empréstimo” no valor de 613.000,00 euros, do qual não há nos autos qualquer vestígio documental, a não ser a relação junta pelos próprios devedores. Em 06.05.2013, os credores G… e M… impugnaram o crédito reconhecido a P…, defendendo que o alegado crédito provém de “empréstimo” no valor de 580.000,00 euros, do qual não há nos autos qualquer vestígio documental, a não ser a relação junta pelos próprios devedores. Em 06.05.2013, os credores G… e M… impugnaram o crédito reconhecido a N…, considerando que o alegado crédito provém de “empréstimo” no valor de 120.000,00 euros, do qual não há nos autos qualquer vestígio documental, a não ser a relação junta pelos próprios devedores.

Em 06.05.2013, os credores G… e M… impugnaram a lista provisória de credores no que toca à classificação do seu crédito, entendendo que o mesmo deve entender-se como comum e não como subordinado.

Em 06.05.2013, os credores G… e M… impugnaram a lista provisória de credores no que toca à classificação do crédito do “Banco A…, S.A.” no valor de 18.989,46 euros. Em suma, alegaram que se trata de aval relativamente a obrigação cujo incumprimento não se mostra estabelecido.

Em 07.05.2013, os devedores impugnaram o crédito de G… e M…, considerando que o mesmo tem o valor de 472.486,31 euros (atento o alegado no artigo 41.º da respectiva reclamação de créditos) e não de 486.119,10 euros, e os juros devem ser contados desde 10.10.2007 (data da sentença homologatória) e não desde 20.01.2004 (data do mapa informativo), tendo o valor de 108.092,00 euros e não 179.744,20 euros.

Respondeu o senhor administrador judicial provisório às impugnações.

Relativamente aos créditos provenientes de “empréstimo”, sustentou que se limitou a admitir a indicação dos próprios devedores. Quanto ao crédito subordinado dos pais/sogros dos devedores, invocou tratar-se de qualificação legal imperativa.

O senhor administrador judicial provisório veio corrigir a indicação do crédito do Banco A…, S.A., entendendo que o mesmo é condicional.

Os devedores juntaram confissões de dívida relativas aos “empréstimos”, a que reagiram G… e M… mantendo a impugnação.

O credor Banco A…aderiu ao requerimento de G… e M… mantendo a impugnação e salientou a nulidade de quaisquer eventuais empréstimos.

O credor C… aderiu ao requerimento de G… e M… mantendo a impugnação.

Foi junta a reclamação do credor Banco A….

Em 22.08.2013, foi apresentado plano de recuperação.

G… e M… consideraram a apresentação do plano extemporânea, com o que não concordaram os devedores.

Em 28.08.2013, o senhor administrador judicial provisório juntou relatório com resultado da votação, com o seguinte teor, em síntese:

a. Quórum de 94,20%.

b. Votos favoráveis de 68,13% (…).

c. Votos desfavoráveis de 31,87% (…).

d. Votantes: mais de 50% de créditos não subordinados.

G… e M… suscitam três questões: a ultrapassagem do prazo limite para conclusão das negociações; a necessidade de apreciar as reclamações ou fazer actuar o disposto no artigo 17.º-F, n.º 3 do CIRE.

                No despacho saneador julgou-se a instância válida e regular.

                De seguida conheceu-se do objecto da acção e nos termos dos artigos 17.º-F, n.º 3, n.º 5 e n.º 6, e 212.º, n.º 1 do CIRE, considerando o resultado da votação, recusou-se a homologação do plano de recuperação de fls. 506 a 532.

                Notificados da decisão, os credores G… e M… interpuseram recurso que instruíram com as suas doutas alegações que a final sintetizaram nas seguintes conclusões:

...

                F… e esposa E…, devedores no Processo Especial de Revitalização notificados da decisão interpuseram recurso que instruíram com as suas doutas alegações que sintetizaram nas seguintes conclusões:



F… e esposa E…, devedores no Processo Especial de Revitalização notificados da interposição de recurso e respectiva alegação por parte dos Credores G… e M…, apresentaram as suas doutas contra alegações que a final remataram formulando as seguintes conclusões:

                2. Delimitação objectiva dos recursos

As questões a decidir nas apelações e em função das quais se fixa o objecto dos recursos sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, nos termos das disposições conjugadas do nº 2 do artigo 608º e artigo e 639º, ambos do Código de Processo Civil, são as seguintes:

a. Crédito comum versus crédito subordinado.

b. Reconhecimento dos créditos resultantes de mútuos. Ónus da prova.

c. Homologação do Plano de Recuperação dos Devedores.

                3. Colhidos os vistos, aprecia-se e decide-se

                3.1 Recurso de G… e M…

                3.1.1. Crédito comum versus crédito subordinado

                Insurgem-se os apelantes contra o entendimento vazado na sentença recorrida e que passamos a transcrever para um melhor entendimento: Quanto à classificação do crédito como subordinado (…) o Tribunal entende que não assiste razão aos credores G… e M... Considera-se outrossim que a presunção subjacente ao disposto no artigo 48º, alínea a) do CIRE é inilidível para o que se mostra decisiva a redacção categórica da alínea b) do nº 4 do artigo 47º do CIRE (…). Daí que o crédito em causa se considere, tal como classificado pelo senhor administrador judicial provisório, como subordinado, posição esta defendida nas doutas contra alegações subscritas pelos devedores F… e esposa E.

                Por nos parecer de interesse vamos transcrever a documentação ou parte dela que os credores reclamantes juntaram aquando da impugnação da lista provisória de credores e em que terminam pedindo que o crédito reclamado seja qualificado como crédito comum.

                Relatado o iter processual vejamos se assiste razão aos apelantes relativamente à classificação do seu crédito não como «subordinado» mas sim como comum.

                Declara a alínea a) do artigo 48º do CIRE:

                Consideram-se subordinados, sendo graduados depois dos restantes créditos sobre a insolvência, os créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor desde que a relação especial existisse já aquando da respectiva aquisição, e por aqueles a quem eles tenham sido transmitidos nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.

                Por sua vez, a alínea b) do nº 1 do artigo 49º do CIRE:

                São havidos como especialmente relacionados com o devedor pessoa singular, os ascendentes do devedor ou qualquer das pessoas referidas na alínea anterior.

                Uma interpretação literal do quadro legal transcrito levar-nos-ia a concluir inevitavelmente pela existência de uma presunção inilidível relativamente a TODOS os créditos detidos por alguma das pessoas especialmente relacionadas com o devedor – artigo 49º do CIRE – o mesmo é dizer que seriam sempre qualificados como «créditos subordinados» os detidos por pessoa especialmente relacionada com o devedor e desde que tal relação especial existisse à data da constituição de tal crédito.

                Salvo o devido respeito, não pode ser esta a interpretação a dar conjugadamente a este dois preceitos – artigo 9º do CC.

                Não nos merece discordância que os créditos resultantes de actos praticados pelo devedor nas cercanias[1] do pedido de insolvência com qualquer das pessoas a que alude as alíneas a) a d) do nº 1 do artigo 49º do CIRE visando beneficiá-lo e com isso prejudicarem os demais credores, sejam considerandos subordinados não permitindo a lei, por se tratar de presunção inilidível – alínea b) do nº 4 do artigo 47º ex vi artigos 48º, alínea a) e 49º, todos do CIRE – prova em contrário.

Porém e se bem compreendemos os ensinamentos dos Srs. Drs. Luís Carvalho Fernandes e João labareda[2] não deixam de mostrar alguma inquietação em face do texto da lei quando escrevem: Quanto à alínea a), o seu alcance é complementado com o disposto no artigo seguinte, que define o leque de pessoas que a lei considera especialmente relacionadas com o devedor (…). O que está aqui em causa é, precisamente, a presunção dos actos praticados pelo insolvente, para mais num período vizinho da abertura do processo de insolvência, com as pessoas que, por uma razão ou por outra, lhe são próximas, tenderem a beneficiá-las (…) Sublinhe-se, no entanto, que a presunção referida é inilidível como se confirma do próprio texto da alínea em consideração (…).

                Em face destes ensinamentos que de resto são comuns a quase toda a doutrina[3], não podemos deixar de considerar que financiamentos feitos ao devedor nos 2 anos anteriores – alínea a) do artigo 48º do CIRE – ao início de processo de insolvência por qualquer uma das pessoas mencionadas no artigo 49º do CIRE, determina que tais créditos sejam catalogados como subordinados por força da relação de proximidade entre essas pessoas e o devedor, presunção que como dissemos é inilidível.

                Todavia, estamos em crer que a situação que emana deste processo embora a estreiteza da relação familiar – os devedores são respectivamente genro e filha dos credores – não é integrável no quadro normativo acima identificado.

                Se olharmos para a resenha factual que consta deste acórdão, verificamos que a primeira realidade que pontifica é a clara e evidente anterioridade do crédito por referência à entrada da petição – PER – tal como é evidente tratar-se de um crédito que está suportado por decisão proferida no âmbito de uma acção especial de liquidação de património de sociedade irregular, sentença que não foi colocada em causa por qualquer dos intervenientes, tão pouco foi questionado o seu trânsito em julgado pelos demais credores.

                A situação que emana destes autos não é, quer pela anterioridade do crédito – é bastante anterior aos 2 anos a que alude a alínea a) do artigo 48º do CIRE – quer pelo fundamento da sua existência – sentença homologatória da partilha levada a cabo na acção especial de liquidação de património de sociedade irregular, integrável na alínea a) do artigo 48º do CIRE já que a relação especial entre o credor e o devedor não releva para este efeito, na medida em que o crédito não emerge da tal relação especial entre devedor e credor, mas antes é o resultado de um processo judicial que declarou nula a sociedade irregular e na sequência do processo de liquidação declarou que o aqui apelante credor tinha/tem direito a tornas no montante que aqui reclama e daí que em nosso modesto entender não deva ser qualificado como subordinado mas sim como comum[4], em virtude da irrelevância da «especial relação familiar» entre credores e devedores.

                Por nos parecer importante à elucidação do texto legal, ou melhor, às dúvidas que suscitam a sua interpretação, vamos chamar à colação os ensinamentos do Sr. Dr. Gonçalo Andrade e Castro[5] que embora aderindo à posição maioritária acaba por delimitar, pelo menos assim o entendemos, as situações a integrar na interpretação restritiva do artigo 49º do CIRE.

                (…) Depois de dizer que “poderá parecer uma sanção excessiva […] para aqueles que, por uma especial relação de proximidade, familiar ou outra […] são levados a financiar o devedor e que o fazem com a genuína intenção de auxiliar o devedor a escapar à insolvência, acabarem por ficar entre os mais penalizados na ordem estabelecida no CIRE para pagamento dos credores. […]. Embora conclua que muitas vezes paga o «justo pelo pecador» acaba por subscrever que o carácter que está ínsito a tal normativo visa acautelar e moderar a ligeireza como algumas pessoas concedem empréstimos a familiares quando não podem ignorar as dificuldades ou mesmo a impossibilidade que tem em satisfazer os seus débitos, defendendo, assim o interpretamos, a presunção inilidível por referência aos actos praticados pelo insolvente com pessoas que lhe são próximas e que por isso o tendem a beneficiar.

                Embora esta posição vá de encontro à defendida pelo Sr. Dr. Juiz na sentença recorrida e pelos apelados nas suas doutas alegações/conclusões, continuamos a entender, pelas razões acima explanadas, que a factualidade que emana do processo não é integrável na alínea b) do nº 4 do artigo 47º ex vi alínea a) do artigo 48º ambos do CIRE, na medida em que a especial relação entre credores e devedores é totalmente alheia à constituição do crédito reclamado. Com efeito, os apelantes não financiaram o devedor quando este se encontrava numa situação de insolvência ou pré-insolvência, antes emergindo o seu crédito de sentença homologatória de partilha na sequência de um processo de liquidação do património da aludida sociedade irregular e daí que entendamos que a situação factual reportada neste processo não é enquadrável nos artigos 48º e 49º do CIRE.

Acrescente-se, sempre com o devido respeito, que discordamos da posição avançada pelos apelados quando colocam o acento tónico na «especial relação familiar» entre credor e devedor para justificarem a qualificação do crédito como «subordinado», olvidando que tal relação tem que aparecer como causa do financiamento e aí sim, ainda que feito com a melhor das intenções, o legislador entendeu dever penalizá-lo qualificando o seu crédito como subordinado, uma vez que as pessoas que têm uma especial relação familiar com o devedor/insolvente não podiam/podem deixar de ter conhecimento da sua real e efectiva situação económica ou financeira o que claramente não sucede no caso em apreço.

A ser assim como nos parece que é concede-se provimento ao recurso e qualifica-se o crédito dos apelantes como comum nos termos do disposto na alínea c) do artigo 47º do CIRE:

                4. Recurso de F… e esposa E…

                4.1 – Errada interpretação da sentença recorrida do disposto nos artigos 17º-D, 17º-F, 212º, 215º e 216º do CIRE.

                Insurgem-se os apelantes contra a interpretação que é feita pelo Tribunal a quo por referência ao disposto no artigo 17ºF, nº 3 do CIRE, elencando as suas discordâncias no seguintes elemento:

Ø A parte final do nº 3 do artigo 17º-F do CIRE deve ser interpretado no sentido de que, considerando o julgador a existência de uma séria probabilidade de os créditos virem a ser reconhecidos, deve computá-los na íntegra e não apenas parcelarmente.

 Vejamos o que nos diz o nº 3 do artigo 17º-F do CIRE:

Considera-se aprovado o plano de recuperação que reúna a maioria dos votos prevista no nº 1 do artigo 212º, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os nºs 3 e 4 do artigo 17º-D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida.

Como sabemos estão em causa alegados empréstimos que os apelantes/devedores contraíram junto de … empréstimos que passaram a integrar a lista provisória elaborada pelo Sr. Administrador Judicial provisório por constarem da contabilidade dos devedores, mas que foram impugnados por G… e M… com o fundamento de os devedores não possuírem contabilidade organizada e do processo não constarem elementos que demonstrem a sua existência. Por requerimento entrado em tribunal em 8 de Julho de 2013, os devedores/apelantes juntaram aos autos cópias de três declarações de dívida, documentos que notificados aos credores G… e M.. foram impugnados e consequentemente mantiveram a impugnação dos referidos créditos no que foram acompanhados pelo credor Banco A… e pelo credor C...

É a partir deste contexto e da sua análise crítica que o Tribunal a quo no item 1 da sentença recorrida/folhas 749 entende que a ponderação percentual não pode ultrapassar em caso algum os 50%, o que merece a discordância dos devedores/ancorados na parte final do nº 3 do artigo 17º-F do CIRE.

Renovando o respeito que nos merece o entendimento avançado pelos devedores/apelantes não tem acolhimento na medida em que a probabilidade de reconhecimento noutra sede que não neste processo mostra-se frágil na medida em que se tratam de declarações de dívida pouco consistentes no plano factual, fragilidade que não pode/podia deixar de ser tida em conta como foi pelo Tribunal a quo e daí que tenha computado em 50% a ponderação da probabilidade referida na norma em análise. Diga-se, até, que perante a fragilidade documental – fotocópias apresentadas em data posterior à da apresentação do processo especial de revitalização – o Sr. Dr. Juiz acabou por ser parcimonioso na percentagem concedida, ao potenciar a possibilidade de noutro contexto processual serem apresentadas provas que confirmem o teor das cópias juntas. Neste processo especial de Revitalização os créditos ou não confirmados ou impugnados e neste último caso sempre pode o Tribunal a quo tomar posição sobre a potencialidade de reconhecimento de tal crédito à posteriori, não relevando neste processo os considerandos avançados pelo devedor/apelante em matéria de ónus da prova – artigo 342º do CC – quando a situação é de impugnação. Aqui a lei confere ao Juiz um critério aberto que não poderá deixar de ter em conta os elementos de prova avançados pelo credores ou pelo devedor confitente e é a partir deles que define a percentagem de probabilidade séria do crédito impugnados vir a ser posteriormente reconhecido que, repetimos, fixou e bem em 50% os votos dos credores …

A manutenção da sentença recorrida nesta parte acaba por dar cobertura também aos pressupostos substantivos e jurídicos enunciados na Síntese V da sentença que aqui se dão por reproduzidos – artigo 656º do CPC – na medida em que só com a sua alteração do critério de ponderação para os 100% pretendidos pelos devedores/apelantes se atingiria os mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos exigidos pelo nº 1 do artigo 212º do CIRE.

                4.2 – Data de vencimento do pagamento de tornas

                Insurgem-se os devedores/apelantes contra o entendimento avançado na sentença recorrida que considerou que a contagem dos juros deve ser feita a partir do mapa informativo porque é esse o momento em que a dívida se torna exigível.

                Entendimento distinto têm os devedores/apelantes ao escorarem-se que a obrigação de tornas só se vence na sequência do reclamação do interessado e por conseguinte o crédito dos credores/apelados G… e mulher deve ser fixado apenas por referência ao capital de € 472.486,31 e consequentemente homologar-se o Plano de Recuperação dos Devedores.

                 Salvo melhor opinião, nem a posição dos devedores/apelantes nem dos credores/apelados deve ser acolhida na sua totalidade. Senão vejamos: o mapa informativo fixou determinado montante a ser pago aos aqui credores/apelados – 1375º do CPC – impondo a lei a notificação dos interessados a quem haja de caber tornas para reclamarem o seu pagamento – artigo 1377º/1 do CPC. Embora fixada a obrigação de pagamento de tornas, o devedor só entra em mora depois de o interessado reclamar o seu pagamento, funcionando a reclamação como a interpelação ao cumprimento – artigo 801º do CC. No caso em apreço, não encontramos nos documentos que o credor juntou aos autos, qualquer um que permita concluir pela respectiva reclamação o que leva a que o devedor só entre em mora desde a data da sentença homologatória da partilha tal como, de resto, evidencia o artigo 1378º/4 do CPC.

                Sobre a contagem dos juros – momento de constituição em mora – por referência aos € 13.632,74 embora o recurso não incida sobre tal questão, nada a opor ao facto do Tribunal a quo ter considerado que eram devidos juros desde o mapa de partilha, até porque o vencimento da obrigação de entrega venceu-se em data bastante anterior – cf. folhas 752. Recorde-se que este valor é resultante da venda por parte dos devedores/apelantes de uma fracção autónoma que alienaram sem autorização dos aqui credores/apelados.

                Ainda que nesta parte a apelação tenha merecido provimento parcial, entendemos que os valores em discussão por residuais não têm qualquer influência relativamente ao resultado da decisão – nº 1 do artigo 212º do CIRE – na medida em que os votos desfavoráveis dos aqui apelados/credores impede que se atinja os dois terços exigidos por lei e neste contexto a decisão mantêm-se inalterada.

                Em síntese:

I. Embora exista uma especial relação entre credores e devedores, a mesma é totalmente alheia à constituição do crédito reclamado quer por se ter constituído em data bastante anterior à declaração de insolvência quer por ter por fonte uma decisão judicial, também ela, elaborada e transitada em data muito anterior à declaração de insolvência, pelo que não é de aplicar a alínea b) do nº 4 do artigo 47º ex vi alínea a) do artigo 48º ambos do CIRE.

II. Quando tal acontece o crédito deve ser qualificado de comum e não de subordinado.

III. Quando o interessado não reclame as tornas, os juros começam a ser devidos desde a data da sentença de partilha – nº 4 do artigo 1378º do CC.

                Embora as questões colocadas à apreciação deste Tribunal não integrem o pronunciamento decisório, mas o possam influenciar, não deixaremos de as tomar em consideração na decisão.

                Decisão

                Nos termos e com os fundamentos, acorda-se:

1. Em julgar procedente por provado o recurso interposto pelos credores G… e esposa e consequentemente altera-se para comum a qualificação do seu crédito – alínea c) do nº 4 do artigo 47º do CIRE.

2. Em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelos devedores/apelantes e consequentemente os juros de mora vencem-se a partir da data da sentença homologatória da partilha, em virtude de não estar demonstrada a reclamação do pagamento de tornas.

3. No mais mantém-se a decisão recorrida.

Custas da apelação dos credores G… e esposa a cargo dos devedores/apelados – artigo 446º do CPC.

                Custas da apelação dos devedores F… e esposa a cargo destes e dos credores G… e esposa na proporção do decaimento que se fixa, respectivamente, em ¾ e ¼.

                Notifique.

                Coimbra, 21 de Janeiro de 2014


Jacinto Meca (Relator)

Falcão de Magalhães

 Silvia Pires



[1] Nos dois anos anteriores à data da sua declaração ou do pedido de PER.
[2] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris/2009, pág. 228.
[3] Em sentido contrário Sr. Dr. A. Raposo Subtil e Outros in Código da Insolvência, pág. 138.
[4] Consideramos que o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 3 de Dezembro de 2009, processo nº 4393/06.8TBBCL.G1, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador António Sobrinho não contraria este nosso entendimento já que a situação que enunciada aborda a transmissão de um crédito através de contrato ao impugnante por parte dos legais representantes da insolvente, qualidade que mantiveram – legais representantes da insolvente – nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência. Publicado em www.dgsi.pt.
[5] Citado pelos Srs. Drs. Ana Prata, Jorge Morais de Carvalho e Rui Simões – Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Almedina/2013, pág. 166.