Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
472/12.0TTTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: INCAPACIDADE TEMPORÁRIA
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
RETRIBUIÇÃO
DIA
Data do Acordão: 03/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 71º DA LEI Nº 98/2009, DE 4/09 (NLAT).
Sumário: I – No âmbito da mesma lei (98/2009, de 4/09 - NLAT), as pensões e indemnizações, independentemente do tipo de incapacidade, são sempre calculadas com base na retribuição anual ilíquida do sinistrado.

II – Tendo em vista o cálculo da indemnização por incapacidade, para se obter a retribuição diária deverá dividir-se a retribuição anual ilíquida do sinistrado por 365 dias.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

 

 

No Tribunal do Trabalho de Tomar corre seus termos a presente acção especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado A..., patrocinado pelo MºPº, e entidade responsável a Companhia de Seguros B..., SA.

Na respectiva tentativa efectuada na fase conciliatória, só não foi possível a conciliação por a seguradora não ter aceite pagar ao sinistrado as diferenças, propostas pelo MºPº, nas indemnizações por incapacidades temporárias, já que entende ter pago o montante correcto, decorrente da base de cálculo prevista no artº 48º da LAT (Lei 98/2009, de 4 de Setembro), ou seja, salário anual : 365 dias x 70% x grau de incapacidade temporária x nº de dias de calendário.

Em conformidade, a Exmª Magistrada do MºPº proferiu o seguinte despacho:

“Atento a legitimidade , a capacidade e a posição assumida pelas partes, dou as mesmas por não conciliadas.

Tendo em consideração a posição assumida pela seguradora, verifica-se que a única divergência subsistente entre as partes se prende com a fórmula de cálculo de indemnização por incapacidades temporárias. Nos autos, para determinação da indemnização foi considerado remuneração anual 23.852,00 € : 12 : 30 x 70 x nº de dias de It's.

Assim, remeta os autos à secção para conclusão ao Sr. Juiz para determinação da forma de cálculo de It´s - artº 116º do C.P.Trabalho”.

Foi, então e pelo Sr. Juiz, lavrado o seguinte despacho:

“Visto o auto de ( não ) conciliação ref.ª 771 925.

A única divergência entre as partes que obstou à conciliação, prende-se com a fórmula de cálculo de indemnização por incapacidades temporárias e, perante ela, parecem pertinentes as considerações que seguem:

Entende a seguradora que, para obtenção da retribuição diária do sinistrado, tendo em vista o cálculo da indemnização por incapacidades temporárias, deverá dividir-se a retribuição anual por 365 dias e não por 12 meses e seguidamente por 30 dias [ RA : 12 : 30 = RA : 360 ], pretendendo ver na diferente redacção do art. 71.º da Lei 98/2009, por confronto com o art 26.º da Lei 100/97 e, na referência feita no art. 50.º da LAT de 2009 a “ a indemnização por incapacidade temporária é paga em relação a todos os dias” o fundamento para a alteração do cálculo. Salvo o sempre devido respeito, atrevemo-nos a discordar.

Vejamos.

Com efeito, o art. 26.º da Lei 100/97 dizia, no seu art. 1.º que: “ As indemnizações por incapacidade temporária absoluta ou parcial serão calculadas com base na retribuição diária ou na 30.ª parte da retribuição mensal ilíquida, auferida à data do acidente, quando esta representar a retribuição normalmente recebida pelo sinistrado”. Se assim não fosse, teria de

partir-se da retribuição anual do sinistrado no período de “um ano anterior ao acidente” , nos moldes prescritos no art. 26.º, n.º 5.

O actual art. 71.º veio dizer que a base de cálculo é a retribuição anual ilíquida normalmente auferida pelo sinistrado, explicitando, de seguida, que retribuição anual “é o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais recebidas pelo sinistrado com carater de regularidade”.

Do cotejo dos dois preceitos legais o que resulta, salvo melhor opinião, é que o legislador pretendeu que a indemnização diária por períodos de It´s devida ao sinistrado tivesse uma base de cálculo superior à da Lei 100/97, na medida em que, mesmo que a retribuição auferida no dia do acidente ou a trigésima parte da remuneração mensal correspondessem à remuneração normalmente auferida, ainda assim, na nova lei, se teria de fazer o cálculo da retribuição anual nos termos em que a definiu no n.º 3.

O art. 50.º da Lei 98/2009 é basicamente igual ao art. 43.º, n.º 2 do DL 143/99 de 30 de Abril, prescrevendo o mesmo que: “As indemnizações por incapacidades temporárias são pagas em relação a todos os dias, incluindo os de descanso e feriados.”.

Assim, o que resulta é que ambos os artigos estabelecem que o direito à indemnização é devido em todos os dias de It´s e não apenas nos dias em que o sinistrado, se não fosse a incapacidade que o afecta, estaria a trabalhar ou seja, referem-se ao pagamento. Daqui não decorre, todavia, qualquer forma de cálculo.

Se nos termos do art. 71.º da Lei 98/2009, a base de cálculo para as indemnizações e pensões é a retribuição anual do sinistrado, retribuição essa que corresponde ao produto de 12 meses acrescidos dos montantes de subsídios de Natal e de férias, para se chegar ao valor diário da indemnização há-de fazer-se a operação inversa da do “produto”, ou seja, há-de dividir-se pelo numero de meses que compõem um ano e os meses pelos dias que o compõem.

E assim pelo raciocínio expresso e salvo o devido respeito pela posição jurisprudencial apresentada, entendemos que a forma de cálculo da indemnização diferencial por períodos de It´s, será no pressuposto da divisão da retribuição anual por 12 meses e depois por 30 dias.

E como a única divergência entre as partes nesta questão residia, em face do acordo parcial obtido, complementado pela decisão que antecede nos termos em que o foi, e atento o teor respectivo, homologo-o nos seus precisos termos, na justa medida em que se mostra elaborado em observância das disposições legais vigentes e nesta sede aplicáveis.

Valor da acção: o que resultar da aplicação das reservas matemáticas sobre a pensão estabelecida, segundo cálculo a efectuar, acrescido das demais prestações.

Custas a cargo da responsável”.

Inconformada, veio a seguradora interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
[…]
O Mº Pº contra-alegou, sustentando a confirmação do julgado.

Foram colhidos os vistos legais.

x

Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos, como única questão em discussão, a de saber qual a retribuição diária a ter em conta para efeitos do cálculo das indemnizações por incapacidades temporárias.

x

Como circunstancialismo relevante temos o descrito no relatório do presente acórdão.

x

A questão está correctamente enquadrada na alegação da recorrente como a de saber se, no caso das incapacidades temporárias verificadas em exame médico legal, em consequência de acidente de trabalho sofrido por trabalhador, e para o cálculo da indemnização diferencial daí resultantes:

  a) a fórmula de cálculo deve ter como pressuposto a divisão da retribuição anual auferida pelo sinistrado por 12 meses e depois por 30 dias (ou seja, divisão por 360 dias) – como é entendimento do despacho recorrido;

b) ou se – como é entendimento da recorrente - para o cálculo da indemnização deverá dividir-se a retribuição anual do trabalhador por 365 dias e não 360.

Importa referir que tendo o acidente de trabalho sofrido pelo Autor ocorrido em 14 de Junho de 2012, as consequências jurídicas do mesmo devem ser apreciadas à luz do regime estabelecido pela actual Lei de Acidentes de Trabalho (NLAT) aprovada pela Lei nº 98/2009, de 04/09, que entrou em vigor em 01/01/2010 e é aplicável aos acidentes de trabalho ocorridos após a sua entrada em vigor (cfr. artºs 187º, nº 1, e 188.º da mencionada Lei).

No âmbito desta legislação e de relevante para a apreciação da suscitada questão de recurso, estabelece o artº 71º da referida NLAT que:

«1 – A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente.

2 – Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.

3 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade (negrito nosso).

Por sua vez- e porque é fundamental, como se irá constatar, comparar com a mesma – dispunha a anterior LAT – Lei 100/97, no seu artº 26º:

“1. As indemnizações por incapacidade temporária absoluta ou parcial serão calculadas com base na retribuição diária ou na 30ª parte da retribuição mensal ilíquida, auferida à data do acidente, quando esta representar a retribuição normalmente recebida pelo sinistrado.

2. As pensões por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, serão calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente recebida pelo sinistrado.

3. Entende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considere como seu elemento integrante e todas as prestações que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.

4. Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras remunerações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.

(...)” (mais uma vez negrito nosso).

Do cotejo destas disposições ressalta que a noção de retribuição legal é idêntica nos dois regimes legais, devendo ter-se em conta o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras remunerações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.

Talvez tenha sido esta particularidade que levou o Sr. Juiz a optar, na resolução da questão que nos prende, pela formula de cálculo resultante da divisão da retribuição anual auferida pelo sinistrado por 12 meses e depois por 30 dias (ou seja, divisão por 360 dias).

É o que se retira da seguinte passagem do seu despacho:

“Se nos termos do art. 71.º da Lei 98/2009, a base de cálculo para as indemnizações e pensões é a retribuição anual do sinistrado, retribuição essa que corresponde ao produto de 12 meses acrescidos dos montantes de subsídios de Natal e de férias, para se chegar ao valor diário da indemnização há-de fazer-se a operação inversa da do “produto”, ou seja, há-de dividir-se pelo numero de meses que compõem um ano e os meses pelos dias que o compõem”.

Seria sustentável esta posição se não ocorresse uma outra particularidade assaz decisiva: a significativa diferença de redacção entre os nºs 1 dos artºs 26º da Lei 100/97 e 71º da NLAT.

Concorda-se com o despacho recorrido quando afirma que não decorre qualquer forma de cálculo da comparação da redacção do artº 50º da NLAT   com o artº 43º, nº 2, do DL 143/99, de 30 de Abril, basicamente iguais, no sentido de que as indemnizações por incapacidades temporárias são pagas em relação a todos os dias, incluindo os de descanso e feriados. “Assim, o que resulta é que ambos os artigos estabelecem que o direito à indemnização é devido em todos os dias de It´s e não apenas nos dias em que o sinistrado, se não fosse a incapacidade que o afecta, estaria a trabalhar ou seja, referem-se ao pagamento”. Nisto, estamos perfeitamente de acordo.

Contudo, e como já se adiantou, enquanto no nº 1 do artº 26º da Lei 100/97 se prescrevia o cálculo “com base na retribuição diária ou na 30ª parte da retribuição mensal ilíquida, auferida à data do acidente”, no nº 1 do artº 71º da NLAT desapareceu completamente essa referência à 30ª parte da retribuição mensal, reportando-se o cálculo à retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente.

Ora, sabe-se que, de acordo com o artº 9º, nº 3, do CC, “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

Essa alteração da redacção, designadamente a supressão da expressão “30ª parte da retribuição mensal ilíquida” não resultou de distracção do legislador e, entendemos nós, não foi inocente: sendo a indemnização por incapacidades temporárias devida em todos os dias do ano, incluindo os de descanso e feriados de harmonia com o citado artº 50º da NLAT, é lógico e compreensível que a retribuição diária a ter em conta vá de encontro aos dias do calendário civil - 365 dias /ano – dessa forma se calculando. Sob pena de, e como salienta a seguradora se verificar a incongruência do legislador, ao, por um lado, ficcionar para efeitos de cálculo de retribuição diária apenas 360 dias, e por outro, para determinação do número de dias em que essa retribuição diária é devida, não  partir do mesmo pressuposto, aceitando que o ano tem, efectivamente, 365 dias.

De qualquer forma, a opção pela fórmula de cálculo decorrente da consideração da 30ª parte da retribuição mensal não encontra, no domínio da nova LAT, suporte legal.

E de harmonia com o nº 2 do citado artº 9º do Cod. Civil, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

Que deve ser tida em conta a retribuição anual dividida por 365 dias, para o efeito do cálculo da indemnizações por incapacidades temporárias resulta, com inequívoca clareza, dos acórdãos da Rel. do Porto de 14/10/2013, proc. 72/12.0TUBRG.P1, e de 4/2/2013, proc. 225/10.0TTOAZ.P1, e da Rel. de Évora de 7/12/2012, proc. 40/10.7T2SNS.E1.

Constando do sumário desse aresto de 14/10/2003 expressamente que:

“II – No âmbito da mesma lei (98/2009, de 4 de Setembro), as pensões e indemnizações, independentemente do tipo de incapacidade, são sempre calculadas com base na retribuição anual ilíquida do sinistrado.

III – Em conformidade com a conclusão anterior, tendo em vista o cálculo da indemnização por incapacidade, para obter a retribuição diária deverá dividir-se a retribuição anual ilíquida do sinistrado por 365 dias”.

Procede assim o recurso.

x

Decisão:

Nos termos expostos, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que tenha em conta o decidido neste acórdão.

Sem custas, por delas estar isento o sinistrado.

 


(Ramalho Pinto - Relator)


(Azevedo Mendes)


 (Joaquim José Felizardo Paiva)