Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
142/19.9T8FND-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: SOCIEDADES COMERCIAIS
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE DO FIM
CAPACIDADE DE GOZO
PRESTAÇÃO DE GARANTIAS
LIBERALIDADES
NULIDADE
DISTRIBUIÇÃO DO ÓNUS DA PROVA
RELAÇÕES DE GRUPO
RELAÇÕES DE DOMÍNIO
Data do Acordão: 09/07/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - FUNDÃO - JUÍZO COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ARTS.6 CSC, 294, 342, 344, 980 CC
Sumário: I - Acionando-se garantias reais e/ou pessoais prestadas por sociedades a dívidas de outras entidades, compete/basta a quem invoca (normalmente, a sociedade que as prestou) a nulidade de tais garantias, por violação do princípio da especialidade do fim (constante do art. 6.º/1 do CSC), provar que tais garantias foram prestadas gratuitamente, pertencendo à contraparte interessada na validade de tais garantias (normalmente, o banco beneficiário de tais garantias) provar a verificação de alguma das duas exceções constantes da 2.ª parte do art. 6.º/3 do CSC.

II – A circunstância da sociedade que prestou as garantias estar em melhor situação para provar a não verificação de alguma das duas exceções constantes da 2.ª parte do art. 6.º/3 do CSC não consubstancia uma situação de inversão do ónus da prova, podendo/devendo a sua “melhor situação” ser ponderada/considerada em sede de apreciação da prova produzida.

III – Numa situação de “non liquet” – em que fica sem se saber se a sociedade garante teve ou não interesse na prestação da garantia ou em que fica sem se saber se a sociedade garante uma sociedade com que está ou não em relação de domínio ou de grupo – a solução da lei aponta clara e indiscutivelmente para a nulidade da garantia gratuita e não para a sua validade.

IV – A segunda exceção constante do n.º 3 do art. 6.º do CSC deve ser alvo duma interpretação restritiva, não valendo tal exceção para toda e qualquer sociedade garante, independentemente da sua posição na relação do domínio, mas valendo apenas, quando se está perante relações de domínio, para a sociedade dominante e já não para a dependente; ou seja, a segunda exceção constante do n.º 3 do art. 6.º do CSC não permite a constituição de garantias pessoais ou reais ascendentes.

Decisão Texto Integral:







Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

Por apenso à ação especial de insolvência – em que foi declarada em tal situação F (…), Lda. (assim declarada por sentença transitada em julgado) – o Exmo. Administrador de Insolvência (AI) apresentou a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, nos termos do art. 129º do CIRE; tendo, entre os créditos reconhecidos, incluído o crédito da O (…) SA, no montante de € 1.200.000,00, sob condição do art. 50.º do CIRE.

Cumprido o disposto no art. 129.º/4 do CIRE, vieram a credora O (…) e a devedora/insolvente F (…) apresentar impugnações, nos termos do art. 130.º do CIRE.

Alegou a credora O (…) – seguindo de perto o que já havia alegado na reclamação de créditos antes apresentada – que foi constituída na sequência da resolução do B (…), deliberada em 20/12/2015 pelo Banco de Portugal, tendo-lhe, nessa sequência, sido transferido o crédito aqui reclamado, razão pela qual é portadora de duas livranças (ambas no valor de € 5.220.306,35), uma subscrita pela sociedade B (…) Lda. e outra subscrita pela sociedade A (…) S.A., ambas avalizadas por A (…) e M (…) livranças essas entregues para garantia e caução do “Contrato de Consolidação e de Restruturação de Responsabilidades Vencidas e de Reforço de Financiamento e de Garantias”, celebrado em 12/04/2013, entre o Banco B (...) , as referidas sociedades, os avalistas e, ainda, a aqui sociedade insolvente.

Mais alegou que, à data da insolvência, permanecia em dívida a referida quantia de € 5.220.306,35, acrescida de juros vencidos, imposto de selo sobre os juros, comissões em dívida e imposto de selo sobre as comissões, tudo no montante global de € 6.018.568,72, valor a que ainda acresciam juros de mora vincendos e respetivo imposto de selo desde a data da insolvência e até pagamento; bem como o montante de um descoberto em conta bancária à ordem da sociedade A (…)a S.A., no valor de € 5.685,59, bem como dos respetivos juros de mora vencidos, no valor de € 12.018,46 e juros de mora vincendos e imposto de selo até efetivo e integral pagamento.

Razão pela qual – tendo a F (…) constituída hipoteca voluntária (sobre o prédio misto denominado Quinta de (...) , sito em (...) , freguesia de (...) , (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial da (...) sob o n.º 2555 e inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo 19.º e sob os artigos urbanos 599.º e 3137.º) a favor do B (…) até ao montante máximo de € 7.500.000,00, para caução e garantia do pontual e integral pagamento de todas as responsabilidades emergentes do mencionado “contrato” – peticiona, a final, que seja reconhecida a natureza garantida do seu crédito, no montante global de € 6.030.587,18 e que seja o mesmo graduado para ser pago com a prioridade que lhe é conferida pela hipoteca constituída e registada sobre o identificado prédio misto.

Alegou a devedora/insolvente F (…)[1] não ser devedora de qualquer quantia à O (…) e que esta apenas é credora da A (…), uma vez que o crédito emergente do mencionado “contrato” sobre a B (…) Lda. se transferiu, por novação subjetiva, para a A (…), o que implicou a extinção da dívida da B (…) perante o B (…); sucedendo que o crédito da O (…) sobre a A(…) já foi reconhecido no PER desta sociedade, o que, segundo a F (…), inutiliza a reclamação aqui apresentada pela O (…).

Mais alegou a nulidade da hipoteca por si constituída para garantia do crédito emergente do “contrato”, por ser proibida a constituição de garantias pessoais ou reais ascendentes, por não existir qualquer relação de grupo com as duas sociedades devedoras e qualquer relação de domínio com a sociedade B (…), S.A. e por não haver um justificado interesse na prestação de tal hipoteca, que assim atentou contra o princípio da especialidade do fim da insolvente.

Alegou ainda, impugnando o montante do crédito reclamado, que, no mencionado “contrato”, não está contemplada a responsabilização por descobertos bancários da A (…).

Razões pelas quais, a final, pugna pela exclusão do crédito reconhecido pelo AI à O (…)

Foi proferido despacho saneador – em que a instância foi declarada totalmente regular, estado em que se mantém – e fixado o objeto do litígio e os temas da prova.

Instruído o processo e realizado o julgamento, o Exmo. Juiz proferiu sentença de Verificação e Graduação de todos os créditos (art. 140.º do CIRE), sentença em que reconheceu/verificou o crédito da impugnante O (…) S.A. pelo valor de € 5.777.863,02, que classificou e graduou como crédito garantido por hipoteca sobre o prédio misto já identificado (verba n.º 1 do auto de apreensão), embora sujeito a condição resolutiva para efeitos do disposto no artigo 94.º do CIRE (e consistente na eventual satisfação do crédito, no âmbito do PER da A (…), S.A.)

Inconformada com tal segmento da sentença, interpôs a devedora/insolvente F (…) recurso, visando, na parte referida, a sua revogação e a sua substituição por outra que não reconheça o crédito reclamado pela O (…)

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

(…)

A O (…) respondeu, sustentando, em síntese, que a sentença recorrida não violou qualquer norma, designadamente, as referidas pela recorrente, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

(…)

Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


*


II – Fundamentação de facto

II - A Factos Provados

1. O Banco B (…) S.A. foi, por deliberação tomada na Reunião Extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, datada de 20 de Dezembro de 2015, objeto de resolução, no âmbito da qual foi decidido constituir a sociedade N (…) S. A., entretanto denominada O (…)S.A., e transferir para esta um conjunto de direitos e obrigações que constituíam direitos daquele Banco, entre os quais o crédito reclamado nestes autos.

2. Consta da lista de créditos apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência, além do mais, um crédito reconhecido à sociedade O (…) S.A., no valor de 1.200.000,00 Euros, qualificado de crédito sob condição e com a seguinte menção, referente à natureza da dívida: “cessão de créditos de B (…) e “Cfr. Douto despacho da meritíssima Juiz do processo c/ a ref.ª 31190664 de 21.05.2019 que fixa em 50% do crédito reconhecido a título provisório os votos conferidos à credora O (…), S.A. - €1.200.000.00”.

3. A impugnante O(…) S.A. é portadora de duas livranças:

- Livrança n.º (...) 4923, com data de emissão em 12/04/2013 e com vencimento em 25/09/2015, no valor de 5.220.306,35 Euros, subscrita pela sociedade B (…) Lda. e avalizada por A (…) e M (…);

- Livrança n.º (...) 6756, com data de emissão em 12/04/2013 e com vencimento em 25/09/2015, no valor de 5.220.306,35 Euros, subscrita pela sociedade A (…), S.A. e avalizada por A (…) e M (…)

4. As referidas livranças foram entregues para garantia e caução do acordo denominado Contrato de Consolidação e de Restruturação de Responsabilidades Vencidas e de Reforço de Financiamento e de Garantias e Acordo para Transação em Todas as Ações Judiciais em curso, formalizado por documento particular celebrado, na data de 12/04/2013, pelo B (…). (como Primeiro Outorgante), pelas sociedades A (…) S.A. (como Segunda Outorgante ou A (…)), B (…)Lda. (como Terceira Outorgante ou B (…)), A (…), SGPS, S.A. (como Quarta Outorgante ou A (…)), A (…) e M (…) (como Quintos Outorgantes ou Garantes) e pela insolvente F (…) Lda. (como Sexta Outorgante, Garante ou F(…)).

5. Consta do referido Contrato que:

“(…)

A segunda e terceira outorgante, quando em conjunto, são designadas por devedoras:

II – Considerações preliminares:

Considerando que:

A – As devedoras celebraram com o Banco vários contratos de financiamento os quais se discriminam na cláusula primeira, terceira e quinta, infra.

B – O contratos de financiamento abaixo discriminados mostram-se com prestações de juros e capital em mora.

(…)

D) O Banco, por sua vez, requereu a insolvência:

-Da segunda outorgante (…)

- Da terceira outorgante (…)

- Dos quintos outorgantes (…)

E) As partes, por interesse recíproco, entabularam conversações no sentido de promoverem o restabelecimento das normais relações comerciais, com consolidação e reestruturação das responsabilidades vencidas e vincendas, com um reforço de financiamento e constituição de novas garantias reais também em reforço das já existentes e transação ou qualquer outra forma de pôr termo às ações judiciais em curso.

(…)

H – A F(…) que se encontra numa relação de domínio e de grupo com as Segunda, Terceira Outorgantes, tem ainda um manifesto interesse próprio na consolidação e reestruturação das responsabilidades destas e, na circunstância vai constituir hipoteca sobre o prédio identificado no n.º 1.2 da Cláusula Décima-Terceira infra.

(…)

Convencionam e reciprocamente aceitam o presente Acordo de Consolidação e de Reestruturação de Responsabilidades Vencidas, com Ampliação dos Montantes Mutuados e com Reforço das Garantias Reais já existentes com constituição de novas Garantias Reais e desistência do pedido indemnizatório e dos pedidos de insolvência nas Ações Judiciais supra identificadas, Acordo este que integra com força dispositiva plena os Considerandos supra e se rege, ainda, pelas seguintes cláusulas:

III – Consolidação e Reestruturação das Responsabilidades da A (...) Construções e da A (...) SGPS, S.A.

CLÁUSULA PRIMEIRA

(Responsabilidades da A(…))

1. A Segunda Outorgante é devedora ao Banco das seguintes quantias:

- €746.431,89 (…) referente a Contrato de Empréstimo (…) celebrado em 28/12/2004 (…)

- €480.000,00, referente a um Financiamento titulado por Livrança subscrita pela A (...) , em 27/12/2011 e vencimento em 15/08/2012 no montante de €130.000,00 (…) e por Financiamento titulado por livrança subscrita pela A (…), em 30/03/2012 e vencimento em 15/08/2012 (…)

- €7.152,24 (…) referente a Descoberto em Conta de Depósito à Ordem

CLÁUSULA SEGUNDA

(Garantias prestadas pela A (…))

(…)

CLÁUSULA TERCEIRA

(Responsabilidades da B (…), Lda.)

A Terceira Outorgante é devedora ao Banco das seguintes quantias:

- €1.691.444,00 (…) referente a Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente (…)

- €1.569,27 (…) Descoberto em Conta de Depósito à Ordem da Terceira Outorgante.

CLÁUSULA QUARTA

Garantias prestadas pela B (…), Lda.)

1. Para garantia das responsabilidades referidas na cláusula anterior a Terceira Outorgante constitui as seguintes garantias:

(…)

1.3. Livrança subscrita pela Terceira Outorgante à ordem do Banco, com o seu valor e as datas de emissão e de vencimento em branco, com Aval à subscritora dos Garantes, que todos os intervenientes cambiários autorizaram expressamente o Banco, nos casos de incumprimento do Contrato, ou das suas eventuais prorrogações e, ou, aditamentos, para querendo, a preencher pelo valor que lhe for devido, a fixar as datas de emissão e de vencimento e a inseri-las no título cambiário, bem como a designar o local de pagamento, autorizando ainda o Banco a debitar o valor do Imposto do Selo que se mostrasse devido em quaisquer contas de Depósito à Ordem de que nele sejam titulares.

CLÁUSULA QUINTA

(Responsabilidades da A (…)SGPS)

(…)

CLÁUSULA SEXTA

(Montante total das responsabilidades das Devedoras a consolidar e a reestruturar)

O montante global das responsabilidades das Devedoras a consolidar e a reestruturar fixam-se, para efeitos do presente Acordo, em €2.926.597,40 (…) correspondendo à Segunda Outorgante a quantia de €1.233.584,13 (…) e à Terceira Outorgante a quantia de €1.693.013,27 (…)

CLÁUSULA OITAVA

(Manutenção dos Contratos e Garantias que titulam as Operações Consolidadas. Não Ocorrência de Novação)

1. As obrigações originais agora consolidadas e reestruturadas pelo presente Acordo e bem assim as Garantias Reais e Pessoais que as caucionam, mantêm-se, para todos os efeitos legais, não constituindo este acordo nova concessão de crédito e novação das anteriores obrigações assumidas pelas Devedoras.

2. Neste enquadramento, ainda que este Contrato de Consolidação venha a ser escriturado nos Livros do Banco como empréstimo, tal circunstância apenas ocorrerá por razões de natureza contabilística ou outra do foro interno do Banco, não consubstanciando, em circunstância alguma, um novo empréstimo ou financiamento e, por isso, não constituirá novação das anteriores obrigações que se mantêm, nos seus precisos termos, assim como as Garantias que as caucionam.

(…)

CLÁUSULA DÉCIMA-SEGUNDA

(Garantias)

1.Em garantia do bom cumprimento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades assumidas ou a assumir perante o B (…)e derivadas deste contrato/acordo de reestruturação e consolidação, suas eventuais prorrogações, alterações, aditamentos e/ou substituições, até à sua completa liquidação, incluindo o pagamento do capital e os correspondentes juros compensatórios e os devidos pela mora e demais encargos legais e contratuais e ainda de todas as despesas judiciais e extrajudiciais que o B(…) venha a fazer para a cobrança do seu crédito consolidado e agora ampliado em €2.073.402,60 (…), mantêm-se nos seus precisos termos as Garantias Reais e Pessoais constituídas pela Segunda, Terceira e Quintos Outorgantes a favor do Banco B (...) , identificadas nas Cláusulas Segunda e Quarta do presente Contrato, as quais se mantêm plenamente válidas e eficazes.

2. As Livranças subscritas pelas Devedoras e Avalizadas pelos Segundos Outorgantes garantem igualmente sem exclusão de quaisquer outras as responsabilidades das Devedoras perante a Administração Fiscal e a Segurança Social previstas na Cláusula Vigésima-Quarta.

CLÁUSULA DÉCIMA-TERCEIRA

(Reforço de Garantias)

1. Ainda para reforço das obrigações e/ou responsabilidades assumidas neste Contrato e também para Garantia da ampliação da facilidade de crédito referida na Cláusula Décima-Nona e Vigésima, são constituídas nesta data as seguintes garantias reais adicionais:

(…)

1.2. A Sexta Outorgante por ter, não só um manifesto interesse próprio na celebração deste Acordo mas porque se encontra numa relação de domínio e de Grupo com as Devedoras, conforme ata do órgão social competente cuja cópia certificada constitui o Anexo VIII ao presente Contrato e dele faz parte integrante, constitui, nesta data, Hipoteca sobre o Prédio Misto, denominado Quinta de (...) , com área total 65.553 m2, área coberta de 12.386,28 m2 e área descoberta de 53.166,72 m2, sito em (...) , na freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial da (...) sob o n.º 2555/20100115, e inscrito na matriz predial urbana sob os artigos n.º 599 e 3137 e na Matriz Predial Rústica da mesma freguesia sob o artigo n.º 19.

1.3. As devedoras poderão regularizar parcial e antecipadamente as suas responsabilidades para com o Banco, mediante a extinção parcial das hipotecas constituídas em garantia dessas responsabilidades. Para efeito de distrate das hipotecas são atribuídos a cada um dos prédios dados de hipoteca os seguintes valores:

(…)

e) F (…)- €2.400.000,00 (…) devendo o Banco conceder o distrate da hipoteca deste prédio contra o pagamento da referida quantia;

(…)

CLÁUSULA DÉCIMA-QUARTA

(Responsabilidade dos Garantes)

Os Garantes aceitam expressamente todos os termos e condições do presente contrato de consolidação, reestruturação e de ampliação de responsabilidades, assumindo solidariamente com a Segunda e Terceira Outorgantes o cumprimento integral de todas as obrigações pecuniárias e outras dele decorrentes.

(…)

CLÁUSULA DÉCIMA-QUINTA

(Alterações do Contrato e das Garantias/Não Novação das Obrigações)

1. Fica expressamente convencionado que qualquer alteração das garantias prestadas, e das suas eventuais renovações ou adiamentos, quer quanto ao capital, quer quanto à taxa dos juros compensatórios, ou quanto aos juros capitalizados, ou não, que resultem de acordo entre o Banco B (...) e as Segunda e Terceira Outorgantes, não constituirá novação das obrigações assumidas.

2. Fica, também, expressamente convencionado que, nos casos de eventual cessação deste contrato por acordo entre as partes, e da sua substituição por outro Contrato que passe a regulamentar a consolidação outorgada, as garantias pessoais e reais referidas no presente contrato ou nele constituídas, manter-se-ão vigentes até ao integral cumprimento das obrigações que asseguram, sempre que isso for contratual e legalmente admissível.

(…)

CLÁUSULA DÉCIMA-NONA

1 No quadro do acordo geral a que as partes chegaram, refletido nos considerandos e cláusulas deste contrato, o Banco concede um novo crédito de € 2.073,402,60 à segunda outorgante passando o montante global do crédito a ser de € 5.000.000,00.

(…)

CLÁUSULA VIGÉSIMA-SEGUNDA

À facilidade de crédito referida nas anteriores cláusulas décima-oitava e décima-nona são aplicadas nos seus precisos termos as condições estipuladas no presente contrato de consolidação e reestruturação de responsabilidades, designadamente, as referidas nas cláusulas nona e seguintes.

CLÁUSULA VIGÉSIMA-TERCEIRA

(Livranças de Caução dadas em Garantia pelas Segunda e Terceiras Outorgantes e referidas nos respectivos Contratos de Financiamento)

 As Livranças subscritas pela Segunda e Terceira Outorgantes referidas no número 1.5 da Cláusula Segunda e no número 1.3 da Cláusula Quarta e avalizadas pelos Quinto Outorgantes à ordem do Banco, com o seu valor e as datas de emissão e de vencimento em branco, com Aval à subscritora dos Garantes continuam a garantir as obrigações originárias ora consolidadas e bem assim a nova facilidade de crédito concedida e todas as demais obrigações emergentes do presente acordo de consolidação e reestruturação de créditos e todos os intervenientes cambiários autorizaram expressamente o Banco, nos casos de incumprimento do Contrato, ou das suas eventuais prorrogações e, ou, aditamentos, para querendo, as preencher pelo valor que lhes for devido, a fixar as datas de emissão e de vencimento e a inseri-las nos títulos cambiários, bem como a designar o local de pagamento, autorizando ainda o Banco a debitar o valor do Imposto do Selo que se mostrasse devido em quaisquer contas de Depósito à Ordem de que nele sejam titulares.

(…)

CLÁUSULA VIGÉSIMA-NONA

(Relação de Solidariedade)

As Devedoras e os Garantes obrigam-se solidariamente entre si para com o Banco no pontual cumprimento deste acordo e de todas as obrigações que dele emergem, renunciando, desde já e expressamente, ao benefício da excussão prévia do património das Devedoras.

(…)”.

6. A 17 de Dezembro de 2013, os referidos contraentes acordaram numa “Primeira Alteração ao Contrato de Consolidação e de Restruturação de Responsabilidades Vencidas e de Reforço de Financiamento e de Garantias e Acordo para Transacção em Todas as Acções Judiciais em curso”, por via da qual alteraram a cláusula décima do acordo inicialmente celebrado, acordando ainda que:

“(…)

Manutenção das Garantias

Pela assinatura da presente Alteração, os avalistas, expressa e irrevogavelmente, dão o seu acordo ao presente, mantendo nos exatos moldes o aval prestado no Contrato.

(…)

Novação

A presente Alteração não constitui nem produz os efeitos de uma novação da dívida, mantendo-se assim todos os termos, condições e garantias estabelecidas no âmbito do Contrato, com exceção dos, direta ou indiretamente, alterados por via desta alteração.

(…)”.

7. Apresentadas a pagamento as livranças referidas em 2. e 3., nas datas dos seus vencimentos, as mesmas não foram pagas, não obstante as interpelações e ação executiva em curso.

8. Por escritura pública celebrada a 12/04/2013, no Cartório Notarial de (…) entre a sociedade A (…) S.A., a sociedade insolvente F (…) e o B (…)S.A., pela representante das outorgantes foi dito, além do mais:

«(…) Que a sua representada F (…) é dona e legítima possuidora do prédio misto, denominado “Quinta de (...) ”, sito em (...) , freguesia de (...) , concelho da (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial da (...) , sob o número dois mil quinhentos e cinquenta e cinco, da referida freguesia, com a aquisição registada a seu favor, pela apresentação quatro, de três de Março de mil novecentos e sessenta e sete, inscrito na respectiva matriz predial rústica, sob o artigo 19, a que é atribuído o valor de DOIS MILHÕES DE EUROS, e sob os artigos urbanos 599; e 3137, a que atribuem os valores respectivamente de QUINHENTOS MIL EUROS e de DOIS MILHÕES E QUINHENTOS MIL EUROS, prédio este adiante designado por “A Quinta”; (…)

Que, datado de hoje, foi celebrado um Memorando de Entendimento “Consolidação e Reestruturação de Responsabilidades Vencidas e de Reforço de Financiamento e de Garantias e Acordo para Transacção em Todas as Acções Judiciais em Curso”, adiante designado por “O Contrato”, entre as referidas sociedades “F (…)”, “A (…)”, e a sociedade comercial por quotas, “B (…), Lda.” (…) e o B (…) S.A.

(…)

Em nome da sua representada “F(…)”, constitui hipoteca voluntária, a favor do Banco, sobre o prédio misto de que a mesma é proprietária “A Quinta”, atrás identificado, em cumprimento do disposto no número 1.2 da Cláusula Décima-Terceira, do citado “Contrato”, como garantia, até ao montante global de CINCO MILHÕES DE EUROS:

a) Do pontual e integral pagamento de todas e quaisquer quantias provenientes de todas e quaisquer operações em Direito permitidas, quer derivem de letras, livranças, extractos de facturas, saldos devedores ou descobertos de contas de depósito à ordem ou de contas de qualquer outra natureza, descontos, empréstimos, aberturas de crédito avales, fianças e garantias bancárias, comissões de qualquer espécie e bem assim créditos abertos de qualquer natureza, derivados de quaisquer operações bancárias ou títulos, e que emergem especificamente e tão só das responsabilidades previstas consolidar e/ou reestruturar, até ao referido montante de CINCO MILHÕES DE EUROS, e melhor identificados no referido “O Contrato”, anexo à presente escritura e que dela faz parte integrante, indistintamente pelas sociedades, “Garantidas”, perante o mesmo “BANCO”;

b) Os respectivos juros relativos a três anos, à taxa Euribor a seis meses, acrescida de um spread de três vírgula cinquenta pontos percentuais, fixando-se para efeitos de registo a taxa máxima de cinco por cento, acrescida de quatro por cento ao ano em caso de mora e a título de cláusula penal;

c) As despesas de avaliações e despesas judiciais e extrajudiciais resultantes da execução deste contrato, incluindo honorários de advogados, em que os Bancos tenham de incorrer para cobrança dos seus créditos e que para efeitos de registo se computam em duzentos mil euros;

Tudo num montante máximo de capital e acessórios, incluindo os juros e despesas abrangidos pela presente hipoteca, fixado, para efeitos de registo, em seis milhões quinhentos e cinquenta mil euros.

Que a dita F (…) tem justificado interesse próprio na constituição da presente hipoteca, por força da relação de domínio e de grupo, existentes entre as sociedades aqui identificadas e ainda pela necessidade imperativa de dar cumprimento ao preceituado no referido acordo, conforme descrito, designadamente, na referida acta número cento e dezanove, da reunião da Assembleia Geral;

Por ambos os outorgantes, nas indicadas qualidades, foi ainda dito:

Que, a presente hipoteca abrange todas as construções, benfeitorias, acessões e demais direitos, presentes e futuras dos prédios, pelo que as sociedades representadas dela primeira outorgante, na parte a que cada uma respeita, se obriga desde já, relativamente a cada um dos imóveis de que sejam titulares, a proceder aos respectivos averbamentos, caso se verifiquem tais situações.

(…)».

9. A referida hipoteca encontra-se inscrita no registo predial do prédio denominado “Quinta de (...) ”, sito em (...) , freguesia de (...) , concelho da (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial da (...) , sob o número 2555/20100115.

10. No Processo Especial de Revitalização n.º 670/17.0T8FND, em que é devedora a sociedade A (…), S.A. foi reconhecido um crédito à O (…) S.A., no valor de € 5.709.796,55, dos quais € 3.306.973,00 como crédito garantido e € 2.402.823,55 como crédito comum, com origem no denominado “contrato de consolidação e reestruturação de responsabilidades vencidas e de reforço de financiamento e de garantias e acordo para transação em todas as ações judiciais em curso”, celebrado a 12/04/2013.

11. O plano de revitalização apresentado no referido PER da sociedade A (…), S.A. foi homologado por sentença transitada em julgado a 26/11/2019.

12. Os termos constantes do denominado “contrato de consolidação e reestruturação de responsabilidades vencidas e de reforço de financiamento e de garantias e acordo para transação em todas as ações judiciais em curso”, celebrado a 12/04/2013, foram relevados na contabilidade das sociedades da B (…), S.A. e na A (…), S.A., tendo sido comunicada ao Banco de Portugal a extinção da dívida do B(…) sobre a B (…), S.A. e a constituição da mesma sobre a A (…), S.A..

13. Encontrava-se inscrita no registo comercial da sociedade insolvente F (…)Lda., a favor da sociedade A (…), S.A., desde 30/05/2006, uma quota no valor de 70.000,00 Euros (entre 22/01/2007 e 19/01/2019 a participação foi mesmo de € 90.000,00).

14. O capital social da sociedade insolvente F (…), Lda. ascende a 100.000,00 Euros.


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II - B. Factos Não Provados

Não se provou que:

1. A sociedade A (…) S.A. seja titular da conta de depósitos à ordem n.º 010205880787716, aberta em nome daquela na agência do Banco B (…) conta em que eram lançados a crédito todos os depósitos nela efetuados e a débito todos os pagamentos através dela processado.

2. A referida conta de depósitos à ordem apresentasse um saldo devedor no montante de € 5.685,59s, proveniente da diferença entre os lançamentos efetuados a débito e a crédito na referida conta.


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III – Fundamentação de Direito

A O (…)/apelada, como resulta do relato inicial, veio à insolvência da F (…)/apelante reclamar um crédito de € 6.030.587,18, crédito esse, segundo invoca, garantido por hipoteca.

Tal reclamação foi, na sentença recorrida, no essencial reconhecida[2] e graduada com a preferência da hipoteca, tendo-se concluído na discussão jurídica desenvolvida que “cabe julgar reconhecido o crédito da sociedade impugnante, O (…), S.A., pelo valor de € 5.777.863,02, a classificar como crédito garantido, sujeito a condição resolutiva para efeitos do disposto no artigo 94.º do CIRE, consistente na eventual satisfação do crédito no âmbito do processo especial de revitalização da sociedade A (…), S.A., com o n.º 670/17.0T8FND.”

Conclusão/decisão esta de que apenas a F (…)apela, desenvolvendo, no essencial, 3 ordens de razão conducentes a sustentar a sua divergência com o decidido:

 - Diz que a dívida da B (…) se extinguiu por novação (passando tal dívida da B (…) para a A (…))[3];

 - Diz que as medidas aprovadas no PER da A (…) beneficiam a F (…) quanto ao perdão de dívida, alteração de juros, prazo (moratória), pelo que o crédito da O (…)sobre a F (…) deve ser considerado sob condição resolutiva (dependente do eventual incumprimento do PER da A (...) Imobiliária) e a sua exigência deve respeitar o convencionado no PER; e

 - Diz que a hipoteca e a fiança constituídas pela F (…) para garantia do crédito da B (…) e da A (…) são nulas, por violação do art. 6º/1 e 3 do CSC.

São raciocínios/fundamentos/questões que a F  (…) já havia oportunamente suscitado na impugnação que apresentou contra o crédito reconhecido pelo AI à (…)[4] e que por isso foram alvo de detalhada e circunstanciada apreciação jurídica e decisão na sentença recorrida; apreciação/decisão com que concordamos quanto ao desfecho (de improcedência) dado aos dois primeiros fundamentos/questões, outro tanto não sucedendo, porém, quanto desfecho (também de improcedência) dado na decisão recorrida ao terceiro fundamento/questão.

Sucedendo que a nossa divergência, quanto à apreciação desta última questão, não significa que, desde já, se esteja em condições para revogar o decidido (e se decida no sentido pretendido pela F (…)/apelante), mas tão só que se mostra necessário anular o decidido para que se possa/deva proceder à indispensável ampliação da matéria de facto[5].

Expliquemo-nos:

Começando pelo pretenso crédito reclamado pela O (…)

Válido ou não – é o que se verá, a nosso ver, após a ampliação da matéria de facto – o crédito reclamado (pela O(…)) decorre tão só do designado “contrato de consolidação e de reestruturação de responsabilidades vencidas e de reforço de financiamento e de garantias (…)” (doravante, apenas “contrato”), parcialmente extratado no ponto 5 dos factos deste acórdão, ou seja, antes de tal “contrato” e para além de tal “contrato”, não é invocada uma qualquer outra fonte de responsabilidades obrigacionais por parte da F(…) (para com a O (…)) e suscetível de consubstanciar um qualquer crédito desta sobre aquela[6].

Significa isto – logo dos considerandos preliminares de tal “contrato”, em que se começa por dizer que as devedoras (que antes se disse serem tão só a A (…) e B (…)) celebraram com o Banco vários contratos de financiamento que se mostram com prestações de juros e capital em mora, acordando as partes, em tal “contrato”, na consolidação e reestruturação das responsabilidades vencidas e vincendas, com um reforço de financiamento e constituição de novas garantias reais, sendo exatamente neste estrito ponto que entra a F(…), de quem se diz “encontrar-se numa relação de domínio e de grupo com as Segunda ((A)), Terceira (B (…)) Outorgantes, tendo ainda um manifesto interesse próprio na consolidação e reestruturação das responsabilidades destas e, na circunstância, vai constituir hipoteca sobre o prédio identificado no n.º 1.2 da Cláusula Décima-Terceira infra” – que o eventual crédito reclamado, da O (…) sobre a F (…) é um crédito que começou por ser e é uma dívida de outra entidade (mais exatamente, uma dívida da A (…) e uma dívida da B (…), dívidas essas sintetizadas, quanto às vencidas, na cláusula sexta do “contrato” e, quanto às vincendas, na cláusula décima nona e seguintes).

Daí que a F(…)/apelante sustente que o crédito da O (…)/apelada sobre ela decorre de fiança e que foi esta garantia pessoal (para além da garantia real consistente na hipoteca) que ela/F (…) prestou aos créditos, vencidos e vincendos, da O (…) sobre a A(…)e sobre a B (…), créditos identificados no referido “contrato”.

A O(…)discorda – diz que a responsabilidade da insolvente “não é a da fiança” (cfr., v. g., conclusões 25 e 30) – porém, em momento algum, quer na PI de reclamação de créditos, quer na impugnação à lista do AI, quer nas contra alegações, caracteriza/qualifica juridicamente a natureza do seu crédito sobre a F(…)[7].

E sendo – começando por ser – o seu crédito uma dívida de outra entidade (uma dívida da A (…) e uma dívida da B (…)), a caracterização/qualificação jurídica do seu crédito sobre a F(…) coloca-nos, inevitavelmente, perante a seguinte alternativa: ou estaremos perante uma assunção de dívida (arts. 595.º e ss. do C. Civil) ou estaremos perante uma fiança (art. 627.º e ss. do C. Civil).

Ora, o que é dito na cláusula vigésima nona (sob a epígrafe “Relação de Solidariedade”) – não obstante o que consta da cláusula décima quarta do “contrato”, em que se fala em assunção solidária por parte dos garantes – segundo a qual “as Devedoras e os Garantes obrigam-se solidariamente entre si para com o Banco no pontual cumprimento deste acordo e de todas as obrigações que dele emergem, renunciando, desde já e expressamente, ao benefício da excussão prévia do património das Devedoras”, inclina, a nosso ver, a balança interpretativa no sentido da F(…)ter “apenas” prestado fiança, uma vez que, evidentemente, só faz sentido falar-se em renúncia ao benefício de excussão (art. 638.º do C. Civil) no caso de estar a ser prestada tão só uma fiança[8].

Ademais, em certa medida[9] contra a tese da caracterização/qualificação jurídica da responsabilidade da F(…) como uma assunção de dívida, milita o art. 6.º/2 do CSC, na medida em que, fora das restritas hipóteses previstas em tal art. 6.º/2 do CSC (“liberalidades que possam ser consideradas usuais, segundo as circunstâncias da época e as condições da própria sociedade”), as doações efetuadas por sociedades são nulas (as sociedades não têm capacidade para realizá-las), “quer as doações que se traduzam em transmissões de direitos para os donatários, que as que se traduzem, v. g., em assunção de dívidas de terceiros (arts. 595.º e ss. do C. Civil) ou em remissão de dívidas de terceiros (art. 836.º/2 do C. Civil)[10].

Temos pois, a nosso ver, que, pelo referido “contrato” (única fonte obrigacional invocada), a F(…)se constituiu como fiadora perante a O(…)(credora) pelas responsabilidades (obrigações principais) vencidas e vincendas da A (…) e da B (…) (devedoras da obrigação principal e afiançadas), responsabilidades essas identificadas no referido “contrato”, o que significa, qualificada como de fiança a responsabilidade assumida pela F (…), que esta prestou uma garantia pessoal (fiança) e uma garantia real (hipoteca) à O (…) situando-se a validade jurídica de ambas as garantias prestadas no âmbito e perímetro do invocado art. 6.º/3 do CSC.

Debrucemo-nos, então, sobre a questão da validade jurídica de tais garantias:

É exato afirmar-se que as sociedades dispõem duma capacidade jurídica geral, razão pela qual os terceiros que negociam com as sociedades não têm de se preocupar em investigar se os negócios são ou não compatíveis com o objeto social.

Mas isto não significa ou equivale a dizer que não haja quaisquer limites à capacidade de gozo das sociedades.

Efetivamente, sem prejuízo de tal “capacidade jurídica geral”, diz-se (imperativamente) no art. 6.º/1 do CSC que a capacidade de gozo das sociedades comerciais é limitada pelo seu fim[11], sendo que esse fim, é sabido (não se diz no art. 6.º/1 do CSC qual é o fim das sociedades comerciais, mas resulta da própria noção de sociedade do art. 980.º do C. Civil), é o lucro: a obtenção dum lucro para distribuir pelos sócios.

O que significa que, sendo o ato praticado em nome da sociedade contrário ao fim lucrativo da sociedade, é o mesmo nulo (ex vi art. 294.º do C. Civil) por violação do disposto imperativamente no art. 6.º/1 do CSC.

Daí – “arrasando” o art. 6.º/1 do CSC as liberalidades realizadas pela sociedade com vício da nulidade – o disposto no já referido art. 6.º/2 do CSC, salvando de tal nulidade (por não serem contrárias ao fim lucrativo) “as liberalidades que possam ser consideradas usuais, segundo as circunstâncias da época e as condições da própria sociedade”.

E daí também o disposto no invocado art. 6.º/3 do CSC, em que, em linha com o disposto no art. 6.º/1 do CSC, se começa por considerar contrário ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, entendendo-se, claro está, que tal “consideração” (de serem contrárias ao fim da sociedade) apenas abrangerá as hipóteses em que a prestação de tais garantias é a título gratuito; acrescentando-se a seguir que tais garantias (ainda que gratuitas) já não serão contrárias ao fim da sociedade se existir justificado interesse próprio da sociedade garante, ou, então, se a sociedade garante e a sociedade garantida se encontrarem em relação de domínio ou de grupo.

Temos pois que o invocado art. 6.º/3 do CSC contém uma regra – a regra que considera contrária ao fim da sociedade (e por isso nulas, ex vi art. 6.º/1 do CSC) a prestação de garantias reais ou pessoais gratuitas a dívidas de outras entidades – e uma exceção a tal regra, exceção esta em que “salva” de tal nulidade os casos em que existe justificado interesse próprio da sociedade garante em prestar tais garantias gratuitas, ou, então, os casos em que a sociedade garante e a sociedade garantida se encontrarem em relação de domínio ou de grupo.

E como sempre sucede quando a lei estabelece uma regra e a seguir uma exceção à regra, não é quem beneficia da regra que tem que provar a não verificação da exceção à regra, sendo sim, ao invés, quem quer beneficiar da exceção à regra que tem que provar a sua verificação.

Ou seja, analisando o artigo 6.º/3 do CSC pela perspetiva da repartição do ónus da prova que do mesmo decorre, temos:

- Que a sociedade garante goza/beneficia da presunção de que a garantia gratuita (pessoal e real) prestada a uma dívida alheia é contrária aos seus fins, pelo que, para além da gratuitidade da garantia, nada tem a provar; e

- Que tal presunção pode ser ilidida através da prova, por qualquer interessado em beneficiar da exceção prevista, de que a sociedade garante teve interesse na prestação da garantia ou de que se trata de uma sociedade em relação de domínio ou de grupo.

Por outras palavras, provando-se que uma sociedade prestou garantia a uma dívida de outra entidade (como claramente é o caso) e provando-se que essa garantia foi prestada gratuitamente (como também parece resultar do contexto geral do “contrato”[12]), há que concluir, nada mais estando consignado como provado, pela nulidade do ato/garantia prestado; razão pela qual, para evitar tal desfecho, aquele que invoca e quer beneficiar de alguma das exceções previstas na 2.º parte do art. 6.º/3 do CSC, tem que alegar e provar os factos que consubstanciam o justificado interesse próprio da sociedade garante ou a relação de domínio ou de grupo, para que a conclusão inicial não perdure e a prestação da garantia não venha a ser considerada contrária ao fim da sociedade garante.

Em síntese, é à O (…) – e não à garante/F(…) – que no caso cabe o ónus da prova de alguma das exceções previstas na 2.º parte do art. 6.º/3 do CSC[13].

Não é este, reconhecemo-lo, o entendimento maioritário do nosso mais alto Tribunal[14], para o que repetidamente se invoca/argumenta “que ninguém melhor do que a própria sociedade que presta a garantia, poderá certificar que a mesma foi prestada no seu próprio interesse[15].

Não se contesta, naturalmente, que a sociedade que presta a garantia (no caso, a F(…)) esteja em melhor situação para afirmar/provar o seu próprio interesse (ou desinteresse) ou a relação de domínio ou grupo (ou a sua não existência), porém, com todo o respeito, isto não configura fundamento legal bastante para a inversão do ónus da prova (não preenche a previsão do art. 344.º do C. Civil).

E o que normalmente (em termos jurisprudenciais) se observa – quando a prova é bem mais fácil a uma das partes – é que, em tais hipóteses (designadamente, quando é onerada com o ónus da prova a parte a quem é mais difícil produzir prova), deve o tribunal/juiz ser menos exigente e bastar-se como uma prova menos sólido ou mesmo, no limite, não produzindo a parte (a quem a prova é mais fácil) a mais ínfima prova, dar como provado, como que “por defeito”, o facto que cumpre e respeita o ónus da prova.

Ademais, a referida jurisprudência não se limita apenas a inverter o ónus da prova: vai, sempre com todo o respeito, um pouco mais longe, acabando a colocar a cargo do garante a prova dum facto que não consta sequer da própria previsão legal da exceção constante do art. 6.º/3/2.º parte do CSC.

Tal exceção “salva” da nulidade os casos em que existe justificado interesse próprio da sociedade garante em prestar tais garantias gratuitas, ou, então, os casos em que a sociedade garante e a sociedade garantida se encontrarem em relação de domínio ou de grupo, ou seja, o que consubstancia a exceção (o facto impeditivo que a mesma constitui – cfr. art. 342.º/2 do C. Civil) é a prova positiva de tal justificado interesse e/ou da relação de domínio e/ou grupo e não a prova dum qualquer facto negativo (não existir justificado interesse e/ou não existir relação de domínio e/ou grupo) que é o que a referida jurisprudência dominante acaba por colocar a cargo do garante.

A exceção – ou exceções, uma vez que, verdadeiramente, são duas as exceções – do art. 6.º/3 do CSC decorre de, no caso, se demonstrar que a garantia é necessária ou conveniente à prossecução do escopo lucrativo da sociedade e não de se não demonstrar que a garantia não é necessária ou conveniente à prossecução do escopo lucrativo da sociedade, ou seja, numa situação de “non liquet”, a solução da lei aponta clara e indiscutivelmente para a nulidade da garantia gratuita e não para a sua validade[16].

E é justamente por tudo isto que, com todo o respeito, não aderimos à jurisprudência dominante do STJ, jurisprudência esta que foi seguida na decisão recorrida e que, perante a situação de “non liquet” factual quanto à verificação ou não verificação das exceções, concluiu – colocando o ónus da prova dos factos negativos (referidos pela jurisprudência dominante) a cargo da garante/F (…) pela validade das garantias.

Sucedendo – é a esta a razão da anulação, tendo em vista a ampliação da matéria de facto – que o referido “non liquet” não resulta do que se deu como não provado, mas sim de não constar quer dos factos provados quer dos factos não provados o que quer que seja sobre o interesse (ou desinteresse) da garante/F(…) na prestação das garantias, sendo – é o ponto – que sem tal ser factualmente averiguado (convidando-se até, para que não subsistam dúvidas, previamente as partes a completar a sua alegação) não se pode, aqui e agora (como pretende a F(…)/apelante), aplicar o ónus da prova que reputamos como correto e, em função disso e do referido “non liquet” factual, concluir desde já pela nulidade das garantias, por não se haver positivamente demonstrado que as garantias gratuitas foram necessárias ou convenientes à prossecução do escopo lucrativo da F(…)r (ou por não se ter demonstrado a relação de domínio ou grupo a que alude a segunda exceção).

É que, no fundo, insiste-se, o que está verdadeiramente em causa e legitima as exceções constantes do art. 6.º/3 do CSC é sempre e apenas o ficar demonstrado o justificado interesse próprio da sociedade garante em prestar as concretas garantias gratuitas; mesmo na segunda exceção – de relação de domínio e/ou grupo – é este interesse próprio da sociedade garante que está em causa e que acaba por estar ficcionado/presumido na lei (2.ª exceção).

O que significa, em face do que por ora consta dos autos em termos factuais (e documentais), que também a segunda exceção não está verificada.

Efetivamente, como sustenta Coutinho de Abreu[17], também entendemos que deve fazer-se uma interpretação restritivo-teleológica da segunda exceção do art. 6.º/3 do CSC.

Não se ignora que há quem entenda[18] que, quando duas sociedades se encontram em relação de domínio ou de grupo, têm sempre capacidade para prestar garantias uma à outra, independentemente de se saber se a que presta a garantia é a dominante ou a dependente, se é a totalmente dominante ou a totalmente dominante, a diretora ou a subordinada; com o que se entende e diz que há sempre solidariedade de interesses entre tais sociedades.

Trata-se, salvo melhor opinião, de afirmação algo duvidosa em relação às sociedades em relação de grupo e que de todo não valerá em relação às sociedades em relação de domínio, em que as sociedades dominantes não têm o direito de sacrificar os interesses das dependentes, nem estas têm o direito (ou o dever) de se guiarem por finalidades extra-sociais (das dominantes ou de outrem).

E, repete-se, toda a lógica do art. 6.º do CSC – e do seu n.º 3, ao permitir que uma sociedade preste garantias (gratuitas) a dívidas de outra sociedade que com aquela esteja em relação de domínio ou de grupo – aponta no sentido da sociedade garante, quando em tal relação, não se poder considerar dispensada de cuidar do seu próprio interesse, do interesse dos seus demais sócios e dos seus credores.

E é por isto que a segunda exceção constante do n.º 3 do art. 6.º do CSC deve ser alvo duma interpretação restritiva, não valendo tal exceção para toda e qualquer sociedade garante, independentemente da sua posição na relação do domínio; mas valendo apenas, nas relações de domínio, para a sociedade dominante (que, enquanto sócia da dependente, tem sempre interesse no bom andamento da segunda) e já não para a dependente.

Ora, nos autos, não temos demonstrada qualquer relação de grupo entre a F (…) e a A (..) e/ou a B (…) e, quanto a relação de domínio, apenas temos demonstrada a relação de domínio entre a F (…) e a A(…) (cfr. ponto 13 dos factos deste acórdão)[19], sendo que, em tal relação, a dominante é a A(…) (dispunha, na data da prestação das garantias, duma participação maioritária de 70% no capital da F(…), ficando assim preenchida a presunção constante do art. 486.º/2/a) do CSC), razão pela qual, segundo a exposta interpretação restritiva, não ficará (com a participação maioritária de 70% da A(…) no capital da F(…)) preenchida a segunda exceção constante do n.º 3 do art. 6.º do CSC.

O que, tudo junto, fechando o nosso raciocínio conducente à anulação/ampliação da matéria de facto, mostra necessário que seja factualmente averiguado (convidando previamente as partes a completar a sua alegação) o interesse (e/ou o desinteresse) da garante/F (…) na prestação das garantias (assim com as relações de domínio ou grupo) e que, na sequência de tal averiguação, se faça constar dos factos provados e/ou dos não provados o que resultar de tal averiguação (após o que, então sim, poderá ser aplicado o ónus da prova, seja qual for o entendimento que se tenha sobre o mesmo: seja o que acabámos de expor ou o seguido na douta decisão recorrida).

Não se olvida, naturalmente, que, por mais duma vez, se fez constar do “contrato” que a F(…) se “encontra numa relação de domínio e de grupo com as Segunda (A(…)), Terceira (B (…)) Outorgantes, tendo ainda um manifesto interesse próprio na consolidação e reestruturação das responsabilidades destas”, porém, a tais menções/expressões não pode, com todo o respeito por opinião diversa, ser atribuída a virtualidade de impedir toda e qualquer discussão jurídica sobre a verificação ou não das duas exceções constantes do art. 6.º/3 do CSC, que é o que acontecerá se, por terem sido inseridas tais menções/expressões, se considerar que a garante/Fipor atua em abuso de direito (na modalidade de venire contra factum proprium) ao invocar/suscitar a nulidade das garantias por violação do princípio da especialidade do fim consagrado no art. 6.º do CSC.

Parece-nos pois pertinente (e ajustada ao caso) a observação de Coutinho de Abreu[20] sobre a prova do justificado interesse próprio na prestação da garantia não ficar feita com “o facto de a sociedade garante haver declarado expressamente, aquando da constituição da garantia, ter interesse em garantir a dívida”.

Aliás, é a própria menção/expressão (constante do “contrato”) no seu todo, dizendo que a F (…) está ao mesmo tempo numa relação de domínio e de grupo com as sociedades devedoras, que contém o gérmen da sua inadmissibilidade enquanto confissão extrajudicial; tanto mais que, dizendo a F (…) nos autos que nunca houve qualquer relação de grupo com a A(…)ou B (…) e que também não havia relação de domínio com a B (…), tal não mereceu qualquer oposição da O(…) e/ou sequer a junção de qualquer documento ou certidão do registo comercial que fizesse, no confronto com o referido pela F(…), indiciar/presumir as referidas relações constantes da menção/expressão.

A ponto de não tornar inverosímeis as observações constantes das conclusões 78 e ss. da F(…)e de, por isso, ainda que o sucedido não configure um verdadeiro estado de necessidade das contrapartes do B(…/O(…) (na subscrição de tais menções), podermos estar perante menções vagas, abstratas e de estilo, a valer tão só como elemento probatório a apreciar livremente pelo tribunal (cfr. 361.º do C. Civil).

Porque no fundo, é o nosso ponto de vista, a substância do art. 6.º/3 do CSC (a regra segundo a qual se considera contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais gratuitas a dívidas de outras entidades) não deve ser “subjugada” e subvertida por fórmulas vagas e abstratas, que tanto podem ser a expressão mais pura da verdade como notoriamente falsas e inexistentes[21].

Sendo também tudo isto – o que rodeou, ou não, a inclusão da menção/expressão em causa – que pode e deve ser apurado.


*

IV – Decisão

Pelo exposto, ao abrigo e nos termos do art. 662.º/2/c) do CPC, anula-se a decisão proferida na 1.ª Instância e ordena-se a repetição do julgamento para que, ampliando-se a matéria de facto, se esclareçam as questões factuais respeitantes ao “justificado interesse próprio da F (…)” ao prestar as garantias pessoal e real referidas nos autos, as questões factuais respeitantes à relação de grupo com a A (…) e a B (…) e à relação de domínio com a B (…) e as questões factuais respeitantes à inclusão no “contrato” da expressão acabada de referir[22]; devendo previamente ambas as partes ser convidadas, nos termos do art.590.º/4 do CPC, a aperfeiçoar o que sobre tais questões alegaram: devendo a O (…) concretizar, designada e principalmente, os factos respeitantes à não gratuitidade das garantias, os factos respeitantes ao “justificado interesse próprio da F (…)” ao prestar as garantias e os factos respeitantes à relação de grupo com a A (…) e B (…) e à relação de domínio com a B (…); e devendo a F(…) concretizar, designada e principalmente, os factos respeitantes à gratuitidade das garantias, os factos respeitantes à inexistência de “justificado interesse próprio” da sua parte ao prestar as garantias, à inexistência de factos respeitantes à relação de grupo com a A (…) e B (…) e à relação de domínio com a B (…) e os factos respeitantes ao que rodeou (ou não) a inclusão da referida expressão; após o que, repetido o julgamento, deve o factualmente alegado pelas partes passar a constar da fundamentação de facto (ou dos provados ou dos não provados).

Custas, nesta instância, pelo vencido a final.


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Coimbra, 07/09/2020

Barateiro Martins ( Relator )

Arlindo Oliveira

Emídio Santos


[1] E fê-lo em duplicado, ou seja, quer na impugnação ao crédito reconhecido à O (…) pelo AI, quer na resposta à impugnação apresentada pela O (…) (e acabada de relatar).
[2] Só não foi reconhecido o montante reclamado decorrente do saldo devedor da conta bancária da A (…)
[3] A propósito do que suscita uma questão de facto, mais exatamente, a ampliação do que se deu como provado no ponto 11 dos factos provados da sentença recorrida (ponto 12 deste acórdão).
[4] Assim como na resposta à impugnação da O (…)

[5] Razão pela qual não procederemos, aqui e agora, à apreciação e decisão dos 2 primeiros fundamentos/questões invocados, não fazendo a referida afirmação de concordância com o decidido na decisão recorrida qualquer tipo de caso julgado nos autos (assim como não fará caso julgado o que em temos jurídicos iremos expor sobre o 3.º fundamento/questão); limitando-nos a dizer de modo muito reduzido, superficial e não exaustivo – sem que tal, repete-se, faça qualquer tipo de caso julgado nos autos e apenas para justificar porque sempre se terá de chegar à apreciação do 3.º fundamento/questão invocado – o seguinte:
Quanto à novação (extinção da dívida da B (…), por novação): para além dos movimentos contabilísticos entre a A (…) e a B (…) não configurarem, só por si, a intenção de novar e a verificação do respetivo requisito indispensável à existência da novação, sucede que, mesmo a considerar-se ter havido novação (e passando toda a dívida – no valor de € 5.777.863,02 – para a esfera jurídica da A(…)), continuaria a dívida da F(…) (decorrente de fiança, como a seguir diremos) a ser exatamente do mesma montante, embora garantisse apenas a dívida principal da A(…) (em cuja esfera jurídica se havia, procedendo a tese da novação, concentrado toda a dívida), ou seja, por aqui não se “chegaria” ao não reconhecimento do crédito reclamado pela O (...) .
Quanto ao segundo fundamento (efeitos da aprovação e homologação do plano de recuperação da A(…) sobre a garantia hipotecária e fiança prestadas pela F(…), fundamento que, concatenado com o anterior, levaria, caso ambos fossem procedentes, ao efeito pretendido pela F(…)), não obstante toda a argumentação jurídica que se possa contruir a partir da regra da acessoriedade (e do recorte jurídico de tal acessoriedade) da fiança, o certo é que o PER (e a Insolvência) coloca especificidades muito próprias – em que não raro se colocam questões em que, seja qual for a solução, sempre a unidade do sistema jurídico parece ficar quebrada – a ponto de estabelecer uma norma como a do art. 217.º/4 do CIRE, que, no fundo, faz os condevedores e os terceiros garantes participar no esforço de recuperação do insolvente, valendo, naturalmente, o mesmo raciocínio jurídico quando a revitalização do devedor é obtida (sem prejuízo de também se poder dizer qua a redução da dívida operada pelo PER/Plano determina a inexigibilidade parcial da obrigação perante o devedor e não a inexistência da mesma, razão pela qual não lhe é aplicável a regra prevista no art. 651.º do CC, que determina a extinção da fiança nos casos de extinção da obrigação principal).
[6] A O (...) /apelada, no início da conclusão 12.º, diz que o “contrato” é “uma das fontes das obrigações da insolvente”, mas a verdade é que de todas as peças processuais que produziu não se extrai a existência duma outra qualquer fonte além de tal “contrato”. Assim, não alcançamos, com todo o respeito, a argumentação também exposta pela O (...) /apelada na conclusão 10.º: é que a F(…) não é obrigada cambiária nas duas livranças juntas (aliás, também não se percebe o que diz na conclusão 19.º, sobre ter sido a insolvente a entregar a livrança) e, por conseguinte, não tinha a F(…) que alegar e demonstrar o incumprimento do pacto preenchimento por parte da O (...) ; as livranças juntas não são a fonte da obrigação da F(…) para com a O (…), valendo (podendo valer) apenas como prova do montante da obrigação (principal) da A(…) e da B (…), sendo que, caso a F(…) tivesse impugnado – o que não fez – o montante de tais obrigações principais, era a O(…)que tinha que fazer tal prova (embora a quase totalidade de tal prova já resultasse dos termos do próprio “contrato”).

[7] Deixa mesmo a sensação – em face do modo como estão redigidas a sua reclamação e a sua impugnação – que a O (…)faz residir a constituição do seu crédito sobre a F(…) nas duas livranças que junta, quando, fora de qualquer dúvida, a F(…)não é, repete-se, obrigada cambiária nas mesmas.

[8] Sem prejuízo de isto não fazer um completo sentido, uma vez que na fiança de obrigação mercantil, como será o caso, o fiador responder solidariamente com o afiançado (cfr. art. 101.º do C. Comercial). E sem prejuízo de, como impõe a lei (art. 628.º/1 do C. Civil), a declaração de fiança ter que ser expressa, sendo que o facto de ter que ser expressa não implica que a declaração do fiador esteja sujeita a quaisquer “fórmulas sacramentais, mas que a vontade de prestar fiança tem que decorrer de forma direta daquela”, o que parece ser extraível de tal cláusula vigésima nona.
[9] Na medida em que a F(…) não o invoca.
[10] Coutinho de Abreu, Direito Comercial, Vol II, 3.º ed., pág. 196.

[11] Uma coisa é o fim e outra é o objeto social (ou seja, as atividades que os sócios propõem que a sociedade venha a exercer) e só este não limita a capacidade de gozo das sociedades.

[12] O que a O(…)/apelada diz nas suas conclusões, máxime nas conclusões 26, 27 e 31 (sobre o ato não ter sido manifestamente gratuito), não tem, mais uma vez com todo o respeito, na devida atenção a problemática dos negócios chamados multidirecionais (ver, a tal propósito, entre outros, Mota Pinto, em Onerosidade e gratuitidade das garantias de dívidas de terceiro, in RDES, Ano XXV, n.º 3 e 4), como é o caso da prestação de garantia por terceiro a dívida de outrem, em que se formam várias relações jurídicas de diferente sentido, em que, sendo alguns sujeitos comuns, podem algumas das relações ter natureza gratuita e outras onerosa; em que podemos estar perante uma ato com uma natureza simultaneamente gratuita e onerosa, conforme a relação perspetivada. E, caracterizando-se o negócio gratuito por ser concedido um benefício a alguém sem se receber uma qualquer prestação como contrapartida, resulta do “contrato” que, sendo o ato inquestionavelmente oneroso do ponto de vista da O (…) outro tanto não parece suceder – para já e face ao que se extrai do “contrato” – do ponto de vista da F(…) (que deu uma garantia pessoal e real sem receber qualquer contraprestação, uma vez que, importa não esquecer, quem recebeu contraprestações foram a A (…) e B (…) que, é ocioso referi-lo, são pessoas jurídicas diferentes). Aliás, foi certamente por se considerar que se estava perante garantias gratuitas da F(…) que, por mais duma vez, se fez constar do “contrato” que a F(…) se “encontra numa relação de domínio e de grupo com as Segunda (A (…)), Terceira (B (…)) Outorgantes, tendo ainda um manifesto interesse próprio na consolidação e reestruturação das responsabilidades destas”.

[13] Já vimos sustentado (e a apelada transcreve esse entendimento a dado passo das suas alegações) que, invocando-se/provando-se os factos de que decorrem os direitos/garantias invocadas (no caso, o “contrato” e a hipoteca), é à outra parte (no caso, a garante/F(…)) que compete provar os factos impeditivos (cfr. art. 342.º/2 do C. Civil) dos direitos/garantias invocadas, entendendo-se que as duas exceções constantes do art. 6.º/3 do CSC configuram tais factos impeditivos.

Com todo o respeito, não concordamos com tal raciocínio: ao garante apenas caberá provar (face à interpretação restritiva que deve ser feita da 1.ª parte do art. 6.º/3 do CSC) que as garantias foram prestadas gratuitamente, momento a partir do qual, face à lei substantiva aplicável, ficará estabelecida a nulidade dos direitos/garantias, se quem invocou tais garantias (agora consabidamente gratuitas) não alegar e provar algum das duas exceções previstas no art. 6.º/3 do CSC..

[14] Cfr., inter alia, os Ac STJ de 13 de Maio de 2003 (Relator Pinto Monteiro), 17 de Junho de 2004 (Relator Quirino Soares), 7 de Outubro de 2010 (Relator Álvaro Rodrigues), 28 de Maio de 2013 (Relator Fernandes do Vale), 16 de Novembro de 2017 (Relatora Graça Amaral), 22/05/2018 e 12/03/2019 (Relatora Ana Paula Boularot); em sentido oposto, Ac. Rel Lisboa de 27/01/2000 e Ac. Rel. Coimbra de 17/10/2000, in CJ.
[15] Sendo que o supra exposto parece corresponder, em sentido diverso do da jurisprudência, ao entendimento maioritário da doutrina – Cfr. Osório de Castro e Coutinho de Abreu, nos locais citados na sentença recorrida; Soveral Martins, in Capacidade e Representação das Sociedades Comerciais, em Problemas de Direito das Sociedades, pág. 475; e, mais recentemente, Miguel Teixeira de Sousa (justamente em comentário ao supra referido Ac. STJ de 12/03/2019), in Revista de Direito das Sociedades, 2019-1, pág. 251/256.

[16] Sendo que, numa situação de “non liquet”, é a validade da garantia gratuita que, ao arrepio da lei, acabará por resultar reconhecida pela posição dominante da jurisprudência.
[17] In Direito Comercial, Vol II, 3.º ed., pág. 199 a 204; indo no mesmo sentido Osório de Castro (in ROA, 1998, p. 854 e ss.) e o STJ no Ac de 04/04/2017 (Relator Fonseca Ramos).
[18] Pedro de Albuquerque (in ROA, 1997, p. 133 e ss.) e João Labareda (in Nota sobre a prestação de garantias por sociedades comerciais a dívidas de outras entidades, p. 178 e ss.)
[19] Nada estando demonstrado quanto a uma relação de domínio entre a F (…) e a B (…).
[20] Obra e local citado, pág. 199.

[21] Diferentemente seria certamente se as menções/expressões concretizassem, ainda que sucintamente, as razões do “manifesto interesse próprio” da F (…) e/ou as razões da existência de relação de grupo ou de domínio; aliás, o conteúdo da “fórmula” revela, fora de qualquer dúvida, um conhecimento sobre o limite que o fim das sociedades coloca à sua capacidade e, sendo assim, a elaboração dum texto que ateste as exceções (para evitar tal limite), sem entrar na substância das mesmas e no escrutínio, ainda que mínimo, da efetiva verificação das mesmas, acaba por ser algo que o direito não deve “cobrir” (impedindo a discussão da verificação ou não das exceções) com a figura do abuso de direito.
[22] Em que se diz que a F (...) se “encontra numa relação de domínio e de grupo com as Segunda ( A (...) ), Terceira ( B (...) ) Outorgantes, tendo ainda um manifesto interesse próprio na consolidação e reestruturação das responsabilidades destas”.