Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
715/14.6JAPRT-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE FRANÇA
Descritores: INIMPUTABILIDADE EM RAZÃO DE ANOMALIA PSÍQUICA
PERÍCIA SOBRE O ESTADO PSÍQUICO DO ARGUIDO
Data do Acordão: 09/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (INSTÂNCIA CENTRAL DE VISEU)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 20.º DO CP; ARTS. 351.º E 151.º E SS. DO CP
Sumário: I - A disposição do artigo 351.º do CPP dirige-se aos casos em que, no decurso da audiência de julgamento, se suscita fundadamente a questão da inimputabilidade do arguido.

II - Contudo, o incidente de “alienação mental” de arguido pode/deve ser suscitado em qualquer fase do processo penal, nos termos gerais dos arts. 151.º e ss. do mesmo diploma legal.

III - Ao arguido, presente na audiência de julgamento, aparentemente dotado de capacidade para avaliar a ilicitude do facto ilícito praticado e de se determinar de acordo com essa avaliação, não bastará, para pôr fundadamente em causa essa capacidade, a alegação de já ter sido sinalizado e orientado para consultas de psiquiatria; deverá também invocar circunstâncias concretas reveladoras da sua incapacidade no referido plano de avaliação e determinação.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

     Nos autos de processo comum que, sob o nº 715/14.6JAPRT, corriam termos pela Secção Criminal, J1, da Instância Central de Viseu da Comarca de Viseu, já na fase de julgamento, o arguido A... , através do requerimento de fls. 29 a 32 deste traslado, entrado a 18/3/2015, requereu que «seja ordenada perícia mediante a realização de exame às suas faculdades mentais de forma a que fique inequivocamente esclarecido se era portador de alguma anomalia psíquica que afectasse a sua capacidade de avaliação da ilicitude dos factos e de se motivar de acordo com essa e, na afirmativa, se tal perturbação afectava a sua forma de avaliar os actos e de agir».

«Tal perícia sobre o estado psíquico do arguido encontra-se prevista no artº 351º do CPP, devendo considerar-se suficientemente fundamentada atento os elementos probatórios ora trazidos para os autos»

«De qualquer modo, seja (a) para fundamentar o requerimento de perícia, atento o incumprimento do Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de (...) , EPE, e ainda o facto de num Estado de Direito, ser irrazoavelmente oneroso para a defesa de qualquer arguido que tenha de requerer previamente a Tribunal Administrativo e Fiscal intimação para passagem das certidões requeridas e das informações solicitadas; seja para (b) instruir a perícia, requer a V. Ex.a se digne oficiar o identificado órgão administrativo para remeter directamente ao Tribunal o processo clínico de psiquiatria do arguido

     Sobre tal requerimento recaiu despacho, proferido na sessão de julgamento que teve lugar no dia 13/4/2015, decidindo nos seguintes termos (transcrição integral):

«Através do requerimento apresentado pelo Ex.mo mandatário do arguido a fls. 2107 a 2110, veio o mesmo novamente insistir pela realização de uma perícia psiquiátrica, juntando cópia dos requerimentos por si efectuados, um ao Director Executivo do Agrupamento de Centros de Saúde (...) e outro ao Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de (...) , EPE, ambos com vista à prestação de informações quanto a eventual diagnóstico (ou suspeita) do estado psiquiátrico do requerente, tendo do primeiro resultado a informação fornecida pela médica de família do arguido, que a respeito do encaminhamento do arguido para a consulta de psiquiatria, referiu não ter sido da sua responsabilidade, dado o utente já estar referenciado no SAM Hospitalar.

Já a respeito do dirigido ao mencionado CH de (...) , referiu não ter obtido qualquer resposta, embora tenha a informação verbal de que um relatório sobre o processo clínico de psiquiatria do arguido prévio à sua detenção se encontra em fase de elaboração pelo Dr. D... , requerendo, em conformidade, na parte final do seu requerimento que o tribunal o solicite ao identificado órgão administrativo.

Porém, bastando-se com o facto de o arguido estar sinalizado nos sistema de arquivo médico como tendo sido orientado para consultas de psiquiatria, concluiu, desde logo, que tal aponta manifestamente para a existência séria e real da possibilidade de o arguido não estar, no momento da prática dos factos pelos quais foi acusado em perfeito estado de discernimento quanto ao valor ou ao desvalor das suas acções e, portanto, padecer de doença do foro psiquiátrico que pudesse ter limitado a percepção da gravidade dos seus factos.

Em conformidade com tal entendimento e não podendo ser para já carreados para os autos outros elementos mais fortes – o aludido processo clínico – requer a defesa do arguido a realização de exame às faculdades mentais do arguido.

Mais uma vez cremos não existir fundamento para a requerida perícia.

E isto porque, ao contrário do que defende a defesa do arguido, não podemos aceitar que o simples facto do arguido ter sido orientado para consultas de psiquiatria ou até encontrar-se a ser acompanhado nesta área da medicina, constitua razão válida para duvidar da capacidade de entendimento e/ou autodeterminação do arguido, ou seja, da sua imputabilidade.

Com efeito, com o resulta do artº 351º do CPP, a questão da inimputabilidade ou imputabilidade diminuída do arguido deve ser suscitada “fundadamente”, ou seja, baseada em factos concretos atinentes ao comportamento do arguido que fazem nascer uma dúvida plausível sobre a capacidade de o arguido entender e querer a sua própria conduta.

Ora, ainda que se admita que o arguido em determinada fase da sua vida tenha sido orientado para o departamento de psiquiatria do CH de (...) e continue ainda frequentando consultas na área da psiquiatria, tal, por si só, não significa que o mesmo automaticamente padeça de qualquer perturbação ou anomalia psíquica que já à data dos factos lhe tenha afectado a sua capacidade de avaliação da ilicitude destes e de se determinar de acordo com tal avaliação.

A ser assim, sempre que o tribunal tivesse notícia que um arguido à data dos factos já tivesse frequentado consultas de psiquiatria ou se encontrasse a frequentá-las – na actual conjuntura, fruto da crise económica e também social que vivemos a procura deste ramo da medicina é cada vez mais frequente – estaria sempre criada a dúvida sobre a sua capacidade de entender e querer a sua própria conduta, com a consequente determinação de perícia médica sobre as suas faculdades mentais, o que nãos e pode conceber.

Também não são quaisquer distúrbios emotivos, depressivos, ou crises de ansiedade que, sem mais, são susceptíveis de lançar a dúvida sobre a imputabilidade e desencadear o mecanismo previsto no citado artº 351º do CPP.

Acresce que tendo o arguido prestado declarações nesta audiência de julgamento pode este tribunal aperceber-se que o mesmo estava perfeitamente consciente e orientado, tendo respondido de forma clara para os seus destinatários/interlocutores, não evidenciando dificuldades em comunicar e compreender as perguntas que lhe foram sendo feitas, quer as respeitantes à materialidade e gravidade da sua actuação, quer à sua intencionalidade.

Pelo que, do comportamento do arguido, da sua postura e do seu discurso não se evidenciam indícios ou sintomas que levantem qualquer suspeita sobre a sua imputabilidade (ainda que diminuída).

E uma vez junto o relatório pericial sobre a avaliação psicológica do arguido, solicitado pelo tribunal – no qual também se fez registar que o arguido manteve um discurso organizado – não vislumbramos do mesmo qualquer dúvida sobre a capacidade de entendimento do arguido em face dos traços de personalidade que lhe foram apontados.

Por tudo o exposto, continuando a não existir, até ao momento quaisquer elementos que permitam fundadamente suscitar qualquer dúvida sobre a inimputabilidade ou imputabilidade diminuída do arguido e, sendo certo também, que quanto ao alegado relatório clínico atinente ao seu acompanhamento médico por parte de um médico psiquiatra, caso o mesmo exista, nenhuma impossibilidade existe para o arguido, por si ou representado pelo seu mandatário, o solicite junto do respectivo médico assistente, que não poderá recusar-se a fornecê-lo, como, aliás, não resulta que o tenha feito, indefere-se o requerido pelo arguido no requerimento em apreço.

Notifique

     Inconformado com tal decisão, dela recorreu o arguido, motivando o seu recurso e concluindo nos seguintes termos:

1.Em processo penal vigora o princípio da investigação, da oficiosidade ou da verdade material, devendo o tribunal ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade, como se consagra no artº 340º, 1, do CPP.

2. Encontra-se atribuído ao tribunal o poder-dever de, mesmo por sua iniciativa e com autonomia relativamente às iniciativas da acusação e da defesa, proceder à realização das diligências probatórias que forem objectivamente necessárias e pertinentes para o esclarecimento dos factos e descoberta da verdade material.

3. A verificação de inimputabilidade ou de imputabilidade diminuída do arguido é circunstância absolutamente decisiva para a prolação de um juízo de culpa essencial à punição criminal ou do respectivo grau, sendo, assim, questão a cujo conhecimento o tribunal não se poderá furtar.

4. A questão da inimputabilidade ou da imputabilidade diminuída do arguido deve ter sido suscitada “fundadamente”, isto é, a questão deve ser colocada com base em factos concretos (que são os “fundamentos”) atinente ao comportamento do arguido que fazem nascer uma dúvida plausível sobre a capacidade de o arguido entender e querer a sua própria conduta.

5. Não é necessário, para que se submeta um arguido à realização de perícia psiquiátrica, que esteja já provado que padece de distúrbio daquela ordem. Assim não fosse, a realização da perícia seria um acto redundante e desnecessário, pelo que basta que dos factos carreados possa surgir um mínimo de dúvida, atenta a sua presunção de inocência, os poderes-deveres inquisitórios do tribunal e a imperativa necessidade de descoberta da verdade material.

6. Provado nos autos que o arguido fora, previamente à data dos factos por que vem acusado, sinalizado e encaminhado para acompanhamento médico-psiquiátrico, o tribunal, ao não determinar, em fase de julgamento, a realização da perícia médico-legal requerida pelo arguido, havendo razões para se suscitarem dúvidas sobre a sua inimputabilidade ou imputabilidade diminuída, comete a nulidade prevista na parte final da al. d), do nº 2, do artº 120º, do CPP – omissão de diligência que possa reputar-se essencial para a descoberta da verdade.

7. A omissão do tribunal é ainda mais gravosa porquanto, tendo o recorrente, previamente ao seu pedido de realização de perícia datado de 12/3/2015, requerido informações a estabelecimento de saúde competente, este não as prestou voluntariamente, tendo o arguido requerido, então ao tribunal, que oficiasse à dita instituição para que fornecesse os dados clínicos em causa, o que foi, sem mais indeferido.

8. Impunha-se assim ao tribunal, atenta a falta de resposta do Presidente do Conselho de Administração do CH de (...) e ao abrigo do disposto no artº 340º, 1, do CPP que ordenasse a notificação daquele estabelecimento de saúde para que fossem os autos instruídos com a informação clínica psiquiátrica do arguido. Não o tendo feito, cometeu a nulidade que o arguido arguíra na sessão de 13/4/2015 da audiência de julgamento e que o tribunal não reparou, o que veio a integrar a decisão recorrida.

9. O arguido carreou para os autos não foi a mera prova de que padecera de um “distúrbio emocional ou de uma depressão. O arguido provou que fora efectivamente encaminhado para consultas de psiquiatria. A doença psiquiátrica de que padecia é que tinha de ser provada através dos documentos que O CH competente não lhe forneceu, apesar de requeridos pelo arguido, e que o tribunal se negou, em violação do disposto no artº 340º, 1, CPP, a pedir oficiosamente.

10. O tribunal, ao exigir que, para considerar que ocorrem razões fundadas para requerer a perícia psiquiátrica, essas razões tenham já de constar da prova que visa justificar o pedido daquele elemento probatório, violou os preceitos normativos previstos nos nºs 1 e 2 daquele artº 351º, CPP.

11. Com o despacho de indeferimento do pedido de informações e consequentemente, do pedido de realização da perícia, o tribunal violou o disposto nos artºs 340º, 1, 351º, 1 e 2, CPP, cometendo nulidade atempadamente arguida, na sessão de 13/4/2015 de audiência de julgamento prevista no artº 120º, 2, d), do CPP, por omissão de acto fundamental à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa e subsequente erro de julgamento quanto ao pedido de realização de prova pericial.

12. Reconhecendo-se a importância, em abstracto, da oralidade e da imediação para que o julgador possa fundar um juízo quanto à pertinência da realização da prova psiquiátrica, a verdade é que, provado que o arguido iria ser encaminhado para consultas de psiquiatria, carece o tribunal de competência técnico-científica para apurar, apenas pelo comportamento ‘claro e orientado’ do arguido em audiência de julgamento se, para além deste, existe algum distúrbio psíquico, considerando que o tipo de doença alegada na contestação pode ser selectiva e interpretativa, causando apenas falta de discernimento em determinados contextos e perante determinados sujeitos.

13. Por se indiciar matéria factual que, em larga medida, exige, para a sua percepção e avaliação, especiais conhecimentos técnicos e científicos, não pode o tribunal dispensar a prova pericial por considerar, a partir das declarações do arguido em audiência e da análise perfunctória dos factos em julgamento que, não obstante os elementos indiciários ora destacados, não se suscita a questão da sua inimputabilidade ou da sua imputabilidade diminuída.

14. O tribunal indeferiu apenas porque entendeu, de forma meramente subjectiva, que não se justificava a perícia, sem que tivesse fundamentado a sua decisão em termos objectivos que permitissem arredar a dúvida resultante de o arguido ter antes da prática dos crimes por que vem acusado, sido submetido a consultas psiquiátricas.

15. O tribunal, ao não querer objectivamente saber da razão da necessidade de acompanhamento psiquiátrico do arguido, apesar de não poder deixar de saber que tal podia influir na decisão da causa, impôs ao arguido o ónus de prova no sentido de que a dúvida teria de ser resolvida em seu favor em clara violação dos mais elementares princípios do processo penal de um Estado de Direito material.

16. O tribunal violou o princípio da igualdade de oportunidades – isonomia processual ao não se comportar perante o requerimento do arguido como o fez relativamente ao pedido de realização de perícias por parte do MP e dos assistentes B... e C... .

17. Ficaram inelutavelmente coarctados os direitos de defesa do arguido previstos nos artºs 32º, 1 e 2 da CRP, tendo, para além destes, sido violadas as normas contidas nos artºs 20º do CP, 340º, 1 e 351, 1 e 2 do CPP.

     Nestes termos, deve o recurso ser julgado provado e procedente e, por via dele, ser revogado o despacho de 13/4/2015, ordenando-se (A) a realização de perícia psiquiátrica ao arguido para apuramento da verificação de inimputabilidade ou imputabilidade diminuída ou (B) subsidiariamente, a notificação do Presidente do Conselho de Administração do C.H. de (...) para informar os autos quanto ao processo clínico-psiquiátrico do arguido.

     A este recurso respondeu o MP, concluindo pela sua improcedência.

     Também as assistentes C... e B... responderam, pugnando, em suma, pela manutenção do despacho recorrido.

     Do mesmo modo concluíram os assistentes G... , H... e I... , na resposta que apresentaram.

     Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

     Analisadas as questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões que retira da sua motivação, logo se constata que são essencialmente duas as questões que, através delas, coloca à nossa apreciação:

I – a revogação do despacho de 13/4/2015, ordenando-se a realização de perícia psiquiátrica ao arguido para apuramento da verificação de inimputabilidade ou imputabilidade diminuída;

II - subsidiariamente, a notificação do Presidente do Conselho de Administração do C.H. de (...) para informar os autos quanto ao processo clínico-psiquiátrico do arguido.

I – A primeira questão a analisar prende-se com o indeferimento da perícia médica tendente a averiguar se o arguido se encontrava numa situação de inimputabilidade ou de imputabilidade diminuída. O que seja esta forma de irresponsabilização criminal, resultante da inimputabilidade do agente, em razão de anomalia psíquica, há-de retirar-se do disposto no artº 20º do CP: traduzir-se-á, ao fim e ao cabo na ocorrência de anomalia psíquica determinante da incapacidade para o agente de, no momento da prática do facto, avaliar a ilicitude deste ou, apesar de ser capaz de tal, de se determinar de acordo com essa avaliação.

     Tudo tem a ver com a capacidade de dolo, e assim de culpa, do sujeito, com a voluntariedade absoluta da sua conduta.

     Nas sábias palavras de Thiago Sinibaldi, ‘Elementos de Filosofia’, Vol. II, pag. 158, «um acto para ser voluntário deve derivar não só de uma deliberação da vontade, mas também de um prévio conhecimento da inteligência; de modo que o acto da vontade contém tanta bondade ou malícia, quanta foi conhecida pela inteligência. – Por isso, se a inteligência, por qualquer causa ou acidente, for perturbada a ponto de não poder apreciar a bondade ou a malícia do acto, este não é voluntário, e quem o praticou não é responsável por ele, nem deve ser punido».

     Integrado no Livro VII (Do julgamento), Titulo II (Da audiência), Capítulo III (Da produção da prova), surge a norma do artº 351º do CPP, submetido à epígrafe ‘Perícia sobre os estado psíquico do arguido’, prescrevendo, no seu nº 1: «Quando, na audiência se suscitar fundadamente a questão da inimputabilidade do arguido, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, ordena a comparência de um perito para se pronunciar sobre o estado psíquico daquele».

     Em primeiro lugar, a norma dirige-se directamente aos casos em que tal incapacidade apenas se revela no decurso da audiência de julgamento, já que o incidente de alienação mental em causa pode [e deve] ser suscitado em qualquer fase processual, nos termos gerais dos artºs 151º e seg.s do CPP. (Neste sentido se mostra compreensível a afirmação que os assistentes G... , H... e I... fazem no artº 9. da sua resposta: «O recorrente teve largos meses para requerer e recolher todos os alegados elementos clínicos que considerava pertinentes para o cabal exercício da sua defesa; a sua alegada inimputabilidade/imputabilidade diminuída não surgiu no decorrer da audiência de julgamento; já tinha sido anunciada na sua contestação, pelo que, essa peça deveria ter sido devidamente instruída em bom suporte da respectiva alegação».

     Esta regra mostra-se estatuída considerando duas perspectivas: ou a inimputabilidade do arguido é patente - ou se revelou no decurso da audiência - e então o tribunal tem o poder-dever de, oficiosamente ou a requerimento, dar andamento a tal procedimento, ou não o é e, então, deve resultar de outros elementos dos quais resulte suscitado, de forma ‘fundada’ tal incidente.

     O caso em análise cai, precisamente, nesta segunda situação, tanto mais que o próprio despacho recorrido foi claro na afirmação de que o comportamento do arguido, na audiência, não foi de molde a suscitar qualquer dúvida acerca da sua imputabilidade.

     No requerimento em que suscita a questão apreciada no despacho impugnado através do presente recurso, e no seguimento de requerimento anteriormente formulado, o arguido afirma, por um lado, que o CH de (...) ainda não prestou a informação requerida e, por outro, que do documento que junta sob o nº 3 «consta informação inequívoca prestada por unidade pública de saúde no sentido de que o arguido se encontrava já antes da data da prática dos factos por que veio acusado sinalizado e orientado para consultas de psiquiatria», o que, no seu entender, «aponta manifestamente para a existência séria e real da possibilidade de o arguido não estar, no momento da prática dos factos, por que veio acusado, em perfeito estado de discernimento quanto ao valor ou ao desvalor das suas acções».

     Ou seja, a mera referência à circunstância de o arguido ter sido sinalizado e orientado para consultas de psiquiatria, de modo algum é motivo para determinar fundadas dúvidas acerca da sua capacidade penal. Com efeito, se averiguássemos a percentagem de cidadãos nacionais que frequentam tal tipo de consultas e a comparássemos com aquelas outras referentes a arguidos declarados penalmente inimputáveis, logo concluiríamos que não existe qualquer tipo de correspondência entre uma e outra situação. Assim, a circunstância de se ter sido «sinalizado e orientado» para consulta de psiquiatria, de forma alguma é índice de que o paciente padece de uma qualquer diminuição da sua capacidade penal. (Neste sentido, v. Carlos Suárez-Mira Rodríguez, in ‘Manual de Derecho Penal. Tomo I. Parte General, pag. 233: «Encualquier caso, el dato decisivo en ordem a reconocer la inimputabilidade viene dado por el efecto psicológico, y no tanto por una base biopatológica que no e sen absoluto precisa (en contra de lo que en el passado se há sostenidomayoritariamente). Evidentemente, la base patológica tampoco escondicion suficiente per se para estimar que el sujeto se a inimputable, como así há venido reiterando constantemente el Tribunal Supremo».

     Daqui se retira que, perante um arguido aparentemente dotado da necessária capacidade penal, presente na audiência, diante dos juízes e dos demais intervenientes, não bastará, para pôr fundadamente em causa essa capacidade, a alegação de que ele tinha sido sinalizado e orientado para consultas de psiquiatria. Deveria o requerente ter invocado concretas circunstâncias de tal determinantes. A assim não ser, estaríamos postos perante a situação da necessidade de elaboração de uma perícia sobre o estado psíquico do arguido em todos os casos em que fosse referida aquela sinalização e orientação. E, isso está bom de ver, aconteceria em grande percentagem dos processos. A titulo meramente informativo, veja-se o ac. do STJ de 7/7/1994, proc. 45765/3ª, citado em anotação à norma do artº 351º, no CPP Anotado por Maia Gonçalves, no qual é referido que «existem essas dúvidas justificadas quando o tribunal conclui que o arguido caminha a passos largos para a loucura».

     No nosso caso, face ao quadro resultante do comportamento processual do arguido, seria exigível para que se considerasse fundada a denúncia da sua incapacidade, a alegação de outros factos ou circunstâncias denotadoras dessa diminuição; mas não foi isso que foi feito, limitando-se o requerente a invocar que fora sinalizado e orientado para as consultas de psiquiatria.

     No nosso caso, para além de um relatório social para determinação da sanção, foi ainda elaborado e junto aos autosum relatório de perícia sobre a personalidade (artº 160º do CPP) que não suscita, de forma alguma, dúvidas acerca da capacidade do arguido de avaliar da ilicitude dos factos e de se determinar de acordo com ela.

     Como escreve o MP em primeira instância, na sua resposta, resulta até do relatório social junto a fls. 94 e seg.s deste traslado que os referidos contactos do arguido com a especialidade de psiquiatria são meramente pontuais e incidentais: como se diz a fls. 97, «em termos de saúde, são clinicamente diagnosticados ao arguido problemas gastrointestinais que determinaram intervenção da especialidade e que ainda hoje supõem a presença nas respectivas consultas. É no decurso desta intervenção que o serviço de gastroenterologia do Centro Hospitalar de (...) o encaminha para consulta de psiquiatria, na mesma instituição, em 2011, não prosseguindo com consultas regulares»; e mais adiante, também a fls. 97/98, acrescenta que «em Janeiro de 2015, já a cumprir prisão preventiva, o arguido submete-se a nova consulta no Departamento de Psiquiatria do Centro Hospitalar de (...) , sendo medicado com ansiolíticos, anti-depressivos e indutores do sono, face ao estado de ansiedade revelado. A próxima consulta está agendada para 22/7/2015» (as fontes de tais informações estão identificadas, sendo uma delas o referido médico-psiquiatra do CH em causa, Dr. E... , e outra a Drª F... , técnica de serviço social, em funções no Gabinete de Serviço Social do Departamento de Psiquiatria do mesmo CH, contactados por via telefónica).

     Ou seja, na primeira circunstância o arguido foi encaminhado para os serviços de psiquiatria, no distante ano de 2011, não prosseguindo com consultas regulares, e na segunda, já na actual situação de prisão preventiva, a consulta foi determinada pelo compreensível estado de ansiedade do arguido, dada a situação em que se encontra. Não se vislumbra, por isso, em que medida os elementos a fornecer eventualmente pelo CH possam fazer alguma luz sobre uma eventual situação de inimputabilidade total ou parcial do arguido.

     Em abono da sua tese, invoca o recorrente que com o referido despacho de indeferimento «ficaram inelutavelmente coarctados os direitos de defesa do arguido, previstos nos artºs 32º, 1 e 2, da CRP…». Ou seja, invoca violação das essenciais garantias de defesa que, por essa razão, são merecedoras de consagração constitucional.

     Do nº 1 dessa norma constitucional resulta que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa; mas, como refere a Ex.ma PGA no douto parecer que elaborou, foi decidido no ac. nº 171/2005, Proc. Nº 764/2004, de 31 de Março de 2005, da 2ª Secção do Tribunal Constitucional, que «… não viola o princípio das garantias de defesa a circunstância de a lei processual penal outorgar ao juiz, no exercício de um poder de direcção e controlo do processo, a faculdade de rejeitar diligências probatórias requeridas pelo arguido e tidas por manifestamente irrelevantes, inadequadas ou dilatórias …». No nosso caso, para além de os elementos a solicitar ao CH se adivinharem de interesse nulo ou reduzido, atentos os fins em causa, inexistem fundados motivos que façam suspeitar da inimputabilidade total ou parcial do arguido. Por isso, não ocorre o despacho impugnado em qualquer vício, seja na vertente de nulidade, por omissão de diligências essenciais – artº 120º, 2, d), CPP (elas não são essenciais!), seja por erro de julgamento.

Termos em que se acorda nesta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando, assim, a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 3 UC’s.

Coimbra, 23 de Setembro de 2015

(Jorge França - relator)

(Cacilda Sena - adjunta)