Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
108/15.8GBTCS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: PENA DE SUBSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 01/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (INSTÂNCIA LOCAL DE TRANCOSO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 43.º, 44.º, 45.º, 46.º, 50.º E 58.º, DO CP
Sumário: I - Por baixo de uma aparente multiplicidade e diversidade de critérios legais na escolha da substituição da pena de prisão, que consegue divisar-se um critério ou cláusula geral de substituição da pena de prisão: são finalidades exclusivamente preventivas, não de compensação da culpa, que justificam e impõem a preferência por uma pena de substituição e sua efectiva aplicação.
II - O sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência da norma jurídico-penal violada pelos arguidos, numa situação como esta - em que são frequentes os crimes de furto qualificado e em que os arguidos têm as condenações penais que se descrevem -, ficaria afectado pela substituição da pena de prisão por uma simples pena de multa de substituição, pelo que também as exigências de prevenção geral desaconselham a pretensão dos ora recorrentes.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

 Relatório

Pela Comarca da Guarda - Instância Local de Trancoso, Secção de Competência Genérica, Juiz 1 -, sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento, em processo sumário, ao abrigo do art.16.°, n.º 3 do Código de Processo Penal, os arguidos

A... , solteiro, vendedor ambulante, nascido em 10/04/1984, natural da freguesia e concelho do Entroncamento, filho de (...) e de (...) , residente em (...) Póvoa da Isenta;

B... , solteira, vendedora ambulante, nascida em 08/05/1953, natural da freguesia e concelho do Entroncamento, filha de (...) e de (...) , residente em (...) Póvoa da Isenta;

C... , solteira, vendedora ambulante, nascida em 05/12/1991, natural da freguesia e concelho de Vila Franca de Xira, filha de (...) e de (...) , residente em (...) Póvoa da Isenta; e

D... , solteira, vendedora ambulante, nascida em 09/11/1987, natural da freguesia e concelho do Entroncamento, filha de (...) e de B.... e em (...) Póvoa da Isenta,

imputando-se-lhes a prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.°, n.º 1 e 204.°, n.º 2, al. e) por referência ao art.202.°, al. d) do Cód. Penal.

Realizada a audiência de julgamento – no decurso da qual se comunicou aos arguidos uma alteração dos factos constantes da acusação pública –, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 7 de Agosto de 2015, decidiu julgar parcialmente provada e procedente a acusação pública e, em consequência:

- Condenar o arguido A... na pena de 8 (oito) meses de prisão, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 14.°, 26.°, 28.°, 203.°. n.º 1 e 204.°, n.º 1, al. f). todos do Cód. Penal:

- Condenar a arguida B.... na pena de 10 (dez) meses de prisão, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 14.°, 26.°, 203.°, n.º 1 e 204.°, n.º 1, al. f), todos do Cód. Penal:

- Condenar a arguida C... na pena de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de 7.00€ ( sete euros), pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 14.°, 26.°, 203.°, n.º 1 e 204.°, n.º 1, al. f), todos do Cód. Penal;

- Condenar a arguida D... na pena de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, pela prática, à taxa diária de 5.00€ ( cinco euros), em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 14 °, 26.°, 203.°. n.° 1 e 204.°. n º 1, al. f), todos do Cód. Penal;

- Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido A... pelo período de 1 (um) ano;

- Suspender a execução da pena de prisão aplicada à arguida B.... pelo período de 1 (um) ano, subordinando a suspensão a regime de prova a implementar pela DGRSP, que deverá contemplar, entre o mais, o acompanhamento da arguida e a consciencialização da mesma acerca do desvalor das suas condutas e da necessidade de orientar a sua vida em conformidade com o direito.

Inconformado com a douta sentença dela interpuseram recurso os arguidos A... e B.... , concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1 - Tendo os arguidos acusados da prática em co-autoria e na forma consumada de um crime furto qualificado p. e p. art°. 203.° n.º 1, 204.° n°2 al. e), com referência ao art.° 202.° al. d) todos do Código Penal, realizada que foi a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou parcialmente provada e procedente a acusação pública, e em consequência, condenou o arguido A... , pela prática, em co-autoria material e na forma consumada de um crime furto qualificado p. e p. pelos artigos 14.°, 26.°, 28.°, 203.° n.º 1 e 204 n.º 1 al. f) todos do Código Penal, na pena 8 (oito) meses de prisão de suspensa na sua execução pelo período de um ano e a arguida B.... , pela prática, em co-autoria material e na forma consumada de um crime furto qualificado p. e p. pelos artigos 14.°, 26.°, 28.°, 203.° n.º 1 e 204 n.º 1 al. f) todos do Código Penal na pena de 10 (dez) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano, subordinando a suspensão a regime de prova a implementar pela DGRSP.

2 - As penas de prisão aplicadas aos arguidos ora recorrentes foram suspensas na sua execução, porquanto entendeu o Meritíssimo Juiz a quo que, relativamente ao arguido A... este apenas foi condenado em Portugal pela prática de crimes de condução sem habilitação legal e nunca antes lhe foi aplicada por nenhum tribunal nacional uma pena privativa da liberdade, não podendo menosprezar-se as circunstâncias de a última condenação que sofreu ( em Espanha) remontar a 2012, de ter dois filhos menores para sustentar e acompanhar e de a sua companheira ser doméstica ( necessitando o agregado dos proventos do seu trabalho para assegurar uma subsistência condigna), sendo que em face da factualidade objectiva apurada não é de excluir um prognóstico favorável à ressocialização daquele, mediante a mera ameaça do cumprimento efectivo de uma pena de prisão.

3 - E suspendeu igualmente o Meritíssimo Juiz a quo a pena de prisão de dez meses aplicada á arguida B.... , pois entendeu que a mesma conta 62 anos de idade, que apenas consta do seu registo criminal uma condenação (transitada em 2014), que decorreram cinco anos desde a prática dos últimos factos por que foi condenada e que estes não eram da mesma natureza dos presentes (embora também assumam gravidade), pelo que atentas as circunstâncias que antecedem, não se mostra irremediavelmente comprometida a realização das finalidades da punição mediante a suspensão da execução da execução da pena de prisão ora aplicada à arguida.”

4 - Numa palavra, entendeu e bem o Meritíssimo Juiz a quo que a execução da prisão não era exigível pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, pelo que a excepção contida no art.° 43.° do Código Penal não tem no caso aqui em apreço, e no que respeita a estes dois arguidos aqui recorrentes qualquer aplicação.

5 - Determina o artigo 43.° do C.P. sob a epígrafe “ Substituição da pena de prisão” que 1. A pena de prisão em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.”

6 - Deste normativo resulta claro que a substituição da pena de prisão em medida inferior a um ano por pena de multa ou outra pena de substituição, não é uma faculdade/opção, mas sim uma consequência que resulta da letra da lei, pelo que teria obrigatoriamente o Meritíssimo Juiz a quo que proceder à substituição das mesmas, o que não fez.

7 - Ao não ter procedido á substituição das penas de prisão aplicadas em medida inferior a um ano por penas de multa, violou o Meritíssimo Juiz a quo o disposto no art.° 43.° n.º do Código Penal.

8 - Assim sendo, e por tudo o que vem de expor, deverá ser a sentença ora posta em crise revogada no que respeita à aplicação das penas de prisão de 8 e 10 meses, respectivamente, aos arguidos A... e B.... , devendo estas serem substituídas por penas de multa nos termos e de acordo com o consignado no art.° 43.° 1.° do Código Penal e de acordo com o disposto no art.° 47.° do mesmo Código.

Termos em que deve o presente recurso ser considerado procedente por devidamente fundamentado e provado, e em consequência ser revogada a aplicação das penas de oito e dez meses de prisão aos arguidos A... e B.... , e serem as mesmas substituídas por pena de multa nos termos e de acordo com o disposto no art.° 43.° n.° 1 e 47.° do Código Penal.

O Ministério Público na Comarca da Guarda, Instância Local de Trancoso, respondeu ao recurso interposto pelos arguidos, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção integral da douta sentença recorrida.

            O Ex.mo Magistrado do Ministério Público neste Tribunal da Relação emitiu parecer  no sentido de que deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelos arguidos.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P., não tendo os arguidos respondido ao douto parecer.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

            A matéria de facto apurada e respectiva motivação constantes da sentença recorrida é  a seguinte:

Factos provados:

1. Em hora não concretamente apurada, entre as 09:00 e as 09:30 horas do dia 04 de Agosto de 2015, os arguidos A... . B.... . C... e D... , na sequência de decisão anterior, dirigiram-se à casa de habitação de E... , sita no (...) , na localidade de Rio de Mel, concelho de Trancoso, com o propósito de na mesma se introduzirem e daí retirarem, fazendo seus. objectos e valores que aí encontrassem.

2. Para o efeito, os arguidos deslocaram-se na viatura de marca Mitsubishi, modelo Space Star, cor cinza, matrícula (...) NP, conduzida pelo arguido A... .

3. E enquanto A... ficou no carro à espera, as arguidas B.... , C... e D...             abriram o portão da entrada,  dirigiram-se à porta da casa de habitação e, por meio não concretamente apurado, empurram    a porta, introduzindo-se no interior da dita habitação, sem o consentimento c contra a vontade do seu legítimo proprietário.

4. No interior da habitação, as arguidas dirigiram-se ao quarto do ofendido E... , abrindo e remexendo os móveis que aí se encontravam.

5. Do interior de uma gaveta da cómoda, as arguidas retiraram:

- €2.520.00 (dois mil. quinhentos e vinte euros) em notas do banco central europeu:

- uma pulseira em ouro. com 17.6gr. no valor de €299.20;

- uma aliança em ouro branco, com 2,4gr, no valor de €40.80:

- uma aliança em ouro, com 5.4gr. no valor de €91.80;

- um anel em ouro, com 1,7gr. no valor de €28.90;

- um anel em ouro, com 5,6gr. no valor de €93.50;

- uma aliança em ouro, com 3,8gr, no valor de €64.60.

- um fio em ouro com crucifixo, com 9.43gr. no valor de €158.10;

- uma pulseira de metal, com 6.8gr. sem qualquer valor comercial;

- dois botões de punho em prata, com 4.8gr. no valor de €1.44;

- um travessão de gravata em prata, com 6.5gr. no valor de €1.95.

o que perfaz o valor total de €3.300.29 (três mil e trezentos euros e vinte e nove cêntimos).

6. De seguida, dirigiram-se à carrinha em que se encontrava o arguido A... e. conduzidas por este. ausentaram-se de imediato do local, dirigindo-se para Trancoso, pela E.N. n.º 226.

7. Porque o Posto da GNR de Trancoso havia sido contactado com a informação de que a carrinha identificada em 2. se encontrava parada no (...) e era suspeita, a patrulha da GNR deslocou-se para Rio de Mel.

8. Vindo a interceptar a aludida viatura durante o percurso e iniciando perseguição à mesma.

9. No Alto do Marvão. ao km 79.600 da EN 226. sentido Rio de Mel-Trancoso. um dos arguidos, cuja identidade não foi possível apurar, arremessou um saco pela janela da carrinha para o exterior, enquanto esta continuava a marcha em direcção a Trancoso.

10. O saco mencionado em 9. veio a ser apreendido, contendo no seu interior os objectos mencionados em 5..

11. Ao actuarem da forma descrita, por comum acordo e em comunhão de esforços e intentos, os arguidos pretendiam integrar na sua esfera patrimonial a quantia e os objectos acima descritos, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que agiam sem o consentimento e contra a vontade do respectivo proprietário.

12. Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Mais se apurou que:

13. E... recuperou todos os objectos mencionados em 5..na sequência da apreensão levada a cabo pela GNR.

O arguido A... :

14. Regista no seu certificado de registo criminal duas condenações sofridas cm Espanha, transitadas em julgado em 2004 e 2012, a última das quais numa pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução.

15. Por sentença proferida no processo n.º 382/04.5GBTNV e transitada em julgado em 12/11/2004, o arguido foi condenado na pena de 90 dias de multa pela prática, em 27/10/2004, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.° 3.°. n.° 1 e 2 do DL n.° 2/98. de 03/01.

16. Por sentença proferida no processo n.º 155/05.8PTSTR e transitada em julgado em 18/01/2006, o arguido foi condenado na pena de 120 dias de multa pela prática, em 23/11/2005, de um crime de condução sem habilitação legal. p. e p. pelo art.0 3.° do DL n.° 2/98, de 03/01.

17. Por sentença proferida no processo n.º 74/05.8PBTMR e transitada em julgado em 30/04/2010, o arguido foi condenado na pena de 200 dias de multa pela prática, em 11/02/2005, de um crime de condução sem habilitação legal. p. e p. pelo art.° 3.° do DL n.° 2/98, de 03/01.

18. É vendedor ambulante de vestuário, auferindo como contrapartida dessa actividade rendimento médio mensal não concretamente apurado.

19. Vive com a companheira e dois filhos menores, de 6 e 10 anos de idade, em casa de familiar a quem não paga renda.

20. A companheira do arguido é doméstica e recebe rendimento social de inserção em montante não concretamente apurado.

21. O agregado tem como despesas extraordinárias as deslocações efectuadas para levar o filho menor às consultas de fisioterapia.

22. O arguido tem como habilitações literárias o 4.° ano de escolaridade.

A arguida B.... :

23. Por acórdão proferido no processo n.º 10/08.0GALRS e transitado em julgado em 23/06/2014, a arguida B.... foi condenada na pena única de 2 anos e 3 meses, suspensa por igual período, com regime de prova, pela prática, em 25/03/2010. de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.0 86.°. n.º 1. al. c) e d) da Lei 5/2006. de 23/02 e pela prática, em Abril de 2008, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 21.°, n.º 1 e 25.°, al. a) do DL n.º 15/93. de 22/01.24. É vendedora ambulante de vestuário, auferindo como contrapartida dessa actividade um rendimento diário que oscila entre aproximadamente €75.00 e €150.00.

25. Vive com o companheiro em casa própria, que se encontra integralmente paga.

26. O companheiro da arguida está reformado e aufere uma pensão de reforma de aproximadamente €250.00.

27. A arguida nunca frequentou a escola.

A arguida C... :

28. Não tem antecedentes criminais.

29. É vendedora ambulante de vestuário, auferindo como contrapartida dessa actividade um rendimento diário não concretamente apurado, que oscila entre os €20.00 e os €100.00.

30. Vive com o companheiro e uma filha menor, de 3 anos de idade, em casa de familiar a quem não paga renda.

31. O companheiro da arguida é vendedor ambulante e tem um rendimento médio mensal semelhante ao seu.

32. É proprietária da carrinha em que os arguidos se faziam transportar na data dos factos, adquirida há cerca de 8 meses, a pronto pagamento.

33. Tem como habilitações literárias o 5.° ano de escolaridade.

A arguida D... :

34. Não tem antecedentes criminais.

35. É vendedora ambulante, auferindo rendimento não concretamente apurado como contrapartida do seu trabalho.

36. Vive com o companheiro e três filhos menores, de 5, 6 e 8 anos de idade, encontrando-se grávida.

37. O companheiro da arguida vende gado à comissão, auferindo rendimento mensal não concretamente apurado.

38. A casa onde vivem é de um familiar a quem não pagam renda.

39. Têm como rendimento fixo o abono de família dos menores, no valor de €101.00.

40. Até Julho de 2015, a arguida recebia a quantia mensal de €400. a título de rendimento social de inserção, cujo pagamento lhe foi suspenso por ter faltado a um curso que frequentava.

Factos não provados:

Não ficaram por provar quaisquer factos com relevo para a decisão a proferir.

Motivação:

A convicção do tribunal fundou-se na apreciação crítica de toda a prova produzida em audiência de julgamento, à luz das regras da experiência (art.° 127.° do C.P.P.), sendo que em sede documental foram tidos em consideração, designadamente, o auto de notícia de fls. 3 a 6, o auto de apreensão de fls. 23, o auto de exame directo de fls. 24, o auto de reconhecimento de objectos de fls. 35 e 36, a guia de entrega de fls. 37, os documentos (fotografias) de fls. 42 e ss., o documento emitido pelo Centro de Saúde de Trancoso que a arguida B.... juntou aos autos na audiência de julgamento e os certificados de registo criminal dos arguidos.

Foram ainda tidos em consideração os depoimentos das testemunhas E... . F... , G... , H... e J... , os quais se mostraram circunstanciados e foram prestados de forma que se afigurou lógica, isenta e genuína, merecendo a credibilidade do Tribunal não só por isso. mas também por. no essencial, terem sido convergentes entre si e corroborados por outros elementos probatórios, conforme adiante melhor se explicitará.

Os arguidos prestaram declarações que se revelaram destituídas de lógica e comprometidas com a posição processual que ocupam, sendo contraditórias entre si quanto à própria sucessão de acontecimentos que relataram, não corroboradas por qualquer outro elemento probatório e colidentes com a prova testemunhal produzida na audiência de julgamento.

Concretizando.

No que tange aos factos constantes da acusação pública, o tribunal deparou-se com duas versões opostas: por um lado, embora tenham confirmado que na data dos factos seguiam todos na viatura de marca Mitsubishi, Space Star, de matrícula (...) NP, os arguidos negaram a entrada na casa de habitação do ofendido, bem como a subtracção do dinheiro e dos bens descritos na acusação pública, na execução de um plano previamente delineado entre todos; por outro lado, resultou da concatenação entre a prova testemunhal arrolada pelo Ministério Público que as arguidas se apearam junto a casa do ofendido enquanto o arguido permanecia no interior da viatura, à espera delas, que após serem perseguidos pela GNR os arguidos arremessaram pela janela os bens subtraídos em casa do ofendido e foram eles as pessoas que levaram a cabo tal subtracção.

A segunda das versões foi aquela que mereceu a credibilidade do Tribunal, pelos motivos sobreditos.

Com efeito, a testemunha F... afirmou que pelas 09:30 horas viu uma carrinha Mitsubishi cinzenta estacionada junto ao (...) , no interior da qual se encontrava unicamente o arguido, explicando que tal viatura lhe pareceu suspeita (por estar com a mala aberta, haver notícia recente de furtos a habitações na povoação e não lhe ser familiar a pessoa do arguido, apesar de ser o Presidente da Junta de Freguesia e conhecer grande parte da população residente) e. por esse motivo, decidiu anotar a matrícula da mesma e ligar para o Posto da GNR de Trancoso a dar conta dessa suspeita.

Acrescentou esta testemunha que após contactar a GNR se ausentou do local e que. passados uns minutos, quando acabava de abastecer a sua viatura, viu surgir novamente a carrinha, vinda da direcção onde a vira estacionada e a entrar na EN 226. no sentido Rio de Mel - Trancoso.

Referiu ainda que ao entrar na EN 226 a carrinha em causa parou por uns instantes para que uma das suas ocupantes saísse e fosse fechar a mala e explicou que quando aquela viatura retomou a marcha seguiu com a sua própria viatura atrás dela (por ir para um terreno que ficava na direcção em que aquela seguia), pela EN 226, explicando que nunca a perdeu de vista até que a GNR apareceu (vinda em sentido contrário), inverteu a marcha e passou a seguir no seu encalço.

O depoimento prestado por esta testemunha foi corroborado pelos depoimentos dos militares da GNR G... e H... , que explicaram que estavam de patrulha às ocorrências quando foram contactados pelo Posto de Trancoso e foram informados de que em Rio de Mel tinha sido avistada uma carrinha suspeita, de marca Mitsubishi e cor cinzenta, com a matrícula (...) NP. dizendo que por esse motivo se dirigiram para a localidade e vieram a cruzar-se com a viatura que lhes havia sido referida, na EN 226. à saída da localidade, já com a mala fechada, razão pela qual inverteram o sentido de marcha e iniciaram uma perseguição à mesma.

Para além das circunstâncias em que a GNR acorreu ao local terem resultado esclarecidas mediante a concatenação dos depoimentos que antecedem, é de notar que o depoimento da testemunha F... logra parcial corroboração nas declarações dos arguidos A... . C... e D... , que também disseram ao tribunal que após entrarem na estrada foram avisados pelos ocupantes de "um veículo escuro com um radar" que tinham a mala aberta, que em virtude desse aviso o arguido A... parou a carrinha e a arguida C... saiu e fechou a mala. e ainda que foi depois disso que viram a viatura policial a vir em sentido contrário, a inverter a marcha e posteriormente a seguir atrás de si e a dar-lhes sinal de paragem, a que obedeceram.

Pese embora a testemunha F... tenha explicado que após a perseguição da GNR à carrinha deixou de a seguir e já não viu qualquer objecto ser arremessado do seu interior, os militares da GNR foram peremptórios quando afirmaram que quando seguiam no encalço da viatura, junto ao Alto do Marvão. viram ser arremessado um objecto por uma janela do lado direito da carrinha, que mais tarde vieram a apreender e a constatar tratar-se de um saco, em pano, às cores.

Embora o I. mandatário dos arguidos tenha manifestado estranheza pelo facto de os agentes não terem parado imediatamente para apreenderem o objecto que tinham acabado de ver ser arremessado pela janela da carrinha, estes explicaram que na altura não conseguiram perceber do que tratava e continuaram a perseguição para não perderem de vista a viatura, sendo que tal explicação pareceu ao tribunal perfeitamente lógica, dado que naquele momento, segundo foi explicado, ainda não tinha sido comunicada a existência do furto de um saco com dinheiro e ouro na casa do ofendido e o arremesso de um objecto podia tratar-se de uma “manobra de diversão" da polícia, aquele objecto podia ser lixo ou qualquer outra coisa sem interesse para a investigação criminal e. por isso mesmo, era natural que a prioridade da GNR fosse interceptar e identificar os suspeitos e não parar para apanhar o objecto arremessado.

Volvendo ao objecto arremessado, as testemunhas da GNR explicaram que no interior do mencionado saco se encontravam o dinheiro e os objectos em ouro discriminados no auto de apreensão de fls. 23. não se suscitando dúvidas ao tribunal de que quer o saco. quer o seu conteúdo foram retirados do interior da casa de habitação do ofendido, na medida em que este. E... , afirmou espontaneamente que quando se apercebeu de que alguém teria entrado na sua casa foi à gaveta da cómoda e viu que tinha sido retirado do interior da mesma "um saco em pano às cores” com dinheiro e. bem assim, vários objectos em ouro. que também se encontravam no quarto.

Ora, se das declarações do ofendido resultou que alguém lhe entrou em casa na manhã do dia 4 de Agosto e levou consigo um saco com dinheiro e ouro que lhe pertenciam sem o seu consentimento e contra a sua vontade, se os arguidos mencionaram que vieram só os quatro de Celorico da Beira na carrinha e sempre foi o arguido A... quem conduziu c se da articulação entre os depoimentos das testemunhas F... . G... e H... resultou que a primeira viu a carrinha em que seguiam os arguidos estacionada a cerca de 20 ou 30 metros de casa do ofendido com um indivíduo do sexo masculino ao volante quando ligou à GNR de Trancoso a dar conta da suspeita que lhe suscitava a mesma, que passados escassos minutos voltou a ver a mesma carrinha, provinda da direcção de casa do ofendido e já "cheia” e que as segunda e terceiras testemunhas apareceram entretanto, passando a perseguir a viatura e nunca a perdendo de vista até que. depois do arremesso do saco subtraído em casa do ofendido, veio a interceptá-la. verificando que no seu interior se encontravam todos os arguidos, não resta outra conclusão ao tribunal senão a de que foram as arguidas que entraram na casa do ofendido e subtraíram os objectos que vieram a ser apreendidos.

Não obstante a testemunha F... tenha afirmado que se encontrava um ocupante do sexo masculino no lugar do condutor da carrinha quando esta se encontrava estacionada junto ao (...) , considerando que pelos arguidos foi admitido que sempre foi o arguido A... a conduzir a carrinha e valorando a demais factualidade à luz das regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, o tribunal convenceu-se de que aquele também teve participação no plano conjunto de se dirigirem a casa do ofendido e daí retirarem os objectos e valores que encontrassem, sendo que segundo os dados objectivos apurados, a sua participação na execução desse plano se traduziria em conduzir o veículo, sendo absolutamente essencial para o sucesso do mesmo.

Após a explanação da formação da convicção do tribunal quanto à factualidade sobredita, resta clarificar as razões pelas quais as declarações dos arguidos não foram consideradas dignas de crédito e não suscitaram quaisquer dúvidas sobre a autoria dos factos pelos arguidos, apesar de todos estes a terem negado.

Desde logo, como acima se mencionou, as declarações do arguido A... foram contraditórias com as declarações das arguidas C... e D... quanto à circunstância de a carrinha em que seguiam ter chegado a parar ou não na povoação, sendo que aquele disse que nunca chegaram a parar e que não tinha nenhuma explicação para o facto de a mala da carrinha ir aberta, enquanto estas referiram que pararam, que a arguida C... saiu. abriu a mala e se preparava para retirar a roupa que traziam e iniciar a venda, quando a arguida B.... se sentiu mal e decidiram ir rapidamente com ela ao Centro de Saúde, sendo a aflição com o estado de saúde da mesma o motivo pelo qual não chegaram a fechar a mala.

Para além de contraditórias, as declarações do arguido A... mostraram-se destituídas de qualquer plausibilidade, designadamente na parte em que mencionou que não se tinha apercebido do momento em que a porta da mala da carrinha se abriu e que até já podia vir aberta de Celorico da Beira, tanto mais que a arguida C... mencionou que tal porta abre para cima e estava toda aberta (como também afirmado pela testemunha F... disse), não sendo minimamente plausível que num percurso entre Celorico da Beira e Trancoso, superior a 20 minutos, nenhum dos ocupantes se tivesse apercebido da circunstância de a mala estar aberta.

Acresce que a arguida B.... afirmou que seguiu desmaiada e não se apercebeu da intercepção do veículo pelos militares, quando estes disseram que esta estava consciente e falou, apesar de estar visivelmente aflita, fazendo-o de forma muito mais espontânea e credível do que aquela.

Depois, os arguidos confirmaram que se tinham deslocado ao interior de uma povoação e que depois de se cruzarem com uma viatura da GNR esta inverteu o sentido de marcha, seguiu atrás da carrinha em que se transportavam e depois lhes fez sinal de paragem, sendo que só perante a veracidade do declarado pela testemunha F... quanto ao facto de ter apontado a matrícula da carrinha e de ter ligado para a GNR de Trancoso se explica a manobra levada a cabo pelos agentes da autoridade, tanto mais que todos uniformemente declararam que no momento em que a viatura policial e a carrinha Mitsubishi se cruzaram esta já não seguia com a mala aberta.

Mais se diga que, ao contrário do que sucedeu com as demais testemunhas inquiridas, as declarações dos arguidos não lograram corroboração em quaisquer outros meios de prova, sendo de referir que as circunstâncias de resultar do documento médico junto na audiência de julgamento que a arguida B.... deu entrada no Centro de Saúde de Trancoso pelas 09:53 horas e de resultar do auto de notícia de tis. 3 e ss. que apenas pelas 09:55 horas foi comunicado à patrulha que se encontrava estacionada cm Rio de Mel a viatura com a matrícula (...) NP não têm a virtualidade de retirar credibilidade ao declarado e se é certo que as menções do auto se presumem verdadeiras se não forem fundadamente postas em causa (art.° 169.° do CPP), no caso em apreço, o próprio autuante, a testemunha G... , referiu que não podia afirmar com certeza absoluta que a hora da chamada fosse exactamente a que indicou, até porque receberam a comunicação via rádio e por essa via não ficava registada a hora da chamada.

Acresce ainda que embora nenhuma das pessoas inquiridas tenha sabido precisar as horas a que a carrinha parou ou se tomou conhecimento dos factos, todas as declarações são compatíveis com a hora da prática dos factos entre as 09:00 horas e as 09:30 horas e com a entrada da arguida B.... no Centro de Saúde pelas 09:53horas, já que foi uniformemente mencionado que o tempo de viagem de Rio de Mel a Trancoso é de 10 minutos.

Finalmente, importa mencionar que não deixaram de se considerar credíveis os depoimentos do ofendido e dos agentes da GNR pelo facto de aquele ter dito que logo que se apercebeu que lhe entraram em casa (pelas 09:30 horas) foi ter com o sobrinho F... e este ligou para a GNR e do auto de notícia constar que o segundo telefonema foi efectuado pelas 11:54 horas, na medida em que o ofendido tem 84 anos de idade e é compreensível que não tenha sabido recordar com exactidão o tempo dos factos, sendo que a testemunha F... referiu que depois das 09:30 horas ainda foi a um terreno e só passada uma hora. aproximadamente, é que regressou a Rio de Mel e foi abordado pelo tio. De resto, o depoimento de F... também é compatível com aquilo que G... fez constar do auto e que também aqui disse não estar exacto (desde logo por não ter sido contactada directamente a patrulha, mas antes o Posto de Trancoso), embora tivesse sido cerca das 11:54 horas que lhe foi comunicada a ocorrência do furto em casa do ofendido - razão pela qual regressou a Rio de Mel na companhia de H... , parando no Alto do Marvão. por ter sido ali que viram ser arremessado um saco do interior da carrinha em que seguiam os arguidos.

No que tange à forma como as arguidas lograram introduzir-se na casa de habitação do ofendido, valoraram-se conjugadamente os depoimentos deste e das testemunhas G... . H... e J... .

O ofendido, também em virtude da sua idade avançada, não soube concretizar os indícios através dos quais afirmava que os autores dos factos tinham “forçado” a porta da casa para entrarem e disse que a porta se encontrava fechada à chave quando chegou.

Embora os militares da GNR tenham referido que se aperceberam de “indícios dc arrombamento" não foram precisos acerca destes, sendo que a testemunha que prestou um depoimento mais circunstanciado sobre este facto foi J... , do NIC de Pinhel, que esclareceu que quando se deslocou a casa de E... este lhe disse que ao chegar a casa se deparou com o portão aberto e apesar de ter visto que lhe entraram em casa não sabia como o tinham feito, até porque a porta estava fechada à chave. Mais afirmou que como viram a fechadura amolgada "para dentro" na zona do trinco, fizeram a experiência de empurrar a porta fechada com uma volta e verificaram que a mesma abria e fechava com um mero empurrão, pelo que concluíram que foi por essa via c não pela utilização de chaves falsas (como o ofendido chegou a equacionar) que os agentes do furto se introduziram no interior da residência.

Na medida em que por todas as testemunhas foi confirmado que a porta de casa do ofendido é em madeira antiga (cf. fls. 42 e ss.), que a fechadura também é antiga e que não eram evidentes os sinais de que a fechadura tivesse sido amolgada na data dos factos, o tribunal não logrou apurar se foram ou não as arguidas a amolgar a fechadura da porta na zona do trinco ou se estas apenas se aproveitaram desta situação e se limitaram a empurrar a porta para se introduzirem na habitação, tanto mais que. como vimos, a testemunha J... disse que o ofendido chegou a equacionar a possibilidade de terem entrado em sua casa por terem as chaves e se a fechadura da porta apresentasse alterações/danificações recentes na zona da fechadura seria normal que as tivesse detectado quando tentou apurar por onde se deu a introdução.

Assim, o tribunal não se convenceu, para além de qualquer dúvida razoável, de que as arguidas tenham forçado a abertura da porta, mas unicamente que a empurraram para entrar.

Em face do que antecede, deram-se como provados os factos n.°1 a 10 e 13.

No que tange ao facto n.º 5, apenas cumpre acrescentar, por um lado, que as testemunhas da GNR explicaram que a pesagem e avaliação dos objectos foi feita com o auxílio de um ourives e com base nas tabelas de preços de ourivesaria, e, por outro lado. que a quantia apreendida e posteriormente entregue ao ofendido não ascendia ao montante de €2.500.00. mas de €2.520.00 conforme resultou da concatenação entre os depoimentos das testemunhas E... e G... (que afirmaram que foi devolvido àquele tudo aquilo que se encontrava apreendido) e os autos de apreensão, de reconhecimento e a guia de entrega de tis. 23. 35 e 36 e 37. respectivamente (dos quais resulta que foram apreendidas 47 notas de €50.00. 2 de €20,00 e 13 de €10.00. num total de €2.520,00).

Apreciando a factualidade objectiva que resultou provada à luz das regras da experiência comum, deram-se como provados os factos n.° 11 e 12. sendo natural que quem se introduz sem autorização e contra a vontade do proprietário numa casa de habitação e dela retira objectos que leva consigo pretende integrá-los na sua esfera patrimonial, sabendo que a sua conduta é proibida e criminalmente punida.

As condições pessoais e económicas dos arguidos que resultaram provadas foram aquelas que os mesmos relataram e se mostraram coerentes entre si e plausíveis (factos n.°18 a 22, 24 a 27 e 35 a 40).

Por fim, a prova dos antecedentes criminais ou da sua ausência dos mesmos (factos n.ºs 14 a 17, 23, 28 e 34) extraiu-se dos CRC dos arguidos que se encontram juntos aos autos a fis. 56 ess..
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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. (Cfr., entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1]e de 24-3-1999 [2]e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do arguidos a questão a decidir é a seguinte:

- se a aplicação das penas de 8 e 10 meses de prisão aos arguidos A... e B.... , deveriam ter-lhes sido substituídas, não por suspensão de execução da prisão, mas por pena de multa nos termos e de acordo com o disposto nos artigos 43.°, n.° 1 e 47.°, do Código Penal.


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            Passemos ao conhecimento da questão

Os recorrentes A... e B.... defendem que o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 43.°, n.º 1 e 47.°, do Código Penal ao não haver substituído aos penas de 8 e 10 meses de prisão que lhes foram aplicadas, alegando para o efeito, no essencial o seguinte:

- A pena de 8 meses de prisão aplicada ao arguido A...   foi suspensa na sua execução, porquanto entendeu o Tribunal a quo que o arguido foi condenado em Portugal apenas pela prática de crimes de condução sem habilitação legal e nunca antes lhe foi aplicada por nenhum tribunal nacional uma pena privativa da liberdade, não podendo menosprezar-se as circunstâncias de a última condenação que sofreu ( em Espanha) remontar a 2012, de ter dois filhos menores para sustentar e acompanhar e de a sua companheira ser doméstica ( necessitando o agregado dos proventos do seu trabalho para assegurar uma subsistência condigna), sendo que em face da factualidade objectiva apurada não é de excluir um prognóstico favorável à ressocialização daquele, mediante a mera ameaça do cumprimento efectivo de uma pena de prisão.

- O Tribunal a quo suspendeu igualmente a pena de prisão de 10 meses aplicada á arguida B.... , por entender que conta 62 anos de idade, que apenas consta do seu registo criminal uma condenação (transitada em 2014), que decorreram cinco anos desde a prática dos últimos factos por que foi condenada e que estes não eram da mesma natureza dos presentes ( embora também assumam gravidade), pelo que atentas estas circunstâncias, não se mostra irremediavelmente comprometida a realização das finalidades da punição mediante a suspensão da execução da execução da pena de prisão ora aplicada à arguida.”

- Entendeu assim o Tribunal a quo que a execução da prisão não era exigível pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes;

- O art.43.° , n.º1 do C.P. , determina que “A pena de prisão em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.”, pelo que a substituição da pena de prisão em medida inferior a um ano por pena de multa ou outra pena de substituição, não é uma faculdade / opção, mas sim uma consequência que resulta da letra da lei;

- No caso, tendo o Tribunal a quo entendido que a execução da prisão não era exigível pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes a excepção contida no art.43.° do Código Penal não tem aplicação aos dois arguidos/recorrentes;

- Assim, ao não ter procedido á substituição das penas de prisão aplicadas em medida inferior a um ano por penas de multa, violou o Meritíssimo Juiz a quo o disposto no art.° 43.° n.°do Código Penal.

Vejamos se assim é.

Como regra, na abordagem da pena a aplicar deve o Tribunal atender, num primeiro momento, à escolha da pena dentre as penas principais enunciadas no tipo penal ( art.70.º do C.P.), devendo o tribunal dar preferência à segunda « sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».

As finalidades da punição são, de acordo com o art.40.º , n.º 1 do Código Penal « a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade».

A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na  tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal ( prevenção geral positiva ou de integração).

A reintegração do agente na sociedade está ligada, por sua vez, à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes que reincida.

Escolhida a pena principal, entre a pena de prisão ou a pena de multa, segue-se a determinação da concreta medida da pena em face do critério estabelecido no art.71.º do Código Penal.

Para além das chamadas penas principais legalmente previstas para os crimes constantes da Parte Especial do Código Penal (pena privativa da liberdade ou pena de prisão e pena pecuniária ou pena de multa), prevê ainda o mesmo Código as chamadas penas de substituição.

Tendo o juiz optado pela pena principal de prisão e determinada a sua medida concreta, a operação seguinte é verificar se pode ser objecto de substituição, em sentido próprio ou impróprio, e respectiva medida.

As penas de substituição são penas concretamente aplicadas em vez das penas principais legalmente previstas para os crimes na parte especial do Código Penal, máxime das penas de prisão.

As penas de substituição devem ser qualificadas como verdadeiras penas autónomas, tendo cada tipo de pena de substituição o seu próprio conteúdo político-criminal e, em consequência, um regime em larga medida individualizado. 

O Código Penal de 1982 deu uma grande prevalência às penas não detentivas, consignado logo no seu preâmbulo que « O Código traça um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem sempre ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador.» ( n.º 7).

Assumindo-se claramente contra a aplicação de penas curtas de prisão, pois é « nas medidas não detentivas que se depositam as melhores esperanças» ( n.º 10 do Preâmbulo», acrescenta-se, no mesmo preâmbulo que entre essas medidas se encontra « um regime muito aberto de substituição da prisão por multa ( art.43.º», sempre com a finalidade « de furtar o delinquente à contaminação do meio prisional e, por outro lado, impedir que a privação da liberdade interrompa por completo as suas relações sociais e profissionais (…) salvo se o cumprimento da prisão se entender necessário para prevenção de futuras infracções.» ( n.ºs 9 e 10). 

As sucessivas alterações ao Código Penal de 1982 têm vindo a reforçar a aplicação das penas de substituição da prisão, de modo a evitar o cumprimento de penas de prisão de curto e mesmo já de médio período.

Neste sentido, no âmbito das penas de substituição da prisão, em sentido próprio, encontramos hoje a pena de multa, a que alude o art.43.º do Código Penal e as penas de suspensão de execução da prisão ( art.50.º do C.P.) e de prestação de trabalho a favor da comunidade ( art.58.º do C.P.).

Para além destas penas de substituição, há ainda que contar com penas de substituição detentivas (ou formas especiais de cumprimento da pena de prisão) como o regime de permanência na habitação (art.44.º do C.P.), a prisão por dias livres ( art.45.º do C.P.) e a prisão em regime de semidetenção ( art.46.º do C.P.).

Como meio de obstar, até ao limite, à aplicação de penas de prisão na chamada pequena criminalidade, e hoje mesmo já na média criminalidade, o art.43.º, n.º 1 do Código Penal estabelece que « A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. (…)».

É pacífico que esta pena de multa em substituição da pena de prisão tem uma natureza e um regime diferente, desde logo em caso de incumprimento, da pena de multa aplicada como pena principal, prevista no art.47.º do Código Penal.

Esta regra enunciada no art.43.º, n.º 1 do Código Penal é obrigatória e só admite excepção quando finalidades preventivas exijam a aplicação da pena de prisão, ou seja, a necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes

O Prof. Eduardo Correia defendeu em face da redacção que constava da parte final do art.58.º do Projecto de Código Penal - «A pena de prisão (…), aplicada em medida não superior a seis meses será substituída pelo número de dias de multa correspondentes, salvo quando a execução da prisão seja exigida pela necessidade de prevenir a prática de futuros crimes» - que a ressalva dizia apenas respeito à prevenção geral.[4] Ou seja, só quando razões de prevenção geral a tal obstassem é que a pena de prisão aplicada, em medida não superior a 6 meses, não seria substituída por multa.

Em sentido diferente, o Prof. Figueiredo Dias, que presidiu à Comissão do Código Penal de 1982, defendeu que a excepção, à regra de substituir as penas curtas de prisão por multa ou por outras penas não detentivas tinha a ver, não só com finalidades de prevenção geral, como também de prevenção especial de socialização.

No seu entender, o critério geral que preside à escolha da pena de substituição «é, em toda a sua simplicidade, o seguinte: o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação». A prevenção geral actua aqui na defesa do ordenamento jurídico, único limite às exigências de prevenção especial de sociabilização. «Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias».

Seguindo a lição do Prof. Figueiredo Dias « não existe em abstracto, pelo menos de forma rígida e em via de princípio, uma « hierarquia legal das penas de substituição»; só em concreto ela se dá , isto é, em função das exigências de prevenção especial de socialização que na hipótese se façam sentir e da forma mais adequada de as satisfazer[5]

Em suma, por baixo de uma aparente multiplicidade e diversidade de critérios legais na escolha da substituição da pena de prisão, que consegue divisar-se um critério ou cláusula geral de substituição da pena de prisão: são finalidades exclusivamente preventivas, não de compensação da culpa, que justificam e impõem a preferência por uma pena de substituição e sua efectiva aplicação.

Feitas estas considerações sobre o critério geral de substituição da pena de prisão e em particular sobre a pena de multa de substituição, começamos por realçar que os recorrentes A... e B.... omitem, de forma deliberada, a parte da douta sentença em que o Tribunal a quo indica as razões pelas quais entende que as penas de prisão aplicadas aos mesmo não deveriam ser substituídas por pena de multa e, em seguida, vão buscar à fundamentação da substituição das penas de prisão, por suspensão de execução das mesmas penas, argumentos para concluírem que o Tribunal a quo deveria ter optado por substituir as penas de prisão por penas de multa.

 O Tribunal a quo consignou na douta sentença que « No caso concreto, atenta a gravidade dos factos e o passado criminal dos arguidos A... e B... . o tribunal afasta a substituição da pena de prisão por pena de multa (art.° 43.°. n.º 1 do Cód. Penal) - sendo de observar que o anterior cumprimento de penas pecuniárias por parte do primeiro não foi suficiente para o afastar da prática de crimes e tutelar adequadamente os bens jurídico-penais e também não o será relativamente à arguida B... , já que esta viu ser-lhe suspensa a execução de uma pena privativa da liberdade e, se nem esta suspensão foi determinante para a realização das finalidades da punição, muito menos o será o pagamento de uma quantia pecuniária

Posteriormente, apreciando “ se se justifica a suspensão da execução da pena de prisão” aplicadas aos arguidos A... e B.... , consignou-se na douta sentença: 

« O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, (1) atendendo à personalidade do agente. (2) às condições da sua vida. (3)à sua conduta anterior e posterior ao crime e (4) às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No caso em apreço, é evidente que ambos os arguidos apresentam dificuldade de interiorização do desvalor das suas condutas, bem como da necessidade de pautarem o seu comportamento em conformidade com o direito.

De todo o modo, o arguido A... apenas foi condenado em Portugal pela prática de crimes de condução sem habilitação legal e nunca antes lhe foi aplicada por nenhum tribunal nacional uma pena privativa da liberdade, não podendo menosprezar-se as circunstâncias de a última condenação que sofreu ( em Espanha) remontar a 2012, de ter dois filhos menores para sustentar e acompanhar e de a sua companheira ser doméstica ( necessitando o agregado dos proventos do seu trabalho para assegurar uma subsistência condigna), sendo que em face da factualidade objectiva apurada não é de excluir um prognóstico favorável á ressocialização daquele, mediante a mera ameaça do cumprimento efectivo de uma pena de prisão.

Quanto à arguida B.... , se é certo que, como vimos, praticou os factos subjudice no decurso do período de suspensão de execução da pena de prisão que lhe foi aplicada num outro processo e não revelou consciência crítica da conduta durante a audiência de julgamento, menos certo não é que conta 62 anos de idade, que apenas consta do seu registo criminal uma condenação (transitada em 2014), que decorreram cinco anos desde a prática dos últimos factos por que foi condenada e que estes não eram da mesma natureza dos presentes ( embora também assumam gravidade).

Atentas estas circunstâncias, não se mostra irremediavelmente comprometida a realização das finalidades da punição mediante a suspensão da execução da execução da pena de prisão ora aplicada à arguida. (…).»

O Tribunal da Relação subscreve, por inteiro, as considerações que levaram à não substituição da pena de prisão por pena de multa ao abrigo do art.43.°. n.º 1 do Código Penal, uma vez que as prementes necessidades de ressocialização dos arguidos, que resultam dos passado criminal dos mesmos, tornariam inadequadas as finalidades da punição. È que o arguido cumpriu já anteriormente penas pecuniárias e até beneficiou de suspensão de execução das penas em Espanha, por crimes de furto e de detenção de arma ( CRC a folhas 60 e 61 e 67 a 74 ) e tal não obstou a que praticasse o novo crime agora em apreciação neste processo, e a arguida B.... foi também já condenada em pena de prisão, suspensa na execução, praticando os factos em causa no seu decurso, pelo que não seria o pagamento de uma quantia pecuniária que iria obstar a que no futuro deixasse de praticar novos crimes.

O sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência da norma jurídico-penal violada pelos arguidos, numa situação como esta - em que são frequentes os crimes de furto qualificado e em que os arguidos têm as condenações penais que se descrevem -, ficaria afectado pela substituição da pena de prisão por uma simples pena de multa de substituição, pelo que também as exigências de prevenção geral desaconselham a pretensão dos ora recorrentes.

Já quanto à substituição das penas de prisão aplicadas aos arguidos A... e B.... , por suspensão da sua execução, entendeu o Tribunal a quo que a censura do facto e a ameaça da prisão, poderão ainda realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição - embora quanto a nós já numa situação limite relativamente ao cumprimento efectivo das penas de prisão que lhes foram aplicadas.

Pelo exposto, e não se reconhecendo a violação pela sentença recorrida das normas invocadas nas conclusões da motivação pelos recorrentes, impõe-se julgar improcedente o recurso e manter a douta sentença recorrida.

            Decisão

             Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelos arguidos A... e B.... e manter a douta sentença recorrida.

             Custas pelos recorrentes, fixando em 3 Ucs a taxa de justiça (art. 513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa), sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

                                                                         *

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                                                 *

Coimbra, 27 de Janeiro de 2016

(Orlando Gonçalves – relator)

(Inácio Monteiro - adjunto)


[1]Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4] “Sessões da Comissão Revisora do Projeto da Parte Geral do Código Penal”, acta da 21ª Sessão.
[5] “Direito Penal Português - As consequências Juridicas do crime”, ed. Noticias editorial, páginas 329 a 334.