Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2107/12.2PCCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CACILDA SENA
Descritores: LEI NOVA
NATUREZA DA INFRACÇÃO
CRIME SEMI-PÚBLICO
CRIME PARTICULAR
Data do Acordão: 05/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3.º JUÍZO CRIMINAL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 113.º E 117.º DO CP; ARTIGOS 48.º, 49.º E 50.º DO CPP
Sumário: A lei nova que altera a natureza do crime, de semi-público para particular, a menos que o processo ainda esteja em fase de inquérito e a acusação pública ainda não tenha sido deduzida, não assume qualquer relevância, por consubstanciar uma alteração de procedimentos que em nada afecta os direitos do arguido - o ofendido manifestou o desejo de perseguição criminal e o MP detinha, quando deduziu acusação, legitimidade para o efeito -, não sendo, por isso, de aplicar ao caso o disposto no n.º 4 do artigo 2.º do CP.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

           No processo supra identificado, foi submetido a julgamento, A..., melhor identificado nos autos, vindo a final a ser condenado como autor material, de um crime de furto, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 75.º e 76.º do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão.

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Inconformado com o assim decidido, veio o arguido interpor recurso, despedindo a respectiva motivação com as seguintes

Conclusões

1 – O tribunal a quo ao condenar o arguido/aqui recorrente na pena de 7 (sete) meses de prisão (efectiva) pela prática do crime de furto de bens no valor de 36,42€ não fez uma correcta e justa aplicação da lei, em concreto do artº 70º e ss do código Penal, bem como violou o disposto no artº 40º nº1 e 2 do Código Penal.

2 – Na realidade, ao considerar que

“…, e não obstante se encontrarem verificados os pressupostos formais das penas de substituição previstas nos artº 44º, 45º 46º, 50º e 58º todos do CP, entendemos que a solução distinta de uma pena de prisão efectiva para além de não ter efeitos dissuasores não seria entendida pela comunidade. Efectivamente, as anteriores condenações do arguido, mormente, por crimes de furto e roubo, inclusivamente com penas de prisão efectiva, não o demoveram da prática de ilícitos, tendo voltado a praticar um crime de furto volvidos apenas 2 meses após ter sido libertado.

Desta forma, as elevadas exigências preventivas levam-nos, em suma a concluir que não serviria de suficiente advertência ao arguido a substituição da pena de prisão aplicada.”

o tribunal a quo fez, com o devido respeito, uma interpretação não só errada da lei, como exacerbou circunstâncias negativas e prejudiciais do arguido – como ser reincidente – em detrimento de outras inúmeras atenuantes, nomeadamente:

- modo de execução do ilícito; isto é, o arguido praticou o ilícito sem violência, e mesmo quando confrontado com a ilicitude entregou os bens subtraídos sem qualquer resistência;

- o diminuto valor dos bens furtados (34,41€) com consequente desvalorização do ilícito praticado;

- os motivos que determinaram o ilícito: uso pessoal e familiar;

- as condições pessoais do arguido; actualmente com 30 anos, tendo passado os últimos 6 anos preso; ou seja, com dificuldade de integração.

- as condições económicas do agente; desempregado;

- confissão integral em julgamento;

Fazendo, assim, incorrecta interpretação e aplicação do disposto no artº 71º do CP.

3 – De igual modo o tribunal a quo, com o devido respeito, violou o disposto no artº 40º nº1 do CP, porquanto com a pena aplicada (7 meses de prisão) não cumpre de todo, os fins das penas; ou seja, ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo a condenação do arguido a prisão efectiva não só, não acautela a prevenção especial positiva – ou de socialização (pelo contrário), como o valor dos bens em causa (36,41€) não justifica uma tão exacerbada defesa de prevenção geral positiva.

4 – Face ao exposto, entende o aqui recorrente que, no caso em concreto, as finalidades da pena – quer de prevenção geral quer de prevenção especial – estão melhor acauteladas com a suspensão da pena de prisão, nos termos do artº 50º do CP; porquanto a simples censura do facto e a ameaça de (nova) prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

5 – Em suma, tudo razões pelas quais se reclama a substituição da pena aplicada pela suspensão da mesma em período a determinar por V. Ex.ªs.

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O Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso defendendo o equilíbrio e a adequação da pena aplicada ao arguido, em face dos factos que praticou.

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Recebido o recurso, e remetido o processo a este tribunal, o Ex. mo Procurador Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido do improvimento.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida julgou os seguintes:

Factos provados:

1 – No dia 18 de Novembro 2012, pela manhã, o arguido deslocou-se ao supermercado B..., sito na Rua (...), em Coimbra, pertencente a «C... , Lda.»

2 – O arguido, próximo do meio-dia, retirou desse Estabelecimento Comercial, sete produtos de perfumaria no valor total de 36,41€, e guardou esses artigos debaixo do

Blusão, que trazia vestido.

3 – E com esses bens assim ocultados, o arguido passou pela linha de caixa do Estabelecimento Comercial e afastou-se da mesma, levando-os consigo sem efectuar o respectivo pagamento.

4 – O arguido foi interceptado junto à porta do Estabelecimento Comercial na posse dos mencionados bens.

5 – O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, querendo apropriar-se dos bens acima referidos, integrá-los no seu património, ciente de que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade e em prejuízo do legítimo dono, propósito que alcançou, bem sabendo que praticava acto proibido por lei penal.

Mais se provou:

6 - Seis dos produtos referidos em 2) foram recuperados, tendo o produto restante ficado inutilizado.

7 – O arguido destinava os produtos referidos em 2) ao seu uso e da sua família.

8 – O arguido encontra-se em liberdade desde o dia 15 de Setembro de 2012, data em que terminou o cumprimento da pena de prisão aplicada no âmbito do Processo nº 1151/07.6TACBR, que iniciou a 15 de Novembro de 2007.

9 – O arguido reside actualmente com a sua mãe e com dois irmãos, encontrando-se desempregado.

10 – O arguido estudou até ao 7.º ano de escolaridade.

11 – O arguido foi condenado, por sentença datada de 30/11/2001, transitada em julgado em 17/12/2001, pela prática em 1/9/1999, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 25º do DL nº 15/93 de 22/01, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, acompanhada de regime de prova.

12 – O arguido foi condenado, por sentença datada de 10/5/2002, transitada em julgado em 27/05/2002, pela prática em 19/09/2000, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 25º, al. a) do DL nº 15/93 de 22/01 na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.

13 – O arguido foi condenado, por Acórdão datado de 9/12/2002, transitado em julgado em 26/12/2002, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º nº 1 e artigo 24º alínea b) do DL nº 15/93 de 22/01, de um crime de receptação p. e p. pelo artigo 231º nº 1 do CP e de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º do DL nº 15/93 de 22/01, na pena única de 4 anos de prisão.

14 – Em cúmulo jurídico das penas aplicadas no processo identificado em 13) e no processo identificado em 11), foi o arguido condenado, por Acórdão datado de 10/04/2003, transitado em julgado em 21/04/2003, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.

15 – O arguido foi condenado, por sentença datada de 12/2/2004, transitada em julgado em 27/2/2004, pela prática em 22/7/2001, de um crime de furto na forma tentada, na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de 2,00€.

16 – Em cúmulo jurídico de penas foi o arguido condenado por Acórdão datado de 07/07/2004, transitado em julgado em 21/09/2004, na pena única de 5 anos e dois meses de prisão e na pena única de 140 dias de multa, à taxa diária de 2,00€. A pena de multa foi extinta pelo cumprimento.

17 – O arguido foi condenado, por sentença datada de 12/11/2008, transitada em julgado em 15/12/2008, pela prática em 31/12/2006, de um crime de furto, na pena de 6 meses de prisão substituída por 90 dias de multa, à taxa diária de 4,50€

18 – O arguido foi condenado, por Acórdão datado de 25/07/2008, transitado em julgado em 21/01/2009, pela prática em 3/07/2007, de dois crimes de roubo e de cinco crimes de furto qualificado, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão.

19 – Em cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos identificados em 17) e em 18) foi o arguido condenado na pena única de 4 anos e 7 meses de prisão.

20 – O arguido foi condenado, por sentença datada de 02/12/2010, transitada em julgado em 20/06/2011, pela prática em 02/10/2007, de um crime de furto na forma tentada, na pena de 5 meses de prisão.

21 – Em cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido nos processos identificados em 17), 18) e 20) na pena única de 4 anos e 10 meses de prisão.

22 – O arguido foi condenado, por sentença datada de 20/01/2012, transitada em julgado em 15/02/2012, pela prática em 02/10/2007, de um crime de dano simples, na pena de 3 meses de prisão substituída por 90 dias de multa, à taxa diária de 5,00€.

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Factos Não Provados

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa para além dos supra referidos.

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Questão prévia

Como supra se deixou referido, o arguido foi condenado pela prática de um crime de furto, p.p. pelo artº 203º nº1 do Código Penal. Este crime à data em que a ofendida fez a queixa, tinha a natureza de semi-público, e assim continuou até que em 23 de Março de 2013, entrou em vigor a Lei nº 20/2013 de 21 de Fevereiro, que alterou a natureza do crime que passou a ter natureza particular (artº 207º nº2 do Cód.Penal).

Convém, ainda que de forma breve, dizer as razões pelas quais a alteração não tem relevância no caso dos autos.

Ao invés do que acontece nos crimes de natureza pública que passam a ser de natureza semi-pública, e portanto a queixa se consubstancia numa norma processual que pode tocar o interesse do arguido - artº 2º nº4 do Cód.Penal – ( que motivou larga produção jurisprudencial a seguir à entrada em vigor do Código Penal de 1982, bem como da Lei nº 48/95 de 15 de Março, que operou uma revisão ao referido Código Penal) aqui parece-nos, que pelo menos na fase em que nos encontramos, já depois de efectuado o julgamento, a alteração não tem qualquer relevância (No sentido que nos crimes públicos que passam a ter a natureza de semi-públicos, estando o procedimento criminal validamente em marcha, a alteração legislativa apenas releva para a sua eventual cessação e não quanto à legitimidade do MºPº, conf. Ac. desta Relação de 16.11.2005, Proc. 3170/05; Ac. Rel. Lisboa de 26.11.2004, Proc. 9365/2004.5, e, também, Ac. Rel Lisboa de 29 de Abril de 1997, Col . Juris ano XXII, tomo II, pág. 158,onde se refere expressamente “ Nenhuma nova lei processual pode afectar a validade dos actos processuais validamente praticado segundo a lei da época em que o foram. A acusação do MºPº, tendo sido validamente deduzida, validamente tem de subsistir sejam quais forem as leis processuais supervenientes. OMºPº só deixaria de ter legitimidade para o exercício da acção penal se a lei nova tivesse entrado em vigor antes de ter promovido o processo”.

Em sentido diverso, mas não totalmente oposto, considerando extinto o procedimento criminal se o mesmo não foi exercido no prazo de 6 meses a contar da data em que a queixosa teve conhecimento do facto e da sua autora, Ac. STJ de 04.10.1995, CJ, III, pág. 202 (sendo que no caso o procedimento criminal foi exercido para além dos 6 meses a contar do conhecimento do abuso de confiança, apreciando o acórdão retroactivamente, a validade e tempestividade da queixa)

Bem se compreende a dificuldade em decidir a questão neste domínio - de o crime passar de público a semi-público - é que como se referiu no Ac. TC nº 523/99 de 28.09.1999 “A transformação de um crime público em semi-público tem relevância ao nível das condições de procedibilidade do crime. A alteração legislativa reflecte a intenção do legislador de, sem querer descriminalizar a conduta, condicionar o direito de punir do Estado à manifestação de vontade do ofendido, por entender que os interesses em jogo são de cariz fundamentalmente privado (sejam eles pessoais ou patrimoniais)”.

É que, ao contrário do que acontece quando a lei passa a exigir queixa e portanto o impulso processual do titular dos interesses protegidos com a norma, podendo este, ao contrário do que acontecia antes da alteração, desistir da mesma queixa, sendo a queixa ou a falta dela, o núcleo de interesses, que dão natureza subjectiva à alteração “et pour cause” à relevância para os efeitos do artº 2º nº4 do Cód.Penal, aqui, quando o crime passa de semi-público a particular, o ofendido sempre teve o domínio da acção penal podendo desistir dela até à prolação da sentença em primeira instância, a alteração dá-se apenas a nível adjectivo (artº 116º nº2 do Cód.Penal).

O facto de se lhe exigir, agora, que se constitua assistente e formule acusação, a menos que o processo ainda esteja em fase de inquérito, e a acusação pública ainda não tenha sido deduzida, traduz-se numa alteração de procedimentos que em nada belisca os direitos do arguido, e que, por isso, foge da alçada do citado nº4 do artº 2º do Cód.Penal, certo sendo que o ofendido manifestou o desejo de o perseguir criminalmente, e que, por isso, o Ministério Público quando acusou tinha legitimidade, que lhe foi conferida pela queixa para prosseguir a acção penal.

Concluímos assim pela irrelevância da lei nova, no caso sub judice.

Resolvida esta questão prévia, passemos ao conhecimento do recurso.

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Delimitação do recurso

É, há muito, pacificamente aceite pela doutrina e jurisprudência, que os poderes do tribunal de recurso estão delimitados pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação.

Como resulta das conclusões supra transcritas, o recurso restringe-se a matéria de direito, dentro desta, à pena e mais especificamente, à suspensão da execução da prisão efectiva que foi aplicada ao arguido.

Para tanto defende o arguido/recorrente que o tribunal “a quo” e citamos, “exacerbou as circunstâncias negativas e prejudiciais ao arguido, como ser reincidente em detrimento de outras inúmeras atenuantes, nomeadamente:

- modo de execução do ilícito; isto é, o arguido praticou o ilícito sem violência, e mesmo quando confrontado com a ilicitude entregou os bens subtraídos sem qualquer resistência;

- o diminuto valor dos bens furtados (34,41€) com consequente desvalorização do ilícito praticado;

- os motivos que determinaram o ilícito: uso pessoal e familiar;

- as condições pessoais do arguido; actualmente com 30 anos, tendo passado os últimos 6 anos preso; ou seja, com dificuldade de integração.

- as condições económicas do agente; desempregado;

- confissão integral em julgamento; (fim de citação)”

E, que com esta “sobrevalorização” das atenuantes teria desrespeitado o comando do artº 71º do C.Penal (determinação da medida da pena), e “pour cause” o nº 1 do artº 40º do mesmo código (finalidades das penas), que resultariam melhor acauteladas se a pena aplicada tivesse sido suspensa na sua execução ao abrigo do disposto no artº 50º nº1, ainda do mesmo livro de leis.

Mas sem razão como a seguir se tentará demonstrar:

A propósito das finalidades da punição onde se apoiou para optar pela aplicação ao arguido de uma pena de prisão consignou-se

As finalidades da punição estão previstas no n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal e são exclusivamente preventivas, de prevenção geral positiva (protecção de bens jurídicos) e de prevenção especial positiva (reintegração do agente na sociedade).

As exigências de prevenção geral, no crime em apreço, são acentuadas dada frequência com que tais factos ocorrem na actualidade, constatando-se, cada vez mais, um frequente desrespeito pelo património alheio, o que causa nos comerciantes e na comunidade em geral um forte sentimento de insegurança e de intranquilidade. A isto acresce os tempos de crise que se vivem e o valor que nestas circunstâncias se atribui aos bens.

Também as exigências de prevenção especial são muito significativas, sendo que quanto aos crimes de furto é já a 9ª vez que o arguido incorre na prática destes crimes, tendo ainda incorrido anteriormente na prática de dois crimes de roubo, sendo que já cumpriu, inclusivamente, penas de prisão efectiva pela prática deste tipo de crimes.

De tais condenações resulta a insensibilidade do arguido às penas que lhe são aplicadas e uma insusceptibilidade de ser por elas influenciado, reflectindo uma propensão para a prática de tais ilícitos, demonstrando ainda uma total incapacidade de auto-censura.

Assim sendo, entendemos que uma pena de multa já não se mostra adequada para consciencializar o arguido da gravidade das suas condutas e da necessidade de se abster da prática de factos ilícitos, pelo que lhe terá que ser aplicada uma pena de prisão.”

Pensamos que a propósito da escolha a pena outra não podia ter sido a decisão do tribunal “a quo”, escolha que, de resto, não é posta em causa pelo recorrente.

E depois de decidir sobre a aplicação ao arguido da agravante modificativa de carácter geral “reincidência”, nos termos do artº 76º nº1 ainda do mesmo código, situando-se a pena abstracta em 1 mês e 10 dias a 3 anos de prisão, parte para a graduação da medida da pena, referindo:

“No caso em apreço importa valorar em sentido atenuante o facto de estarem em causa bens de valor diminuto, a sua recuperação quase total e o facto de o arguido destinar os sobreditos bens ao seu uso e da sua família.

A favor do arguido o facto de ter confessado os factos de forma integral e sem reservas.

Contra o arguido depõe o dolo directo com que agiu, e os seus antecedentes criminais, tendo em conta que é já a 9ª vez que incorre na prática de crimes de furto, tendo ainda incorrido anteriormente na prática de 2 crimes de roubo, e ainda o facto de ter praticado o crime em causa nos autos volvidos apenas cerca de 2 meses após a sua libertação.

Sopesados estes factores, entendemos adequado e proporcional aplicar ao arguido a pena de 7 (sete) meses de prisão.”

Do segmento acabado de transcrever resulta, também, que ao contrário do referido pelo recorrente a sentença não exacerbou as circunstâncias que militam contra o arguido em detrimento das que o beneficiam, mas, ao invés, deu a cada uma delas o seu justo valor.

Com efeito, as circunstâncias ditas atenuantes, à excepção do diminuto valor dos bens furtados, não são de grande valor.

Basta atentarmos que aquelas que podiam pesar mais a favor do arguido, a confissão e entrega dos bens furtados, pouco ou nenhum valor assumem no caso vertente, em que o arguido foi interceptado na posse dos referidos bens.

A relevância atenuativa da confissão é determinada por razões de política criminal, traduzindo-se em facilitar a acção da justiça, daqui resulta, desde logo, que quando ela é irrelevante deste ponto de vista, também não lhe pode ser dado valor atenuativo.

Já dizia o Prof. Eduardo Correia nas suas lições que “ Não deve ter nenhum significado a confissão do criminoso preso em flagrante delito e, dum modo geral, em todos os casos em que se lhe torna claro que a prova está feita por outros meios”

Tal como a confissão, também a recuperação dos bens furtados, resultou mais da própria natureza das coisas do que da vontade do arguido, já que foi interceptado na posse dos ditos bens, e a menos que quisesse agravar mais a sua situação, é que se opunha ou resistia à recuperação.

O uso que tencionava dar aos bens, uso pessoal e familiar, e a sua situação de desempregado, também se não vê que possam ter grande valor atenuativo, pois os bens não pertencerem à categoria de bens essenciais (eram artigos de perfumaria), e só se assim fosse, e comprovada a sua situação de carência ou de qualquer dos seus familiares, aliada à situação de desempregado, é que estas circunstâncias podiam ser consideradas como dirimentes da culpa e da pena.

Qualquer valor atenuativo que as circunstâncias referidas pudessem ter ele tem de se considerar esbatido, principalmente quando postas perante as circunstâncias de já ter sofrido condenações por crimes contra o património, e de estar em liberdade condicional há escassos dois meses, reveladoras de que as anteriores condenações não surtiram qualquer efeito dissuasório.

Por tudo quanto ficou dito, resulta que, ao contrário do que pretende o recorrente, a sentença não exacerbou as circunstâncias agravantes em detrimento das atenuantes, e não violou os comandos dos artº 40º nº1 e 71º ambos do Cód. Penal.

Mas será que a pena aplicada devia ter sido suspensa da sua execução?

E aqui entramos no verdadeiro núcleo do recurso.

A sentença pronunciou-se pela negativa nos termos que o recorrente deixou exarados na sua conclusão 1ª.

E, mais uma vez, bem.

A aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão, regulado no artº 50º nº1 do Cód. Penal, além do pressuposto formal, de a sua medida não ser superior a cinco anos, depende da verificação de um pressuposto material que tem por base um juízo de prognose favorável acerca do comportamento futuro do agente de modo que a suspensão realize de forma suficiente e adequada as finalidades de punição.

Para a formulação do juízo de prognose favorável o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto.

Seguindo o Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português, Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Noticias, pág. 343) “A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não de qualquer «correcção», «melhora» ou - ainda  menos - «metanóia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime Zipf (Maurach/Zipf § 65 nºm.19), uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência»”.

E, continua, mais à frente, “ Por outro lado, a existência de condenação ou condenações anteriores não é impeditiva a priori da concessão da suspensão; mas compreende-se que o prognóstico favorável se torne, nestes casos, bem mais difícil e questionável – mesmo que os crimes em causa sejam de diferente natureza – e se exija para a concessão uma particular fundamentação”.

Aplicando estes ensinamentos ao caso que nos ocupa, e analisando o já longo passado criminal do recorrente, constituído por crimes de idêntica natureza e também diversa, o facto de se encontrar em liberdade havia apenas dois meses quando praticou os factos, não se vê onde possa o tribunal fundar a prognose de que a simples ameaça da pena seja suficiente para o afastar da pratica do crime, certo sendo que os demais elementos provados, designadamente, o insignificante valor dos bens furtados, o destino que lhes tencionava dar e o facto de se encontrar desempregado, nas condições supra referidas, se mostram irrelevantes para o formulação do dito juízo.

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Destarte, e sem necessidade de mais considerações, não pode deixar de se confirmar a decisão recorrida.

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III – DISPOSITIVO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.

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Custas pelo recorrente com a taxa de justiça que se fixa em 3 Uc.

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(Cacilda Sena)

(Elisa Sales)