Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
217/10.0TBFZZ-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
DILIGÊNCIA DILATÓRIA
Data do Acordão: 04/17/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FERREIRA DO ZÊZERE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.265 Nº3, 512, 523, 668 CPC
Sumário: I – O juiz do processo é quem está colocado na melhor posição para verificar se as provas requeridas em sede de audiência de julgamento, face às provas já indicadas e às já produzidas, são necessárias para a formação da sua convicção e apuramento da verdade: se concluir que sim, ordena a diligência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 265.º do Código de Processo Civil; se concluir que não, não a ordena, por se tratar de uma diligência com carácter dilatório, na medida em que prolonga temporal e desnecessariamente a vida do processo.

II – Quando no final da audiência de julgamento o advogado de uma das partes requer uma diligência probatória que podia ter solicitado na fase prevista no artigo 512.º do Código de Processo Civil e o juiz a indefere, por a considerar dilatória, tal decisão só deverá ser revogada pelo Tribunal da Relação se verificar que ela é necessária para o apuramento da verdade.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2.ª secção cível):

*

Recorrente/Réu…………..F (…) residente (…), Dornes.

Recorrida/Autora…………P (…) Lda,., melhor identificada nos autos.


*

I. Relatório.

a) Como resulta das alegações, a Autora, agora recorrida, instaurou a presente acção, com processo sumário, com o fim de obter a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de €29.862,98 euros, resultante da prestação de serviços da sua especialidade na área da estomatologia.

O Réu recorrente contestou negando ter recebido tais serviços e concluiu pela inexistência da dívida.

O presente recurso refere-se ao indeferimento de uma diligência requerida pelo Réu, em audiência de julgamento, para fins probatórios, que consistiu em pedir ao tribunal que notificasse a Autora para que esta apresentasse em juízo o orçamento, a factura e recibo relativos aos serviços alegados, pretensão que foi rejeitada pelo tribunal.

Assim como foi indeferido pedido feito na mesma altura, no sentido do tribunal notificar o respectivo serviço de finanças para vir aos autos indicar se a Autora tinha ou não liquidado, no prazo referido na petição inicial, os impostos devidos pelos serviços que alegou ter prestado.

O Réu recorre com o fim de ver revogado o despacho e invoca, em resumo, as seguintes razões:

Diz, em primeiro lugar, que a Autora não juntou qualquer prova documental a sustentar a sua versão dos factos e como não basta alegar os factos, sendo necessário prová-los, o Réu requereu a notificação da Recorrida para juntar prova no sentido de provar os factos que alegou.

O tribunal entendeu que o requerimento apenas contribuía para demorar a resolução do pleito, o que não é o caso, pois se existe matéria controvertida, é obrigação do tribunal averiguar a verdade.

Como o Réu recorrente alega que não lhe foi prestado nenhum serviço, e sendo a Autora recorrida uma empresa, terá de existir prova documental para provar a prestação dos serviços alegadamente prestados.

O tribunal entendeu que a junção de tal prova documental não faz parte do objecto em litígio, mas não é o caso, pois o Réu pretendeu com o requerido que a Autora provasse os factos que alega e são controvertidos.

O Réu entende não ser aceitável que um contrato como o alegado seja verbal, quando se alude a um contrato no valor de mais de vinte e nove mil euros, o que mostra que a alegação da Autora não corresponde à realidade, não sendo defensável que contratos deste montante se provem através de prova testemunhal.

Daí a razão do requerimento do Réu.

Em segundo lugar, como a Autora é uma sociedade comercial está sujeita às leis do CIVA e CIRC, devendo emitir facturas e recibos pelos trabalhos que presta, mas até ao momento a Autora não juntou aos autos nenhuma factura ou recibo respeitantes aos trabalhos que diz que fez ao Réu, o que se afigura ser estranho.

A pretensão do recorrente visa unicamente a descoberta da verdade, pelo que não deverá ser condenado em taxa sancionatória excepcional, nos termos do artigo 447-B alínea a), do Código de Processo Civil, devendo por isso revogar-se esta condenação.

Em terceiro lugar, o recorrente sustenta que as partes têm o direito, como manifestação do princípio do contraditório, de requerer todas as provas que se mostrem relevantes para a decisão da causa, sendo também certo que, nos termos do artigo 265.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, «Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer».

Abstendo-se o tribunal de deferir os actos requeridos, que contribuiriam decisivamente para a descoberta da verdade e, consequentemente, para a boa decisão da causa, indeferindo a requerida junção de documentos, está a cercear o direito da respectiva parte e a impedi-la de produzir prova relativamente ao objecto do presente litígio.

Em quarto lugar, sustenta que o despacho recorrido é nulo, por violação do disposto nas al. c) e d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil.

Enferma de nulidade porque não se indica no despacho «…um único facto concreto susceptível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efectiva situação, do verdadeiro motivo do não deferimento da pretensão dos Oponentes/Recorrentes» e não enumera nenhuma norma legal, como dispõe o n.º 1 do artigo 158.º do C.P.C, ao referir que «As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas».

b) A Autora contra-alegou pugnado pela manutenção da decisão, sustentando que não ocorre a nulidade invocada pelo Réu, na medida em que o despacho se encontra fundamentado.

Quanto ao mérito do recurso, diz, em síntese, que não faz sentido exigir a exibição do recibo, pois alega-se na acção o não pagamento e o réu nega os tratamentos.

Quanto ao orçamento alegou-se ter sido verbal e no que respeita à factura verifica-se que os dentistas estão isentos de IVA, sendo certo que é necessário fazer constar da factura o número de contribuinte do paciente, número que este nunca forneceu à Autora.

II. Objecto do recurso.

O objecto do recurso consiste no seguinte:

Em primeiro lugar, começando pelas questões de índole processual, cumpre verificar se o despacho padece de nulidade, por violação do disposto nas al. c) e d) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil.

Em segundo lugar, ponderar-se-á se devia ter sido deferida a pretensão do Recorrente.

III. Fundamentação.

a) Matéria de facto.

1 - No dia 13 de Outubro de 2011, no Tribunal Judicial de Ferreira do Zêzere, procedeu-se à realização da audiência de julgamento relativa aos presentes autos.

2 - Tinha sido pedido o depoimento de parte do Réu, mas este não se encontrava presente nesse momento, tendo sido recebida no processo a carta que lhe havia sido remetida a notificá-lo para comparecer na audiência de julgamento, com a indicação de «não atendeu».

3 - Face à devolução da carta, a Sr.ª Juíza determinou que o Réu fosse notificado «para a morada que consta dos autos por carta registada com aviso de recepção a fim de comparecer no dia 19-10-2011 às 10h00».

4 – Foram inquiridas as testemunhas presentes, à excepção de uma que foi depois prescindida, e nesse momento, o Exmo. mandatário do Réu fez o seguinte requerimento:

«Prescinde da inquirição da testemunha do réu presente.

Tendo em conta que a certidão da Conservatória do Registo Predial está ilegível, assim como no sistema citius, requeiro a notificação do autor para juntar certidão legível, por forma a podermos aferir dos elementos constantes da mesma se são suficientes da legitimidade do autor, são suficientes nesta acção.

Embora quando o Ilustre Mandatário no duplicado da contestação que lhe foi enviada, a mesma estar igual, pensou porém, como é normal, estaria junto aos autos certidão onde se poderia verificar os elementos constantes da mesma.

Daí, no decurso do julgamento e após a inquirição da primeira testemunha e por se revelar pertinente, tenha tentado verificar na consulta verificando que não são legíveis os elementos constantes da mesma certidão. E daí a necessidade da junção da referida certidão.

Aquando do interrogatório da primeira testemunha, esta referiu entre outras coisas que o orçamento que apresentou ao réu foi verbal, desconhece se existe alguma factura discriminativa dos trabalhos, assim como se o réu entregou algumas quantias, e ainda se foram emitidos recibos.

A autora pelo menos até agora terá que ser considerada como sociedade comercial, sujeita a registo contabilístico, de acordo com o Código do IRC.

Assim sendo, e como junto aos autos não existe qualquer orçamento, factura, ou recibo, requer-se a notificação da autora para juntar aos autos tais elementos, pois isto é condição necessária e suficiente para poder peticionar o peticionado da petição inicial.

A ser verdade o que disse a primeira testemunha inquirida, estamos perante um crime de fraude fiscal cometido pela autora, pelo facto de segundo ela ter prestado serviços e não ter emitido a respectiva factura, pago o respectivo IRC e IVA, caso esteja sujeita a isso.

Assim, requer-se a notificação dos serviços competentes para vir indicar aos autos se a autor liquidou no prazo referido na petição inicial os impostos acima aludidos.

Em qualquer caso requer também a emissão de certidão desta acta que deve ser acompanhada da petição inicial acertada pela autora, bem como da resposta às excepções apresentadas pela autora e ainda com a transcrição de depoimento da primeira testemunha, com fim da mesma certidão ser enviada à Repartição de Finanças da área da sede da autora para efeitos fiscais e criminais».

5 – Seguidamente o Exmo. Mandatário da Autora pronunciou-se nestes termos:

«A autora considera manifestamente inoportuno e impertinentes para a descoberta controvertida constante da base instrutória, dos requerimentos ora apresentados.­ Relativamente ao requerimento para junção de factura e recibo dos alegados tratamentos prestados, muito gostaria a autora de saber como é possível dar recibo de quitação daquilo que nunca se recebeu.

Mais se fica sem saber como pode o réu nesta altura de manifesta litigância de má fé consubstanciar venire contra factum proprium, vir exigir a entrega de uma factura quando previamente e provisoriamente ao longo destes tratamentos apenas exigiu um orçamento verbal.

Aliás a aceitação de tal orçamento verbal nunca implicou, nem poderia implicar emissão da respectiva factura, o que só sucedeu porque o réu deixou de contactar a clínica pelas razões discutidas nesta acção.

Igualmente manifesto inoportuno e impertinente para que a autora junte certidão aos autos na medida em que o Doc. 1 junto com a petição inicial é uma certidão permanente com código de acesso visível e logo consultável pelo réu em qualquer altura.

Estivesse o réu a litigar de forma mais atenta e interessada, com certeza que já teria consultado tal certidão ou requerido ao tribunal ou à autora, que lhe faculta-se cópia legível de tal documento, que para o efeito, lembre-se, foi junto com a petição inicial que deu entrada em 27-09-2010».

6 – Acto contínuo foi proferido pela Exma. Sr.ª juíza o seguinte despacho:

«Veio agora o réu requerer a junção de diversos documentos pela autora, designadamente certidão do registo comercial, documentos contabilísticos e fiscais, assim como a solicitação de informações aos serviços de finanças sobre a situação fiscal da autora.

Relativamente ao primeiro documento, para além de ser legível através do sistema informático "citius", tal matéria - a da legitimidade - já foi apreciada no despacho saneador, sendo que a identificação dos sócios gerentes da autora estão inclusivamente referidos na matéria assente que não foi reclamada.

Quanto aos restantes documentos, designadamente facturas, liquidação de impostos e restantes informações fiscais, impõe-se concluir que mais não é do que um meio dilatório para não findarem os presentes autos, uma vez que para além de tal matéria não fazer parte do objecto em litígio, nunca foi suscitada pelo réu a excepção de pagamento, pelo que não é compreensível como é que o réu pretende agora que seja junto o recibo.

Deste modo, todos os documentos solicitados com a excepção do primeiro (que pelos motivos supra expostos não carece de nova junção) não visam discutir objecto em litígio, sendo que todas as diligências se revelam manifestamente improcedentes e com fim meramente dilatório.

Por todo o exposto e com a fundamentação supra, indefere-se o requerido pelo réu, condenando o mesmo em taxa sancionatória excepcional nos termos do art. o 447-B. aI. a) do C. P. Civil, em multa que se fixa em 2 U.C.'s - nos termos do art.º 10.º do R. C. Processuais.­ Quanto a certidão solicitada, satisfaça conforme requerido e para os fins pretendidos Notifique».

7 – Neste momento não havia mais testemunhas para ouvir e, de seguida, o Exmo. mandatário da Autora prescindiu do depoimento de parte do Réu e realizaram-se as alegações orais, findas as quais foi encerrada a audiência.

b) Apreciação das questões objecto do recurso.

1 – Vejamos se o despacho padece de nulidade, por falta de fundamentação e por violação do disposto nas al. c) e d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil.

Nos termos da al. b), do n.º 1, do artigo 668.º, do Código de Processo Civil, a sentença é nula «Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».

Trata-se de um vício de natureza processual que respeita, por conseguinte, à observação das formalidades dos actos processuais, não de um vício sediado no direito substantivo aplicável ao caso.

Por conseguinte, esta nulidade processual tem a ver com a forma prescrita na lei processual, mas não com a matéria substantiva de que trata o processo.

Daí que esta falta de fundamentação da sentença, seja quanto à matéria de facto ou de direito e se refira à sua total omissão em relação à questão em apreço e não à sua maior ou menor valia do ponto de vista do direito aplicável ao caso.

Com efeito, relativamente à qualidade da fundamentação da sentença a parte dispõe do recurso e é em sede de recurso que esta matéria é apreciada.

Como ensinou o Prof. Alberto dos Reis, referindo-se a esta matéria, «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2 do art. 668.º» ([1]).

Ora, o despacho em apreço contém fundamentação, quer de facto, quer de direito, como se vê pela sua leitura onde se invocam as razões para o indeferimento, isto é, que os «…documentos solicitados», são estes os «factos», «não visam discutir objecto em litígio…», «…sendo que todas as diligências se revelam manifestamente improcedentes e com fim meramente dilatório» (o direito).

Há, pois, invocação de matéria de facto e de direito.

Se é ou não suficiente é questão que não gera nulidade, como se disse, mas apenas motivo para recorrer de mérito.

É certo que não se faz referência à qualquer disposição legal, mas o texto da decisão destina-se, em primeira linha, a ser lido por um profissional do foro, como é o caso do Exmo. mandatário do Réu, que compreende bem o que aí se encontra escrito, contenha ou não a referência a uma norma legal, que neste caso poderia ser a do artigo 265.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, mas, mesmo assim, ainda se menciona no despacho o artigo 447.º-B, aI. a), do Código de Processo Civil, e o art.º 10.º do R. C. Processuais, relativamente à previsão da condenação em taxa de justiça.

Não se verifica, pois, a apontada nulidade.

Também não se vislumbra que exista alguma nulidade integrável nas als. c) e d) do n.º 1 do artigo 668.º, do Código de Processo Civil, onde se prevê a nulidade da decisão  «Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão» - al. c) e «Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento» - al. d).

Ter-se-á tratado de lapso de escrita na arguição de tais nulidades.

Improcede, pois, o recurso quanto à arguição destas nulidades.

2 – Em segundo lugar, cumpre verificar se deviam ter sido deferidas as pretensões do Réu recorrente.

a) Vejamos, em primeiro lugar, a relevância do pedido de junção do orçamento, factura e recibo atinentes aos serviços que a Autora alega ter prestado.

Cumpre observar que só a junção da factura lograria alguma justificação.

Com efeito, o Réu justificou o pedido de junção do orçamento nestes termos:

«Aquando do interrogatório da primeira testemunha, esta referiu entre outras coisas que o orçamento que apresentou ao réu foi verbal, desconhece se existe alguma factura discriminativa dos trabalhos, assim como se o réu entregou algumas quantias, e ainda se foram emitidos recibos».

Ora, se é a própria testemunha mencionada pelo Réu (que pela acta da audiência se verifica ser «secretária da Autora») quem afirma que o orçamento foi verbal, o pedido de junção do orçamento escrito é um diligência inútil porque já se sabe que não existe.

O mesmo se diga do recibo, pois se a Autora pede o pagamento e o Réu nega ter recebido os serviços da Autora, logicamente não os pagou, pelo que não pode existir recibo e, por isso, é também inútil o pedido de junção.

Daí que apenas poderia existir e interessar a junção da factura e será quanto a esta que análise prosseguirá de seguida.

b) Vejamos o que dispõe a lei de processo relativamente aos poderes do juiz no sentido da condução célere e regular do processo.

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 265.º do Código de Processo Civil, «Iniciada a instância, cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, providenciar pelo andamento regular e célere do processo, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção e recusando o que for impertinente ou meramente dilatório».

A lei confia ao juiz, por conseguinte, o poder de dirigir o processo de forma a conseguir obter um desfecho célere, respeitando os direitos processuais das partes, onde se incluem, naturalmente, a realização das diligências probatórias necessárias.

A este respeito, a lei processual determina no n.º 1 do artigo 512.º do Código de Processo Civil que «Quando o processo houver de prosseguir e se não tiver realizado a audiência preliminar, a secretaria notifica as partes do despacho saneador e para, em 15 dias, apresentarem o rol de testemunhas, requererem outras provas ou alterarem os requerimentos probatórios que hajam de ser feito nos articulados e requererem a gravação da audiência final ou a intervenção do colectivo».

Por conseguinte, focando o olhar sobre a organização célere do processo, vemos que a lei estabelece que as provas são indicadas nesta fase anterior à da audiência.

Em relação à prova testemunhal a alteração do rol antes apresentado só é possível até 20 dias antes da audiência, nos termos do n.º 1 do artigo 512.º-A, do Código de Processo Civil.

Relativamente à prova documental, o n.º 1 do artigo 523.º, do Código de Processo Civil, determina que «Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes» e o n.º 2 do artigo 524.º, do mesmo código, dispõe que «Os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja, apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo».

Retira-se destas normas que os actos relativos à indicação e produção das provas só podem passar para a fase processual seguinte se não foi possível realizá-los na fase destinada à respectiva prática.

Este desígnio do legislador também nos mostra que o juiz deve adequar as suas decisões, neste domínio, ao comportamento processual das partes, verificando o que do ponto de vista delas é relevante, ou seja, é de presumir que as partes tenham indicado na fase prevista as provas que entendem ser relevantes e só deixarão de o fazer se as desconhecerem ou elas se tornarem relevantes em consequência, como diz a lei, de ocorrência posterior.

Por conseguinte, na avaliação do carácter dilatório das provas requeridas em audiência de julgamento, como é o caso em análise, o juiz terá em consideração a circunstância de saber se as provas já estavam ou não disponíveis na fase processual a que se refere o artigo 512.º do Código de Processo Civil e se podiam ter sido indicadas nesta fase.

Se concluir que podiam ter sido indicadas nesta fase, então só deverá ordenar a sua produção se verificar que elas são «necessárias ao apuramento da verdade» e fá-lo-á ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pela norma do n.º 3 do artigo 265.º do Código de Processo Civil onde se dispõe, precisamente que «Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer».

No que respeita à conclusão de que as provas requeridas pela parte são «necessárias ao apuramento da verdade» o juiz atenderá também à justificação dada pela parte para as ter requerido apenas na fase da audiência, se alguma justificação der.

Por fim, no que respeita ao conceito de «provas necessárias ao apuramento da verdade», cumpre referir que, tendo as provas por finalidade a formação da convicção do juiz sobre se os factos controvertidos ocorreram ou não ocorreram, o carácter de necessidade da prova requerida, tem a ver, claro está, com a conexão dessa prova com os factos controvertidos e com a sua eventual relevância para a formação da convicção do juiz quando conjugada com as restantes provas já produzidas.

Neste último aspecto, o juiz do processo é quem está colocado na melhor posição para verificar se as provas requeridas em sede de audiência de julgamento, face às provas já indicadas e às já produzidas, são necessárias para a formação da sua convicção e apuramento da verdade: se concluir que sim ordena a diligência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 265.º do Código de Processo Civil; se concluir que não, não a ordena, por se tratar de uma diligência com carácter dilatório, na medida em que prolonga temporal e desnecessariamente a vida do processo.

Sendo assim, se o juiz do julgamento decidir indeferir uma diligência probatória requerida em face de audiência, sendo certo que ela podia ter sido requerida na fase a que alude o artigo 512.º, do Código de Processo Civil, o Tribunal da Relação só deverá revogar tal decisão se verificar que ela é necessária para o apuramento da verdade.

Face ao que fica referido, vejamos então se a diligência de prova requerida pelo Réu, no que respeita apenas à factura, se mostra necessária para a formação da convicção do julgador acerca dos factos controvertidos.

c) Vejamos, então, sob este aspecto a pretensão do Réu quanto à junção da factura.

Como se disse, destinando-se as provas a formar a convicção do juiz quanto aos factos que irá julgar no final «provados» ou «não provados», então é de questionar se o tribunal devia ter ordenado à Autora que juntasse a factura ou não ([2]), o que passa por averiguar de que modo a junção da factura, ou a sua não junção, poderiam influenciar a convicção do juiz.

Poderiam verificar-se duas hipóteses: ou a Autora juntava a factura ou não a juntava.

Vejamos a hipótese da junção da factura.

A sua junção seria um elemento que poderia reforçar a convicção do tribunal no sentido de terem sido prestados os serviços.

Com efeito, sendo junta a factura, poderia concluir-se que se tratava de um elemento que existia na contabilidade da Autora e isso só seria compreensível se algum serviço tivesse sido prestado (não se desconhece a hipótese de poderem existir facturas e não terem sido prestados serviços, como sucede nos casos das facturas fictícias, mas não é esse o caso perspectivado nos autos).

Porém, nesta hipótese, a sua junção só iria beneficiar a Autora, por poder contribuir para formar a convicção do juiz no sentido de que tinham sido prestados os serviços.

Não é esta a situação que o Réu pretende obter, mas sim a que se segue.

Vejamos agora a hipótese da não junção da factura.

Neste caso, a não junção da factura, na falta de justificação convincente, levaria o tribunal a concluir que ela não tinha sido elaborada.

Sendo assim, a diligencia requerida poderá ter aptidão, em abstracto, para formar a convicção do juiz no sentido dos serviços não terem sido prestados, se se configurar este argumento: quando são prestados serviços que custam um preço é passada a respectiva factura; se a factura não existe é porque os serviços não foram passados.

Porém, o juiz também ponderará que esta conclusão não é válida, pois o facto de não ter sido elaborada uma factura não permite concluir que um certo serviço não foi prestado, pela simples razão de que, por variadas razões, o serviço pode ter sido prestado e a factura não ter sido emitida.

Não há aqui tão-pouco uma relação de causalidade necessária entre ambos os factos, desde logo porque os serviços prestados vêm temporalmente primeiro e a factura só vem depois, donde se retira também a conclusão de que os serviços podem ter sido feitos (existir) sem que exista a factura, por não haver uma implicação necessária entre um facto e o outro, mas apenas contingente.

Por isso, da inexistência da factura não se pode nunca concluir pela inexistência da prestação de serviços.

Ora, quando serviços deste tipo são efectivamente prestados em regra existem outras provas (prova testemunhal, receitas médicas passadas, radiografias, anotações de consultas em agendas, registos telefónicos de contactos entre as partes, etc.) susceptíveis de levar à conclusão de que os serviços foram feitos, recaindo o ónus desta prova sobre a Autora.

Por conseguinte, nem a exibição da factura daria vida a um serviço que não foi feito, nem a falta da factura poderia apagar da realidade um serviço que efectivamente tenha sido realizado.

Por outro lado, sendo a Autora a interessada na junção da factura, que facilmente poderia juntar se a tivesse elaborado, sempre o juiz presumirá na hora de decidir a matéria de facto que não tendo sido junta é porque não foi elaborada.

E se o juiz tivesse dúvidas sobre esta presunção, resolvê-las-ia ordenando a junção.

Ora, se o juiz, finda a produção da prova testemunhal, como ocorreu neste caso, não ordenou a junção da factura, apesar de isso lhe ter sido até requerido pelo Réu, é porque entendeu que tal diligência não era relevante para a formação da sua convicção e não é, como já se viu.

Concluindo: a diligência probatória em causa podia ter sido requerida na fase apropriada prevista no artigo 512.º do Código de Processo Civil e não o foi; foi requerida no final da audiência de julgamento e não foi indicada razão para tal requerimento tardio; foi indeferida pelo juiz do processo por a considerar dilatória; analisada a eventual relevância da diligência não se conclui que ela seja necessária ao apuramento da verdade, o que implica a improcedência do recurso nesta parte.

d) Vejamos agora o pedido de notificação a fazer pelo tribunal aos serviços fiscais competentes, no sentido de virem aos autos indicar se a Autora tinha liquidado, em prazo, os impostos inerentes aos serviços prestados.

Também não se justifica este pedido pelas mesmas razões, pois o que fica dito para a junção da factura vale da mesma forma para o caso dos documentos pedidos ao fisco.

Ou seja, não se torna necessário reproduzir aqui a mesma argumentação, bastando substituir e adaptar, relativamente ao que ficou dito, a palavra «factura» por «documentos fiscais».

Isto é, do facto de se provar que os impostos não foram pagos, não se pode concluir que determinados serviço de estomatologia não foram feitos.

Por isso, foi correcta a decisão no sentido de indeferir esta diligência por a mesma se mostra incapaz de alterar a formação da convicção do juiz face à prova que já tenha sido produzida.

3 – Vejamos agora se na hipótese de ser indeferida a pretensão do requerente, se justifica a condenação do mesmo em taxa de justiça.

Relativamente ao requerimento relativo à junção da factura afigura-se que não há justificação para a condenação.

Com efeito, a condenação baseou-se na consideração de que a diligência era dilatória.

Porém, no caso da junção da factura pela parte, esta podia juntá-la até à data que já estava designada para a prestação do depoimento de parte do Réu, seis dias mais tarde.

Não há neste caso, a priori, qualquer perigo de retardamento da conclusão da audiência.

Ou seja, muito embora a diligência se revele injustificada não poderia no caso ter como consequência um retardamento concreto quanto à conclusão do processo, não sendo, pelo menos previsível.

Já não assim com o pedido de notificação a efectuar aos serviços de finanças porque este serviço implicaria um trabalho de interpretação do pedido, procura e investigação nos respectivos arquivos e elaboração da resposta, sendo também certo que estes serviços da administração têm muitos outros afazeres e o presente pedido poderia ter de esperar pela oportunidade de ser analisado, movimentado e respondido, sendo, por isso, de presumir que a resposta demorasse entre dez a trinta dias, não sendo de colocar de parte a hipótese de demorar mais tempo.

Acresce que esta diligência de prova podia ter sido requerida pelo Réu na fase da indicação das provas a que aludem os artigos 787.º e 512.º do Código de Processo Civil.

É certo e concorda-se com o Réu, que, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 265.º do Código de Processo Civil, «Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer» e o juiz realizará as diligências probatórias que repute possíveis e necessárias à formação da sua convicção.

Porém, dada a necessidade de imprimir celeridade aos processos e ao elevado número dos que todos os anos entram nos tribunais ([3]), isso implica que todo o tipo de provas que possam ser requeridas, ou sejam na fase a que se refere o artigo 512.º do Código de Processo Civil, tenham de ser requeridas nesta fase, sendo de todo desaconselhável reservar para o final da audiência de julgamento novas diligências probatórias que deviam ter sido requeridas nessa altura, implicando tal atitude a suspensão da audiência.

E temos aqui duas situações distintas: uma consiste no dever que recai sobre o juiz no sentido de ordenar a produção de provas, outra no momento em que isso deve ser feito e, nesta parte, os interesses da administração da justiça indicam que devem ser requeridas o mais cedo possível, para não retardar desnecessariamente o termo do processo.

Neste caso, verifica-se, face ao que já ficou referido, que a informação pretendida não era necessária para a formação da convicção do julgador, mas o deferimento da diligência implicaria a interrupção da audiência sem se saber ao certo em que dia poderia ser retomada, pelo que é de qualificar a diligência como dilatória e, por esta razão, justifica-se a condenação proferida em taxa de justiça.

Repare-se que a partir do momento em que fosse deferida a diligência, o tribunal deixava de ter motivo para prescindir da resposta, caso esta se revelasse demorada, e, por outro lado, ficava dependente da diligência dos serviços administrativos, mesmo que lhes indicasse um prazo útil para a resposta, pelo que, o adiamento sine die seria a hipótese provável e mesmo que fosse logo marcada data para a continuação da audiência nada garantia que não teria de ser depois substituída por outra. 

Improcede, pois, o recurso.

IV. Decisão.

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente confirma-se o despacho recorrido.

Custas pelo Réu.


*

Alberto Ruço ( Relator)

Judite Pires

Carlos Gil



[1] Código de processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 140, (reimpressão), Coimbra Editora/1984.

[2] Claro está que esta questão ficava logo resolvida se a Autora tivesse dito que não tinha emitido a factura, mas não o fez, como se vê pela leitura da acta da audiência. É certo que diz isso nas contra-alegações de recurso, quando refere que não pôde elaborar a factura por não possuir o número de contribuinte do Réu.

Porém, o que interessa analisar são os factos conhecidos no momento da decisão sob recurso.
[3] Para termos uma ideia em 2008 deram entrada nos tribunais judicias 784743 novos processos, em 2009 entraram 929525 processo e em 2010 749798, dados estes recolhidos em http://www.pordata.pt/Portugal/Tribunais+Judiciais+processos+entrados++findos+e+pendentes-247.