Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5194/13.2TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ACÇÃO DECLARATIVA
RECONHECIMENTO DO DIREITO DE PROPRIEDADE
USUCAPIÃO
RECTIFICAÇÃO DO REGISTO
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
NULIDADE PROCESSUAL
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
PEDIDOS SUBSTANCIALMENTE INCOMPATÍVEIS
CASO JULGADO
Data do Acordão: 11/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 186 Nº2 C), 193, 199 CPC, 20, 120 CRP
Sumário: 1 – Das nulidades, se existirem, reclama-se, das ilegalidades, recorre-se.

2 - Omitida pronúncia sobre a admissão aos autos de documento relevante para a decisão, e nesta ao mesmo não se fazendo referência, é cometida nulidade processual que não nulidade na sentença.

3 - Pedido o reconhecimento e a declaração da propriedade, via usucapião, sobre várias parcelas que constituem um terreno mãe, o pedido da rectificação do registo por virtude da eventual procedência daquele, pode ser formulado na acção, sem necessidade de recurso ao processado do artº 120º do CRP e sem que exista erro na forma do processo.

4 - Se os autores pedem que o Tribunal declare que um prédio mãe está dividido em parcelas, já prédios autónomos, e que o Tribunal declare que eles são proprietários de algumas, via usucapião, tal não constitui uma cumulação de pedidos – divisão de coisa comum e declaração de propriedade –; e, se esta existisse, ela não seria de pedidos substancialmente incompatíveis, pois que aquele pedido não implicaria a exclusão deste.

5 - Inexiste caso julgado entre um inventário ainda a tramitar e uma acção de declaração de propriedade relativamente ao(s) mesmo(s) prédios em tais processos considerados.

6 - Pelo menos por via de regra, num processo não se podem deduzir pedidos para obstar à validade e eficácia de atos já praticados noutro processo.

7 - A usucapião apenas pode ser invocada por aquele a quem aproveita e relativamente ao qual se verificam os pressupostos do instituto; pelo que se alguém pede, via usucapião, a propriedade de imóvel para terceiro, o qual é que reúne tais pressupostos, o tribunal deve absolver da instância.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

M (…) e outros, instauraram contra M (…) e outros, acção declarativa com processo comum que classificaram como: «Divisão de prédio e aquisição de parcelas autónomas por usucapião».

Pediram:

“Que seja declarado:

1. Que o prédio identificado no artº 1º da p.i. (correspondente ao artº 001...º da matriz predial rústica da freguesia de x..., descrito na CRP sob o nº 0002.../ x...) se encontra, actualmente, integralmente dividido, por usucapião, nas seguintes parcelas, todas localizadas no lugar de z..., união das freguesias de x... e y..., concelho de w...:

Parcela nº 1

Parcela  nº 13

2. Que os AA. e o 1º R. são donos e legítimos possuidores das parcelas identificadas sob o nºs 2, 6 e 10 do nº antecedente, na qualidade de únicos e universais herdeiros por óbito de M (…), que também usava o nome de M (…), sem determinação de parte ou direito;

3. Que os AA. e os 1º a 5ª RR, são donos e legítimos possuidores das parcelas identificadas sob os nºs 4, 8 e 11, na qualidade de únicos e universais herdeiros por óbito de A (…), sem determinação de parte ou direito;

4. Que os AA. e os 1º a 5ºs RR. são donos e legítimos possuidores da parcela identificada sob os nº 9, na qualidade de únicos e universais herdeiros por óbito de A (…), sem determinação de parte ou direito.

5. Que todos os actos de relação de bens, licitações, partilhas e quaisquer efeitos jurídicos derivados do procº nº 312/99 do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria, são, relativamente às aludidas parcelas (nºs 2,6,10; 4,8, 11; e 9) nulos e ainda ineficazes e inoponíveis relativamente aos AA..;

6. Que sejam igualmente declarados ineficazes e inoponíveis, relativamente aos AA., os actos e/ou contratos e efeitos jurídicos inscritos relativamente às parcelas nºs 2, 6 e 10 (prédios descritos na CRP sob os nºs 0003, 0004 e 47/55 0005/ x...) através da AP. 1 de 2008/09/26) instaurada pelo 6º R. O (…) contra o 1º R. R(…), nomeadamente o seguinte pedido: “ cumprimento de contrato promessa de compra e venda com suprimento de declaração negocial em falta”, ordenando-se o cancelamento dessa inscrição.

7. Que seja ordenada a eliminação da descrição predial nº 0002.../19960924 freguesia de x... (prédio identificado no artº 1º da p.i.), em virtude do prédio nela descrito ter sido dividido nas 13 parcelas discriminadas no anterior ponto 1.

8. Que seja ordenado o cancelamento das inscrições de aquisição sem determinação de parte ou direito a favor de M (…), M (…) e A (…) , , actualmente em vigor na CRP, relativamente às parcelas nºs 2, 6 e 10 (prédios descritos na CRP sob os nºs 0003, 0004 e 0005/ x...), sendo substituídas por inscrições de aquisição, sem determinação de parte ou direito, a favor dos AA. e do 1º R.”

A Srª Juíza, no entendimento de que os autores: «pretendem o reconhecimento do direito de propriedade  por usucapião, e, por outro,  pretendem a divisão de um bem comum em parcelas», considerou existir incompatibilidade entre as causa de pedir e os pedidos.

E, por isso, convidou os demandantes a:

-«esclarecerem de forma clara, a sua pretensão, invocando a causa de pedir típica da acção de divisão de coisa comum ou a  causa de pedir típica  de uma acção de reconhecimento do direito de propriedade e deduzindo os pedidos que lhe estão associados».

- alegarem factualidade  que sustente os pedidos que formulam, designadamente, se optarem (como se afigura que farão) pelo pedido de reconhecimento de propriedade, deverão identificar os prédios que entendem ter adquirido por referencia ao respectivo artigo matricial e descrição predial e a factualidade que sustente a usucapião…»

Na sequência, os autores apresentaram nova pi que procurou dar cumprimento ao convite formulado, vg. com identificação matricial e registal das treze parcelas.

E pedindo:

«Que seja declarado o seguinte:

1. Que o prédio identificado no artº 1º da p.i. (correspondente ao eliminado artº 001...º da matriz predial rústica da freguesia de x..., descrito na CRP sob o nº 0002.../ x...), já não existe, em virtude de ter dado origem aos seguintes prédios autónomos, dele provenientes, devendo ser eliminada a sua descrição predial….(tal como já foi eliminada pela autoridade tributária a inscrição matricial, a fim de se regularizar o registo predial…»

(seguidamente identifica as parcelas)

«2. Que os AA. e o 1º R. são donos e legítimos possuidores das parcelas identificadas sob o nºs 2, 6 e 10 do nº antecedente, na qualidade de únicos e universais herdeiros por óbito de M (…), que também usava o nome de M (…), sem determinação de parte ou direito;

3. Que os AA. e os 1º a 5ª RR, são donos e legítimos possuidores das parcelas identificadas sob os nºs 4, 8 e 11, na qualidade de únicos e universais herdeiros por óbito de A (…), sem determinação de parte ou direito;

4. Que os AA. e os 1º a 5ºs RR. são donos e legítimos possuidores da parcela identificada sob os nº 9, na qualidade de únicos e universais herdeiros por óbito de A (…), sem determinação de parte ou direito.

5. Que todos os actos de relação de bens, licitações, partilhas e quaisquer efeitos jurídicos derivados do procº nº 312/99 do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria, são, relativamente às aludidas parcelas (nºs 2,6,10; 4,8, 11; e 9) nulos e ainda ineficazes e inoponíveis relativamente aos AA..;

6. Que sejam igualmente declarados ineficazes e inoponíveis, relativamente aos AA., os actos e/ou contratos e efeitos jurídicos inscritos relativamente às parcelas nºs 2, 6 e 10 (prédios descritos na CRP sob os nºs 0003, 0004 e 47/55 0005/ x...) através da AP. 1 de 2008/09/26) instaurada pelo 6º R. O (…) contra o 1º R. R (…), nomeadamente o seguinte pedido: “ cumprimento de contrato promessa de compra e venda com suprimento de declaração negocial em falta”, ordenando-se o cancelamento dessa inscrição.

7. Que seja ordenada a eliminação da descrição predial nº 0002.../19960924 freguesia de x... (prédio identificado no artº 1º da p.i.), em virtude do prédio nela descrito ter sido dividido nas 13 parcelas discriminadas no anterior ponto 1.

8. Que seja ordenado o cancelamento das inscrições de aquisição sem determinação de parte ou direito a favor de M (…), M (…) e A (…)  , actualmente em vigor na CRP, relativamente às parcelas nºs 2, 6 e 10 (prédios descritos na CRP sob os nºs 0003, 0004 e 0005/ x...), sendo substituídas por inscrições de aquisição, sem determinação de parte ou direito, a favor dos AA. e do 1º R.».

Mais uma vez, no entendimento de que o pedido de rectificação do registo predial formulado em 1. só pode ser feito nos termos do artº 120º e sgs. do CRP, convidou os autores a suprimirem tal pedido sob pena de, quanto a ele, existir erro na forma do processo.

Os autores insurgiram-se contra tal  posição, invocando a nulidade  de tal despacho, por violação de lei, mais precisamente os artºs 1º, 2º, a) e 3º a) a c) do CRP e 20º  nº1 da Constituição.

Seguidamente a julgadora pediu aos autos de inventário nº 312/99 – o qual, presentemente, corresponde ao p. 3109/14.0TBLRA -  que informassem, para além do mais, sobre a relação de bens ali existente e, ainda, se sobre a mesma tinha havido reclamações.

Do juízo respectivo, veio para os presentes autos, em 16.02.2018,  a reclamação de bens e a informação  «não demos conta de que tenha havido reclamações da  relação de bens»

Mas em 12.03.2018 foram juntos pelos autores vários documentos  oriundos do mencionado processo 3109/14.0TBLRA, de entre os quais um articulado de reclamação contra a relação de bens.

2.

Em ato contínuo e em 15.03.2018 foi proferido despacho saneador/sentença no qual, no que ora releva, se decidiu:

I – Declarar a exceção do erro na forma do processo e absolver os réus da instância, relativamente ao pedido de eliminação de descrição predial referido no ponto 1 do pedido;

II – Julgar  improcedente a invocada nulidade do despacho de 12 de dezembro de 2017.

III - Declarou nula, por inepta, por incompatibilidade substancial de pedidos, a petição inicial no que respeita ao pedido identificado com o n.º 1 e, consequentemente, dele absolveu os réus da instância.

IV – Declarou a exceção do caso julgado relativamente aos pedidos formulados pelos autores  nos números 2, 3, 4 e 7, de reconhecimento do direito de propriedade sobre prédios, por força do tramitado nos autos de inventário n.º 312/99, agora processo n.º 3109/14.0TBLRA,  e deles absolveu os réus da instância.

V - Declarou a exceção do erro na forma  do processo quanto ao pedido de nulidade, ineficácia e inoponibilidade relativamente aos autores de atos praticados no âmbito do processo de inventário n.º 312/99.

3.

Inconformados recorreram os autores.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

Contra alegaram os réus pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais:

(…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são, lógica e metodologicamente, as seguintes:

1ª – Nulidade do despacho que convidou os autores a  eliminarem o pedido  de rectificação da descrição predial.

2ª -  Nulidade da sentença nos termos do artº 615º nº1 als. c) e d) do CPC.

3ª – Ilegalidade da sentença nos pontos decisórios mencionados em 2.

4ª – Caso julgado relativamente à ação ordinária n.º 56/96.

5ª – Inadmissibilidade de invocação de usucapião para aquisição de quem não quer adquirir.

5.

Decidindo.

5.1.

Primeira questão.

Dizem os recorrentes que o despacho que os convidou a eliminarem o pedido de rectificação do registo predial do prédio descrito na CRP sob o nº 0002.../ x...,  que afirmam  já não existir, é nulo.

Isto porque  «viola as normas imperativas dos artºs 1º a 3º daquele Código de Registo Predial»

Facilmente se alcança que esta pretensão não tem cabimento.

Primeiro porque, expressando os insurgentes que o despacho é ilegal, o meio normal de o impugnar, é o recurso.

Como é consabido, das nulidades reclama-se, das ilegalidades recorre-se.

Ora não foi cometida qualquer nulidade.

 A Srª juíza proferiu tal despacho, que deve ser taxado de aperfeiçoamento, no exercício do seu múnus e no âmbito dos poderes/deveres que a lei lhe atribui – cfr- vg. artº 590º nºs 3 e 4 do CPC.

Depois porque tal despacho nem sequer era recorrível.

Pois que nele nada  a juíza decidiu de concreto, antes e apenas dando a entender que poderia existir erro na forma do processo e convidando as partes a sobre esta possibilidade se pronunciarem.

Assim podendo ser considerado despacho de mero expediente ou proferido no uso legal de um poder discricionário – artº 630º do CPC.

E na decisão ora sub sursis se pronunciando e emitindo decisão sobre a existência de tal erro.

Da qual os autores recorrem.

Também por aqui se alcançando o inócuo e inútil do repisar sobre uma situação que está ultrapassada,  absorvida,  e já não tem qualquer relevância.

5.2.

Segunda questão.

Clamam os recorrentes que  «ao proferir Sentença sem se pronunciar relativamente a documentos juntos em 13/03/2018, nem sequer justificar tal omissão de pronúncia, o Tribunal “ quo”: - deixou de se pronunciar sobre questões que deveria ter apreciado; - inquinou de nulidade a Douta Sentença recorrida, nos termos do artº 615º, nº 1, d) do CPC,.»

Verifica-se que efectivamente, os recorrentes juntaram aos autos, dois dias antes de ser proferida a sentença, documentos, vg. atinentes ao processo de inventário, rectius um articulado, no qual, para além do mais, se reclama quanto à relação de bens ali apresentada.

Porque o julgador já imediatamente antes tinha pedido informações atinentes ao processo de inventário – que, assim, reputou necessárias para a boa decisão da causa –, e porque, num certo entendimento, tal articulado contrariava até a informação advinda daquele processo, na qual se mencionava que «não demos conta de que tenha havido reclamações da  relação de bens», o documento junto pelos autores assumia clara pertinência e relevância.

Decorrentemente, sobre o julgador impendia o dever de, antes de decidir como decidiu quanto ao caso julgado, se pronunciar sobre a sua admissão.

Não o tendo feito cometeu omissão de  ato que a lei prescreve.

Ou seja, porque tal dever se pronunciar sobre o documento se colocava  no ante sentença, a nulidade, a existir, não afeta esta, mas antes deve ser taxada de nulidade processual – «errore in procedendo», que não «errore in judicando» - artº 195º do CPC.

E dizemos «a existir» porque, nos termos deste preceito, a omissão apenas constitui nulidade se influir no exame ou decisão da causa.

In casu é meridianamente evidente que ela influiu.

Pois que foi com o argumento fulcral de que inexistiu reclamação quanto à relação de bens  do inventário que o julgador considerou existir caso julgado.

Destarte, o caso é de constatação e declaração da omissão de pronuncia como ato omissivo nulo e, consequentemente, de declaração do ato decisório de verificação do caso julgado, como, outrossim, nulo.

Não obstante, porque os autos contêm elementos suficientes para o efeito e considerando o disposto no artº 665º do CPC que estatui que, ainda que declare nula a decisão, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação, este conhecimento impõe-se.

Já no atinente ao argumento de que  a sentença é ainda nula  porque «se afigura obscura e conhece de questão (existência ou não de caso julgado …que não podia conhecer…» ele não procede.

O caso julgado, como exceção dilatória, é de conhecimento oficioso – artº 578º do CPC.

Assim, está sempre no poder/dever do julgador abordar e dilucidar sobre a existência, ou não, de tal exceção.

Questão diversa é saber se, abordada ela, foi , ou não, curialmente decidida.

Ou seja, o cerne da questão não está na nulidade da decisão, mas antes na sua (i)legalidade.

O que adiante se perscrutará.

5.3.

Terceira questão.

5.3.1.

Do erro na forma do processo  quanto ao pedido de eliminação de descrição predial.

5.3.1.1.

Urge atentar e ter sempre presente que, pelo menos desde a reforma processual de 1995, alcandorou-se a fito primordial do processo a obtenção de uma decisão de fundo, que aprecie o mérito da pretensão deduzida, em detrimento de procedimentos que condicionam o normal prosseguimento da instância.

Nesta senda, pretende-se o  processo civil como:

«verdadeiramente instrumental no que toca à perseguição da verdade material…pela aplicação do direito substantivo, e não como um esteriótipo autista que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a justiça…é assim, o processo civil um instrumento no sentido de forçar a análise, discussão e decisão dos factos e não uma ciência que olvide esses factos…os princípios gerais estruturantes do processo civil, em qualquer das suas fases, deverão essencialmente representar um desenvolvimento, concretização e densificação do princípio constitucional do acesso à justiça…o direito a uma protecção jurídica eficaz e temporalmente adequada…o que implica o direito…a obter…decisão judicial que aprecie com força de caso julgado a pretensão regularmente deduzida…privilegiando-se, assim, claramente a decisão de fundo sobre a mera decisão de forma …» -  Preâmbulo do DL 329-A/95 de 12/12.

A reforma de 2013 acentuou e, impressivamente, atribuiu maior força e acuidade a este fito, como decorre de vários normativos legais, nos quais, vg., e em resumo, se confere ao juiz poderes para providenciar pelo andamento regular e célere do processo, ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio – cfr., vg, o artº 6º e o artº 590º do CPC.

 O que pode passar pela promoção oficiosa das diligências pertinentes para a regularização da instância e pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação.

 Impondo-se  ao juiz, nos casos em que a tramitação processual prevista na lei não se adequar às especificidades da causa, as adaptações e a  prática de actos que melhor se ajustem ao fim de certo processo, atento o pedido nele formulado.

Daqui decorre, desde já, e contrariamente ao que parece transparecer da decisão recorrida, que o princípio da legalidade atinente à forma do processo e ao seu ritualismo, não deve ser interpretado ou perspectivado de um modo absoluto e dogmático.

Mas antes plástica e atomisticamente, atentas as circunstâncias de cada caso concreto e sempre com a interiorização dos fitos primordiais que se pretendem atingir com a legislação adjectiva, quais sejam a obtenção da justiça material.

 A qual apenas pode ser conseguida com a prolação de decisão de mérito, a prolactar, de preferência, no mais curto lapso de tempo e com a máxima contenção em termos de dispêndios materiais e humanos.

5.3.1.2.

Estatui o artº 193º do CPC:

1 - O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.

2 - Não devem, porém, aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu.

Destarte, em função do supra aludido e do teor deste preceito, a conclusão a retirar é que  o erro na forma de processo só exclui o aproveitamento da petição inicial quando esta, nos seus aspectos formais e substanciais, for, de todo, desajustada ao tipo processual que deva ser seguido.

Não se verificando tal, e mesmo que ocorra o referido erro, o requerimento inicial não deve ser indeferido liminarmente, antes deve o Tribunal aproveitá-lo, determinando que se siga a tramitação processual adequada em conformidade com o prescrito no artigo 199.º do Código de Processo Civil – hoje 193º cfr Acs. do STJ de 28.10.1993 e da RL de 21.09.2006, p.084286 e p. 4926/2006-8 in  dgsi.pt,.

Por outro lado, e como é consabido, o erro na forma do processo consiste em o autor ter usado de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão.

Assim, é em função do pedido  e da causa de pedir que se há-de aquilatar do acerto ou do erro do processo que se empregou.

Sendo, em princípio, irrelevante, o que se alegue em contrário na contestação.

Ademais urge atentar que este erro é questão inteiramente distinta das razões de procedência ou improcedência da ação -  Cfr.  Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, 3ª ed. p.262; Ac. do STJ de 12.02.2002, Sumários 12/2002; Ac. STJ de 14.12.2006, p.06B3684, in  dgsi.pt. e Abílio Neto in Breves Notas ao CPC, 2005, p.63.

5.3.1.3.

No caso vertente

A Srª. Juiza decidiu nos seguintes termos:

«Sucede que, para além de aperfeiçoarem a sua petição inicial no sentido do convite ao aperfeiçoamento, entenderam os autores alegar que um determinado prédio não existe e pediram o cancelamento da descrição predial.

É manifesto que esta alegação e pedido extravasam os limites do convite ao aperfeiçoamento que foi endereçado aos autores, pelo que é inadmissível.

Ainda que assim não se entendesse, o pedido agora formulado pelos autores reconduz-se a um pedido de retificação do registo, eliminando-se descrições duplicadas.

O processo de retificação do registo está previsto nos artigos 120.º e ss. do Código de Registo Predial e é da competência do Conservador, existindo, por conseguinte erro na forma do processo.

De acordo com a alegação dos autores, com a procedência da ação, deveria ser eliminada a ficha de descrição do prédio mãe, eliminando-se a duplicação com as descrições dos prédios-filhos.

A retificação do registo tem uma tramitação própria, corre na Conservatória do Registo Predial e pressupõe a intervenção de todos os interessados.

Ora, o recurso aos tribunais pressupõe a existência de um direito que careça da sua intervenção, a fim de se evitar algum prejuízo relevante para o seu titular…

A mera retificação de um registo não configura um direito que careça da intervenção do Tribunal, daí a opção do legislador pela adoção de um processo que corre termos perante o Conservador.

Mesmo que assim se não entendesse, sempre seria inadmissível a prossecução da acção relativamente a este pedido não estando na ação todas as pessoas por ele afetadas, concretamente os proprietários de cada uma das frações do prédio cuja descrição os autores pretendem ver anulada.».

Já os recorrentes entendem que tal pedido é admissível no presente processo, atento o preceituado nos artºs 1º, 2º e 3º do CRP.

E, no caso de terem ganho de causa, ele será a normal, e mais célere, expedita e menos  dispendiosa, consequência do seu vencimento.

Os recorrentes têm razão.

O processado do artº 120º e sgs. do CRP vale apenas para os casos em que o único  fito do requerente e objecto do pedido é a rectificação do registo.

Quando, no âmbito de uma acção como a presente, se deduz um pedido cuja procedência possa afetar a veracidade do teor registral, o registo pode ser rectificado pelo juiz da causa precisamente atentos os preceitos pelos recorrentes citados.

E, ademais, atentos princípios de celeridade, concentração dos atos processuais e, assim, economia de meios.

O pedido de rectificação do registo, considerando o pedido formulado pelos autores, cuja  eventual procedência implicará  uma alteração da realidade de um prédio, que passará de um  todo global para treze unidades distintas, naturalmente que   acarretará a alteração da realidade do registo a tal prédio atinente.

Tal pedido não extravaza o convite ao aperfeiçoamento, quer porque está intima e directamente conexionado com o pedido principal e nele se integrando e contendo, sendo a normal decorrência da sua procedência, quer porque, assim, já poderia ter sido formulado na pi  apresentada ante despacho de aperfeiçoamento.

Finalmente, a aventada falta de intervenção  de todos os interessados, pode ter relevância noutras vertentes, mas não a tem para a decisão sobre a (in)xistência de erro na forma do processo.

5.3.2.

Ineptidão da petição inicial relativamente ao pedido identificado com o n.º 1 por incompatibilidade.

5.3.2.1.

Estatui o artº 186º nº2 al.c) do CPC que a petição inicial é inepta quando se cumulem pedidos substancialmente incompatíveis.

Ora, «A incompatibilidade substancial dos pedidos verifica-se quando os efeitos jurídicos que com eles se pretendem obter estão, entre si, numa relação de oposição ou contrariedade, de tal modo que o reconhecimento de um é a negação dos demais.

Como o autor os apresenta a todos simultaneamente, e no mesmo plano, torna-se impossível discernir qual é, na realidade, a pretensão que pretende ver judicialmente reconhecida.» - Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. I, págs. 388 e 389.

«Os pedidos dizem-se substancialmente incompatíveis quando os efeitos jurídicos que visam produzir, com a procedência da acção, cada um deles exclua a possibilidade de verificação de cada um dos outros.

A compatibilidade dos pedidos (e das causas de pedir donde emergem) avalia-se pela conciliação dos efeitos que decorrem da procedência da acção.

Segundo os autores mais seguidos, esta avaliação explica-se "para que o reconhecimento de um deles não exclua a possibilidade de verificação do outro» -  Ac. do STJ de 07.11.2002, p. 02B3050  in dgsi.pt; e, ainda, Castro Mendes, Direito do Processo Civil II, 264 e Antunes Varela, R. L. J. Ano 120º, 281.

5.3.2.2.

A Srª Juíza decidiu nos seguintes termos:

«Atendendo à petição inicial aperfeiçoada e eliminando o pedido tido por inadmissível nos termos acima exarados, os autores vieram intentar a presente ação, que identificaram como “ação de reconhecimento do direito de propriedade”, pedindo o seguinte:

“Que seja declarado o seguinte:

1. Que o prédio identificado no artº 1º da p.i. (correspondente ao eliminado artº 001...º da matriz predial rústica da freguesia de x..., descrito na CRP sob o nº 0002.../ x...) deu origem aos seguintes prédios autónomos, dele provenientes:

Parcela nº 1…

Vejamos.

A ação de divisão de coisa comum tem por pressuposto basilar a existência de um bem comum, designadamente um bem em regime de compropriedade, e a vontade de pelo menos um dos consortes de pôr termo à indivisão (artigo 925.º do Código de Processo Civil).

Por outro lado, a ação declarativa constitutiva do direito de propriedade por usucapião, associada ou não a ação de condenação do réu em reconhecer essa propriedade, pressupõe que um determinado e identificado bem seja próprio de uma determinada pessoa que pretende ver-lhe reconhecida a qualidade de proprietária e só ela tem legitimidade e interesse em agir para pedir o reconhecimento da sua própria propriedade, não podendo, por conseguinte, pedir o reconhecimento da propriedade de outros, que não vieram fazer pedido idêntico.

Os autores pretendem que o Tribunal declare que um determinado prédio está dividido em parcelas, sendo que essas parcelas são já, elas próprias, prédios autónomos e, simultaneamente, pretendem que o Tribunal declare que os autores são proprietários, juntamente com outros, de determinadas parcelas desse prédio-mãe (agora também eles prédios) que adquiriam por usucapião.

Ora, das duas uma: ou há uma situação de indivisão e os autores poderão suscitar a divisão ou os autores pretendem ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre estes novos prédios.».

(sublinhado nosso)

Não se acompanha nem  se compreende este raciocínio e postura hermenêutica.

Se dois pedidos houvessem – divisão de coisa comum e aquisição por usucapião – é o próprio tribunal a referir que, na petição aperfeiçoada, os autores deixaram cair aquele, como, aliás, foi aventado no despacho pretérito de convite ao aperfeiçoamento.

Mas em nenhuma das pi existe cumulação de pedidos.

E, muito menos, de pedidos incompatíveis entre si, nos termos supra exarados.

Tal como a própria julgadora expende no despacho na parte sublinhada, o que os autores apenas pretendem é a  constatação de que o prédio mãe já se encontra, de facto, dividido em parcelas autónomas e que, relativamente a cada uma delas existe um dono por aquisição via usucapião.

Não se enxerga, pois, onde está o pedido de divisão de coisa comum.

 Antes pelo contrário, como se viu, os autores dizendo que o prédio já está dividido em parcelas e que cada uma delas já tem um dono, e unicamente pretendendo que o tribunal declare a propriedade de cada um dos interessados

E, mesmo que houvesse cumulação, os pedidos, na lógica da pretensão dos autores, não seriam substancialmente incompatíveis, para efeito de ineptidão da pi.

Pois que a procedência de um não acarretaria a impossibilidade da procedência do outro.

Na verdade, é perfeitamente admissível, em termos lógicos e jurídicos, pedir-se ao tribunal que  reconheça e declare a divisão em parcelas do prédio e, depois, relativamente a  cada uma das parcelas, reconheça e declare a propriedade do respectivo possuidor, ex vi da usucapião.

Aqui é que poderia existir erro na forma do processo.

Mas não incompatibilidade substancial de pedidos a determinar a ineptidão da petição.

5.3.3.

Do caso julgado.

A Srª. Juiz, relativamente aos pedidos  formulados pelos autores  nos números 2, 3, 4 e 7, de reconhecimento do direito de propriedade sobre certas parcelas, já prédios  autónomos, na alegação dos autores, deles absolveu os réus da instância, por força do tramitado nos autos de inventário n.º 312/99, agora processo n.º 3109/14.0TBLRA.

O que fez com invocação do seguinte, nuclear, discurso argumentativo:

«Resulta da conjugação do disposto nos artigos 580.º e 581.º do Código de Processo Civil que, quando uma ação tenha sido decidida com sentença que não admita recurso ordinário e seja proposta uma outra ação com as mesmas partes, em que se pretenda o mesmo efeito jurídico e em que a pretensão proceda do mesmo facto jurídico, verifica-se a exceção do caso julgado…

 “[O]s limites do caso julgado são traçados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença: os sujeitos, o objecto e a fonte ou título constitutivo. Por outro lado, é preciso atender-se aos termos dessa definição (estatuída na sentença). Ela tem autoridade - valendo como lei - para qualquer processo futuro, mas só em exacta correspondência com o seu conteúdo…

Apresentada a relação de bens no processo de inventário, os interessados, designadamente os autores, não reagiram, muito em particular não se insurgiram contra o reconhecimento da propriedade dos prédios a favor dos autores da herança, argumentando que parte dos prédios que compunham as verbas relacionadas pertenciam, por direito próprio, a alguns dos interessados.

A questão que se coloca é a relevância desta omissão.

Há quem defenda que a reclamação à relação de bens tem um limite temporal, definido pelo trânsito em julgado da sentença de partilha…

A conduta processual das partes tem de ser vista de forma integrada e responsável: se os interessados estão mais de 18 anos sem reclamar contra a relação de bens, mantendo essa passividade processual mesmo depois de ter tido lugar a conferência de interessados com licitações e ter sido elaborado mapa informativo e mapa da partilha, cristaliza-se na ordem jurídica a relação de bens apresentada pacificamente e aceite enquanto tal por todos os interessados.»

(sublinhado nosso)

Mais uma vez a exegese da julgadora, partindo de considerações teóricas acertadas, não se coaduna, para o caso concreto, com os contornos fáctico circunstanciais deste.

Parte do  pressuposto, a que deu relevo essencial, de que inexistiu reclamação contra a relação de bens no inventário, quando nos autos foi junto documento – junção admissível porque  vai de encontro ao pedido de esclarecimento neste particular pretendido pela julgadora -, que ela ignorou, que prova precisamente o contrário.

Tal como a julgadora admite, a reclamação pode ser deduzida até ao trânsito em julgado da sentença final de homologação da partilha.

E como dimana da seguinte asserção por ela plasmada: «Sobre questão idêntica, concretamente os efeitos da ausência de reclamação à relação de bens (ainda que ali tivesse sido já proferida decisão final da partilha), veja-se o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 11 de maio de 2017, proferido no processo n.º 442/16.0T8FAR.E1…»,  e tal como admitem os recorridos, no inventário inexiste ainda sentença final transitada em julgado.

O simples decurso de um longo lapso de tempo, e salvo disposição de lei ou aplicação de princípio ou instituto jurídico – prescrição, abuso de direito, etc – não «cristaliza», nas palavras da julgadora, uma certa situação jurídica imbuída de determinados direitos ou deveres, ou seja, não os atribui ou retira, inexorável, definitiva e inelutavelmente.

Assim, sendo a reclamação ainda tempestiva e admissível, o seu teor é de considerar.

Ora, visto o mesmo, verifica-se que os ali reclamantes colocam a partilha das parcelas aqui em dilucidação sub sursis, alegando que elas  não são partilháveis porque são já bens próprios.

Logo por aqui falece a invocação de tal argumento fulcral.

Ademais e considerando a inexistência  no inventário de sentença final transitada em julgado, não se antolha onde existe caso julgado no inventário que impeça a tramitação da presente acção.

Finalmente, e se bem perscrutamos, o inventário está até suspenso, como permite a sua legislação, para que a questão da propriedade das parcelas, por complexa e incompatível com a sua tramitação, seja dilucidada na acção pertinente, ou seja na acção presente ou noutra de semelhante jaez.

Nesta conformidade, a declaração do caso julgado nestas circunstancias, não apenas violaria a lei, como frustraria a descoberta da verdade material, pois que, os termos do inventário não são os suficientes para a obtenção de tal desiderato, e por isso, nele se  espera a decisão da presente acção.

5.3.4.

 Do erro na forma do processo quanto ao pedido de nulidade, ineficácia e inoponibilidade relativamente aos autores de atos praticados no âmbito do processo de inventário n.º 312/99.

Aqui a Julgadora tem razão.

Como é lógico e intuitivo,  pelo menos por via de regra, num processo  não se podem  impetrar medidas para obstar aos efeitos jurídicos de atos praticados noutro processo.

É que dimana de princípios e normas jurídicos, como sejam, vg., o da concentração dos atos  processuais e o artº620º do CPC: as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual apenas têm  força obrigatória dentro do processo.

Neste nosso caso não vislumbramos exceção que possa postergar aquela regra.

O juiz dos presentes autos não tem jurisdição sobre o juiz do processo de inventário nem sobre este processo.

Tais medidas obstaculizantes dos efeitos do atos têm de ser solicitadas no processo onde  eles foram praticados.

Mais do que erro na forma do processo, o caso é de clara inadmissibilidade legal do pedido.

Naturalmente que se alguma decisão proferida nestes, em função dos pedidos legalmente formulados e deferidos, se mostrar incompatível com qualquer ato que venha a ser praticado no inventário ou  com decisão nele tomada, poderá influir nela, atentos vários princípios ou normativos atinentes, como seja, vg., a força do caso julgado material, ou  a situação de casos julgados contraditórios - cfr. artºs 619º e 625º do CPC.

Mas tal  emerge ope legis e não a pedido, máxime nos termos  em que nestes autos é formulado. 

5.4.

Quarta questão.

Caso julgado relativamente à ação ordinária n.º 56/96.

O caso julgado inexiste.

Desde logo porque, tanto quanto alcançamos, não há coincidência nas duas acções  quanto aos sujeitos e à causa de pedir.

Mas, acima de tudo, porque inexiste coincidência quanto ao pedido.

Na verdade os efeitos jurídicos pretendidos na acção 56/96 e nesta, são diferentes.

Naquela os ali autores, e aqui réus, pretenderam, para além do mais, a aquisição de certas parcelas do prédio sob o artº 001...º, o que lhes foi concedido.

Já nesta são os ali réus e aqui autores que pretendem a aquisição, a tal título, também para si, de parcelas de tal prédio.

Ou seja, este pedido dos autores – aquisição para si -  desta  nossa acção não foi apreciado e decidido naquele processo 56/96.

Inexiste, pois, caso julgado quanto aos pedidos dos autores.

5.5.

Quinta questão.

Ao autores pretendem, para além do mais, que se declare a aquisição de algumas parcelas, via usucapião, não apenas para si como, outrossim, para alguns réus.

Os réus opõem-se.

Dizem que, nos termos dos artº 1292 e 303º do CC , a usucapião, para ser eficaz, tem de ser invocada por aquele a quem aproveita.

E assim é.

Certo é que a invocação tanto pode ser expressa como tácita – cfr. Ac. do STJ de  03.02.1999, BMJ,  484º, 384.

 Mas no caso vertente inexiste invocação, expressa, ou tácita, dos réus, relativamente aos quais os autores operam a alegação da usucapião.

Nem se vislumbra que eles aceitem tal invocação por banda dos autores.

Destarte, estes não podem substituir-se aqueles, e, até contra a sua própria vontade, pretender exercer e atribuir-lhes um direito cujo exercício e atribuição está unicamente inserto na sua esfera jurídica patrimonial e, assim, sobre ele têm exclusiva disponibilidade.

Não obstante o conceito de legitimidade vertido na lei – artº 30º do CPC – colocar a sua apreciação  essencialmente em função do modo como o autor configura a relação material controvertida, certo é que, aferindo-se ainda, liminarmente e a montante, tal conceito perante a disponibilidade do direito do demandante  em face do objecto do processo e dos pedidos  por ele formulados, é caso para dizer que,  ex vi lege – artº 1292º do CC -  os autores não têm legitimidade para formular tal pedido.

Na verdade, o interesse ou aproveitamento da usucapião, consagrado no artº 1292º do CC, é um interesse real, substancial, concreto, e  direta e imediatamente decorrente do instituto, para o titular do direito,  das características e pressupostos que o envolvem e que o relevam.

Pelo que não faria sentido estar a  apreciar um pedido relativamente ao qual o respectivo impetrante não titula os  alicerces que o sustentam.

O indeferimento desta pretensão dos autores em ver declarada a usucapião a favor de certos réus sobre certas parcelas tem de o ser não na perspectiva de absolvição do pedido - o que pressupõe a possibilidade legal de ser formulado, e, por princípio, e pelo conhecimento de mérito, o acertamento definitivo da sua (in)existência -,  mas de absolvição da instância.

O direito dos réus invocado pelos autores – aquisição por usucapião -, até pode existir.

Mas não assiste aos autores.

Decorrentemente, os réus, por falta de legitimidade dos autores ou, concedendo, por perspetivação de exceção dilatória inominada, têm de ser absolvidos da instância.

(Im)procedem, parcialmente, os recursos.

6.

Sumariando – artº 663º nº7 do CPC.

I – Das nulidades, se existirem, reclama-se, das ilegalidades, recorre-se.

II - Omitida pronúncia sobre a admissão aos autos de documento relevante para a decisão, e nesta ao mesmo não se fazendo referência,  é cometida nulidade processual que não nulidade na sentença.

III - Pedido o reconhecimento e a  declaração da propriedade, via usucapião, sobre várias parcelas que constituem um terreno mãe,  o pedido da rectificação do registo por virtude da eventual procedência daquele, pode ser formulado na acção,  sem necessidade de recurso ao processado do artº 120º do CRP e sem que exista erro na forma do processo.

IV - Se os autores pedem que o Tribunal declare que um prédio mãe está dividido em parcelas, já prédios autónomos, e que o Tribunal declare que eles são proprietários de  algumas, via usucapião, tal não constitui uma cumulação de pedidos – divisão de coisa comum e declaração de propriedade –; e, se esta existisse, ela não seria de pedidos substancialmente incompatíveis, pois que aquele pedido não implicaria a exclusão deste.

V - Inexiste caso julgado entre um inventário ainda a tramitar e uma acção de declaração de propriedade relativamente ao(s) mesmo(s) prédios em tais processos considerados.

VI - Pelo menos por via de regra, num  processo não se podem deduzir pedidos para obstar à validade e eficácia de atos já praticados noutro processo.

VII - A usucapião apenas pode ser invocada por aquele a quem aproveita e relativamente ao qual se verificam os pressupostos do instituto; pelo que se alguém pede, via usucapião, a propriedade de imóvel para terceiro, o qual é que reúne tais pressupostos, o tribunal deve absolver da instância.

7.

Deliberação.

Termos em que se julgam os recursos  dos autores e dos réus parcialmente procedentes e, em consequência:

- Absolvem-se os réus da instância quanto ao pedido dos autores de declaração de propriedade a favor daqueles,  bem quanto aos demais pedidos, vg. de índole registral, que decorreriam de tal declaração.

- Revoga-se a decisão e ordena-se a tramitação dos autos para apreciação dos restantes pedidos dos autores.

Custas recursivas na proporção de metade para cada parte.

Coimbra,  2018.11.13

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos