Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1735/10.5TBACB-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: INSOLVÊNCIA
RELAÇÃO DE CRÉDITOS RECONHECIDOS
IMPUGNAÇÃO DA LISTA DE CREDORES RECONHECIDOS
VALOR DOS CRÉDITOS RECONHECIDOS
NATUREZA NÃO GARANTIDA DOS CRÉDITOS RECONHECIDOS
CONTRATO-PROMESSA
RECUSA DE CUMPRIMENTO PELO ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
SINAL
Data do Acordão: 12/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO COMÉRCIO DE ALCOBAÇA DO TRIBUNAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 129.º E 130.º DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESA (DL N.º 53/2004, DE 18 DE MARÇO).
ARTIGO 442.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I) Se não for impugnado o valor dos créditos constantes da lista de créditos reconhecidos apresentada pelo administrador da insolvência, questionando-se apenas a sua natureza não garantida, aquele valor não pode ser alterado.

II) Assim, se na lista de créditos reconhecidos constar um que se reporte ao dobro dos sinais prestados e devidos por incumprimento de contrato-promessa decorrente de recusa de cumprimento pelo administrador de insolvência e se aquele valor não for impugnado, o mesmo não pode ser alterado apesar do AUJ do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Abril de 2021 no sentido de que o sancionamento civilístico do art. 442.º do CC consubstanciado no dobro do sinal prestado pelo promitente-comprador não opera naquele caso de recusa de cumprimento.

Decisão Texto Integral:







Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Nos autos de insolvência de H..., Lda., a correr termos pelo Juízo de Comércio de Alcobaça, Comarca de Leiria, apresentada a lista de credores reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência, foram deduzidas impugnações pelos credores A ..., B ... e C ..., D ...e E....

Em síntese, alegaram os impugnantes que os respectivos créditos deveriam passar a constar da referida lista com natureza privilegiada por força dos direitos de retenção cujos pressupostos legais se verificam em relação às fracções autónomas objecto de cada um dos contratos-promessa que outorgaram com a insolvente, fracções identificadas pelas letras “O”, “L” e “N” do prédio descrito na CRP de ... sob o n.º .../ ... e assinaladas sob as verbas 10.ª, 8.ª e 9.ª da relação de bens rectificada junta pelo Sr. Administrador no apenso A (apreensão de bens). Além disso, o credor A ... requereu ainda que se decretasse a execução específica do contrato-promessa celebrado com a devedora. 

Responderam a estas impugnações o Sr. Administrador Judicial e os credores O..., S.A., e P..., S.A., pugnando pela respectiva improcedência.

A final foi proferida sentença na qual todas as impugnações foram julgadas procedentes, declarando-se que os créditos dos credores impugnantes têm natureza privilegiada por força do direito de retenção que cada um deles goza relativamente às fracções objecto dos respectivos contrato-promessa, aí devidamente identificadas, devendo proceder-se à graduação dos pertinentes créditos “nos devidos termos”.  Foi ainda a Ré Massa Insolvente absolvida da instância no que concerne ao pedido de execução específica formulado pelo credor A ....   

Inconformada, desta decisão recorreu a credora O..., S.A., recurso admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

                                                                       *

A apelação.

Nas conclusões com que encerra a respectiva alegação a credora recorrente levanta as seguintes questões:

Inadmissibilidade da junção de documentos requerida e deferida em 16.04.2021.

Reapreciação da matéria de facto;

Inexistência do pressuposto do incumprimento imputável à promitente vendedora.

Contra-alegou o credor e impugnante A ..., batendo-se pela confirmação da sentença.

Apreciando.

Sobre a inadmissibilidade da junção dos documentos.

                                                                                         

Começa a apelante por proclamar a inadmissibilidade da junção de documentos requerida pelo credor impugnante A ... na sessão de 16.04.2021 por violação da proibição contida no art.º 423 do CPC

Mas não tem razão.

O art.º 423 do CPC não proíbe a junção de documentos após a apresentação do articulado em que são alegados os factos correspondentes. Apenas comina com multa a sua apresentação posterior, até 20 dias antes da realização da audiência final, se a parte não provar que “os não pôde oferecer com o articulado”.

Entende a apelante que não foi observada a antecedência legal.

A razão da antecedência imposta na lei prende-se com a necessidade de acautelar um adequado contraditório pela parte contrária.

Sucede que a 2ª sessão da audiência final teve lugar em 14.05.2021, ou seja, mais de 20 dias após a junção dos documentos.

O contraditório da recorrente ficou, por isso, assegurado no período compreendido entre 14.04 e 14.05.2021.

De resto, também logrou o apresentante dos documentos provar que não os pôde juntar antes porque os mesmos se encontravam na posse do contabilista, o que, de resto, se harmoniza com a natureza respectiva.

Donde a improcedência da questão em apreço.

Reapreciação da matéria de facto.

Pretende a apelante que esta Relação modifique a decisão de facto proferida em 1ª instancia de molde a que os factos dados como provados em 7, 24, 25, 26 e 27 passem a ser dados como não provados.

São estes os factos em causa:

“7. A título de sinal e princípio de pagamento, A ... entregou à H..., Lda. o montante total de € 100.000,00 (cfr. documentos n.ºs 2 a 5 juntos com a impugnação de créditos; extracto de conta bancária e balancete geral da H..., Lda., ambos juntos no início da audiência de julgamento).

 24. D ...no imóvel identificado como verba 9.ª procedeu a trabalhos extra de carpintaria; colocou móveis de cozinha e de casa de banho; bem como outros equipamentos.

 25. Nos finais do ano de 2008, D ...e E... passaram a dispor do referido imóvel identificado como verba 9.ª; preparando-o para o mesmo passar a ser a residência de ambos.

 26. A disponibilidade acima referida no ponto anterior beneficiou da anuência do gerente da H..., Lda. - F... -.

27. D ...e E... interpelaram diversas vezes a H..., Lda., na pessoa do gerente F..., com vista a que a mesma facultasse a documentação necessária à marcação da escritura pública respeitante ao imóvel identificado como verba 9.ª; tais solicitações foram insucedidas.

Para a inversão da resposta dada ao nº 7 dos factos provados a apelante O... convoca a prova decorrente do depoimento da testemunha N... no segmento em que esta assevera ter contacto com a família do impugnante A ... há mais de dez anos, sendo até visita da respectiva casa. Porém, esta afirmação em nada desvaloriza o depoimento, até porque a mesma testemunha confirma que, perante a lamentação do impugnante de que não conservara a prova da entrega da quantia correspondente ao sinal, foi falar com o contabilista da insolvente para obter a documentação bancária do pagamento.

Nada a alterar, pois, quanto a este ponto.

No que concerne aos factos dos nºs 24, 25, 26 e 27 – matéria atinente à tradição do imóvel integrado pela fracção N para os impugnantes e promitentes-compradores D ...e mulher E... – respalda-se a apelante para a sua alteração nas declarações do próprio impugnante e novamente no depoimento da testemunha N.... No entanto, esta testemunha evidenciou não conhecer o concreto contexto em que as chaves da fração foram entregues ao impugnante D .... Se é certo que este impugnante executou trabalhos de carpintaria em regime de empreitada, também é de ter presente que com ele veio a devedora a outorgar um contrato-promessa de compra e venda da fracção, título este perfeitamente suficiente para justificar a permanência das chaves em seu poder. De resto, nunca foi arguida a simulação ou falsidade do referido contrato-promessa. De todo o modo, as declarações prestadas por aquele impugnante merecem a credibilidade desta Relação no que respeita à realização em proveito próprio de obras na fracção que prometeu comprar tendo em vista a instalação da respectiva residência. A outorga do contrato-promessa, com passagem de um sinal, e a não oposição pessoal do gerente F... à ocupação da fracção, também apontam para a disponibilidade aludida no facto provado em 26.

Já no que tange ao facto provado em 27 não há, efectivamente, qualquer prova de que tenha existido qualquer interpelação.

Pelo que, sendo apenas este último facto a considerar como não provado, é de manter os restantes como provados.

Em suma, na parcial procedência da impugnação, são os seguintes os factos que esta Relação tem por definitivamente provados:

1. A 30-8-2010, G... peticionou a declaração de insolvência da H..., Lda.

2. A 07-12-2010 foi proferida Sentença, a qual declarou insolvente a sociedade H..., Lda.

3. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do auto de apreensão junto pelo Sr. AI a 24-10-2018 no âmbito do apenso A – apreensão de bens, do qual, com relevância para a presente Decisão, se destacam as seguintes verbas: i. Verba 8. Fracção autónoma designada pela letra “L” (…) do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., freguesia de ..., sob o número .... ii. Verba 9. Fracção autónoma designada pela letra “N” (…) do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., freguesia de ..., sob o número .... iii. Verba 10. Fracção autónoma designada pela letra “O” (…) do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., freguesia de ..., sob o número ....

4. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor da lista de credores reconhecidos complementada e junta pelo Sr. AI a 14-4-2020, destacando-se os termos em que constam reconhecidos os créditos dos ora impugnantes: i. Credor 23 – A ...: Fundamento: incumprimento contrato-promessa de compra e venda; Capital: 200.000,00 €; despesas: 18.577,79 €; total 218.577,79 €; Natureza: Comum; Observações: Não é reconhecido o Direito de retenção sobre a Fracção “O” (…), pois não são produzidas provas consideradas suficientes para sustentar esse reconhecimento. ii. Credor 25 – D ...e mulher E...: Fundamento: incumprimento contrato-promessa de compra e venda; Capital: 25.000,00 €; juros: 176,66 €; total 26.176,66 €; Natureza: Comum; Observações: Não é reconhecido o Direito de retenção sobre a Fracção “N” (…), pois não são produzidas provas consideradas suficientes para sustentar esse reconhecimento. iii. Credor 26 – B ... e C ...: Fundamento: incumprimento contrato-promessa de compra e venda; Capital: 50.333,85 €; despesas: 1.118,76 €; total 51.452,60 €; Natureza: Comum; Observações: Não é reconhecido o Direito de retenção sobre a Fracção “L” (…), pois não são produzidas provas consideradas suficientes para sustentar esse reconhecimento.

Da impugnação deduzida por A ...:

5. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do epigrafado “Contrato-Promessa de Compra e Venda”, do qual se destacam os seguintes excertos (fls. 47 a 48): “(…) Entre os abaixo identificados, Como Primeiro Outorgantes ou Promitente-Vendedores: F... (…) G... (…), que outorgam na qualidade de sócios e gerentes e, em nome e em representação da sociedade comercial por quotas que gira sob a firma “ H..., Limitada (…) e como Segundo Outorgante e Promitente-Comprador: A ..., casado sob o regime de comunhão de adquiridos com I... (…) de acordo com o ajustado verbalmente entre eles, é celebrado um contrato de compra e venda, sujeito à sua disciplina específica, o qual se regerá pelas disposições da lei civil aplicáveis e especialmente pelo clausulado seguinte: Primeira: Os primeiros outorgantes na qualidade que outorgam declaram que a sua representada é dona e legítima possuidora da Fracção Autónoma, correspondente a moradia, designada pelo número QUINZE, destinada a habitação, que se encontra em construção no Prédio Rústico, situado nos ..., denominada “Terra da ...” – Urbanização das ..., mencionada freguesia de ..., descrita na competente Conservatória do Registo Predial sob o número ... (…). (…) Terceira: O preço estabelecido para esta venda é de 150.000,00 € (Cento e Cinquenta Mil Euros). Esta quantia será paga do modo seguinte: (…). (…) Feito em duplicado, ficando um exemplar na posse de cada uma das partes. ..., dezanove de Outubro do ano dois mil e cinco. (…)”.

6. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do epigrafado “Aditamento ao Contrato-Promessa de Compra e Venda celebrado em 19 de Outubro de Dois mil e cinco”, do qual se destacam os seguintes excertos: “(…) PRIMEIRO: O Segundo Outorgante entregou a título de reforço de sinal € 70.000,00 (setenta mil euros). (…)”.

7. A título de sinal e princípio de pagamento, A ... entregou à H..., Lda. o montante total de € 100.000,00 (cfr. documentos n.ºs 2 a 5 juntos com a impugnação de créditos; extracto de conta bancária e balancete geral da H..., Lda., ambos juntos no início da audiência de julgamento).

8. A ... solicitou várias e inúmeras vezes à H..., Lda. a marcação da acima aludida escritura, sem sucesso.

9. A 25-6-2007, a H..., Lda. entregou a A ... o acima referido imóvel.

10. A partir do dia 25-6-2007 que A ... e a Sra. sua mulher I... procederam à instalação no mesmo imóvel de esquentador, cortinados, mobiliário de cozinha, bem como diverso mobiliário, decorações e equipamentos (cfr. documentos n.ºs 53 a 61 juntos com a impugnação de créditos).

11. Desde 25-6-2007 que A ... e sua família passam férias, a quadra natalícia e o Ano Novo no referido imóvel.

12. A 23-6-2008, A ... e I... conferiram poderes de representação ao sogro daquele impugnante - M... (cópia de procuração junta como documento n.º 7 da impugnação de créditos).

13. Uma vez que A ... e I... trabalham no estrangeiro, é M... que cuida do mesmo imóvel.

14. A ... procede ao regular pagamento dos consumos de água, de energia eléctrica e do serviço de telefone (cfr. documentos n.ºs 8 a 48 juntos com a impugnação de créditos).

15. A 30-9-2010, A ..., através do seu representante M..., procedeu à instalação de sistema de alarme no referido imóvel (cfr. documentos n.ºs 49 a 52 juntos com a impugnação de créditos).

Da impugnação deduzida por B ... e C ...:

16. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do epigrafado “Contrato-Promessa de Compra e Venda”, do qual se destacam os seguintes excertos (fls. 139 a 143): “(…) Primeiro Contraente (Promitente-Vendedora): “ H..., Limitada (…), representada neste acto pela Sócia-gerente N..., Segundos Contraentes (Promitentes Compradores): B ... e mulher C ..., casados sob o regime de comunhão de adquiridos (…) Entre os Primeiros Contraentes e os Segundos Contraentes acima identificados fica estabelecido o presente contrato-Promessa de Compra e Venda, que reciprocamente se obrigam a cumprir de acordo com as cláusulas seguintes: Primeira: A primeira contraente é dona e legítima possuidora da Fracção Autónoma, designada pela letra “L” (…) do Prédio Urbano situado na Urbanização das ..., no lugar de ..., freguesia de ..., descrita na competente Conservatória do Registo Predial sob o número ... (…). Segunda: A Primeira Contraente promete vender aos Segundos Contraentes, ou a quem por eles for indicado, livre de ónus ou encargos, a fracção identificada na cláusula primeira do presente contrato, que por sua vez os Segundos, prometem comprar, a identificada fracção em fase de acabamento, ou seja, em tosco, sendo os acabamentos da mesma da responsabilidade dos Segundos Contraentes, nomeadamente (…) (…) Terceira: O preço global estabelecido para esta venda é de 65.000,00 € (Sessenta e Cinco Mil Euros), (…) A referida quantia será integralmente liquidada, na data da outorga da respectiva escritura de compra e venda. Quarta: Os Segundos Contraentes entram na posse da identificada fracção, nesta data, com a assinatura do presente contrato. (…) ..., 22 de Março de 2010. (…)”

17. A partir de 22-3-2010 B ... e C ... procederam a obras de acabamento do referido imóvel.

18. E, em seguida e sem qualquer interrupção temporal, passaram a habitá-lo.

19. B ... e C ... mobilaram o referido imóvel.

20. B ... e C ... solicitaram várias e inúmeras vezes à H..., Lda. a entrega dos documentos necessários à marcação da acima aludida escritura pública, sem sucesso.

Da impugnação deduzida por D ...e E...: 21. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do epigrafado “Contrato-Promessa de Compra e Venda”, do qual se destacam os seguintes excertos (fls. 400 a 407): “(…) Entre os abaixo identificados, Como Primeiro Outorgante ou Promitente-Vendedor: F... (…) na qualidade de sócio e gerente e, em nome e em representação da sociedade comercial por quotas que gira sob a firma “ H..., Limitada (…) e como Segundos Outorgantes e Promitentes-Compradores: D ...e mulher E... (…) de acordo com o ajustado verbalmente entre eles, é celebrado um contrato de compra e venda, sujeito à sua disciplina específica, o qual se regerá pelas disposições da lei civil aplicáveis e especialmente pelo clausulado seguinte: Primeira: O primeiro outorgante na qualidade que outorga declara que a sua representada é dona e legítima possuidora da Fracção Autónoma, correspondente à moradia, designada pelo letra “N”, destinada a habitação, que se encontra em construção, no Prédio Rústico, situado nos ..., denominada “Terra da ...” – Urbanização das ..., mencionada freguesia de ..., descrita na competente Conservatória do Registo Predial sob o número ... (…). Segunda: O primeiro outorgante na qualidade em que outorga promete vender ao segundo, livre de ónus ou encargos, a Fracção Autónoma do prédio identificado na cláusula anterior, que por sua vez os segundos, prometem comprar. Terceira: O preço estabelecido para esta venda é de 130.000,00 € (Cento e Trinta Mil Euros). Esta quantia será paga do modo seguinte: A) 13.000 € (treze mil euros), nesta data, através de transferência bancária, como sinal e princípio de pagamento, de que o primeiro outorgante dá aos segundos a respectiva quitação; B) e os restantes 117.000,00 (cento e dezassete mil euros), no dia da assinatura da respectiva escritura que formalizará o presente contrato. QUARTA: A escritura que formalizará o presente contrato deverá ter lugar logo que o primeiro outorgante possua toda a documentação necessária para o efeito, designadamente que a indicada fracção do referido prédio se encontre registada na Conservatória em nome do vendedor e que tenha obtido a respectiva Licença de Habitabilidade, devendo ter lugar até ao final do mês de Agosto do ano de dois mil e oito, data esta que entrarão na posse do indicado imóvel. QUINTA: Compete aos segundos outorgantes ou aos seus representantes, depois de obtida toda a documentação necessária, fornecida pelo primeiro, diligenciar no sentido de procederem à marcação da dita escritura (…) e comunicar à representada do primeiro, através de carta registada com aviso de recepção (…) (…)”. Feito em duplicado, ficando um exemplar na posse de cada uma das partes. ..., dezasseis de Abril do ano dois mil e sete. (…)”.

22. As assinaturas apostas no contrato identificado no ponto anterior foram objecto de reconhecimento por parte do Ilustre Sr. Advogado Dr. L....

23. No momento da assinatura do acima indicado contrato promessa, D ...e E... entregaram à H..., Lda., a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 13.000,00 (documento n.º 2 junto com a impugnação de créditos, a fls. 408).

24. D ...no imóvel identificado como verba 9.ª procedeu a trabalhos extra de carpintaria; colocou móveis de cozinha e de casa de banho; bem como outros equipamentos.

25. Nos finais do ano de 2008, D ...e E... passaram a dispor do referido imóvel identificado como verba 9.ª; preparando-o para o mesmo passar a ser a residência de ambos.

26. A disponibilidade acima referida no ponto anterior beneficiou da anuência do gerente da H..., Lda. - F....

27. D ...e E... procederam ao pagamento dos consumos de energia eléctrica, os quais constam identificados no documento n.º 3 junto com a respectiva impugnação de créditos, a fls. 409 a 411 verso.

28. Nos finais do ano de 2010, D ...e E... passaram a habitar o referido imóvel identificado como verba 9.ª.    

           

Inexistência do pressuposto do incumprimento imputável à promitente-vendedora.           

Entende a apelante que não se provou o incumprimento dos contratos-promessa celebrados pela devedora com os impugnantes uma vez que a celebração dos contratos definitivos – ou seja, as prometidas vendas – só não ocorreu por “decisão do Ex.mo Sr. Administrador da Insolvência”.

A decisão aqui em causa é obviamente a da recusa do cumprimento dos três contratos-promessa que oportunamente foi comunicada aos impugnantes/promitentes-compradores pelo Sr. Administrador da Insolvência.

Visa a recorrente chamar a atenção para a não verificação de um dos pressupostos constantes da alínea f) do art.º 755 do C. Civil para a declaração do direito de retenção dos promitentes-compradores ora impugnantes, porquanto aí se atribui o referido direito ao “beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos temos do artigo 442.º”.

Mas não tem razão.

Com efeito, é a declaração de insolvência de devedora e promitente-vendedora H..., Lda, que verdadeira e substancialmente leva à opção do Administrador da Insolvência pela recusa do cumprimento dos contratos-promessa.

Pelo simples facto de cair em insolvência o promitente-vendedor provoca a recusa do cumprimento pelo AI. Assim sendo, o não cumprimento do contrato não deixa de lhe ser imputável nos termos e para os efeitos dos art.º 442 e 755, nº 1, al.ª f) do C.Civil.

Não obstante, importa averiguar da presença dos requisitos da verificação e declaração do direito de retenção de cada impugnante.

As impugnações apreciadas e decididas tiveram o único ou exclusivo propósito de colocar os créditos dos impugnantes na posição de créditos garantidos pelo direito de retenção.

É certo que o problema da imputabilidade do incumprimento levantado pela apelante abrangeria, ou teria em si implícita, a questão de saber se os créditos àqueles reconhecidos existem, e, na hipótese afirmativa, qual o respectivo montante.

E que, por força do preceituado no nº 3 do art.º 130 do CIRE, mesmo que não impugnada a lista dos créditos reconhecidos, o juiz não está vinculado a homologá-la, isto é, a aceitar como boa a listagem do administrador, se vier a constatar que este incorreu em erro manifesto.

Como sustentam Luis A. Carvalho Fernandes e João Labareda (CIRE Anotado, Quid Iuris, 2006, V. I, p. 460) não pode o juiz “abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos de crédito (…)”.

Atentemos, agora, na origem dos créditos reconhecidos a cada um dos impugnantes.

No que concerne ao crédito atribuído ao impugnantes B ... e mulher C ... decorre do contrato-promessa junto a fls. 140 e ss que não houve entrega de qualquer quantia, designadamente a título de sinal, à promitente vendedora H....

Quer dizer, não houve qualquer prestação dos promitentes compradores, pelo que, reconduzindo-se o seu crédito insolvencial à devolução do prestado, não haveria crédito pelo incumprimento.

Todavia, está reconhecido um crédito pelo Administrador, sem que esse crédito haja sido impugnado.

Tendo esse crédito origem na insolvência e na recusa do cumprimento, não se vê como o mesmo não possa fundar o direito de retenção.

Já no que se atem aos créditos reconhecidos aos impugnantes A ... e D ...e E... constata-se que eles foram computados pelo dobro dos sinais prestados como se de um incumprimento puramente civilístico se tratasse.

É certo que após o AUJ do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Abril de 2021 sobre as consequências da recusa de cumprimento dos contratos-promessa de compra-e-venda pelo AI, está hoje consolidada/uniformizada jurisprudência de que o sancionamento civilístico do art.º 442 do CC consubstanciado no dobro do sinal prestado pelo promitente-comprador não opera no caso de recusa de cumprimento pelo AI do contrato-promessa de compra-e-venda em que o devedor/insolvente figura como promitente-vendedor.

No entanto, pensamos que não ocorre aqui um lapso manifesto susceptível de reclamar a intervenção correctiva do juiz a que alude o já citado nº 3 do art.º 130 do CIRE.

Trata-se de uma ponderação de mérito que carecia de ter sido provocada pela impugnação dos credores quando estes tiveram oportunidade de reagir contra a relação dos créditos reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência.

Na verdade, estatuem os nºs 1 e 3 art.º 130 do CIRE que nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no nº 1 do art.º 129, qualquer interessado pode impugnar a lista de créditos reconhecidos, entre mais, pela incorrecção do montante; e que, se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, salvo o caso de erro manifesto.

Ora ninguém se manifestou contra os montantes dos créditos dos aludidos impugnantes que foram incluídos na lista do Sr. Administrador em função dos valores reclamados.

Essa impugnação seria um ataque de mérito que se posicionaria bem para além da constatação do falado erro manifesto, desencadeando então a correspondente decisão de mérito a proferir pelo juiz.

Não tendo existido essa impugnação, não podem agora os impugnantes ser com isso confrontados uma vez que por eles só foi questionada a qualificação dos seus créditos como garantidos/privilegiados com o direito de retenção. Por último, dir-se-á que relativamente a estes impugnantes estão presentes todos os pressupostos dos direitos de retenção que lhes foram atribuídos enquanto promitentes-compradores.

Como é sabido, o direito de retenção consiste na faculdade conferida ao devedor de reter a coisa que está obrigado a entregar ao credor por dispor de um crédito contra esse credor resultante de despesas feitas por causa da coisa ou por danos por ela causados – art.º 754 do C. Civil.

Trata-se, assim, de um direito real de garantia que integra o capítulo do Código Civil destinado às garantias especiais das obrigações (Capítulo VI, Título I, Livro II).

O art.º 755 contempla casos especiais de direito de retenção, sendo um deles o do beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real previsto na respectiva alínea f).

Sintetizando os requisitos deste direito escreve Calvão da Silva[1]:

“Em primeiro lugar, goza do direito de retenção o beneficiário de promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa objecto do contrato prometido. Vale dizer que o titular do direito de retenção é o beneficiário de qualquer contrato-promessa com traditio rei (…). Em segundo lugar, o direito de retenção existe para garantia do crédito resultante do não cumprimento imputável à parte que promete transmitir ou constituir um direito real. Vale dizer, por outras palavras, que está em causa o crédito (dobro do sinal, valor da coisa, indemnização convencionada nos termos do nº 4 do art.º 442) derivado do incumprimento definitivo.”

Há ainda que ter em conta a jurisprudência uniformizada sobre o direito de retenção resultante de contrato-promessa de compra-e-venda em processo insolvencial, jurisprudência que só o confere ao promitente comprador que seja simultaneamente consumidor, devendo incluir-se neste conceito todo aquele que destina o imóvel, objeto de traditio, a uso particular, ou seja, não o compra para revenda nem o afeta a uma atividade profissional ou lucrativa  (cfr. o AUJ nº 4/2014 de 19 de Maio de 2014, DR nº 95, Série I, e também o AUJ 4/2019 de 25 de Julho de 2019, DR nº 141, Série I).

Não decorrendo dos autos que qualquer dos aludidos impugnantes destinasse a fracção prometida adquirir a revenda ou a uma actividade profissional ou lucrativa, e não tendo sido problematizado o requisito da traditio (de resto, claramente evidenciado nos factos provados em 10, 11, 14 e 15 quanto ao impugnante A ... e 24, 25, 28 e 29 quanto aos impugnantes D ...e E...), a decisão recorrida não pode deixar de ser mantida no que aos pertinentes créditos concerne.

Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirmam a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

(…)

                  Coimbra, 15 de Dezembro de 2021

                                    (Freitas Neto – Relator)

                        (Paulo Brandão)

                        (Carlos Barreira) 


[1] Sinal e contrato-promessa, Coimbra, 1988, p. 111.