Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
371/04.0TTCLD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
BENEFICIÁRIO
FILHO
SINISTRADO
MORTE
LIMITE DE IDADE
DIREITO A PENSÃO
Data do Acordão: 02/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - TRIBUNAL DO TRABALHO DE CALDAS DA RAINHA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 20º DA LEI Nº 100/97, DE 13/09; LEI 85/2009, DE 27/08. LEI Nº 98/2009, DE 4/09 (NOVA LEI DE ACIDENTES DO TRABALHO)
Sumário: I – Nos termos do artº 20º, nº 1, al. c) da Lei nº 100/97, de 13/09, o beneficiário de pensão por acidente de trabalho, como filho do sinistrado, tem direito à pensão até perfazer 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequente o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, ou sem limite de idade quando afectado de doença física ou mental que incapacite sensivelmente para o trabalho.

II – A Lei nº 85/2009, de 27/08 – que estabelece o regime da escolaridade obrigatória para as crianças e jovens em idade escolar – define no seu artº 2º que a escolaridade é obrigatória para as crianças e jovens com idades compreendidas entre os 6 e os 18 anos.

III – Perfazendo o beneficiário de pensão, por acidente de trabalho do progenitor, 18 anos e não frequentando o ensino secundário, a lei é clara quanto ao efeito da perda de pensão por esse motivo.

IV – Com a publicação da Lei nº 98/2009, de 4/09 (nova Lei dos Acidentes de Trabalho), manteve-se o mesmo regime de direito à pensão dos filhos dos sinistrados falecidos em consequência de acidente de trabalho, que existia na vigência da Lei nº 100/97.

Decisão Texto Integral:            
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Em processo emergente de acidente de trabalho, em que assume a qualidade de beneficiário o identificado autor - por morte de seu pai, vítima mortal de acidente de trabalho -, a ré foi condenada, por sentença proferida em 11-05-2006, ao pagar ao autor uma pensão anual e temporária desde 03-07-2004 até que atinja a idade de 18, 22 ou 25 anos e enquanto frequentar o ensino secundário ou equiparado, ou o superior, ou, sem limite de idade, se afectado de doença física ou mental que o incapacite.

Em 9-04-2014, a seguradora veio requerer a declaração da caducidade do direito a tal pensão, alegando que o beneficiário fez 18 anos de idade em 21-11-2013 e frequenta apenas o 9.º ano do ensino básico.

Perante este requerimento, em 5-05-2014, a Sr.ª juíza do tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:

“Indefiro liminarmente o requerimento inicial com fundamento na sua manifesta improcedência, atento o teor do documento de fls. 10, que comprova que o requerido/beneficiário A..., está matriculado , no ano lectivo de 2013/2014, no 9º ano de escolaridade [ turma PCA – J, no curso de EB3CI – Ensino Básico – 3º ciclo], sendo que, actualmente, de acordo com o imposto pela Lei de Bases do Sistema Educativo, o ensino é obrigatório é de 12 anos de escolaridade, e é obrigatório até aos 18 anos de idade (independentemente do aproveitamento escolar do aluno, o mesmo, obrigatoriamente, deve frequentar o ensino oficial até atingir os 18 anos).

Assim sendo, tendo o beneficiário comprovado perante a seguradora que se encontra matriculado no último ano do ensino básico (9º ano) em estabelecimento oficial de ensino, na data (e para o ano lectivo) em que completou 18 anos de idade, considerando que a pensão que lhe foi fixada nos autos assume verdadeiro carácter de alimentos, revestindo-se de capital importância para o mesmo, e constituindo a sua única fonte de subsistência, considerando ainda que as normas constantes da legislação de acidentes de trabalho e doenças profissionais são preceitos imperativos e de interesse e ordem pública; por razões de unidade do sistema jurídico, julgamos ser imperativa a interpretação actualista – e conforme à Constituição e à Lei de Bases do Sistema Educativo – do disposto no artº 20º nº 1 al. c) da Lei nº 100/97, de 13/09, no sentido de, onde se lê “ensino secundário”, se considerar, por maioria de razão, também abrangido o ensino básico.

Em sentido convergente ao supra propugnado cfr. Acs. TRLx. de 11/05/2011, relatado pelo Desemb, José Feteira, e de 02/10/1996, relatado pelo Desemb, César Teles, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.

Entender de forma diversa seria admitir a introdução de prática disruptiva e injusta, na medida em que o Estado imporia ao beneficiário da pensão a frequência de estabelecimento de ensino durante 12 anos (impedindo-o legalmente de trabalhar e, dessa forma, prover ao seu sustento), e, no ano lectivo em que o mesmo completaria os 18 anos de idade, permitiria que lhe fosse retirada a única fonte de rendimento e impedindo-o assim de continuar a estudar naquele ano lectivo, e de concluir a sua formação / grau educativo.»

É deste despacho que a ré veio apelar apresentando, nas correspondentes alegações, as seguintes conclusões:

[…]

 O Ministério Público, apresentou contra-alegações pronunciando-se pela improcedência do recurso.


*

III.  As conclusões da alegação da recorrente delimitam o objecto do recurso, não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

Decorre do exposto que a questão que importa dilucidar e resolver, o objecto do recurso, é a de saber se deveria ou não ser indeferido liminarmente requerimento para a declaração da caducidade da pensão do beneficiário/autor.

Vejamos:

De acordo com a sentença proferida nos autos o beneficiário da pensão tem direito a uma pensão anual e temporária desde 03-07-2004 até atingir a idade de 18, 22 ou 25 anos e enquanto frequentar o ensino secundário ou equiparado, ou o superior, ou, sem limite de idade, se afectado de doença física ou mental que o incapacite.

A seguradora apelante requereu a caducidade do direito à pensão alegando que o beneficiário perfez 18 anos e frequenta apenas o ensino básico.

Nos termos do art. 20.º, nº 1, al. c), da Lei 100/97, de 13 de Setembro, – lei aplicável no tempo à situação em análise, considerando a data do acidente de trabalho que fundou o direito à pensão - o beneficiário, como filho do sinistrado, teria direito à pensão até perfazer 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentasse o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, ou sem limite de idade quando afectado de doença física ou mental que o incapacite sensivelmente para o trabalho.

Como sustenta a apelante, a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, com posteriores alterações) estabelece nos seus arts. 6.º e 8.º que o ensino básico é universal, obrigatório e gratuito e tem a duração de nove anos, ingressando no ensino básico as crianças que completem 6 anos de idade, e compreende três ciclos sequenciais, sendo o 1.º de quatro anos, o 2.º de dois anos e o 3.º de três anos.

Por seu lado, o art. 10.º da mesma Lei estabelece que o ensino secundário tem a duração de três anos e a ele têm acesso os que completarem com aproveitamento o ensino básico.

Por outro lado ainda, a Lei n.º 85/2009, de 27 de Agosto – que estabelece o regime da escolaridade obrigatória para as crianças e jovens que se encontram em idade escolar – define no seu art. 2.º que a escolaridade é obrigatória para as crianças e jovens com idades compreendidas entre os 6 e os 18 anos. Mas, o n.º 4 do mesmo art. 2.º dispõe que a escolaridade obrigatória cessa, independentemente da obtenção do diploma de qualquer ciclo ou nível de ensino, no momento do ano escolar em que o aluno perfaça 18 anos.

O que significa que o beneficiário, tendo concluído 18 anos de idade, já não está sujeito à escolaridade obrigatória.

Simultaneamente, de acordo com a requerente seguradora também não frequenta o ensino secundário, apenas o ensino básico.

A decisão recorrida considerou, no entanto, que ainda assim se deveria considerar abrangido pelo direito à pensão uma vez que, comprovando matrícula no último ano do ensino básico, na data e para o ano lectivo em que completou 18 anos de idade, se deveria entender que “por razões de unidade do sistema jurídico” e numa interpretação actualista o disposto no art. 20.º n.º 1 al. c) da Lei nº 100/97, de 13/09 tem o sentido de, «onde se lê “ensino secundário”, se considerar, por maioria de razão, também abrangido o ensino básico».

Compreendendo embora o esforço de interpretação, não podemos acompanhar a mesma decisão.

Não existe a nosso ver qualquer alteração legal que justifique a exigência de uma actualização interpretativa ou uma interpretação extensiva “por maioria de razão”.

Perfazendo 18 anos, não frequentando o ensino secundário, a lei é clara quanto ao efeito da perda de pensão por esse motivo. A circunstância da Lei n.º 85/2009, de 27 de Agosto, definir a escolaridade obrigatória para 12 anos significa apenas a sua obrigatoriedade até aos 18 anos, como dissemos, e não mais do que isso. A partir da data em que perfaça os 18 anos, o beneficiário apenas pode manter o seu direito á pensão não por via da escolaridade obrigatória, mas por via de frequentar o ensino secundário. Sublinhe-se que depois da publicação da referida Lei n.º 85/2009, foi publicada a actual “lei dos acidentes de trabalho”, a Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, onde o mesmo regime de direito à pensão dos filhos dos sinistrados falecidos em consequência de acidente de trabalho se manteve nos mesmos termos que na Lei n.º 100/97, não se suscitando assim dúvidas quanto à necessidade de uma conformação actualista entre esta e aquela Lei n.º 85/2009.

Por outro lado, como argumenta a apelante no recurso, os Acórdãos invocados na decisão recorrida têm por objecto questões diversas das colocadas nestes autos. Designadamente, no Acórdão da Relação de Lisboa de 11.05.2011 (proc. 20574-A/1992.L1-4, in www.dgsi) o que estava em causa era a equiparação de ensino especial a beneficiário que desenvolveu anomalia psíquica determinante de uma incapacidade que o levou a frequentar estabelecimentos aquele mesmo ensino. O que não é o caso que nos ocupa.

Assim sendo, a nosso ver, não ocorriam motivos para o indeferimento liminar do requerimento da seguradora.

A extinção do direito às pensões, designadamente as temporárias, está sujeita a declaração judicial, requerida pela entidade responsável pelo seu pagamento, conforme dispõe o artigo 152.º, n.º 1 do CPT. O mesmo artigo impõe que seja dado o contraditório e, após, (n.º 3 desse artigo) “[p]roduzida a prova requerida e realizadas as diligências oficiosamente ordenadas, se verificar que não há pensões, indemnizações ou quaisquer outras prestações a satisfazer, o juiz decide o incidente”.

O incidente de verificação da caducidade da pensão deve prosseguir assim os seus termos, designadamente para, ouvido o beneficiário ou realizadas as diligências que se imponham, verificar não haver pensões por pagar ou não estar o beneficiário afectado de doença física ou mental que o incapacite para o trabalho.

Pelo que a apelação procede, em conformidade.


*

III- DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, delibera-se julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida e determinar o prosseguimento dos necessários termos processuais do incidente para verificação da caducidade da pensão.

Sem custas, estando o apelado delas isento.

                                                                    *

  


(Luís Azevedo Mendes – Relator)

 (Felizardo Paiva)

 (Jorge Loureiro)