Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | VÍTOR AMARAL | ||
Descritores: | AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO CAUSA DE PEDIR TÍTULO DE AQUISIÇÃO INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INADMISSIBILIDADE DE CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO DA PETIÇÃO ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA PAGAMENTO DO PREÇO DE AQUISIÇÃO ACORDO VERBAL PARA TRANSMISSÃO POSTERIOR DO BEM | ||
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Data do Acordão: | 03/11/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – VISEU – JUÍZO CENTRAL CÍVEL – JUIZ 3 | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 349.º E 350.º, N.ºS 1 E 2, 410.º, N.º 1, 874.º, 879.º, AL. A), DO CÓDIGO CIVIL. ARTIGOS 5.º, N.º 1, E 2, 186.º, N.º S 1 E 2, 552.º, N.º 1, AL. D), 577.º, AL. B), 576.º, N.º 2, E 581.º, N.º 4, 590.º, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
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Sumário: | 1. - A causa de pedir corresponde ao conjunto dos factos que integram a previsão normativa substantiva que estabelece o efeito jurídico pretendido na ação, implicando, na ação de reivindicação, para o demandante o ónus da alegação e prova, não só dos factos tendentes a demonstrar o seu direito dominial, tal como peticionado, como ainda a ilicitude da ocupação.
2. - A não especificação, em ação de reivindicação, de um modo de aquisição – originária ou derivada – do direito de propriedade a favor do autor, faltando os factos essenciais de suporte a respeito, limitando-se o demandante a invocar aquisição por contrato de transmissão, mas a favor de outrem – foi a ré, e não o autor, quem outorgou como compradora, beneficiando ela da presunção derivada do registo de aquisição a seu favor e sendo a atual possuidora –, configura um vício de ineptidão da petição inicial, por falta de elementos fácticos decisivos da causa de pedir, levando à absolvição da instância (quanto aos respetivos pedidos caraterísticos e aos pedidos deles dependentes). 3. - A compra e venda tem como efeito legal a transmissão do direito de propriedade da coisa vendida. Como, no caso, a única compradora foi a ré – foi ela quem outorgou, sozinha, como adquirente no instrumento da venda (por si e para si) –, para ela, e só para ela, se transmitiu o direito de propriedade do imóvel. 4. - Ainda que tivesse havido um entendimento verbal entre as partes no sentido de, tendo o autor suportado o pagamento do preço, a ré transferir depois a propriedade para ele, acordo esse nunca cumprido, tal matéria sempre seria irrelevante para efeitos de causa de pedir na ação de reivindicação: se poderia ter algum relevo no quadro de uma eventual simulação relativa, que o autor pôs de lado, não permite atribuir ao demandante o pretendido direito de propriedade, nem por aquisição originária, nem por aquisição derivada, nem por operância de qualquer das presunções de domínio (a derivada do registo ou a decorrente da posse). 5. - Inexistindo sequer um contrato-promessa de compra e venda, pelo qual a ré se obrigasse a vender ao autor – cujo incumprimento não seria suscetível, sem mais, de transmitir o domínio, por apenas determinar um dever de celebrar o contrato prometido –, uma qualquer outra promessa/acordo verbal não faz do autor proprietário, nem o respetivo eventual incumprimento altera, por si, a realidade dominial, apenas podendo assumir eventuais efeitos obrigacionais. 6. - Não é admissível despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inepta por falta da causa de pedir. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | * Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – Relatório AA, com os sinais dos autos, intentou ação declarativa comum contra BB, também com os sinais dos autos, pedindo, na procedência da ação, a condenação da R. a: «a) Reconhecer que o prédio urbano, composto por casa de habitação composta por cave e rés-do-chão, sito em ..., na freguesia ..., concelho ..., com a área coberta de 282,72 m2 e descoberta de 1737,28 m2, inscrita na matriz da referida freguesia sob o art. ...03, e descrito na CRP ... sob o n.º ...37, foi comprado e pago exclusivamente pelo Autor e, consequentemente, que apesar de a mesma beneficiar da presunção do registo de propriedade é seu favor, a considera ilidida e reconhece que é o Autor o seu único proprietário, e nessa medida restituir-lhe a posse do imóvel, devendo ordenar-se à CRP o averbamento da propriedade a favor do Autor, ou, caso assim não se entenda, condenar-se a Ré à outorga da escritura competente para regularizar a propriedade do imóvel a favor do Autor; b) Reconhecer que o imóvel em causa ficou registado em seu nome, apenas por acordo feito com o Autor e que tal seria temporário, bem como, que a mesma se obrigou a celebrar/realizar a competente escritura de transmissão para formalizar a propriedade do imóvel a favor do Autor; c) Reconhecer que o Autor procedeu, em Agosto de 2022, à substituição de todas as janelas e caixilharias da habitação, o que teve um custo com 15.350,00€, e que pagou com dinheiro seu, proveniente da herança por óbito dos seus pais; d) Reconhecer que as obras e móveis identificadas em 17.º e 18.º deste articulado foram pagas por ambos; e) Reconhecer que os bens identificados em 21.º e 22.º deste articulado foram pagos por ambos; f) Ser condenada a proceder à restituição imediata do imóvel ao Autor, e nessa sequência abster-se de lhe vedar o acesso; g) Ser condenada a abster-se de promover a venda do imóvel; h) Condenar-se a Ré a pagar as custas, procuradoria e demais encargos legais; Em qualquer caso, i) Ordenar-se a imediata comunicação da interposição da presente acção à Conservatória do Registo Predial ...; j) Sem prescindir igualmente ser a Ré condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória sendo que esta que deve ser fixada em quantitativo não inferior a 100,00 euros (Cem euros) por cada dia que passe após o trânsito em julgado da decisão a proferir pelo Tribunal sem que a Ré cumpra o doutamente ordenado.» (itálico aditado). Alegou, em síntese, que: - o A. e a R. viveram em união de facto um com o outro desde 2012 a meados de 2022, altura em que se separaram, sendo que o A., que foi casado com outra pessoa, iniciou processo de divórcio em 2011 e partilha do património comum em 2013; - pretendendo o A. adquirir uma vivenda em outubro de 2013 e tendo em conta o contexto aludido, pediu à R., com quem já vivia, que tal vivenda ficasse registada a favor dela, de molde a ficar excluída do processo referente àquela partilha; - tendo a R. aquiescido, aceitou a mesma transmitir a propriedade posteriormente para o A., o que não viria a suceder; - a R. outorgou na escritura pública (de compra e venda) como compradora, com o decorrente registo do imóvel a seu favor; - porém, foi o A. quem pagou o preço, com dinheiros exclusivamente seus, bem com as demais despesas com a aquisição; - por isso, a seu ver, foi o A. quem adquiriu o prédio urbano em causa, não obstante o que consta da escritura e do registo; - enquanto perdurou a união de facto, A. e R. realizaram várias obras de melhoramento e conservação do imóvel, umas com dinheiros próprios do A., outras com fundos de ambos; - a R., tendo mudado as fechaduras do prédio, impede o A. de ali entrar, tal como o impede de aceder a um veículo automóvel, pertença do demandante, que se encontra fechado na respetiva garagem; - a R. pretende até proceder à venda do imóvel, tendo contactado imobiliárias para o efeito, apesar de saber que o mesmo pertence ao A., que tinha a posse e tem a propriedade, com o que incumpre o acordado entre as partes, pelo que se impõe que lhe seja aplicada uma sanção pecuniária compulsória, como peticionado. A R. contestou, defendendo-se por impugnação, e reconveio, alegando que: - «Foram o A., e a R., que adquiriram o prédio (…). Formalmente, o imóvel é da R., materialmente é de ambos, porque ambos contribuíram para o pagamento do mesmo, em dinheiro”; - assim, a casa foi comprada por ambos, tal como as obras foram efetuadas por ambos, na constância da união de facto entre ambos; - acresce que «o A., doou a parte dele á R., ficando esta com a propriedade plena», sendo «celebrada a Escritura Pública no pressuposto de que a única dona era a R.»; - porém, admite a R. que a «casa poderá ser vendida e o dinheiro divide-se por ambos, depois de ser avaliada com valores atuais», enquanto que o aludido veículo automóvel é propriedade de ambos; e concluindo assim: «(…) deve ser considerada como improcedente e não provada a presente ação, sendo dela a R. Absolvida. Porém, Deve ser considerada procedente por provada a Reconvenção com todas as consequências legais, tudo conforme o aí alegado pela R., nomeadamente, quanto aos valores despendidos pela R., e dívidas a serem liquidadas á R., pelo A.,. VALOR da Reconvenção:150.000,00€». O A. exerceu o contraditório, pugnando pela ineptidão e, em qualquer caso, improcedência do pedido reconvencional e pela condenação da R., como litigante de má-fé, em multa e indemnização. Perante o que a R. veio defender a sua absolvição em matéria de litigância de má-fé. Dispensada a audiência prévia, procedeu-se ao saneamento do processo, conhecendo-se da matéria de ineptidão da petição inicial e da reconvenção, âmbito em que foi formulado o seguinte dispositivo: «(…) decide-se declarar a nulidade da petição inicial e da reconvenção, por ineptidão e, em consequência, absolvem-se a Ré/Reconvinte e o Autor/Reconvindo da respectiva instância.». Inconformado, recorre o A., apresentando alegação e formulando as seguintes Conclusões ([1]): «1. A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, salvo devido respeito, não decidiu bem no processo em epígrafe, ao proferir a decisão constante do despacho de absolvição da instância com fundamento na ineptidão da petição por alegada falta de causa de pedir; 2. O Autor intentou a presente ação peticionando a condenação da Ré no reconhecimento do seu direito de propriedade e posse sobre prédio urbano, e assim da sua reivindicação, peticionando a condenação da Ré a reconhecer a propriedade do Autor, e entre o demais à restituição do imóvel ao Autor; 3. Veio a Ré contestar, apresentando igualmente articulado de reconvenção, pugnando pela improcedência do reconhecimento do alegado direito de propriedade, alegando que o prédio foi adquirido por ambos, que foi uma prenda, depois acaba por alegar a compropriedade, ou caso assim não se entendesse, e sede reconvencional o pagamento de valores que a mesma alegadamente pagou, contestou o Autor tal articulado de reconvenção pugnando pela improcedência; 4. Veio após, a Senhora Juiz a proferir a decisão de que se recorre que julgou inepta da petição inicial, declarou nulo todo o processo e consequentemente absolveu a Ré da instância, decisão esta com a qual não se concorda e por isso se intenta o presente recurso; 5. O presente recurso tem assim por base a reformulação da sentença proferida pelo Tribunal a quo, revogando-a e substituindo-a por outra que julgue que a petição inicial sem qualquer vício, muito menos o da ineptidão apontada, ordenando-se consequentemente o prosseguimento dos autos para apreciação da questão de mérito, pois só assim se fará a devida justiça; 6. Fundamenta a Meritíssima Juiz a decisão recorrida nos seguintes termos: No vertente caso, verificamos que o Autor alega, em resumo, ter celebrado com a Ré um acordo tendo em vista esconder o prédio objecto dos autos da sua ex-mulher, com quem estaria em processo de partilhas, no sentido de que ficaria a Ré a figurar na escritura de compra e venda como adquirente, no fundo, uma mera testa de ferro, alegando que quem na realidade adquiriu o imóvel e pagou o preço foi ele próprio. Depois de alegar esta factualidade, o Autor prossegue a sua narrativa afirmando que foi ele quem adquiriu o imóvel descrito em 10.º da pi e que no mesmo foram realizadas várias obras, umas a expensas próprias, outras em conjunto com a Ré, com quem viveu em união de facto durante cerca de 10 anos. Com base nesta materialidade (sinteticamente apresentada) o Autor formula os seguintes pedidos de condenação contra a Ré: a) Reconhecer que o aludido imóvel foi comprado e pago exclusivamente por si e, como tal, que se reconheça ser o mesmo seu único proprietário, devendo ser restituído na posse do imóvel e ordenar-se o averbamento da propriedade na conservatória do registo predial a seu favor ou, caso assim não se entenda condenar-se a Ré a outorgar a escritura pública para regularizar a propriedade a seu favor; b) Reconhecer que o imóvel ficou registado em nome da Ré por acordo feito com o Autor, de modo temporário, com a obrigação de o transmitir a favor do Autor; c) Reconhecer que o Autor procedeu, em Agosto de 2022, à substituição de todas as janelas e caixilharias da habitação, o que teve um custo com 15.350,00€, e que pagou com dinheiro seu, proveniente da herança por óbito dos seus pais; d) Reconhecer que as obras e móveis identificadas em 17.º e 18.º deste articulado foram pagas por ambos; e) Reconhecer que os bens identificados em 21.º e 22.º deste articulado foram pagos por ambos; f) Ser condenada a proceder à restituição imediata do imóvel ao Autor, e nessa sequência abster-se de lhe vedar o acesso (sendo que este pedido é uma duplicação do deduzido em 1.) d) Ser condenada a abster-se de promover a venda do imóvel; Ora, o Autor tendo vindo alegar, ainda que de modo insuficiente (dado que não foram narrados os factos integradores da divergência entre a vontade real e a vontade declarada) materialidade integradora de uma simulação relativa do negócio jurídico, por interposição fictícia de pessoas, dessa parca alegação não extraiu qualquer consequência, designadamente, a nulidade da escritura de compra e venda celebrada em 07.10.2013 e a validade do negócio dissimulado, com o consequente pedido de cancelamento do registo (correspondente ao da inscrição do imóvel em nome da Ré) e inscrição do imóvel a seu favor. É que, embora introduza esse acordo simulatório, o Autor estrutura depois a causa como se de uma pura reivindicação se tratasse, alegando a titularidade do direito, por aquisição derivada!, e os actos violadores desse direito por parte da Ré. Sucede que, sem consubstanciar a tese do negócio simulado, falha o Autor em consubstanciar a causa de pedir da acção de reivindicação.” 7. Porém, a petição inicial não enferma de ineptidão, pois, o Autor discriminou os factos referentes ao modo de aquisição do prédio urbano em causa, do preço, do pagamento do preço, da celebração da escritura, da posse posterior a essa aquisição e ainda do acordo/contrato celebrado com a Ré e os termos ou obrigações desse acordo/contrato e as obrigações assumidas pela Ré em face desse contrato, ou seja, que o Autor comprou o imóvel, pagou na sua totalidade o preço a expensas exclusivamente suas, que na data da escritura a Ré, mediante acordo entre ambos, interveio como outorgante compradora e se obrigou, findo o processo de partilhas do Autor, a outorgar a competente escritura para que o prédio fosse transferido para o nome do Autor, como de facto sempre o foi materialmente. Mais alegou a posse e as obras que foram feitas no prédio, bem como quem fez os pagamentos relativamente a tais obras; 8. Por isso não é a PI inepta, tanto que, esta, só é inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, nos termos do previsto no art. 186.º n.º 2 a) do CPC; 9. Sucede que a petição apresentada em juízo descreve os factos, nomeadamente, a factualidade que esteve por detrás da compra e venda do prédio urbano, o que se passou após a realização do negócio, o preço pago, quem pagou, quem escolheu o imóvel, o acordo celebrado entre Autor e Ré, a posse e as obras feitas no prédio e quem as pagou, que enquanto viviam em união de facto era ali que viviam sempre que se deslocavam a Portugal, a data da aquisição, o facto do Autor e a Ré terem acordado que após o término do processo de partilhas do Autor, a Ré regularizar a situação e colocar o prédio em nome do Autor; 10. Ora, todos estes factos estão devidamente alegados na petição apresentada; 11. E tanto assim é que, a Ré entendeu a causa e os pedidos formulados, pois, caso contrário não teria impugnado os factos, aceite alguns e apresentado a sua versão dos factos, o que apenas demonstra que a Ré entendeu bem o que é pedido pelo Autor na petição apresentada. Tanto que fez reconvenção; 12. O Autor foi claro, inequívoco e preciso ao indicar que manteve, durante anos, uma relação de união de facto com a Ré, que em 2013, quando ainda decorria o seu processo de partilhas, decidiu adquirir um prédio urbano em ..., que escolheu, e que pagou na totalidade com dinheiro exclusivamente seu, que no dia da escritura, e no âmbito de acordo/contrato verbal feito com a Ré, foi esta que compareceu enquanto compradora, com a condição/obrigação que esta assumiu de que após o processo de partilhas regularizaria a situação e colocaria o prédio em nome do Autor, por ser seu legítimo proprietário, e que após várias promessas a Ré não cumpriu; 13. A Ré contestou e até apresentou reconvenção com a sua versão dos factos, alegando em suma que o prédio era dos dois por ter sido adquirido por ambos, alegando ainda numa primeira fase que seria uma prenda do Autor, mas após na sua peça acaba por alegar que foi adquirido pelos dois e que por isso seriam comproprietários, mais alegou o pagamento de IMI’s e de algumas obras; 14. Ou seja, a Ré entendeu perfeitamente qual a pretensão do Autor, que aliás está percetível na peça apresentada; 15. Ora, salvo o devido respeito, o Autor, na PI apresentada, alegou e demonstrou os factos constitutivos do seu direito; 16. Aliás, este é o sentido da jurisprudência unanime. Vide os acórdãos supra citados e transcritos, que nos abstemos de reproduzir por questão de mera economia; 17. Tendo em consideração o articulado (petição inicial) apresentado pelo Autor foi formulado o pedido referido no ponto 6 destas conclusões, estando a causa de pedir justificada em todo o articulado e concretamente nos artigos 1.º a 29.º, 36.º a 41.º da PI.; 18. Salvo o devido respeito, a PI apresentada a juízo apresenta todos os factos, bem como, o pedido e a causa de pedir se encontram devidamente alegados e justificados, são claros e inequívocos, em cumprimento do estipulado legalmente; 19. A realidade é que se assim não fosse, a Ré não teria contestado e demonstrado entender o alegado na petição apresentada e muito menos reconvindo; 20. Ainda que o Tribunal decidisse que existia alguma ininteligibilidade da causa de pedir, não poderia inviabilizar a prossecução dos autos, sem antes considerar a hipótese de notificar o Autor para, concretamente, esclarecer os factos que entendia serem ininteligíveis, o que não aconteceu; 21. Ora aqui chegados Excelências cumpre questionar? Existe falta de causa de pedir? Se estão alegados os factos e o pedido justificado, onde se verifica essa falta de pedir? Não existe, não se verifica falta da causa de pedir que pudesse de forma insanável inviabilizar o prosseguimento dos autos; 22. Ademais, ainda que entendesse o Tribunal ser de esclarecer um ou outro aspecto do alegado – o que se coloca para efeitos de raciocínio já que se entende tal não carecer – ainda assim teria o Tribunal de convidar as partes a um hipotético aperfeiçoamento e não julgar sem mais absolvida a Ré pela verificação da referida ineptidão da petição inicial; 23. Não resulta do articulado apresentado pelo Autor factualidade – causa de pedir – que pudesse criar qualquer confusão ou dúvida insanável entre uma simulação e reivindicação; 24. Aliás, salvo o devido respeito, não existe qualquer confusão na alegação do Autor, uma vez que o mesmo pretende mesmo reivindicar o seu direito de propriedade e posse sobre o prédio urbano que escolheu, comprou e pagou com dinheiro exclusivamente seu; 25. Veja-se os seguintes Acórdãos supra enunciados (que aqui nos abstemos de repetir por questões de economia processual) de forma a escrutinar que os conceitos não se confundem, e da alegação do Autor; 26. O Autor alegou os factos necessários para uma ação de reivindicação de propriedade, pelo que existe sim causa de pedir, devidamente fundamentada nos factos alegados; Caso o demais não proceda: 27. Entende o recorrente que se verifica ilegalidade na decisão recorrida pela ausência de formulação de convite à eventual sanação nos termos do disposto no art. 590.º n.º 2 a) e n.º 3 do C.P.C.; 28. Entende o Autor que não existe falta de causa de pedir, e que os factos que sustentam o pedido estão devidamente alegados, mas ainda que assim não fosse, a verdade é que o tribunal deveria ter convidado o Autor a suprir qualquer irregularidade que considerasse verificar-se, o que não sucedeu; 29. Na senda do já supra alegado e cuja omissão consubstancia nulidade processual, ainda que o Tribunal considerasse que existia alguma imprecisão nos articulados apresentados pelas partes, sempre teria o poder-dever de formular os competentes convites ao aperfeiçoamento; 30. Ora segundo a doutrina e jurisprudência tradicional, nos termos do art. 186.º n.º 3 do C.P.C., apenas a ineptidão por falta ou ininteligibilidade do pedido e causa de pedir consubstancia nulidade insanável sendo todos os demais vícios passíveis de sanação a convite do Tribunal; 31. E o Tribunal recorrido, ao não convidar o Autor a aperfeiçoar a petição, incorreu em falta de convite ao aperfeiçoamento, com clara violação do previsto no art. 508.º n.º 3 do CPC, o que desde já se invoca, para que, afinal, seja decisão recorrida considerada ilegal, devendo ser revogada e substituída por outra na senda do aqui alegado; 32. Pelo que também por esta razão se entende que a decisão recorrida é ferida de ilegalidade que importa corrigir; 33. Sem prescindir, e na senda do supra alegado, entende o Autor que não se verifica a ineptidão da petição inicial, veja-se aliás os doutos acórdãos que se transcreveram supra e igualmente e pelas razões aduzidas nos abstemos de repetir; 34. Em suma, ainda que em termos hipotéticos se considerasse subsistir qualquer omissão na causa de pedir, tinha o Tribunal recorrido o poder/dever de, ao abrigo do disposto no art. 590.º n.º 2 a) e n.º 3 do C.P.C., convidar o autor a esclarecer o pretendido, e ao não o fazer proferiu uma decisão ilegal por violação expressa da Lei nomeadamente do disposto nos supra referidos artigos; 35. O despacho recorrido merece censura sendo o entendimento nele vertido clamante errado e ilegal já que não se verifica nenhuma exceção dilatória, nomeadamente a exceção dilatória na ineptidão da petição inicial, por forma a permitir ao Tribunal proferir a decisão de absolver a Ré da instância nos termos em que o fez; 36. Ainda que se considerasse existir algum défice, na causa de pedir, o que apenas se coloca para efeitos de raciocínio, sempre se terá de considerar que a mesma não configurava uma nulidade insanável e nessa medida é a decisão recorrida ilegal porquanto não precedeu de um convite prévio ao aperfeiçoamento/sanação nos termos do disposto nos artigos 590.º n.º 2 a) e n.º 3 do C.P.C.; 37. Pelo que, salvo melhor opinião que apenas provirá de Vªs Exªs entende o recorrente que a decisão recorrida é ilegal e errada devendo assim ser revogada por Vªs Exªs nesta sede, o que se requer. 38. O despacho recorrido é assim injusto, desleal e ilegal nos termos pugnados nestas alegações pelo que deve ser revogado, ordenando-se o prosseguimento dos autos para apreciação do mérito da causa pela ausência de verificação da exceção dilatória apontada ou caso assim não se entenda deve ordenar-se ao Tribunal recorrido a formulação do legalmente imposto convite ao aperfeiçoamento nos termos do disposto nos artigos 590.º n.º 2 a) e n.º 3 do C.P.C.; NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito e de Justiça e com o sempre Mui Douto Suprimento de Vªs Exªs, deverá conceder-se integral provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido, e substituindo-o por outro nos termos atrás pugnados. Assim se fazendo a habitual e necessária JUSTIÇA!». Não se mostra junta contra-alegação de recurso. *** O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foram mantidos o regime e o efeito fixados ([2]). Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir. *** II – Âmbito do recurso Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([3]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.) –, importa saber, apenas: a) Se ocorre (ou não) ineptidão da petição inicial (mormente, por falta de causa de pedir), gerando a nulidade de todo o processo e consequente absolvição da instância; b) Ou se era caso, em vez da extinção da instância, de convite ao aperfeiçoamento da petição.
*** III – Fundamentação A) Materialidade fáctica e dinâmica processual a considerar A materialidade fáctica e a dinâmica processual a considerar são as descritas no antecedente relatório, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
B) Aspeto jurídico do recurso 1. - Da ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir O A./Recorrente começou por peticionar – em formulada cumulação extensa e heterogénea de pedidos – a condenação da R. a reconhecer que o prédio urbano em causa “foi comprado e pago exclusivamente pelo Autor”, reconhecendo-se “que é o Autor o seu único proprietário, e nessa medida restituir-lhe a posse do imóvel” [al.ª a) do petitório]. Em consonância, peticionou ainda: «f) Ser condenada a proceder à restituição imediata do imóvel ao Autor, e nessa sequência abster-se de lhe vedar o acesso; g) Ser condenada a abster-se de promover a venda do imóvel;». Ora, analisada a substância de tais pedidos, dúvidas não subsistem de que se trata de pretensão corresponde a ação de reivindicação. E, se dúvidas houvesse, o A./Recorrente procurou desfazê-las nas suas conclusões da apelação, onde assume claramente que se trata de intentada ação de reivindicação do discutido imóvel. E não mais que isso. Assim, concluiu o Apelante que: «2. O Autor intentou a presente ação peticionando a condenação da Ré no reconhecimento do seu direito de propriedade e posse sobre prédio urbano, e assim da sua reivindicação, peticionando a condenação da Ré a reconhecer a propriedade do Autor, e entre o demais à restituição do imóvel ao Autor; (…) 23. Não resulta do articulado apresentado pelo Autor factualidade – causa de pedir – que pudesse criar qualquer confusão ou dúvida insanável entre uma simulação e reivindicação; 24. Aliás, salvo o devido respeito, não existe qualquer confusão na alegação do Autor, uma vez que o mesmo pretende mesmo reivindicar o seu direito de propriedade e posse sobre o prédio urbano que escolheu, comprou e pagou com dinheiro exclusivamente seu;» e ainda «26. O Autor alegou os factos necessários para uma ação de reivindicação de propriedade, pelo que existe sim causa de pedir, devidamente fundamentada nos factos alegados» (destaques aditados). Assim sendo, assume o A./Recorrente que não pretende invocar qualquer simulação (não se trata de ação de simulação e decorrente invalidade do negócio simulado, com aproveitamento, em caso de simulação relativa, do negócio dissimulado, nos termos dos art.ºs 240.º e 241.º do CCiv.); mas sim “reivindicar o seu direito de propriedade e posse” ([4]). A esta luz os demais pedidos – os das al.ªs b) a e) do petitório – seriam meramente instrumentais, tendo em conta a “economia” da ação de reivindicação, com os seus pedidos caraterísticos (reconhecimento do direito dominial e condenação na entrega/restituição do bem) e inerente causa de pedir. Ora, a causa de pedir – que pode, em geral, ser linear ou complexa – traduz-se num facto ou conjunto de factos, como decorre dos art.ºs 552.º, n.º 1, al.ª d), e 581.º, n.º 4, ambos do NCPCiv., este último preceito a evidenciar que a causa de pedir se reporta ao facto jurídico, de pendor concreto, que fundamenta (de que procede) a pretensão deduzida na ação. A causa de pedir é constituída/conformada pelos «factos constitutivos da situação jurídica» que o autor «quer fazer valer ou negar, ou integrantes do facto cuja existência ou inexistência afirma», correspondendo «ao conjunto dos factos que integram a previsão da norma ou das normas materiais que estatuem o efeito jurídico pretendido» ([5]). Pode dizer-se, então, em síntese, que a “causa de pedir corresponde ao conjunto dos factos que integram a previsão normativa substantiva que estabelece o efeito jurídico pretendido na ação”; e, vista assim tal causa de pedir, na ação de reivindicação – onde, reitera-se, se pretende o reconhecimento do direito de propriedade do autor e a decorrente restituição de imóvel – “cabe ao demandante o ónus da alegação e prova dos factos tendentes a demonstrar o seu direito de propriedade sobre a coisa reivindicada (prova essa através de factos de que resulte demonstrada a aquisição do domínio, que pode ser originária ou derivada, por sua parte ou dos seus antecessores na posse) e a ilicitude da ocupação” ([6]). Quando, porém, a aquisição for derivada terão de ser provadas as sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária, exceto nos casos em que ocorra presunção legal de propriedade (cfr. art.ºs 349.º e 350.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CCiv.), como a resultante da posse ou do registo definitivo de aquisição ([7]). É, pois, com base no reconhecimento, pela via judicial, desse direito de propriedade que o reivindicante poderá, consequentemente, demonstrando a ilicitude da ocupação, pedir (e obter, judicialmente), nesse âmbito, a restituição do respetivo bem imóvel (assim reivindicado). Ora, a posse, como é consabido, é constituída por um corpus e por um animus ([8]). Na verdade, quanto à usucapião (cfr. art.ºs 1287.º e 1299.º, ambos do CCiv.), enquanto modo de aquisição originária do direito de propriedade (cfr. art.ºs 1316.º e 1317.º, al.ª c), também do CCiv.) sobre bens móveis (sujeitos ou não a registo) ou imóveis, dir-se-á que este instituto postula, no âmbito dos seus elementos integrantes, uma posse (art.º 1251.º do mesmo Cód.), a qual se traduz num “corpus” – consubstanciado na prática de atos materiais correspondentes ao exercício do direito –, tal como num “animus” – intenção e convencimento do exercício de um poder sobre a coisa correspondente ao próprio direito e na sua própria esfera jurídica –, posse essa que deve ser exercida por um certo lapso de tempo e que deve revestir as caraterísticas da pacificidade, publicidade e continuidade (cfr. art.ºs 1293.º e segs. e 1298.º e segs. ainda do CCiv.). A posse assume relevância jurídica fundamental, não só pelos mecanismos legais adotados para a sua defesa (cfr. art.ºs 1276.º e segs. do CCiv.), mas também por nela poder fundar-se a presunção da titularidade do respetivo direito, já que, com alude o art.º 1268.º, n.º 1, do CCiv., o possuidor goza da presunção da titularidade do direito, a não ser que exista presunção, a favor de outrem, fundada em registo anterior ao início da posse. Invocando o aqui A. aquisição derivada, é sabido que a compra e venda tem como efeito a transmissão do direito de propriedade da coisa vendida [cfr. art.ºs 874.º e 879.º, al.ª a), ambos do CCiv.]. Por isso se diz que o contrato de compra e venda «tem eficácia obrigacional – por engendrar a obrigação de entrega da coisa e a obrigação de pagamento do preço [art. 879.º, al.ªs b) e c)] – e eficácia real – por transmitir a propriedade da coisa ou a titularidade do direito [al. a)].» ([9]). Como, no caso, a única compradora era/foi a R. – foi ela quem outorgou, sozinha, como compradora no instrumento da venda (por si e para si) –, para ela, e só para ela, se transmitiu, logicamente, o direito de propriedade do imóvel. Ou seja, mediante tal venda, ficou claro que a R. se tornou a proprietária única/exclusiva do imóvel assim adquirido, termos em que o A. ficou, logicamente, afastado, desde o início/compra, da propriedade do bem. Por isso, desde o tempo da compra que o A. sabe – ou deveria saber – que a única proprietária, nos moldes legais, é a R., em consequência do que pôde registar a aquisição a seu favor (coisa que o A., obviamente, não poderia fazer). A transferência de património (imóvel) deu-se com a celebração do contrato de compra e venda – por efeito deste contrato de transmissão – e para a pessoa que ali consta como outorgante compradora, e não outra. Por força dessa aquisição, foi ela (R.) quem se tornou dona e, na sequência, tem a seu favor o registo de aquisição, constituindo presunção da titularidade do direito. Assim, sem invalidação da compra e venda em que ela – e só ela – foi a compradora, o A. não mostra que a contraparte não seja a dona. Muito menos que seja ele o atual proprietário do bem. E, assim sendo, não mostra, com factos alegados de suporte, que lhe assista – ao demandante – o domínio. E a posse também não a tem, pois a R. até mudou as fechaduras da casa/prédio e não permite a entrada do A. (segundo alega este) – por isso, também a posse está na esfera jurídica da R.. Nesta perspetiva, falta, realmente, a alegação de factos (essenciais) que constituam causa de pedir da reivindicação: - não alega/mostra o A. ter adquirido ele o direito de propriedade (por aquisição originária ou derivada, a seu favor); - nem a ocupação ilícita por parte da R. (aliás, esta é que figura como adquirente, no instrumento da transmissão, e tem o registo de aquisição a seu favor). Donde que o A./Recorrente não possa reivindicar agora um direito de propriedade (e ver ser-lhe restituída uma posse) que não tem, de que não é titular, posto ter sido a R. quem adquiriu em termos de aquisição derivada, beneficiando da presunção decorrente do registo. No caso, é a R. – e não o A. – quem, de acordo com o alegado na petição, tem a seu favor a presunção legal de propriedade (cfr. art.ºs 349.º e 350.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CCiv.), desde logo a resultante do registo definitivo de aquisição, que o A. não logra ilidir, não apresentando factos alegados de suporte para tanto. Antes reconhece que foi a R. a adquirente – quem figura como compradora (única) na escritura de aquisição – e é ela quem beneficia do registo de aquisição, encontrando-se também na posse atual. Em parte alguma o A. alega, em termos de aquisição derivada, ter sido ele a outorgar no instrumento de transmissão do direito de propriedade – ao contrário, reconhece que foi a R. a outorgar como compradora. Não mostra – por não o alegar – o A. nenhuma causa válida de aquisição por si e para si, originária ou derivada, não invocando a aquisição por usucapião, nem aquisição derivada a seu favor, esta em conjugação com a invocação das sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária. Não invoca, a seu favor, qualquer presunção de titularidade do direito de propriedade, posto admitir, ao invés, o registo de aquisição a favor da R. e a atual posse por esta. Assim sendo, falta a causa de pedir da ação de reivindicação – os factos essenciais de que procedesse o pretendido domínio –, para o que não basta, obviamente, invocar que foi outrem a comprar (a R.), posto ser manifesto que quem compra é quem figura como comprador na escritura de compra e venda. Muito menos invoca ter sido o A. a comprar, quando é outrem a figurar como comprador no instrumento de venda. E de nada serve, neste horizonte, ao demandante invocar que o preço da compra foi pago com dinheiro seu, posto não relevar, para consumação do negócio de transmissão, a origem dos dinheiros com que foi pago o preço (o comprador pode pagar com dinheiros seus ou facultados por outrem, mas não deixa por isso de ser o comprador, aquele que se perfila como adquirente no âmbito do negócio de aquisição derivada). E não é por um terceiro – alguém que não é parte no contrato – facultar esses dinheiros ao adquirente (por via de doação, mútuo ou outro convénio) que passa a comprador, nem sequer por aquiescer na realização do contrato. Em suma, o A. não alegou os factos essenciais tendentes a demonstrar a sua aquisição do direito de propriedade, fosse por aquisição originária, fosse por aquisição derivada, fosse mesmo através da operância das ditas presunções derivadas do registo ou da posse. Daí que falte, manifestamente, a causa de pedir da ação de reivindicação ([10]), sendo um paradoxo jurídico defender/alegar que foi a R. a figurar como compradora no instrumento da compra e venda, mas ter sido outrem (o A.) quem adquiriu por via dessa mesma compra e venda. E, não alegando a causa de pedir – os factos essenciais a respeito – correspondente ao pedido dominial, logo falha também o decorrente pedido de restituição do imóvel, para o que, por esta via, também não se encontra qualquer causa de pedir ou motivo justificante. É certo que o A. invoca ter havido um entendimento entre si e a R. no sentido de, tendo ele pago o preço, aquela transferir depois a propriedade para ele, acordo esse que a demandada não cumpriu. Porém, tal matéria é irrelevante para efeitos de causa de pedir na ação de reivindicação: se poderia ter algum relevo no quadro de uma eventual simulação relativa, que o A. pôs de lado, não permite atribuir ao demandante o pretendido direito de propriedade, nem por aquisição originária, nem por aquisição derivada, nem por operância de qualquer das ditas presunções de domínio. Inexiste sequer um contrato-promessa de compra e venda, que houvesse sido celebrado entre as partes e pelo qual a R. se obrigasse a vender ao A.. Por isso, inexistindo incumprimento de contrato-promessa – que também não seria suscetível de transmitir o domínio, mas apenas gerando um dever de celebrar o contrato prometido (art.º 410.º, n.º 1, do CCiv.) –, uma qualquer outra promessa/acordo verbal não faz do A. proprietário, nem o respetivo eventual incumprimento altera, por si, a realidade dominial, apenas podendo assumir eventuais efeitos obrigacionais. Ocorre, pois, ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir ([11]) da ação de reivindicação, com a consequência da nulidade de todo o processo e absolvição da instância [cfr. art.º 186.º, n.º s 1 e 2, al.ª a), 577.º, al.ª b), e 576.º, n.º 2, todos do NCPCiv.]. Caso assim não se entendesse, então teria de concluir-se pela manifesta improcedência de uma tal ação de reivindicação, o que, de forma mais gravosa para o A., determinaria a absolvição da R. do pedido, termos em que também não colhe a invocação de aplicabilidade do preceito do n.º 3 do mesmo art.º 186.º. 2. - Do convite ao aperfeiçoamento da petição inepta Pretendia o A./Recorrente que, faltando algum facto não essencial (nuclear/principal), mas integrante da causa de pedir, deveria o Tribunal ter formulado convite ao aperfeiçoamento desse articulado, em vez de o desaproveitar. É que o preceito do art.º 590.º, n.º 4, do NCPCiv. estabelece o poder-dever do juiz de formular convite (ao aperfeiçoamento) às partes para suprimento de insuficiências ou imprecisões dos articulados, quanto à exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para apresentação de novo articulado, em que seja completado ou corrigido o inicialmente apresentado. Porém, como logo se vislumbra, este preceito trata daquelas situações em que a exposição ou concretização da matéria de facto alegada é insuficiente ou imprecisa e não de situações de falta da própria causa de pedir. Quer dizer, ali a situação deficitária é menos grave: foi alegada a causa de pedir – os factos essenciais que suportam a pretensão (cfr. art.º 5.º, n.º 1, do NCPCiv.) – mas a exposição fáctica carece ainda de complementação, concretização ou clarificação (cfr. n.º 2 do mesmo art.º). Em tal caso, o articulado é aproveitável, apenas devendo ser melhorado/aperfeiçoado, não comprometendo, por isso, o desfecho da ação. Não assim quando a petição apresenta vícios substanciais ou formais de tal modo graves que permitem antever, logo na fase liminar, ou constatar, na fase do saneador, a improcedência inequívoca da pretensão apresentada pelo autor ou a verificação evidente de exceções dilatórias insupríveis, incluindo a ineptidão da petição. É o que ocorre quando seja manifesto que a ação nunca poderá proceder ou, para além do mais, se vingar alguma exceção dilatória de conhecimento oficioso que não possa ser suprida nem por convite ou iniciativa do juiz, nem por atuação do autor, como nos casos de ineptidão da petição inicial ([12]). Nestes casos, o “despacho de aperfeiçoamento vinculado” não pode servir para “salvar petições afetadas por ineptidão resultante da falta ou ininteligibilidade da causa de pedir (art. 186.º), mas apenas corrigir articulados que, cumprindo os requisitos mínimos, se revelem, contudo, insuficientes, deficientes ou imprecisos em termos de fundamentação da pretensão” ([13]). Ou seja, a falta de causa de pedir enquadra-se nas situações irremediáveis, obrigando ao desaproveitamento da petição inicial, em plano divergente, pois, com uma situação, menos grave, de considerada insuficiência originária de exposição/concretização de factos complementares ou concretizadores, que pode/deve ser ultrapassada no decurso da ação, mormente através do convite ao aperfeiçoamento (na fase liminar ou, comummente, de pré-saneamento). Em suma, no caso não se justificava a opção pelo convite ao aperfeiçoamento da petição, por inepta, não se notando qualquer violação de lei pelo Tribunal recorrido. Termos em que improcede a apelação ([14]). Vencido, cabe ao A./Recorrente suportar as custas da apelação (cfr. art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).
*** IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.): (…).
*** V – DecisãoPelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida. Custas da ação e da apelação pelo A./Apelante, ante o seu decaimento.
Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior). Assinaturas eletrónicas.
Coimbra, 11/03/2025 Vítor Amaral (relator) Fonte Ramos Carlos Moreira
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