Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1708/18.0T8FIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: SENTENÇA
NULIDADE
EXAME CRÍTICO DA PROVA
FUNDAMENTAÇÃO
RECURSO DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
GARAGENS
ACÇÃO DIRECTA
Data do Acordão: 02/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - F.FOZ - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 607, 615, 640 CPC, 336, 1305, 1433 CC
Sumário: I – O artigo 607.º do CPC não exige que o juiz exponha a convicção individualmente em relação a cada um dos factos declarados provados ou não provados.

II – Para o recorrente obter uma alteração da resposta dada a um facto – artigo 640.º do CPC –tem de expor, ele também, um mínimo de análise crítica da prova, de modo a concluir no sentido da alteração factual que pretende obter, sob pena do tribunal da Relação concluir que não lhe foi colocada uma questão de facto que tenha de decidir.

III – Os condóminos têm o direito de impedir que seja consumida energia elétrica nas garagens, paga por todos, em usos que não se integrem na função das garagens, mas têm de exercer esse direito de modo lícito, num quadro factual legalmente justificativo, como, por exemplo, de ação direta (artigo 336.º do Código Civil).

Decisão Texto Integral:




Sumário:

I – O artigo 607.º do CPC não exige que o juiz exponha a convicção individualmente em relação a cada um dos factos declarados provados ou não provados.

II – Para o recorrente obter uma alteração da resposta dada a um facto – artigo 640.º do CPC –

tem de expor, ele também, um mínimo de análise crítica da prova, de modo a concluir no sentido da alteração factual que pretende obter, sob pena do tribunal da Relação concluir que não lhe foi colocada uma questão de facto que tenha de decidir.

III – Os condóminos têm o direito de impedir que seja consumida energia elétrica nas garagens, paga por todos, em usos que não se integrem na função das garagens, mas têm de exercer esse direito de modo lícito, num quadro factual legalmente justificativo, como, por exemplo, de ação direta (artigo 336.º do Código Civil).


*

RECORRENTES ………Condomínio do prédio sito na Urbanização do P (…)

……………………………..A (…) e esposa M (…)(recurso subordinado).

RECORRIDOS…………..A (…) e esposa M (…)

…………………………….Condomínio do prédio sito na Urbanização do P (…)(recurso subordinado).

Melhor identificados nos autos.


*

I. Relatório

a) Os Autores instauraram a presente ação declarativa contra o Condomínio do prédio sito na Urbanização (…) com o fim de obterem do tribunal a declaração de nulidade das que deliberações tomadas e exaradas nas atas n.º 25, 26 e 27, por falta de quórum deliberativo, atento o facto de não poderem funcionar em 2.ª convocatória apenas com um intervalo de meia hora entre ambas as assembleias e, ainda, a nulidade da deliberação exarada na ata n.º 25, com fundamento na circunstância de não constar da ordem de trabalhos o corte do fornecimento de energia elétrica às garagens e terem deliberado sobre o assunto no que respeita às tomadas daquelas frações, vindo no entanto a extravasar o ali “deliberado” ao mandar proceder ao corte de toda a eletricidade que serve as garagens, em clara violação do disposto na alínea l) do art. 1436º do C.C. e do direito de propriedade dos AA. relativamente à sua fração.

Em consequência, pediram ainda o seguinte:

A condenação  do condomínio a criar as condições para que os Autores possam requerer um contador de luz autónomo para a sua fração, custeando a sua instalação ou, em alternativa e como pedido subsidiário, a repor a eletricidade nas garagens, a suas expensas e com a maior brevidade possível, a fim de não sofrerem mais prejuízos.

A condenação   do condomínio a indemnizar os Autores em quantia não inferior a EUR 14.000,00 (catorze mil euros) a título de danos patrimoniais e em EUR 1.500,00 (mil e quinhentos euros) por danos morais, porquanto o corte de eletricidade nas garagens lhes ocasionou prejuízos vários de ordem patrimonial e não patrimonial.

O condomínio contestou invocando a exceção dilatória de ilegitimidade, a exceção perentória de caducidade, bem como impugnando os factos alegados na petição.

Após a audiência de julgamento foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto e nos termos das disposições legais supra citadas, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência:

- reconheço o direito de propriedade dos AA. da fração autónoma designada pela letra “C” do prédio descrito na ficha 814/(…) do concelho da (…)e consequentemente, condómino do identificado prédio;

- declaro nula a deliberação do Condomínio R constante na ata n.º 25, no ponto n.º 5, onde se estipulou que “foi deliberado por unanimidade, a partir de 1 de Janeiro de 2016 deverá ser cortada a luz das tomadas das garagens”;

- condeno o Condomínio R condenado repor a eletricidade nas garagens, a suas expensas e com a maior brevidade possível, retomando-se, a situação que estava anteriormente vigente a tal deliberação;

- condeno o Condomínio R a pagar aos AA, a título de indemnização, o valor total de 3.250 euros;

- absolvendo o Condomínio R dos restantes pedidos.

Custas na proporção de 1/6 para os AA e 5/6 para o R».

b) É desta decisão que vem interposto recurso por parte do Condomínio, cujas conclusões são as seguintes:

«1 - A sentença recorrida padece de uma clara falta de fundamentação, nomeadamente, mas não só, relativamente a fundamentação de facto, e à indicação de que prova foi efetuada e valorada para a fixação de cada um dos factos dados como provados, alguns em clara contradição como os factos dados como não provados, violando o disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, o que determina a sua nulidade.

2 - Na motivação da decisão de facto, é indicada a prova documental que foi analisada em audiência, e a pericial efetuada após o encerramento da audiência, mas apenas se refere muito genericamente e muito sucintamente alguns dos factos transmitidos pelas testemunhas nos seus depoimentos, omitindo-se outros, bastante relevantes para a decisão da causa, e que impunham decisão diferente, não se percebendo, porque não se fundamenta, como é que se deram alguns factos como provados.

3 - Na sentença dá-se como provado no n.º 5 do Factos Provados, que “A convocatória para a assembleia de condóminos realizada a 14 de novembro de 2015 (ata n.º 25), foi enviada aos AA. a 3 de novembro de 2015, carta essa que veio devolvida para o R.”.

4 - Mas dá a sentença como não provado na al. c) que, “O ponto 5 ocorreu porque os AA. não levantaram as cartas que lhe foram remetidas, apesar de avisados pelos CTT, conforme fls. 31 e 31verso.”

5 - Ora, nesse documento, pode ler-se claramente no autocolante aposto no verso da carta, “AVISADO” e que a mesma não foi entregue no Domicílio por não terem atendido o carteiro (…), na hora 14.40, no dia 15.11.04, tendo também aposto o carimbo dos CTT, com a data 2015 11 04.

6 - Para além desta prova documental inequívoca, nas declarações de parte que prestou, o A. (…), confessou tal facto.

7 - Ora, face à prova documental supra referida, e às declarações prestadas pelo A., este facto elencado na alínea c) dos factos dados como não provados, tinha, inequivocamente, ser dado como provado.

8 - No facto nº 7 dado como provado, existe um lapso, pois quando se refere “Em assembleia plasmada em ata sob o nº 26, de 19.11.2019”, deveria referir-se de “19.11.2016”, uma vez que foi a data em que a assembleia se realizou, como se comprova no doc. de fls. 19verso ss.

9 - No facto n.º 8 dado como provado, diz a sentença que “Esta assembleia reuniu em 2ª convocatória no mesmo dia 19/11/2016, com meia hora de diferença da designada para em primeira convocatória, estando o A. presente.”

10 - Ora, a sentença não apresenta qualquer tipo de fundamentação para dar como provado este facto, porque é falso, pois o A. não este presente, mas sim representado, como se alcança dessa ata n.º 26.

11 - Mas a primeira parte deste facto, corresponde à verdade, e está comprovado documentalmente, a fls. 19verso e ss. ou seja, que “Esta assembleia reuniu em 2ª convocatória no mesmo dia 19/11/2016, com meia hora de diferença da designada para em primeira convocatória.”

12 - Pelo que, também não se entende esta manifesta contradição na sentença, quando se dá como não provado o facto d), ou seja, que “A assembleia de 19.11.2016 reuniu em segunda convocatória sendo que entre a primeira e a segunda convocatória decorreu meia hora (ata 27).

13 - Assim, o mesmo facto é dado como provado e como não provado. Estamos perante uma clara ambiguidade ou obscuridade, conforme a análise que se pretenda fazer.

14 - O mesmo se dirá, do facto n.º 9 dado como provado e do facto e) dado como não provado.

15 - Ou seja, a sentença dá como provado que “Reuniu-se assembleia plasmada em ata sob o n.º 27, de 11.11.2017, agora constante de fls. 21 ss, cujo teor se dá por reproduzido, tendo a mesma tido lugar em 2.ª convocatória no mesmo dia, com meia hora de diferença da designada para em primeira convocatória”, no facto nº 9, e dá como não provado que “A assembleia de 11.11.2017 reuniu em segunda convocatória sendo que entre a primeira e a segunda decorreu meia hora (ata 27)”, no facto e).

16 - Relativamente ao facto n.º 10 dado como provado, “Na sequência do deliberado na ata n.º 25, a administração do condomínio cortou a ligação elétrica às garagens na sua totalidade ficaram os condóminos naquela zona do prédio privados de eletricidade”, não pode ser dado como provado porque não são indicados os fundamentos ou as provas que levaram a que este facto fosse dado como provado, ou como é que foi formada a convicção acerca deste facto.

17 - Pelo que, não foi cortada a ligação elétrica às garagens na sua totalidade, não se entende como é que foi formada a convicção do julgado, pois a sentença assim o omite, nem se produziu prova para que este facto seja dado como provado, pelo que, tem que ser dado como NÃO PROVADO.

18 - Também foi dado como provado no n.º 11 o seguinte: “Ficando assim as garagens completamente às escuras, com todos os perigos que tal facto pode acarretar pela intrusão de estranhos e obstaculizar o livre movimento dos condóminos que delas se servem”, sem que tenha sido indicada qualquer fundamentação para dar como provado este facto, não indicada qualquer prova que o consubstancie, nem o que determinou a convicção do julgador para dar o facto como provado.

19 - Pelo que, também o facto n.º 11 dado como provado, tem que ser dado como NÃO PROVADO.

20 - Também é dado como provado o facto n.º 15, ou seja, que “Os AA. Tiveram interessados na aquisição da fração em causa por valores variáveis entre 14.000,00 € e 16.000,00 €, e o facto n.º 16, que refere que “Todas elas antes dos interessados se aperceberem que não havia luz nas garagens e mesmo depois do A. marido lhes explicar que se encontrava a diligenciar na sua reposição, mas nem assim logrou vendê-la”

21 - A prova produzida, leva precisamente a que estes factos sejam dados como não provados.

22 - Quanto ao facto n.º 17 dado como provado, também não é indicada a fundamentação que formou a convicção do julgador, nem a prova que o consubstancia, pelo que, tem que ser dado como NÃO PROVADO.

23 - Quanto à motivação da decisão de facto, é vaga, ambígua e obscura, e não estabelece uma relação direta da prova testemunhal com os factos dados como provados, pelo que, não é inteligível, a fundamentação para a convicção que se formou para dar como provado cada um dos factos, o que, consubstancia uma nulidade.

24 - A sentença determina que a referida deliberação da assembleia de condóminos, ofende os poderes de uso, fruição e disposição da garagem dos AA., aos quais os mesmos têm direito na qualidade de proprietários. E que, “tal deliberação é nula e que, sendo tal conhecimento oficioso deve ser declarado pelo tribunal,”

25 - Ora, a deliberação não ofende os poderes de uso, fruição e disposição da garagem dos AA. E desde logo, porque os AA não deram à fração (garagem) o uso que lhe está destinado.

26 – Ficou provado que a garagem estava a ser utilizada e tinha interessados na sua aquisição, mas para outros fins, que não o uso como garagem.

27 - Factos vêm consubstanciar a razão de ser da tomada da deliberação de cortar a eletricidade às garagens individuais, atendendo aos milhares de euros que se estavam a gastar nas garagens individuais, com arcas congeladoras e carros elétricos, com o condomínio a pagar toda esta despesa.

28 - E esta deliberação não é nula, nem viola direitos de propriedade, esta deliberação é lícita, e vem defender os direitos da compropriedade.

29 - Esta sentença é que é nula, pois viola o disposto no artigo 334.º do Código Civil, pois a manter-se esta sentença, estaria a mesma a “legalizar” uma ilegalidade, uma vez que, nos termos do citado artigo 334.º do Código Civil, “È ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos nos costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

30 - A deliberação que a sentença considera nula, não é mais que o impedimento do exercício ilegítimo do direito dos condóminos, que dão usos proibidos às frações autónomas, causando graves prejuízos aos outros condóminos, usos esses que excedem manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim económico desse direito.

31 - Não podendo o Condomínio ser condenado a repor a eletricidade nas garagens, uma vez que, contrariamente ao que se refere na sentença, não se estaria a retomar a verdade, mas a consubstanciar um abuso de direito, pois iria legitimar o uso de um direito que é ilegítimo, por exceder manifestamente os limites da boa fé e pelo fim económico desse direito, também ele ilegítimo.

32 - Nem pode ser condenado no pagamento aos AA. de qualquer quantia indemnizatória, uma vez que, face a todo o supra exposto, a ação do Recorrente não preenche os requisitos da obrigação de indemnizar, consubstanciada no artigo 483.º do Código Civil.

33 - Nem os factos que são enumerados na sentença para chegar ao valor da indemnização se encontram provados.

34 - Nem foi violado nenhum direito, nem com dolo nem com mera culpa, nem causado nenhum prejuízo, pela utilização licita de um direito.

Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a decisão recorrida e, consequentemente, absolver-se o Recorrente dos pedidos. E assim se fará JUSTIÇA!».

c) Contra-alegaram os Autores concluindo deste modo:

«I- Os erros apontados pela Recorrente na apreciação e decisão na matéria dada como provada e não provada, em nada influem na decisão proferida, pelo que mais não são do que alegações meramente dilatórias.

II- A R. trás à colação em sede de recurso matéria que não alegou em sede de articulados e, inerentemente, não a provou, que é o abuso de direito por parte dos AA., o que importa a que nos termos do artigo 652º do C.P.C., deve a presente instância ser julgada extinta, por o recurso tratar de matéria diversa do julgamento e assim julgar-se findo o recurso por não haver que conhecer do seu objecto, ao abrigo do nº1 alínea h) daquele dispositivo legal.

III- Na verdade, em sede de recurso, invocar abuso de direito por parte dos AA., fundamentando-o nos factos dos condóminos, nomeadamente os AA., darem uso indevido à sua fracção, generalizando esse mesmo facto aos restantes condóminos proprietários de garagens, invocando que ligam aparelhos de consumo individual à luz comum do edifício, quando o testemunho de Nuno Ricardo declarou o inverso por todo o período de dois anos em que a ocupou e, sem qualquer prova dos AA. despenderem altas quantias de eléctricidade, é inócuo e não pode ser valorado, além de não existirem factos provados que o atestem.

IV- A deliberação em que a Recorrente se funda e o que foi feito na prática, que extravasou aquela, traduzem uma violação ao direito de propriedade dos AA. e consequentemente são nulas, não havendo consequência contrária a esta, por muito que a Recorrente se esforce por demonstrar o contrário.

V- Conclui com a mesma, que a douta Sentença é nula, por violação do disposto no art. 334º do C.C., por estar a “legalizar” uma ilegalidade, que, no seu dizer, é ilegítimo, por os AA. exercerem um direito, quando o que excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos costumes ou pelo fim social e económico desse direito é absurdo e não tem qualquer fundamente factual ou legal.

VI- Invoca ainda a R. que a Sentença recorrida enferma de falta de fundamentação, no que também não lhe assiste razão.

VII- Para a falta de fundamentação prevista no art. 615º nº1 alínea b), não basta que seja insuficiente, incompleta ou não convincente. É preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos de direito, o que manifestamente não acontece com a Sentença proferida pelo Tribunal a quo.

Alegações do recurso subordinado

1- Concluiu, e bem, o Tribunal a quo, que a deliberação sobre o corte de eléctricidade às tomadas das garagens, ofende os poderes de uso, fruição e disposição da garagem dos AA., aos quais os mesmos têm direito na qualidade de proprietários.

2- Mais refere a douta Sentença recorrida as inerentes consequências de tais práticas por parte da R., vindo a declarar a nulidade de tal deliberação.

3- Em consequência, condenou a R. a repor a eléctricidade nas garagens, a suas expensas e com a maior brevidade possível, a fim de não poderem vir a causar prejuízos aos AA., retomando-se a situação anteriormente vigente.

4- Mais se lê na Sentença recorrida que à luz do preceituado no art. 483º do C.C. a violação desse direito substantivo pode importar a obrigação de o agente da violação indemnizar o lesado, caso se verifiquem os demais pressupostos da responsabilidade civil.

5- E, explicita a verificação dos requisitos da responsabilidade civil, concluindo pela sua verificação.

6- Já quanto à quantificação dos danos, os AA. dela discordam, por considerarem que fica muito aquém dos efectivamente verificados.

7- Os AA. aceitam que se tenha recorrido a critérios de equidade atenta a prova produzida, no entanto cifrá-los em apenas 2.500,00 € peca por defeito atentos os factos provados em 11, 13, 14, 15 e 16.

8- Na verdade, desde 2016 e estamos em 2020 que os AA. estão privados de eléctricidade na sua fracção autónoma, por culpa exclusiva da R.

9- Com tal conduta privou os AA. de obterem a vantagem patrimonial de, pelo menos, 14.000,00 €, cifrando-se muito aquém a quantia atribuída pela perda de ganho, ou seja, a título de danos patrimoniais.

10- Crê-se que em termos de equidade, o razoável seria atribuir uma indemnização de, pelo menos, metade de tal valor, tanto mais que os AA., enquanto condóminos, terão de colaborar monetariamente para a reposição de uma situação que apenas lhes trouxe prejuízos e para a qual em nada contribuíram, muito pelo contrário.

CONCLUSÕES:

I- Concluiu, e bem, o Tribunal a quo, que a deliberação sobre o corte de electricidade às tomadas das garagens, ofende os poderes de uso, fruição e disposição da garagem dos AA., aos quais os mesmos têm direito na qualidade de proprietários, pelo que declara a mesma nula.

II- Em consequência, condenou a R. a repor a electricidade nas garagens, a suas expensas e com a maior brevidade possível, a fim de não poderem vir a causar prejuízos aos AA., retomando-se a situação anteriormente vigente.

III- Conclui pela verificação dos requisitos da responsabilidade civil, à luz do preceituado no art. 483º do C.C., atenta a violação desse direito substantivo.

IV- Os AA. aceitam que se tenha recorrido a critérios de equidade atenta a prova produzida, no entanto cifrá-los em apenas 2.500,00 € peca por defeito, atentos os factos provados em 11, 13, 14, 15 e 16 e a condenação da R. na reposição da situação existente antes de tal violação.

V- Desde 2016 e estamos em 2020, que os AA. estão privados de electricidade na sua fracção autónoma, por culpa exclusiva da R.

VI- Com tal conduta privou os AA. de obterem a vantagem patrimonial de, pelo menos, 14.000,00 €, cifrando-se muito aquém a quantia atribuída pela perda de ganho, ou seja, a título de danos patrimoniais.

VII- O razoável seria atribuir uma indemnização de, pelo menos, metade de tal valor, ou seja, de 7.000,00 €, tanto mais que os AA., enquanto condóminos, terão de colaborar monetariamente para a reposição de uma situação que apenas lhes trouxe prejuízos e para a qual em nada contribuíram, muito pelo contrário.

Por todo o sobredito, deve o presente recurso interposto pelo R./Recorrente ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo e, procedente o recurso subordinado ora interposto, alterando-se a Decisão proferida, declarando-se equitativo o pagamento de uma indemnização a título de danos patrimoniais no valor de 7.000,00 €, pelos motivos sobreditos e condenando-se a R. no seu pagamento aos AA., Assim se fazendo Justiça!»

d) O Condomínio contra-alegou relativamente ao recurso subordinado e concluiu assim:

«1 - A sentença determina que a deliberação da assembleia de condóminos, ofende os poderes de uso, fruição e disposição da garagem dos AA., aos quais os mesmos têm direito na qualidade de proprietários. E que, “tal deliberação é nula e que, sendo tal conhecimento oficioso deve ser declarado pelo tribunal,”

2 - Ora, a deliberação não ofende os poderes de uso, fruição e disposição da garagem dos AA. E desde logo, porque os AA não deram à fração (garagem) o uso que lhe está destinado.

3 – Ficou provado que a garagem estava a ser utilizada e tinha interessados na sua aquisição, mas para outros fins, que não o uso como garagem.

4 - Factos vêm consubstanciar a razão de ser da tomada da deliberação de cortar a eletricidade às garagens individuais, atendendo aos milhares de euros que se estavam a gastar nas garagens individuais, com arcas congeladoras e carros elétricos, com o condomínio a pagar toda esta despesa.

5 - E esta deliberação não é nula, nem viola direitos de propriedade, esta deliberação é lícita, e vem defender os direitos da compropriedade.

6 - Esta sentença é que é nula, pois viola o disposto no artigo 334º do Código Civil, pois a manter-se esta sentença, estaria a mesma a “legalizar” uma ilegalidade, uma vez que, nos termos do citado artigo 334º do Código Civil, “È ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos nos costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

7 - A deliberação que a sentença considera nula, não é mais que o impedimento do exercício ilegítimo do direito dos condóminos, que dão usos proibidos às frações autónomas, causando graves prejuízos aos outros condóminos, usos esses que excedem manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim económico desse direito.

8 - Não podendo o Condomínio ser condenado a repor a eletricidade nas garagens, uma vez que, contrariamente ao que se refere na sentença, não se estaria a retomar a verdade, mas a consubstanciar um abuso de direito, pois iria legitimar o uso de um direito que é ilegítimo, por exceder manifestamente os limites da boa fé e pelo fim económico desse direito, também ele ilegítimo.

9 - Nem pode ser condenado no pagamento aos AA. de qualquer quantia indemnizatória, uma vez que, face a todo o supra exposto, a ação do R. não preenche os requisitos da obrigação de indemnizar, consubstanciada no artigo 483º do Código Civil.

0 - Nem os factos que são enumerados na sentença para chegar ao valor da indemnização se encontram provados.

11 - Nem foi violado nenhum direito, nem com dolo nem com mera culpa, nem causado nenhum prejuízo, pela utilização licita de um direito.

12 – Sendo o pedido pelos AA. nas suas alegações um claro abuso de direito. Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente recurso subordinado ser julgado improcedente por não provado, e o recurso apresentado pelos ora Apelado ser considerado procedente, revogando-se a decisão recorrida e, consequentemente, absolver-se o Recorrente dos pedidos. E assim se fará JUSTIÇA!».

II. Objeto do recurso.

De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes:

Recurso principal

1 – A primeira questão suscitada pelo recurso respeito à sua extinção, nos termos da al. h), do n.º 1, do artigo 652.º do C.P.C., porquanto o recurso tratará de matéria diversa daquela que foi julgada, uma vez que se imputa agora abuso de direito aos Autores, fundamentando-o no facto dos condóminos, nomeadamente os Autores, terem dado uso indevido à sua fração, o que não resultou provado.

2 – A segunda questão suscitada pelo recurso respeito às nulidades de sentença.

Por falta de fundamentação de facto – al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC –  e não indicação da prova e explanação da convicção em relação a cada um dos factos declarados provados e quanto à motivação da decisão de facto, é vaga, ambígua e obscura, e não estabelece uma relação direta da prova testemunhal com os factos dados como provados, pelo que, não é inteligível, a fundamentação para a convicção que se formou para dar como provado cada um dos factos, o que, consubstancia uma nulidade.

3 – Uma outra questão respeita à correção de um erro de escrita.

A recorrente indica a existência de um erro de escrita no facto provado nº 7 porquanto onde se refere «19.11.2019», deveria referir-se de «19.11.2016».

4 – A questão seguinte respeita à falta de fundamentação individualizada aos factos.

5 – Segue-se a impugnação da matéria de facto.

A recorrente não é clara a dizer se impugna a matéria de facto ou não impugna. Na dúvida, interpreta-se a situação como sendo de impugnação da matéria de facto.

Solicita-se que de futuro se seja claro dizendo-se, por exemplo, que se impugna o facto «A» pelas razões «a1», «a2, «a3» ...; o facto «B», pelas razões «b1, «b2» …; etc., e que a nova redação dos factos «deve ser…».

Os factos que impugna, pelas razões que abaixo serão indicadas, são os seguintes factos provados n.º 5, 8, 10, 11, 15 e 16, 17.

Havendo ainda que sanar uma contradição entre os factos provados n.º 8 e 9 e as alíneas d) e e) dos factos não provados.

6 -  Por fim colocam-se as questões relativas ao mérito da acusa

Recurso principal.

 A recorrente argumenta que contrariamente ao decidido, a deliberação da assembleia de condóminos não ofende os poderes de uso, fruição e disposição da garagem dos Autores, quer porque estes não deram à fração (garagem) o uso que lhe está destinado, a qual estava a ser usada por terceiro, quer porque estavam a ser pagos pelo condomínio milhares de euros relativamente à eletricidade que era consumida nas garagens, onde se encontravam em funcionamento arcas congeladoras e carros elétricos, com o condomínio a pagar toda esta despesa.

A deliberação em acusa defende os direitos da compropriedade e a sentença ao manter essa situação mantém uma situação que é ilícita porquanto as garagens consomem eletricidade que não deviam consumir e esta é paga por quem não retira qualquer benefício do seu consumo.

Os condóminos têm direito a impedir que as garagens sejam utilizadas para outros fins, pelo que nenhuma indemnização é devida aos Autores, sendo certo que não há factos para concluir pelo valor atribuído.

Recurso subordinado.

Os Autores pretendem que a indemnização arbitrada de 2.500,00 seja aumentada para 7.000.00 face aos factos provados em 11, 13, 14, 15 e 16, pois estão privados de eletricidade desde 2016.

III. Fundamentação

A) Recurso principal

1 – Extinção do recurso

A primeira questão suscitada pelo recurso é colocada pelos Autores recorridos e respeita à extinção do recurso, nos termos da al. h) do n.º 1, do artigo 652.º do C.P.C., porquanto este versa matéria diversa da que constitui o objeto do julgamento, uma vez que se alega abuso de direito por parte dos Autores fundamentando-o no facto de condóminos terem dado uso indevido à sua garagem, generalizando esse mesmo facto aos restantes condóminos, incluindo os Autores, o que não resultou provado.

Não procede esta pretensão e, por outro lado, o recurso versa outras questões além daquela que agora fica identificada, a qual será analisada mais abaixo.

2 – Nulidade de sentença

Por falta de fundamentação de facto – al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC –  e não indicação da prova e explanação da convicção em relação a cada um dos factos declarados provados e quanto à motivação da decisão de facto, é vaga, ambígua e obscura, e não estabelece uma relação direta da prova testemunhal com os factos dados como provados, pelo que não é inteligível a fundamentação para a convicção que se formou para dar como provado cada um dos factos, o que, consubstancia uma nulidade.

Não procede esta argumentação.

A norma do artigo 615.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil, refere-se aos factos que o tribunal deve declarar «provados» ou «não provados» e não à respetiva fundamentação.

Como já escreveu Alberto dos Reis, embora perante norma diversa, «…também não é causa de nulidade da sentença a circunstância de o juiz ter deixado de fazer o exame crítico das provas de que lhe competia conhecer. É certo que, em obediência ao artigo 659.º, cumpre ao juiz fazer esse exame crítico; se o não fizer, a sentença é defeituosa, mas não é nula, contanto que nela se indiquem os factos que o juiz teve como provados e sobre os quais assentou a sua decisão - Código de processo Civil Anotado, Vol. V, (reimpressão), Coimbra Editora/1984, pág.141.

Aliás, a lei prevê como se deverá proceder quando ocorre esta omissão, ou seja, o tribunal da Relação ordena a remessa dos autos ao tribunal recorrido para que proceda à fundamentação.

É o que resulta do disposto na al. d), do n.º 2, do artigo 662.º do Código de Processo Civil, onde se dispõe que «… não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados».

E na al. d), do n.º 3, deste mesmo artigo, o legislador declara que «Se não for possível obter a fundamentação pelo mesmo juiz ou repetir a produção de prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade».

Improcede, pelo exposto, a arguição de nulidade da sentença.

3 – Correção de erro de escrita

A recorrente indica a existência de um erro de escrita no facto provado n.º 7 porquanto onde se refere «19.11.2019», deveria referir-se de «19.11.2016».

Este erro foi corrigido no tribunal recorrido através de despacho de 19 de outubro de 2020.

4 – Falta de indicação individualizada da convicção a cada facto

As normas processuais não indicam um modo taxativo de expor a convicção, pelo que se deve entender que nesse âmbito concede liberdade ao juiz de expor a sua convicção como o caso o exigir.

Sobre este assunto, o ora relator já referiu noutro lugar, que, «1. Como a convicção se forma sobre a totalidade dos factos componentes da hipótese factual, ou sobre partes autónomas desta, e não, em regra, sobre cada um dos factos individualmente considerados, isolados dos restantes, então a exposição da convicção deverá revelar este seu modo de formação.

2. Uma forma prática do juiz expor a convicção, entre outras, consistirá em identificar o núcleo dos factos relativos a cada uma das hipóteses factuais em disputa e alinhar de seguida os argumentos probatórios que o levaram a formar a convicção a favor de uma hipótese e contra a outra hipótese concorrente.

Exposta a convicção desta forma, o juiz responderá de seguida «provado», «não provado» ou «provado que…» a cada um dos factos ou grupos de factos que possam ser unificados e indicará a convicção, em relação a cada facto ou conjunto de factos, remetendo para a exposição geral antes efetuada que a todos cobre e acrescentará, quando ocorra menor evidência, esclarecimentos particulares que mostrem a ligação de certo facto à convicção geral antes mencionada» - Prova e Formação da Convicção do Juiz, 2.ª ed. (reimpressão), 2019, pág. 342.

Ou seja, o juiz pode optar por indicar individualmente a cada facto ou a um grupo de factos, desde que exponha a sua convicção de modo claro e da mesma se deduza a resposta aos factos que não foram objeto de indicação individualizada da convicção.

Nestes casos, como já se disse atrás, não estamos perante uma nulidade de sentença, mas sim perante vícios em relação aos quais a lei processual prevê um procedimento específico, o indicado al. d), do n.º 2, do artigo 662.º do Código de Processo Civil, ou seja, se o tribunal da Relação verifica que a fundamentação é insuficiente ordena a remessa dos autos ao tribunal recorrido para que proceda à fundamentação.

Sucede que o tribunal a quo por sua iniciativa, no despacho de 19 de outubro de 2020 indicou a convicção individualizadamente aos factos da al. c) dos factos não provados, 8, 10, 11, 15 e 17 dos factos provados, sanado assim a questão.

c) Impugnação da matéria de facto

Facto provado no n.º 5 - «A convocatória para a assembleia de condóminos realizada a 14 de novembro de 2015 (ata nº 25), foi enviada aos AA. a 3 de novembro de 2015, carta essa que veio devolvida para o R.».

A recorrente diz que na sentença se declarou não provado na al. c) que, «O ponto 5 ocorreu porque os AA. não levantaram as cartas que lhe foram remetidas, apesar de avisados pelos CTT, conforme fls. 31 e 31verso».

E diz que nesse documento se pode ler, no autocolante aposto no verso da carta, «Avisado» e que a mesma não foi entregue no domicílio por não terem atendido o carteiro (…), na hora 14:40, no dia 15.11.04, tendo também aposto o carimbo dos CTT, com a data 2015-11-04, sendo certo que o Autor confessou tal facto em audiência.

Por isso, este facto elencado na alínea c) dos factos dados como não provados, tinha, inequivocamente, de ser dado como provado.

Procede a impugnação no sentido de dever constar dos factos provados o teor da declaração colocada pelo funcionário dos correios na carta em questão, pelo que se acrescentará tal matéria ao facto provado n.º 5, que ficará com esta redação:

«A convocatória para a assembleia de condóminos realizada a 14 de novembro de 2015 (ata nº 25), foi enviada aos AA. a 3 de novembro de 2015, carta essa que veio devolvida para o R. com a informação colocada pelo funcionário dos CTT “Avisado”, “não entrega no domicílio por: Não atendeu”, “Hora 14:40”, “Dia 15.11.04”».

Elimina-se a al. c) dos factos não provados.

Facto provado n.º 8 - «Esta assembleia reuniu em 2.ª convocatória no mesmo dia 19/11/2016, com meia hora de diferença da designada para em primeira convocatória, estando o A. presente».

A recorrente diz que este facto é falso na parte em que diz que o A. esteve presente, porquanto esteve representado, como se alcança dessa ata n.º 26.

Não procede a impugnação.

A ata em questão inclui o nome do Autor como tendo estado «presente ou representado», mas não esclarece se esteve fisicamente presente ou representado por outra pessoa que aí compareceu em sua representação.

As rubricas no final da ata poderiam ajudar a esclarecer a questão, mas não se conhece a rubrica do Autor para saber se é a dele ou de outra pessoa que figura no final da ata.

Seja como for, numa interpretação lata do conceito «estar presente», este inclui também a representação por intermédio de outrem, pelo que se mantém a redação do facto.

Facto provado n.º 10 - «Na sequência do deliberado na ata n.º 25, a administração do condomínio cortou a ligação elétrica às garagens na sua totalidade ficaram os condóminos naquela zona do prédio privados de eletricidade».

O Recorrente argumenta que este facto não pode ser declarado provado porque não são indicados os fundamentos ou as provas que levaram a que este facto fosse dado como provado, ou como é que foi formada a convicção acerca deste mesmo facto, sendo certo, diz, que não foi cortada a ligação elétrica às garagens na sua totalidade.

Improcede esta pretensão, porquanto a falta de indicação da convicção a um facto provado, como resulta do já antes dito, não implica que o mesmo seja considerado automaticamente não provado.

Ocorre ainda, como já se disse, que o tribunal a quo sanou a falta de fundamentação apontada pelo Réu através do despacho de 19 de outubro de 2020.

Facto provado n.º 11 - «Ficando assim as garagens completamente às escuras, com todos os perigos que tal facto pode acarretar pela intrusão de estranhos e obstaculizar o livre movimento dos condóminos que delas se servem».

A recorrente argumenta que este facto deve ser declarado não provado porquanto não foi indicada qualquer fundamentação para dar como provado.

Improcede esta pretensão pela razão antes ditas a propósito do facto provado n.º 10.

 Facto provado n.º 15 e 16 – «Os AA. Tiveram interessados na aquisição da fração em causa por valores variáveis entre 14.000,00 € e 16.000,00 €» e «Todas elas antes dos interessados se aperceberem que não havia luz nas garagens e mesmo depois do A. marido lhes explicar que se encontrava a diligenciar na sua reposição, mas nem assim logrou vendê-la».

A recorrente argumenta que a prova produzida, leva precisamente a que estes factos sejam dados como não provados.

Improcede esta pretensão porque o Réu não expôs qualquer tipo de argumentação para mostrar que estes factos não poderiam ter sido declarados provados. 

Como se vê, na al. b), do n.º 1, do artigo 640.º do CPC, quando o advogado impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve especificar obrigatoriamente, sob pena de rejeição do recurso, «Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida».

O que se pretende que o advogado faça?

Certamente que produza um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, dizendo onde se encontram no processo e, em segundo lugar, produzindo uma análise crítica dessas provas.

A razão pela qual se afirma que o advogado deve produzir uma análise crítica é esta: indicar apenas os meios probatórios, isto é, o depoimento da testemunha A ou B, ou o documento C ou D, é reproduzir apenas o que consta do processo, pelo que nada se acrescenta ao que já existe nos autos, nem se mostra a razão por que a resposta a uma dada matéria de facto deve ser diversa da que foi dada pelo juiz.

Para o recorrente obter uma alteração da resposta dada a um facto tem de expor, ele também, uma análise crítica da prova adequada a concluir no sentido da alteração factual que pretende, sob pena do tribunal da Relação concluir que não lhe foi colocada uma questão de facto que tenha de decidir.

Sendo assim, tem de se concluir que não foi colocada a este tribunal uma questão de facto que cumpra resolver e, por isso, decide-se manter os factos tal como estão.

Facto provado n.º 17 – «17. O que veio a causar ao Autor desgaste, perdas de tempo em Repartições e Serviços tais como na Câmara, na EDP, na sede da sociedade administradora com o intuito infrutífero de obter documentação para, pelo menos, tentar instalar dentro da sua fração um contador para lhe restabelecer o fornecimento de eletricidade».

A recorrente sustenta que este facto também deve ser declarado provado porque não é indicada a fundamentação que formou a convicção do julgador, nem a prova que o consubstancia.

Improcede esta pretensão pelas razões já indicadas a propósito do facto provado n.º 10.

d) 1. Matéria de facto – Factos provados

1. A fração designada pela letra «C», destinada a garagem, do prédio assinalado por lote D da Urbanização (…), descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob a ficha 814/(…), está inscrita a favor dos Autores através da Ap. 1 de 1995/01/05/06.

2. A referida fração, tais como as restantes garagens, são servidas pela rede elétrica geral comum do prédio, existindo dois contadores distintos, um para as zonas dos elevadores e escadas e outro para as garagens e suas partes comuns, a que correspondem a dois circuitos elétricos distintos.

3. Conforme constante da ata n.º 25, de 14 de novembro de 2015, de fls. 11 verso a 12, cujo teor se dá por reproduzido, sob o ponto n.º 5, e a epígrafe «outros assuntos», consta deliberado por unanimidade «que a partir do dia 1 de janeiro de 2016 deverá ser cortada a luz das tomadas das garagens, ficando desde já todos os condóminos notificados desta deliberação».

4. Os Autores não estiveram presentes na assembleia de condóminos realizada em 14 de novembro de 2015.

5. A convocatória para a assembleia de condóminos realizada a 14 de novembro de 2015 (ata n.º 25), foi enviada aos Autores a 3 de novembro de 2015, carta essa que veio devolvida para o R. com a informação, colocada pelo funcionário dos CTT, «Avisado», «Não entrega no domicílio por: Não atendeu», «Hora 14:40», «Dia 15.11.04».

6. A assembleia aludida em «3» reuniu em segunda convocatória, conforme consta de fls. 11 verso, «por haver quórum», sendo que da respetiva convocatória constava que a segunda ocorreria meia hora após a primeira.

7. Em assembleia plasmada em ata sob o n.º 26, de 19 de novembro de 2019, constante de fls. 19 verso e seguintes, cujo teor se dá por reproduzido, o Autor foi autorizado a colocar anúncio para venda da fração de que é detentor.

8. Esta assembleia reuniu em 2.ª convocatória no mesmo dia 19 de novembro de 2016, com meia hora de diferença da designada para em primeira convocatória, estando o Autor presente.

9. Reuniu-se assembleia plasmada em ata sob o n.º 27, de 11 de novembro de 2017, agora constante de fls. 21 seguintes, cujo teor se dá por reproduzido, tendo a mesma tido lugar em 2.ª convocatória no mesmo dia, com meia hora de diferença da designada para em primeira convocatória.

10. Na sequência do deliberado na ata n.º 25, a administração do condomínio cortou a ligação elétrica às garagens na sua totalidade ficaram os condóminos naquela zona do prédio privados de eletricidade.

11. Ficando assim as garagens completamente às escuras, com todos os perigos que tal facto pode acarretar pela intrusão de estranhos e obstaculizar o livre movimento dos condóminos que delas se servem.

12. Os Autores à época tinham a sua fração dada em comodato a um amigo, pelo que não se aperceberam de imediato do sucedido.

13. Em 2016, quando os potenciais interessados se deslocaram ao local e constatam a inexistência de eletricidade, logo desistiram da aquisição.

14. Pese embora os pedidos do Autor, nunca mais foi reposta a eletricidade.

15. Os Autores tiveram interessados na aquisição da fração em causa por valores variáveis entre EUR 14.000,00 e EUR 16.000,00.

16. Todas elas antes dos interessados se aperceberem que não havia luz nas garagens e mesmo depois do Autor marido lhes explicar que se encontrava a diligenciar na sua reposição, mas nem assim logrou vendê-la.

17. O que veio a causar ao Autor desgaste, perdas de tempo em Repartições e Serviços tais como na Câmara, na EDP, na sede da sociedade administradora com o intuito infrutífero de obter documentação para, pelo menos, tentar instalar dentro da sua fração um contador para lhe restabelecer o fornecimento de eletricidade.

18. A fração C, dos Autores, tais como as restantes com a mesma (garagem), são servidas pela rede elétrica geral comum do prédio; existindo dois contadores distintos, um para as zonas dos elevadores e escadas e outro para as garagens (zonas comuns de garagem e garagens), tratando-se de dois circuitos distintos.

19. A instalação de um contador autónomo para a fração do Autor é tecnicamente possível mediante a execução de um novo projeto, cujo valor depende de várias variáveis e não é possível definir de momento, e das alterações necessárias na instalação existente, para permitir a colocação de um novo contador na fração C, tendo o seu proprietário que indicar a potência pretendida.

20. O que poderá ser efetuado sem qualquer interferência com o circuito elétrico comum do prédio, se no circuito da entrada até ao quadro do R/C, vai ter que fazer-se os cálculos para a nova potência e só depois de analisar os novos valores para os cabos e comparar com o projeto antigo, se sabe se é necessário alterar; no circuito que vai do quadro que está no R/C para as garagens, vai ter que ser

21. A presente ação, deu entrada a 30 de outubro de 2018.

2. Matéria de facto – Factos não provados

a) Iniciou então o Autor marido junto das Repartições e Serviços tentar uma solução para o problema, mas quer na Câmara, quer na EDP, foi-lhe dito que apenas poderia requerer contador para a sua fração desde que autorizado pelos restantes.

b)Existem garagens que têm eletricidade que vem diretamente dos apartamentos, não trazendo gastos ao condomínio.

c) (Eliminado).

e) Apreciação das restantes questões objeto do recurso

(I) Recurso principal

 A recorrente argumenta que contrariamente ao decidido, a deliberação da assembleia de condóminos não ofende os poderes de uso, fruição e disposição da garagem dos Autores, não padecendo, por isso, de nulidade, quer porque estes deram à fração (garagem) um uso diverso daquele que lhe estava destinado, que, aliás, estava a ser usada por terceiro, quer porque estavam a ser pagos pelo condomínio milhares de euros relativamente à eletricidade que era consumida nas garagens onde estavam em funcionamento arcas congeladoras e carros elétricos, com o condomínio a pagar toda esta despesa.

E que a deliberação em causa defende, sim, os direitos da compropriedade, pelo que a sentença ao manter essa situação mantém uma situação que é ilícita porque as garagens consomem eletricidade que não deviam consumir e esta é paga por quem não retira qualquer benefício do seu consumo.

Os condóminos têm direito a impedir que as garagens sejam utilizadas para outros fins, pelo que nenhuma indemnização é devida aos Autores, sendo certo que não há factos para concluir pelo valor atribuído.

Não procede esta argumentação, pelas seguintes razões:

(a) Resultou provado que na sequência do decidido em deliberação da assembleia de condóminos (Ata n.º 25) o Autor se viu privado de eletricidade na sua garagem.

Existiu, por isso, uma violação dos poderes de uso e fruição da garagem – artigo 1305.º do Código Civil –, a qual, na altura, estava dada em comodato a pessoa amiga, com eventuais reflexos danosos resultantes da frustração da sua alienação a terceiros.

Provou-se de facto que os Autores quiseram vender a garagem; que tiveram interessados e que estes desistiram da compra devido à questão do corte da eletricidade às garagens.

Provou-se ainda que os Autores sofreram desgaste emocional com dispêndio de tempo em repartições e serviços tais como na Câmara, na EDP, na sede da sociedade administradora do condomínio com o intuito infrutífero de obter documentação para, pelo menos, tentar instalar dentro da sua fração um contador para lhe restabelecer o fornecimento de eletricidade – facto provado 17.

Existiu, por isso, um ato que causou danos e atingiu a propriedade privada exclusiva dos Autores, que foi gerado pela mencionada deliberação.

Nos termos do n.º 1 do artigo 1433.º, do Código Civil, «As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado».

É o caso da deliberação que em vez de incidir sobre questão relativa às partes comuns, como é próprio das deliberações da assembleia de condóminos, incide sim sobre a propriedade individual de um dos condóminos.

Sobre esta questão Henrique Mesquita argumenta no sentido de se dever entender que há casos em que o regime tem de ser o da nulidade ou o da ineficácia:

«Por outro lado, se a assembleia interferir no direito dos condóminos sobre as respectivas fracções autónomas (direito de propriedade) ou nos direitos especiais de uso que a alguns deles hajam sido atribuídos sobre as partes comuns, as respectivas deliberações devem ser considerar-se ineficazes. Em primeiro lugar, porque a assembleia se pronunciou sobre matérias para que não tem competência e a sanção da ineficácia é a mais adequada para os negócios jurídicos realizados por quem não dispõe, para o efeito, dos necessários poderes. Além disso, seria violento, para o condómino atingido pela deliberação, ter de interpor uma acção de impugnação no prazo de vinte dias, sob pena de ficar convalidada. O mais razoável, do ponto de vista dos seus interesses, é permitir-lhe, em conformidade com o regime da ineficácia que ignore pura e simplesmente a deliberação, como res inter alios com que não tem de preocupar-se, sem embargo de a todo o momento poder arguir – através de uma acção de simples apreciação ou por via de excepção – o vício de que ela enferma» - Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXIII, pág.141.

No sentido da ineficácia, a título de exemplo, veja-se o acórdão desta Relação de Coimbra de 2 de novembro de 1982, na Coletânea de Jurisprudência, Ano VII-Tomo 5, pág. 22: as deliberações sobre matérias que não se prendam com a administração das partes comuns são ineficazes.

A decisão recorrida enquadrou o caso na nulidade.

Nulidade ou ineficácia é questão que não tem consequências práticas no caso, porquanto num caso ou no outro a conclusão é a mesma, ou seja, existiu, de facto, como concluiu a sentença, violação do direito de propriedade do autor gerador da obrigação de indemnizar.

(b) Não se terá tratado de um ato de todo injustificado, pois é alegado que com essa deliberação se pretendeu extinguir uma situação prejudicial os condóminos (certamente só para os que não beneficiavam da situação a que se quis por termo) porquanto estariam a pagar eletricidade que não gastavam e, além disso, a energia estaria a ser usada em atividades que extravasavam o uso funcional das garagens que é o de guardar objetos.

Porém, esta factualidade não consta dos factos provados.

E mesmo que constasse dos factos provados, estes teriam, ainda assim, de compor uma situação que se integrasse numa causa de justificação da ação danosa, como, por exemplo, numa situação subsumível à ação direta prevista no artigo 336.º do Código Civil, nos termos do qual «1- É lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, quando a ação direta for indispensável, pela impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização prática desse direito, contanto que o agente não exceda o que for necessário para evitar o prejuízo.

2 - A ação direta pode consistir na apropriação, destruição ou deterioração de uma coisa, na eliminação da resistência irregularmente oposta ao exercício do direito, ou noutro ato análogo.

3 – A ação direta não é lícita quando sacrifique interesses superiores aos que o agente visa realizar ou assegurar».

Verifica-se, por conseguinte, que não existem factos suscetíveis de darem forma a uma justificação capaz de neutralizar a ilicitude acima já mencionada.

Por conseguinte, não é válida a afirmação de que a sentença ao impedir o corte de eletricidade mantém uma situação que é ilícita, porque as garagens consomem eletricidade que não deviam consumir e esta é paga por quem não retira qualquer benefício do seu consumo.

Com efeito, não é possível ou viável anular uma ilicitude praticando outra ilicitude.

Os condóminos têm o direito, sem dúvida, de impedir que seja consumida energia elétrica nas garagens, paga por todos, em usos que não se integrem na função das garagens, mas têm de exercer esse direito de modo lícito, designadamente através da ação direta, se se verificarem os respetivos pressupostos.

Improcede, pelo exposto, o recurso principal, porquanto é de manter a nulidade da apontada deliberação.

(II) Recurso subordinado.

Os Autores pretendem que a indemnização arbitrada de 2.500,00 seja aumentada para 7.000.00, atendendo aos factos provados em 11, 13, 14, 15 e 16, pois estão privados de eletricidade desde 2016.

Trata-se da indemnização atribuída pelo facto dos Autores não terem conseguido vender a garagem.

Não procede a pretensão, pelas seguintes razões:

Provou-se no facto n.º 15 que «Os Autores tiveram interessados na aquisição da fração em causa por valores variáveis entre EUR 14.000,00 e EUR 16.000,00».

Mas os factos não mostram que os Autores só consigam vender agora a garagem por um preço inferior em EUR 7.000,00 ao preço que anteriormente teriam conseguido se a eletricidade não tivesse sido cortada.

Ou que a diferença de preço, mais eventuais juros que o capital teria rendido se a garagem tivesse sido já vendida e o preço recebido, impliquem a referida diferença de EUR 7.000,00.

Não há prova desta diferença de EUR 7.000,00 e, sendo assim, o recurso não pode proceder.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julgam-se ambos os recursos improcedentes e mantém-se a decisão recorrida.

Custas do recurso principal pelo condomínio Recorrente e do recurso subordinado pelos Autores.


*

Coimbra, 9 de fevereiro de 2021

Alberto Ruço ( Relator)

Vítor Amaral

Luís Cravo