Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
216/03.8GBSRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
NOTIFICAÇÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
Data do Acordão: 11/14/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (J C GENÉRICA DA SERTÃ)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.120.º, N.º 2, AL. B), E 495.º DO CPP; ART. 56.º DO CP
Sumário: I – É nula a decisão de revogação da suspensão proferida sem que a arguida tivesse sido notificada, nem ouvida, sobre o incumprimento da condição.

II – A audição da arguida deve efectuar-se na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento da condição.

III – A decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão não transita em julgado quando a recorrente não foi notificada dessa decisão.

IV – Não tendo transitado em julgado está em tempo de invocar a referida nulidade.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. RELATÓRIO

Nos autos de processo comum em referência, por sentença de 26 de janeiro de 2010, transitada em julgado, por factos praticados em 17/10/2003, foi a arguida X, condenada, como autora material, em concurso efectivo, de múltiplos crimes [1 crime de burla simples, p.p. pelo art. 202°, al. a) e 217°, nº 1 do C. Penal; - 1 crime de burla qualificada, p.p. pelo art.° 202° al. a) do C. Penal; e - 5 crimes de falsificação de documentos, p.p. pelo art. 202°, al. a), 255°, al. a) e 256° nº 1 do C. Penal], em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução, suspensão subordina à obrigação/ injunção de a arguida comprovar documentalmente nos autos o pagamento ao ofendido/ lesado Z.... da quantia de 4.750,00€ (quatro mil setecentos e cinquenta euros).

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Após vicissitudes diversas relacionadas com o desconhecimento do paradeiro da arguida, veio a arguida apresentar, em 05.03.2018, por via electrónica (cfr. fls. 1205-1207), o seguinte REQUERIMENTO:

 “(…) da promoção do digno magistrado do MºPº consta que o Z, em 11.02.2015, veio informar, através da sua mandatária, que ainda não lhe tinha sido entregue qualquer quantia por conta da indemnização que havia sido fixada. Ora, por o teor de tal informação ser contrária à declaração de quitação assinada pelo referido ofendido em 17 de Janeiro de 2014, a mandatária da arguida contactou a mandatária do ofendido qua a informou que á data que fez o requerimento supra mencionado (11.02.2015) foi a esposa do ofendido quem lhe disse que o mesmo de momento se encontrava a trabalhar no estrangeiro e que não tinha conhecimento que este tivesse recebido qualquer quantia por conta da indemnização. Assim o referido requerimento assinado e enviado em 11.02.2015 deveu-se certamente a mero lapso, sendo certo que a arguida efectuou o pagamento ao ofendido em 17.01.2014, ou seja, ainda no decurso do prazo que dispunha para o efeito, pelo que deve declarar-se extinta a pena aplicada à arguida pelo seu cumprimento”.

Aberta vista (em 08.02.2018) para se pronunciar sobre o dito requerimento, o digno magistrado do MºPº pronunciou-se dizendo: “No que tange ao requerimento antecedente o poder jurisdicional do juiz encontra-se esgotado, uma vez que a pena de prisão, suspensa na sua execução, aplicada à arguida foi entretanto revogada mediante despacho de fls. 1023 a 1025 dos presentes autos”.

Seguidamente foi proferido o despacho (recorrido), datado de 12 de Março de 2018 (fls. 1209 – referência 29892336) com o seguinte teor: "Pelas razões fáctico-jurídicas expostas pelo Digno magistrado do Ministério Público em Promoção que antecede de 08.02.2018, e com as quais se concorda, indefiro o requerido pela Arguida em 05.03.2018."

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Inconformado com tal despacho, dele recorre a arguida, formulando as seguintes CONCLUSÕES:

1- O presente Recurso é interposto na sequência do Douto Despacho datado de 12 de Março de 2018 (ReP29892336), proferido no Processo à margem identificado, onde o Digníssimo Tribunal a quo, decidiu não admitir o meio de prova Requerido pela Arguida, X, não admitindo igualmente o pedido de extinção da pena aplicada à arguida pelo seu cumprimento.

2 - Salvo o devido respeito por opinião contrária, não podemos concordar com tal decisão.

3- Entende a Arguida, ora Recorrente, que, face à factualidade exposta no Requerimento apresentado pela Arguida e ao Direito aplicável, o Despacho recorrido não apreciou devidamente os argumentos explanados, além de violar ostensivamente o Direito de Defesa do Arguido e o Princípio do Acesso ao Direito e da Tutela Jurisdicional Efetiva!

4- Como fundamentação da decisão de não admitir o Requerimento apresentado pela Arguida X, entendeu o Meritíssimo Juiz-Presidente do Tribunal “A Quo" o seguinte:

5- "Pelas razões fáctico-jurídicas expostas pelo Digno magistrado do Ministério Público em Promoção que antecede de 08.02.2018, e com as quais se concorda, indefiro o requerido pela Arguida em 05.03.2018."

6- Na verdade, o essencial da decisão, prende-se com o seguinte:

A Arguida foi condenada pela prática de 1 crime de Burla Simples, p.p. pelo art. 202°, aI. A) e 217°, n." 1 do C. Penal; 1 Crime de Burla Qualificada, p.p. pelo art.° 202° al. a) do C. Penal e pela prática de 5 crimes de Falsificação de boletins, actas ou documentos, p.p. pelo art. 202°, al. a), 255°, al. a) e 256° nº 1 do C. Penal, todos os crimes praticados em 17/10/2003, tendo sido sancionada a: "Condenar a arguida X..., pela prática em concurso efectivo dos crimes supra referidos em 1) a 7), em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão. Suspender a execução da pena única de 5 (cinco) anos de prisão concretamente aplicada à arguida X, por igual período da pena de prisão concretamente aplicada à mesma, a contar do transito em julgado da sentença condenatória, subordinando-se a suspensão da execução da pena de prisão concretamente aplicada à arguida X à obrigação/ injunção de a mesma, comprovar documentalmente nos autos o pagamento ao ofendido/ lesado Z da quantia de 4.750,00€ (quatro mil setecentos e cinquenta) euros pela qual ambos chegaram a acordo e transacionaram nos autos quanto ao pedido de indeminização civil deduzido pelo primeiro, nos termos provados em 57) e ao pagamento ao ofendido/lesado Y da quantia de 410 (quatrocentos e dez) euros (se ainda não estiver paga, devendo contudo o referido pagamento ser comprovado), no período da suspensão da execução da pena de prisão concretamente aplicada à mesma, devendo necessariamente cumprir com as referidas injunções." - (Ref. 26537560)

7- A Arguida, ora Recorrente, nos presentes autos, cumpriu as injunções impostas pelo Digníssimo Tribunal a Quo como pressuposto essencial para a extinção da pena pelo seu cumprimento.

8- Tendo, para esse efeito, liquidado os valores acordados com os ofendidos a título de indemnização pelos crimes por esta cometidos em 2003.

9- Tanto que, em 13 de Novembro de 2013, o Ilustre Tribunal a Quo notificou o Ofendido/ Lesado, Y, para vir aos autos informar se já havia ou não recebido a quantia imposta à arguida a título de indemnização. - (Ref.: 1312084).

10- Sendo certo, porém que, o Ofendido/ Lesado em 19 de Novembro de 2013, mediante Requerimento, informa o Tribunal do seu (NÃO!?) ressarcimento.

11- Todavia, naquela data, não havia sido possível financeiramente à Recorrente liquidar a quantia devida ao Ofendido Z.

12- O que, só lhe foi possível fazer, com a ajuda dos seus filhos.

13- E em, 17 de Janeiro de 2014, a Arguida pagou a quantia de 4.750,00€ (quatro mil setecentos e cinquenta Euros) ao Ofendido/ Lesado Z, CONFORME DECLARAÇÃO DE QUITAÇÃO JUNTA AOS AUTOS - Ref. 1537481,

14- Tendo assim, ingenuamente ficado certa e segura de que, uma vez cumpridas as injunções impostas, a sua pena não tarda estaria extinta, o que, no caso em apreço faltaria sensivelmente um ano e um mês.

15- O que, em bom rigor não aconteceu!

16- Ora, a Arguida, não por culpa sua, mas por negligência que não pode de todo em todo ser considerada grosseira, não fez a devida comunicação de liquidação aos autos.

17- Tendo acreditado que, o Ofendido, aquando notificação para informar os autos se havia ou não recebido a quantia fixada daria a devida indicação aos autos.

18- Lamentavelmente e por manifesto erro o mesmo não ocorreu.

19- Ora, o Ofendido/Lesado, Y, foi notificado, em 3 de Fevereiro de 2015, pelo Tribunal a Quo na pessoa do seu Ilustre Defensor, para vir informar os autos se havia recebido a quantia fixada a título de indemnização por parte da Arguida. - (Ref.: 25573039)

20- Tendo, em 11 de Fevereiro de 2015, sido dada comunicação aos autos que até então nada havia o Ofendido recebido por parte da Arguida.

21- Com isto, criou-se erradamente a motivação de que, a Arguida, não havia cumprido a injunção imposta.

22- Sendo certo, porém de que, à data faltavam uns dias, para a pena ser declarada extinta.

23- O que, atento todo o exposto, não ocorreu.

24- Tendo se devido ao simples, mas de extrema importância facto de que, a Ilustre Mandatária do Ofendido/ Lesado quando fez o requerimento datado de 11 de Fevereiro de 2015, a informar os autos de que o mesmo até então não havia sido ressarcido, não havia falado com o Ofendido/ Lesado.

25- Aliás, havia questionado a esposa do Ofendido/Lesado acerca do recebimento ou não da indeminização.

26- Tendo a esposa do ofendido informado a Ilustre Mandatária daquele de que, o Sr. Z, sem encontrava a trabalhar no estrangeiro e que não tinha conhecimento que este tivesse recebido qualquer quantia por conta da indeminização.

27- Pelo que, o Requerimento remetido em 11 de Fevereiro de 2015, no qual é dada a informação aos autos de que, até à data o Ofendido/Lesado, nada havia recebido por conta da indeminização deveu-se a um lapso.

28- Lapso esse cometido, devido a informação prestada pela esposa do Ofendido / Lesado à Ilustre Mandatária daquele. - (Ref.: 1590359)

29- No entanto, a Arguida, ora Recorrente, efetuou o pagamento devido ao Ofendido/ Lesado em 17 de Janeiro de 2014, o que fez, ainda no decurso do prazo que tinha ao seu dispor para o efeito.

30- O que, acarretará como consequência a extinção da pena imposta à Arguida pelo seu cumprimento.

31- O artigo 56º, nº 1 do Código Penal, determina que, a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

a) Infringir grosseira e repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de reabilitação social ou

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

32- Da disposição legal transcrita supra, resulta que, havendo por parte do/a condenado/a incumprimento dos deveres impostos para a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, o julgador deve formular um novo juízo de prognose relativamente à conduta futura daquele.

33- Para esse efeito, deve ter em consideração a personalidade do/a condenado/a bem como as suas condições de vida e o comportamento adotado durante o período da suspensão.

34- Com efeito, a revogação da suspensão da execução de pena de prisão, com ou sem regime de prova, só deverá manter-se enquanto a personalidade do agente, as suas condições de vida e a sua conduta posterior ao crime, revelem que ainda é adequada e eficaz.

35- Ora a Arguida, ora Recorrente, desde o trânsito em julgado da sentença que a condenou que, vive com os seus descendentes.

36- Tendo mudado, de residência para a habitação do seu primogénito.

37- Com efeito e em bom rigor, deveria ter feito a devida comunicação aos autos.

38- O que, não fez!

39- Não por culpa, grave ou grosseira, mas por ignorância.

40- Ora a Condenada, uma vez cumprido com as injunções impostas e não mais havendo praticado qualquer ato ilícito estava convicta de estar a adotar um comportamento correto ou pelo menos não prejudicial.

41- A verdade é que, não elaborou o plano individual de reabilitação social.

42- No entanto está disposta a fazê-lo, colaborando de forma ativa, promovendo o necessário para esse efeito.

43- Ora, o fundamento legitimador da pena é a prevenção na sua dupla dimensão geral e especial.

44- Pelo que, a culpa do infrator desempenha o duplo papel de pressuposto, não há pena sem culpa sendo esta o limite máximo da pena a aplicar.

45- O fim do direito penal é o da proteção dos bens jurídico/penais e a pena é o meio de realização dessa tutela.

46- No entanto é necessário estabelecer-se uma correlação entre a medida da pena e a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes, nesta entrando as considerações de prevenção geral e especial.

47- Nesta senda, a prevenção geral faz-se por apelo à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado e pelo outro no restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efetiva tutela penal dos bens tutelados, sendo que, pela prevenção especial pretende-se a ressocialização do delinquente e a dissuasão da prática de futuros crimes.

48- Ainda nesta senda;

Veja-se Acórdão do Supremo Tribunal de justiça (Proc. nº 2251/04 - 5.a Secção Costa Mortágua (relator) Rodrigues da Costa Quinta Gomes Carmona, datado de 8 de Julho de 2004.

“I- Dos arts. 40.º, n.º 2, e 71.º do CP resulta que a pena serve finalidades de prevenção geral e especial, sendo delimitada no seu máximo inultrapassável pela medida em que se dimensione a culpa.

II - Só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação de delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; em suma, na expressão de Jakobs, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida' III - Mas 'em caso algum pode haver pena sem culpa ou a medida da pena ultrapassar a medida da culpa', o que 'não vai buscar o seu fundamento axiológico, (...), a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização' - cfr. Figueiredo Dias in As Consequências Jurídicas do Crime, edição de 1993, páginas 72 e 73.

IV – (...) 1) toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais' - cfr. Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, edição de 2001, 110.”

49- Pelo exposto, considera-se que, as necessidades de prevenção geral e especial se encontram verificadas.

50- A Recorrente ao cumprir com as injunções impostas bem como, ao abster-se da prática de qualquer ato ilícito demonstra uma atitude de arrependimento, de consciência do bem jurídico tutelado que a mesma havia violado e de não mais adotar tal conduta.

51- Com a conduta de optar por residir com os seus filhos, ajudando os mesmos nos seus quotidianos, estando a trabalhar demonstra que, a Condenada se encontra inserida na sociedade.

52- Alias, volvidos quase 8 anos desde o trânsito em julgado, e 3 após o terminus da suspensão aplicada à Recorrente, a prisão efetiva não pode ser de todo em todo considerada.

53- O cumprimento da pena de prisão efetiva iria ter efeitos nefastos na vida da Recorrente bem como no seu agregado familiar.

54- O que, certamente iria fazer com que a Recorrente, que é uma pessoa inserida na sociedade fosse deixar de estar socializada.

55- O cumprimento de pena de prisão, após o cumprimento por parte da Recorrente das medidas de injunção impostas faria com que esta pagasse à Sociedade duas vezes o crime cometido.

56- O que é ilegal, inconstitucional e não pode num Estado de Direito Democrático ser levado avante, sob pena de violação de todas as garantias constitucionalmente consagradas.

57- No entanto, e em bom rigor, bem sabe a Arguida que não agiu sempre como “um bom pai de família" o que a esta seria exigido e deveria ter sido feito.

58- Pese embora tenha cumprido a pena aplicada, a negligencia da mesma não por culpa por parte desta, mas sim por negligência, que considera desculpável pelos factos expostos deve ser atendida.

59- Sendo por consequência aceite o Requerimento apesentado pela Condenada.

60- E em consequência o requerido pela Condenada ser atendido.

61- Com efeito, deve a pena aplicada à Arguida ser declarada extinta pelo seu cumprimento nos termos do artigo 57º do Código Penal.

62- Deste modo, o Despacho recorrido é manifestamente ilegal e inconstitucional, o que acarretará forçosamente a sua NULIDADE e a dos atas subsequentes!

63- Pelo exposto, V. Exas. certamente REVOGARÃO o Despacho recorrido, substituindo-o por outro que admita o Requerido pela Condenada, com as devidas consequências legais!

64- Assim sendo, reitera-se que o Despacho recorrido violou o exercício do Direito de Defesa do Arguido e o Princípio do Acesso ao Direito e da Tutela Jurisdicional Efetiva, plasmados nos artigos 20°, nº 1 e 32°, nºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, sendo, portanto, ilegal e inconstitucional, o que acarretará forçosamente a sua NULIDADE e a dos atas subsequentes!

65- Por todo O exposto, V. Exas. certamente ALTERARÃO o Despacho recorrido, substituindo-o por outro que conceda ao Arguido/Recorrente, a extinção da pena na qual foi condenada pelo cumprimento, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!

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O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo - ­cfr. despacho de fls. 1221.

Notificado da motivação do recurso, respondeu o digno magistrado do Mº Pº junto do tribunal recorrido, considerando que o mesmo deve ser julgado improcedente - cfr. fls. 173 e segs.

No visto a que se reporta o artigo 416º do CPP a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no qual pondera designadamente:

(…) Atendendo a que recorrente X, não terá sido notificada formalmente da decisão proferida em 09/03/2015, esta não transitou em julgado, daí poder considerar-se que a mesma possa, nesta fase processual, fazer prova de ter procedido ao pagamento da quantia a que estava obrigada, através da junção da declaração de quitação, datada de 17 de Janeiro de 2014.

Assim, para além de ser claro que a revogação da suspensão da execução de uma pena de prisão, com o fundamento no não cumprimento de uma obrigação/condição, dever ocorrer por culpa grosseira do incumpridor, in casu, deveria ter sido concedida uma oportunidade à recorrente X, para que esta pudesse fazer prova do cumprimento da obrigação a que estava sujeita.

Daí, considerar-se que deverá ser de admitir a junção da declaração de quitação, datada de 17 de Janeiro de 2014, a fim de ser apreciada como meio de prova, nesta fase processual.

De facto, a recorrente X, nunca veio aos autos fazer prova do cumprimento desta obrigação, mas considera-se legítima esta sua pretensão de pedir ao Tribunal a quo que atenda e aprecie a declaração de quitação, assinada pelo ofendido Z, e datada de 17 de Janeiro de 2014, no âmbito da qual este declara já ter recebido a quantia de € 4.750,00, não obstante constar dos autos a informação, prestada pela Mandatária do Z, datada de 11 de Fevereiro de 2015 (fls.1020), na qual esta refere que aquela ainda não tinha procedido ao pagamento daquela quantia.

Assim, o despacho judicial de 09 de Março de 2015, que determinou a revogação da suspensão da execução da pena de 5 (cinco) anos de prisão que lhe foi aplicada, só deveria ter sido proferido após a constatação de que o incumprimento se ficou a dever a culpa grosseira da recorrente X.

Face ao exposto, somos de parecer que o recurso merece provimento”.

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Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º2 do CPP.

Corridos os vistos, foi realizado o julgamento, em conferência, com observância do formalismo legal.

Não se verifica a existência de nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.

Cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

O recurso incide sobre o despacho de 12.03.2018 que não admitiu como meio de prova, a declaração de quitação, datada de 17 de Janeiro de 2014, relativa ao pagamento ao ofendido de determinada quantia, imposto como condição da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos.

Sucede que anteriormente havia sido proferido, além do mais, o despacho de fls. 1023-1025, datado de 09.03.2015, no qual “após inúmeras diligências infrutíferas para a localização da arguida” foi proferida decisão de revogação da suspensão da execução da pena.

A decisão de revogação da suspensão – que surge logicamente como prejudicial em relação ao despacho recorrido que a pressupõe e cuja revogação apenas faz sentido com a prévia revogação daquela – foi proferida sem que a arguida tivesse sido notificada, nem ouvida, sobre o incumprimento da condição. Como decorre de tal decisão (de revogação da suspensão), a mesma foi proferida “após inúmeras diligências infrutíferas para a localização da arguida”, como tal desconhecendo-se o seu paradeiro e sem ter sido ouvida sobre as circunstâncias do incumprimento.

A revogação da suspensão foi assim decretada sem que tenha sido “ouvida a condenada” nos termos impostos pelo art. 495º, nº2 do CPP.

Muito menos com audição “na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento”, como exigido pelo mesmo preceito, na redacção introduzida pela Lei 130/2015 de 04.09.

O que redunda na nulidade prevista no art. 120º, nº2, al. b) do CPP.

Além de não ter sido ouvida antes de proferida a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão também a recorrente não foi notificada dessa decisão, como salienta a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer. Não tendo por isso transitado em julgado, o que leva a que esteja em tempo de invocar a referida nulidade, sem o decretamento da qual, repete-se, o presente recurso não tem sentido nem efeito útil.

Acresce que a revogação da suspensão foi decretada com o fundamento de a condenada não ter cumprido a condição imposta para a suspensão, isto é o pagamento o pagamento da quantia de € 4.750,00, ao ofendido Z - cfr. fls. 1040 verso e segs.. Tendo por fundamento legal o disposto no art. 56°, nº 1, al. a), do C. Penal. Ou seja, por o condenado “infringir grosseira e repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social".

Ora, face ao teor expresso da disposição legal citada, é aceite, de um modo generalizado e pacífico, que a revogação da suspensão da execução da pena, por incumprimento de qualquer dever ou condição pelo condenado, só pode ocorrer se esse incumprimento se ficar a dever a culpa grosseira do mesmo.

Atendendo a que recorrente X não foi notificada formalmente da decisão de revogação da suspensão proferida em 09/03/2015, esta não transitou em julgado, podendo assim considerar-se que a mesma possa, ainda, fazer prova de ter procedido ao pagamento da quantia a que estava obrigada dentro do prazo definido para o efeito, através da junção da declaração de quitação, datada de 17 de Janeiro de 2014.

Impõe-se assim a procedência do recurso, com a anulação da decisão, prejudicial, de revogação da suspensão da execução da prisão, sem a qual o presente recurso não tem sentido ou efeito.

III - DECISÃO

Nos termos expostos, decide-se revogar a decisão recorrida, anulando-se o despacho prejudicial que revogou a suspensão da execução da prisão, devendo a decisão recorrida ser substituída por outra que, admitindo a declaração de quitação do pagamento imposto como condição da suspensão, pondere o referido pagamento para efeito da revogação da suspensão ou da extinção da pena aplicada nos autos.

Sem tributação. 

            Coimbra, 14 de Novembro de 2018

Belmiro Andrade (relator)

Abílio Ramalho (adjunto)