Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1184/06.0TBCVL-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUIS CRAVO
Descritores: ALIMENTOS
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
MONTANTE DA PENSÃO
Data do Acordão: 02/11/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COVILHÃ 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: LEI Nº 75/98 DE 19/11, DL Nº 165/99 DE 15/5, ARTS. 1878, 2009 CC
Sumário: 1. O valor da prestação a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores (FGADM) não tem que coincidir com o da prestação anteriormente fixada e devida pelos progenitores, embora coincida em regra, devendo na sua fixação ser ponderados, para além daquela, a capacidade económica do agregado familiar e as necessidades específicas da menor.
2. Isto considerando o disposto nos arts. 2º e 3º, nº3 da Lei 75/98 e a autonomia e cariz social da obrigação do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM), que visa a salvaguarda dos superiores interesses dos menores, face ao que o quantum da pensão a que ficará adstrito não está limitado pelo valor da antes imposta aos progenitores em falta, mas será aquele que, à data da decisão que o vincular, se revelar adequado para a realização daquele superior objectivo.

3. Sem embargo, a actualização de € 100,00 para € 120,00, mais do que constituir um imperativo social e de solidariedade humana – ínsitos no espírito do legislador quando criou o instituto do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, e para cuja satisfação este se encontra teleologicamente ordenado – sempre configura um minus no contexto das dificuldades financeiras sentidas pelo Estado e conhecidas de todos.

Decisão Texto Integral:             Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

                                                                      *

            1 - RELATÓRIO

Por apenso aos autos de regulação do exercício do poder paternal relativo à  menor L (…), nascida a 12/12/2002, filha de J (…) e de P (…), no âmbito da qual havia sido decidido que a dita menor ficava à guarda e cuidados dos avós paternos, (…) ficando os progenitores obrigados a contribuir com a quantia de € 100,00 por mês a título de alimentos à menor, foi processado incidente de Incumprimento do Poder Paternal, na vertente alimentar, deduzido pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público, alegando que na eventualidade de ser inviável a cobrança das quantias devidas a título de alimentos, os autos prosseguissem com vista a ser fixada prestação alimentícia a pagar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor.

Tendo sido realizada a conferência a que alude o art. 181º da O.T.M. e solicitada a elaboração de relatórios sociais, veio, a final, a ser proferida despacho através do qual se decidiu que, por se entender que se mostravam verificados os pressupostos legais, se tinha por adequado fixar em 120 euros a prestação a pagar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos à menor.

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Inconformado com essa decisão, dela interpôs recurso o dito Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, o qual finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:

«• O Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS) foi condenado a pagar uma prestação mensal no valor de €120,00 (cento e vinte euros), em substituição dos progenitores, ora devedores.

• Aos progenitores foi fixada uma prestação no valor de €100 (cem euros) que – determinado que foi o incumprimento e a impossibilidade de cobrança coerciva – irá ser suportada pelo FGADM em regime de sub-rogação nessa mesma medida.
• A obrigação de prestação de alimentos pelo FGADM é autónoma da prestação alimentícia decorrente do poder paternal e não decorre automaticamente da lei, sendo necessária uma decisão judicial que a imponha, ou seja, até essa decisão não existe qualquer obrigação.
• A sub-rogação não pode exceder a medida da sub-rogação total, porquanto, se o terceiro paga mais do que ao devedor competia pagar, ele não tem o direito de exigir do devedor o reembolso pelo excesso, e só poderá exigir do credor a restituição do que este recebeu indevidamente.
• Aceitar que a prestação fosse superior seria instituir-se, sem apoio normativo, uma prestação social em parte não reembolsável e, ainda para mais, sem que o credor a tenha de restituir corno “indevida”.
• Não tem qualquer suporte legal fixar-se urna prestação alimentícia a cargo do FGADM superior à fixada aos progenitores, ora devedores.
• Ao manter-se a decisão, a obrigação e responsabilidade de prestar alimentos deixará de ser imputável aos progenitores obrigados, passando a ser única e exclusivamente da responsabilidade do FGADM.
TERMOS EM QUE deve ser julgado procedente o presente recurso e, consequentemente, revogada a douta decisão recorrida, devendo ser substituída por outra que não condene o FGADM no pagamento de €120 (cento e vinte euros), pois só assim se fará a costumada JUSTIÇA!»

                                                                       *

Por sua vez, a Exma. Magistrada do M.º P.º, formulou, nas suas alegações, as seguintes conclusões:

«1. Nos presentes autos, foi proferida, em 14.09.2013, decisão judicial que condenou o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menor no pagamento do montante mensal de € 120,00 a título de pensão de alimentos à menor L (…) em substituição dos seus progenitores incumpridores, aos seus avós paternos a quem se encontra entregue a menor.

2. O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP na qualidade de gestor do Fundo de garantia de Alimentos Devidos a Menor, interveniente acidental nestes autos, interpôs recurso de direito dessa decisão proferida.

3. Para o efeito, o recorrente invoca que:

- O Tribunal a quo não podia fixar montante de prestação de alimentos a ser satisfeita pelo FGADM superior à fixada aos progenitores da menor.

- A obrigação do FGADM é autónoma da prestação de alimentos decorrente do poder paternal e não decorre automaticamente da lei sendo necessária uma decisão judicial que a imponha.

-  Este Fundo suporta o pagamento da prestação alimentícia em regime de sub-rogação na mesma medida em que foi fixada ao seu devedor.

- A sub-rogação não pode exceder a medida da sub-rogação total atendendo a que se o terceiro (aqui recorrente) paga mais do que ao devedor cumpria pagar não poderá exigir do devedor o reembolso pelo excesso.

- Logo, se a prestação paga pelo FGADM é superior à fixada ao devedor, torna-se não reembolsável nesse excedente e não poderá ser exigida do credor a sua restituição sendo esta parte da exclusiva responsabilidade do FGADM.

- Não tem, portanto, suporte legal a fixação de uma prestação alimentícia a ser suportada pelo FGADM em medida superior à fixada aos progenitores.

- Pelo que, a decisão recorrida deve ser revogada e mandada substituir por outra que não condene o recorrente no pagamento do montante de € 120,00, mas apenas € 100,00.

4. Entendemos que não assiste qualquer razão aos recorrentes.

5. O Tribunal a quo considerou o incumprimento da satisfação dos obrigados a alimentos, bem como a impossibilidade da sua cobrança coerciva atenta a situação de absoluta incapacidade face à sua precária situação económico-financeira e, nos termos do artigo 3.° do DL 164/99 de 13.05, fixou em € 120,00 a prestação a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menor tendo em conta a necessidade de alimentos da menor e o parecer da Segurança Social no sentido dc estarem reunidas as condições de recurso à prestação social deste Fundo.

6. O objetivo da existência e funcionamento do FGADM passa por assegurar as condições de subsistência alimentícias, imediatas, do menor quando a pessoa judicialmente obrigada não possa prestá-las e o menor ou seu agregado não disponham de rendimento liquido superior ao salário mínimo nacional, nos termos do disposto do disposto no Decreto-Lei n.° 164/99 e na Lei n.° 75/98, de 19 de Novembro.

7. A prestação fixada ao abrigo destes diplomas legais a cargo do FGADM é independente/autónoma da anteriormente fixada ao devedor dos alimentos.

8. O apuramento do montante a pagar pelo FGADM tem em conta, não só o valor fixado ao devedor de alimentos, como também as condições sociais e económicas atuais do menor e do seu agregado familiar, nos termos do disposto nos artigos 2.°, da Lei n.° 75/98, de 19 de Novembro, e 3.°, n.° 3, do Decreto-Lei n.° 164/99, de 13 de Maio.

9. Assim, o valor da prestação a cargo do referido Fundo não tem de coincidir (por excesso ou por defeito) com a prestação fixada ao devedor, quando aquela prestação se revelar manifestamente desadequada às necessidades do menor conforme decidido superiormente nos seguintes acórdãos:

a. Supremo Tribunal de Justiça de 04.06.2009, Processo n.° 91/03.2TQPDL.S1,

b. Tribunal da Relação de Lisboa de 11.07.2013, Processo n.° 5147/03.9TBSXL-B. L1-2

c. Tribunal da Relação do Porto de 15.01.2013, Processo n.° 3178/07.3TBSTS-A.Pl e 16.07.2013, Processo n.° 0733397;

d. Tribunal da Relação de Coimbra de 24.06.2008, Processo n.° 29-A/2000.C1, de 05.03.2002, Processo n.° 3431/2001 e de 10.09.2001, Processo n.° 1788/2001;

e. Tribunal da Relação de Évora de 17.04.2008, Processo n.° 3137/07-2.

10. Esta orientação jurisprudencia1, acolhida também pela doutrina, mostra-se acolhida pelo legislador no artigo 2.° da Lei 75/98 de 19 de Novembro cujo n.° 1 ao estipular apenas que as prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente por cada devedor, o montante de 4 UC.

11. No caso em apreço, a prestação de 100,00€ (cem euros), fixada judicialmente em 06 de Junho de 2011, afigura-se na presente data manifestamente insuficiente - tendo em atenção as necessidades crescentes da menor, ao longo dos dois últimos e à situação de desemprego que o tio da menor vive, invalidez do avô paterno aferindo urna pensão de invalidez e prestações familiares no valor de € 309,98 e a avó paterna encontra-se empregada recebendo a quantia de €250,00 como produto do seu trabalho.

12. Logo, são evidentes as carências da menor em termos de pensão de alimentos para fazer face à satisfação das suas necessidades diárias básicas.

13. É manifestamente impossível assegurar a satisfação das necessidades básicas da menor L (…), atualmente com 9 anos de idade, com quantia inferior a 120,00€ (cento e vinte euros).

14. Mostra-se necessário considerar que a obrigação do FGADM é autónoma relativamente à do devedor e apenas poderá exigir deste a parte que o tribunal condenou este a pagar, sendo o remanescente suportado pelo fundo.

15. O Tribunal a quo proferiu decisão legal por ter considerado a situação socio económica atual da menor e atualizado a pensão de alimentos devida à mesma face às suas necessidades básicas atuais.

16. A prestação alimentar, a cargo do FGADM, deve ser atualizada, independentemente do apuramento das condições sociais e económicas do devedor de alimentos, sempre que situação atual da menor o imponha.

17. Por último, entendemos que o Tribunal a quo fixou uma quantia dentro dos
limites da lei no artigo 2.°, n.º1 da Lei 75/98 de 19 de Novembro, por o valor dessa prestação de alimentos não ter excedido o valor de 4 UC.

18. Consequentemente, deverá ser negado provimento ao presente recurso por ser legalmente admissível a atualização da prestação de alimentos a satisfazer pelo FGADM em substituição do seu devedor nos termos do artigo 2.°, n.° 1 da Lei 75/98, de 19 de Novembro mantendo-se a decisão recorrida.

Por todo o exposto, sem mais delongas por desnecessárias, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo recorrente

Certa de que, Vossas Excelências, como sempre, doutamente decidirão, fazendo a habitual JUSTIÇA!»  

                                                                       *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                           *

            2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detectar o seguinte:

- se o tribunal recorrido podia actualizar a pensão de alimentos fixada aos progenitores no valor global de € 100,00 e decidir que o FGADM deverá pagar uma prestação superior a esse valor no montante total de € 120,00 à menor.

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A factualidade que interessa ao conhecimento do presente recurso é a que foi alinhada na decisão sob recurso, a saber:

1 - No assento de nascimento n.º 1844 do ano de 2007 da C. Registo Civil da Covilhã encontra-se inscrito o nascimento em 12 de Dezembro de 2002 de L (…), filha de J (…) e P (…).

2 - Por sentença datada de 6/06/2011, foi a menor confiada à guarda e cuidados dos avós paternos (…) e fixada em 50 euros a prestação de alimentos por cada um dos progenitores, no total de 100 euros.

3 - Os requeridos nunca pagaram qualquer prestação de alimentos;

4 - Mostra-se inviável a cobrança coerciva dos alimentos porque a requerida se encontra desempregada há cerca de cinco anos e não tem rendimentos;

5 - O progenitor encontra-se em cumprimento de pena em Espanha e não tem rendimentos;

6 - Os avós têm um rendimento per capita de 205,23 euros;

7 - Não têm outros rendimentos;

8 - É parecer da S. Social que estão reunidas condições de recurso à prestação social do Fundo de Garantia a Alimentos devidos a menores.

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4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

            Trata-se então no presente caso de apreciar e decidir se o tribunal recorrido podia actualizar a pensão de alimentos fixada aos progenitores no valor global de € 100,00 e decidir que o FGADM deverá pagar uma prestação superior a esse valor no montante total de € 120,00 à menor.

Consabidamente, a Lei nº 75/98, de 19.11., regulamentada pelo DL nº 164/99, de 15.05., criou o Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores (gerido pelo Instituto de Gestão Financeira e Social) e preceitua no seu artigo 1º que:

Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda de encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação”.

 É, assim, através do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores (doravante FGADM) que o Estado assegura essas prestações.

E para que o FGADM em substituição do devedor, pague uma prestação alimentar ao menor, é necessário, nos termos do arts. 1º e 2º do DL 75/98 e art. 3º n.º 3 do DL n.º 164/99, supra citados, que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:

a) existência de sentença que fixe os alimentos devidos a menor;

b) residência do menor em território nacional;

c) inexistência de rendimentos líquidos do alimentando superiores ao salário mínimo nacional;

d) que o alimentado não beneficie, na mesma quantidade, de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre;

e) não pagamento por parte do devedor, das quantias em dívida através de uma das formas previstas no artigo 189º da OTM. [1]

Tenha-se presente que é o próprio preâmbulo do DL n.º 164/99, de 13.05., que regulamentou a citada Lei n.º 75/98, que admite a necessidade do Estado assegurar esses direitos das crianças constitucionalmente consagrados e expressamente refere que “de entre os factores que relevam para o não cumprimento da obrigação de alimentos assumem frequência significativa a ausência do devedor e a sua situação sócio-económica.”

Igualmente importa não olvidar que os arts. 6º n.º 3 da Lei 75/98 e 5º n.º1 do DL 164/99, estabelecem que “o Fundo fica sub-rogado em todos os direitos do menor a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso” e, por isso, nas situações em que o obrigado a alimentos tiver património o Estado poderá sempre ser reembolsado das prestações pagas em substituição do devedor.

Donde, e considerando a finalidade dos referidos diplomas – Lei n.º 75/98 e DL 164/99 – assegurar o direito aos menores de condições de subsistência mínimas – pode e deve concluir-se “ser apenas relevante para a intervenção do Fundo que não seja possível a satisfação pelo devedor das quantias em dívidas através dos meios previstos no art.189º do O.T.M., único meio que assegura a celeridade necessária para que a cobrança dos alimentos devidos ao menor garanta a sua sobrevivência[2].

Isto é, tem-se muito claramente em vista garantir a sobrevivência do(s) menor(es) a quem os alimentos eram devidos e a favor de quem estavam fixados, face ao que cremos ser legítimo concluir que se trata então de assegurar o mínimo de subsistência material necessário à salvaguarda dos seus direitos e interesses basilares e da sua própria dignidade humana.

Daí que muito legitimamente se possa e deva dizer que se a obrigação/intervenção do FGADM se assume, por um lado, como apenas subsidiária, substitutiva e tendencialmente provisória (relativamente à obrigação do progenitor incumpridor), por outro lado configura-se como uma obrigação nova e autónoma, autonomia esta que assenta “na sua própria génese, ratio e teleologia: ela não radica na obrigação natural, legalmente acolhida, derivada dos laços familiares, mas antes dimana da função social do Estado que lhe impõe que garanta aos seus cidadãos, maxime os de tenra idade que não podem prover ao seu sustento, o mínimo de subsistência material necessário à salvaguarda dos seus direitos e interesses basilares e da sua própria dignidade humana.”[3]

Sem embargo, temos presente que o montante da prestação de alimentos incumprida constitui um índice para o julgador fixar a prestação social a cargo do Fundo e esta será em regra equivalente à anteriormente fixada.[4]

 Isso porque o que está essencialmente em causa é a reposição do rendimento que deixou de ser auferido por falta de pagamento voluntário de alimentos por parte de quem se encontrava obrigado a prestá-los.

Assim, apesar de a lei não exigir a coincidência de valor dessas prestações, parece-nos que o valor da prestação que foi fixada ao devedor deverá coincidir – pelo menos, em regra – com o valor necessário ao sustento do menor e, nessa medida, a prestação a cargo do FGDAM será, em regra, equivalente àquele valor.

Contudo já assim não deverá ser se esse valor se revelar manifestamente desadequado (por excesso ou por defeito) às necessidades do menor ou se tiver ocorrido alguma alteração dos pressupostos que determinaram a fixação daquela pensão, designadamente, a alteração das necessidades do menor ou dos rendimentos do agregado familiar em que está inserido.

Com efeito, importando atender, outrossim, às “necessidades específicas do menor”, ex vi do já citado art. 3º, nº2 do DL 164/99 de 13.05., parece-nos insofismável que o pressuposto do montante da prestação de alimentos fixada ao progenitor incumpridor, a ter em conta, é apenas um entre vários a considerar, donde ele não valer apenas por si e em termos inelutáveis e inultrapassáveis, mas antes devendo valer concatenado com os demais.

O que tudo serve para dizer que importará começar por proceder a uma análise casuística das necessidades do menor, para ulteriormente culminar num juízo prudencial – subordinado a critérios de oportunidade, conveniência e equidade[5] – em que se traduzirá então a concreta fixação do valor da pensão a suportar pelo FGDAM.

No caso vertente, a prestação de alimentos havia sido fixada em € 100,00 e foi fixada nesse valor por acordo dos progenitores, sendo face a isso de presumir que esse era o valor que, à data, melhor se ajustava às necessidades da menor L... e aos rendimentos auferidos por cada um dos progenitores.

Mas, não poderemos deixar de atender ao facto de essa prestação de alimentos ter sido fixada há cerca de dois anos e, portanto, num momento em que a menor tinha 9 anos de idade.

Decorridos dois anos e tendo a menor, actualmente, 11 anos de idade, será legítimo concluir que aquela pensão se encontra desajustada, já que, além do decurso do tempo, as necessidades da menor também terão naturalmente aumentado, dado que as necessidades de um menor de 11 serão, pelo menos em regra, superiores às de um menor com 9 anos[6].

Não deixamos de reconhecer que se desconhece em concreto o nível de despesa e encargos do agregado familiar (dos avós) em que a menor se encontra integrada, e bem assim as quantificadas necessidades que implica e envolve a subsistência e processo educativo da menor L...…

Contudo, é incontornável que os ditos avós têm apenas um rendimento per capita de € 205,23[7], quantia desta que é manifestamente uma quantia irrisória para fazer face às despesas básicas dos próprios, quanto mais para suportar as despesas da menor L...!

Acrescendo que o montante mensal de € 100,00 se afigura ele em si manifestamente exíguo – à luz de qualquer critério ou paradigma de vivência social – para prover às necessidades individuais de um menor de 11 anos de idade no séc. XXI!

É certo que não existe a possibilidade legal de um menor demandar o Estado, exigindo-lhe o pagamento de uma verba a título de alimentos, consoante as suas necessidades[8].

Isto é, os obrigados a prestar os alimentos aos menores são os progenitores e outros familiares, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 1878.º e 2009.º do C. Civil, sendo a esta luz que – nos termos já por nós anteriormente sublinhados – a obrigação do Estado não é própria mas apenas subsidiária.

Contudo, cremos que a tal se sobrepõe a evidência incontornável de que está em causa o singelo montante de € 120,00 mensais. 

Donde, a actualização de € 100,00 para € 120,00, mais do que constituir um imperativo social e de solidariedade humana – ínsitos no espírito do legislador quando criou o instituto do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, e para cuja satisfação este se encontra teleologicamente ordenado – sempre configura um minus.

Por isso que nos dispensamos de aprofundar a questão à luz dos argumentos que foram ponderados aquando da avaliação da constitucionalidade do instituto e também do limite máximo da contribuição do Estado que foram feitas pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão nº309/09, em que se julgou não inconstitucional a norma constante do n.º 3 do artigo 2º da Lei nº 75/98, confrontada com alegada violação do disposto nos artigos 13º, 26º e 69º da Constituição, com o qual concordamos e para o qual remetemos.[9]

Temos também que a Lei n.º 64/2012, de 20.12., “no âmbito da iniciativa para o reforço da estabilidade financeira” do Estado, alterou o DL nº164/99, de 13.5., passando o nº5 do art. 3º deste DL a ter a seguinte redacção:

5 — As prestações a que se refere o n.º 1 são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, devendo aquele atender, na fixação deste montante, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.

Esta norma veio impor um novo limite à contribuição do Estado, na linha do que havia acontecido aquando do DL nº 70/2010, de 16.6., o qual trouxe uma nova fórmula de cálculo da capitação de rendimentos do agregado carenciado.

Acontece que consabidamente estas limitações ocorrem no contexto das dificuldades financeiras sentidas pelo Estado e conhecidas de todos.

Mas no caso ajuizado estamos muito distantes de tais postulados e condicionantes…

Com o que consideramos estarem respondidas ambos os aspectos da questão decidenda neste recurso – a saber, a da possibilidade de ser actualizada a pensão de alimentos fixada aos progenitores no valor global de € 100,00, e bem assim a da correspondente imposição ao FGADM de passar a pagar uma prestação no montante total de € 120,00 à menor – e já se vê, a ambas em sentido afirmativo!

Improcede assim totalmente e sem necessidade maiores considerações, a apelação interposta pelo FGADM.

                                                                       *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – O valor da prestação a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores (FGADM) não tem que coincidir com o da prestação anteriormente fixada e devida pelos progenitores, embora coincida em regra, devendo na sua fixação ser ponderados, para além daquela, a capacidade económica do agregado familiar e as necessidades específicas da menor.

II – Isto considerando o disposto nos arts. 2º e 3º, nº3 da Lei 75/98 e a autonomia e cariz social da obrigação do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM), que visa a salvaguarda dos superiores interesses dos menores, face ao que o quantum da pensão a que ficará adstrito não está limitado pelo valor da antes imposta aos progenitores em falta, mas será aquele que, à data da decisão que o vincular, se revelar adequado para a realização daquele superior objectivo.

III – Sem embargo, a actualização de € 100,00 para € 120,00, mais do que constituir um imperativo social e de solidariedade humana – ínsitos no espírito do legislador quando criou o instituto do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, e para cuja satisfação este se encontra teleologicamente ordenado – sempre configura um minus no contexto das dificuldades financeiras sentidas pelo Estado e conhecidas de todos.

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6 - DISPOSITIVO

            Pelo exposto, julga-se a apelação totalmente improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

Sem custas, por delas estar isento o Recorrente FGADM.

                                                                       *

                                                Coimbra, 11 de Fevereiro de 2014

Luís Filipe Cravo ( Relator )

Maria José Guerra

António Carvalho Martins


[1] Cf., neste sentido, REMÉDIO MARQUES, in “Algumas Notas Sobre Alimentos Devidos a Menores”, págs. 221 e 222.
[2] Como vincado no Ac. do T.R.do Porto de 20-01-2011, proc. nº  660/07.1TBAMT.P1, acessível in www.dgsi.pt/jtrp.
[3] Citámos agora o recente Ac. do T.R.Coimbra de 10-12-2013, no proc. nº 3310/08.5TBVIS-E.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc, no qual, aliás, se faz a devida ponderação da argumentação de sinal contrário, constante de arestos jurisprudenciais, em termos que, no global, merecem o nosso acolhimento.
[4] Assim REMÉDIO MARQUES, ob. cit., a págs. 234 e 239.
[5] Cf., neste sentido, o acórdão do STJ, de 7-4-2011, no proc. nº9420-06.6TBCSC.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[6] Seguimos de perto a argumentação neste particular constante do acórdão do T.R. do Porto de 08.09.2011, no processo nº 1645/09.9TBVNG.1.P1, acessível em www.dgsi.pt/jtrp, que versou sobre uma situação com bastante paralelismo com a aqui ajuizada.
[7] Nos termos da factualidade dada como sendo a que “resulta dos autos” e que supra demos por reproduzida.
[8] Sublinhando este aspecto, vide o acórdão deste T.R. de Coimbra de 19.2.2013, no processo nº 3819/04.0TBLRA-C.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc, aliás invocado nas alegações do Recorrente FGADM.
[9] Vide D.R. 2ªsérie, nº139, de 21.7.2009, página 28537; também www.tribunalconstitucional.pt.