Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1750/10.9TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: PROTEÇÃO DA CRIANÇA
PERIGO
REINTEGRAÇÃO
FAMÍLIA
CONFIANÇA JUDICIAL DE MENORES
ADOÇÃO
INSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 11/06/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 38º-A DA LEI Nº 147/99 E 1978º, Nº 1 E ALÍNEAS B) E D) DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. A escolha da medida de promoção dos direitos e protecção das crianças em perigo deve ser norteada, prioritariamente, pelos direitos e interesses da criança ou jovem, devendo ser aplicada a medida que, atendendo a esses interesses e direitos, se mostre mais adequada a remover a situação de perigo em que a criança ou jovem se encontra.

2. Na escolha da medida a aplicar deverá ainda ser dada prevalência àquelas que integrem a criança ou jovem na sua família, de forma a manter e desenvolver os laços afectivos originais, promovendo e auxiliando, se necessário, os progenitores a assumir e cumprir devidamente os seus deveres parentais, desde que essas medidas se mostrem adequadas a remover a situação de perigo; não sendo isso possível e desde que verificados os demais requisitos legalmente exigíveis, deverá ser dada prevalência às medidas que, promovendo a adopção, visam a integração da criança ou jovem numa nova família, que possa assegurar-lhe a satisfação e protecção das suas necessidades e direitos.

3. Deste modo, a colocação em instituição deve ser encarada sempre em termos provisórios, tendo em vista a procura de soluções que visem a sua reintegração na família natural ou a sua adopção.

4. Ora, perante a matéria de facto provada e demais elementos que resultam do processo, verifica-se que, não sendo conhecido o pai da menor, a mãe colocou em perigo grave a segurança, a saúde, a formação e a educação da menor, comprometendo seriamente os vínculos próprios da filiação. Naturalmente que, existindo vínculos afectivos entre os progenitores e a criança, deverá ser dada prevalência à reintegração na família, ainda que tal exija algum apoio. Todavia, estando em causa uma criança com quase cinco anos, não pode nem deve manter-se a sua colocação em instituição a aguardar a possibilidade (meramente teórica e sem qualquer consistência prática) de a mãe vir a adquirir as condições necessárias para a acolher e para lhe proporcionar o afecto, a segurança e todos os demais cuidados de que carece. Sendo certo que, durante todo esse período, a progenitora da menor não quis ou não soube criar essas condições e nada existindo de concreto que nos permita concluir pela expectativa real de isso vir a acontecer a curto prazo e em tempo útil para a menor, o adiamento da sua confiança com vista a adopção implicará apenas a drástica redução ou a eliminação da possibilidade de vir a ser adoptada e de, por essa via, encontrar a família onde poderá ainda usufruir de tudo aquilo que, até ao momento, não teve.

5. Nestes termos, outra solução não resta que não seja a aplicação da medida de confiança com vista a futura adopção, por forma a que a criança possa ser integrada, a título definitivo e sem mais delongas, numa família que possa sentir como sua e onde possa usufruir do amor, afecto, segurança e demais condições de que carece para o seu normal desenvolvimento, em obediência ao princípio do interesse superior da criança, ao princípio da proporcionalidade e actualidade e ao princípio da prevalência da família.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

Os presentes autos de promoção e protecção referentes à menor, A... – nascida a 11/01/2008 e filha de B... e pai incógnito – tiveram o seu início com o requerimento apresentado pelo Ministério Público, em 04/11/2010, onde se invocava a sujeição da menor a situações de abandono e negligência por parte da mãe e onde se requeria a aplicação provisória de medida de apoio junto dos avós maternos.

Por decisão proferida em 01/07/2011 na sequência de diversas diligências efectuadas, foi determinado, provisoriamente, que a menor fosse retirada aos adultos com quem se encontrava e que fosse entregue à guarda e cuidados da Segurança Social, ficando sujeita à medida de promoção e protecção de acolhimento em instituição.

Na sequência desse facto, a menor foi acolhida na Obra de K... em Y....

Foram efectuadas diversas diligências, após o que o Ministério Público apresentou alegações, sustentando que, antes de aplicar a medida de acolhimento em instituição com vista à adopção (sugerida pela Segurança Social), teria que ser ponderada a medida de apoio junto dos familiares ali referidos (tios e avós maternos).

Foi realizado o debate judicial e foram efectuadas novas diligências, após o que foi proferido Acórdão, que decidiu nos seguintes termos:

a) Aplicar no superior interesse da menor A... a medida de promoção e protecção de "confiança a pessoa que venha a seleccionada para adopção, e no imediato, a instituição com vista a futura adopção" ( artigo 35.º, n.º 1, al. c) e f), e artigo 44.º, ambos da Lei n.º 147/99, de 01.09), sendo que, no imediato e até indicação em contrário por parte do CDSS de Y..., a menor continuará confiada nos sobreditos termos e fins à instituição onde a mesma se encontra acolhida;

b) Logo que o presente acórdão transite em julgado, a secção de processos deverá comunicar o facto ao CDSS de Y... e à Direcção da instituição a que a menor se encontra confiada para que: dêem início ao processo tendente ao seu encaminhamento para a adopção e sejam suprimidos quaisquer contactos com a família biológica”.

Discordando dessa decisão, o Ministério Público e a progenitora da menor interpuseram recurso de apelação.

No recurso que interpôs, o Ministério Público formula as seguintes conclusões:

1. Por acórdão datado de 25 de Maio de 2012 foi decidido nos presentes autos aplicar no superior interesse da menor A... a medida de promoção e protecção de "confiança a pessoa que venha a ser seleccionada para adopção e, no imediato, a instituição com vista a futura adopção", nos termos dos art.os 35º, n.º 1, al. c) e f) e 44º, ambos da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei n.º 147/99, de 01/09);

2. É desta medida aplicada que vem o Ministério Público, no exclusivo interesse da menor, discordar, por se entender que a mesma não acautela, nem segue o seu superior interesse.

3. Relativamente à matéria de facto dada como provada nada temos a apontar, assim como nada temos a apontar relativamente às considerações de cariz meramente teórico e escritas com o claro escopo de sintonizar a decisão a que o tribunal foi chamado a pronunciar-se, discordando-se apenas do caminho efectuado pela matéria de facto dada como provada na luz de tais considerações teóricas e princípios que norteiam a actuação judicial em matéria de promoção e protecção, para chegar à conclusão que a única medida adequada a afastar a menor A... dos perigos para a sua educação, formação e desenvolvimento, a que efectivamente já esteve sujeita, é a medida de confiança a pessoa seleccionada para adopção.

4. O processo de promoção e protecção visa a protecção e a manutenção da família biológica, no seguimento das prioridades estabelecidas pela convenção Europeia dos direitos e liberdades fundamentais, devendo a intervenção ser orientada de modo a que os pais assumam os seus deveres para com a criança devendo-se sempre e em primeira linha dar prevalência à família biológica através de medidas que integrem as crianças ou jovens na sua família biológica.

5. Assim, quando a família sofre disfuncionalidades susceptíveis de criar perigos para os menores, há que aplicar mecanismos de correcção, primeiro procurando resolver tais disfuncionalidades sem a retirada da criança ou jovem desse mesmo meio, como acontece com a medida de apoio junto dos pais, ou em situações mais graves através da retirada das crianças ou jovens do seio da sua família, como sucede com as medidas de apoio junto de outro familiar ou a confiança a pessoa idónea, a família ou a instituição. Tais medidas são estruturalmente provisórias uma vez que se visa sempre alcançar um estado de desnecessidade de intervenção, de cura das disfuncionalidades familiares.

6. A adopção só pode surgir depois de esgotadas as possibilidades de integração na família biológica e mesmo depois da tentativa de integração da família alargada.

7. E no caso concreto não se mostram esgotadas as possibilidades de integração na família biológica, ou mais concretamente junto da mãe, antes pelo contrário, mostra-­se agora aberta uma porta, vislumbra-se uma luz ao fundo do túnel para a vida da menor A..., com a alteração do comportamento e modo de vida da sua progenitora, B..., pelo que a solução passar-se no seio da família restrita, mais concretamente na sua progenitora e no agregado em que ela própria se encontra integrada.

8. Não se nos afigura, nem por sombras isso perpassa da matéria de facto, que a nova relação da mãe tenha sido arranjada para convencer o tribunal de um projecto de mudança de vida de B....

9. A alteração do comportamento da progenitora nada tem de curioso ou de ocasional, antes tendo sido motivada pela existência dos presentes autos e à aquisição da consciência de que se a mãe nada fizesse provavelmente o desfecho dos presentes autos seria o que agora se contesta - a confiança da menor para adopção.

10. Daí a alteração de comportamento, demonstrando, afinal, que a existência, pura e simples, do processo de promoção e protecção leva a que se possa alcançar o fim último que o mesmo visa, ou seja, a integração final da criança no seu agregado familiar expurgado de disfuncionalidades que importam a sujeição das crianças e jovens a situações de perigo.

11. Não olhando à vida passada da progenitora, mas antes apenas ao quadro actual de vida desta, dir-se-á, sem grandes margens para dúvida, que se trata de uma família que reúne todas as condições para que a menor lhe fosse confiada. No entanto, não podemos deixar de atender a tais factos, sendo indiscutível o comportamento censurável da B..., até um passado recente, para com a sua filha A....

12. Neste momento a situação do agregado da mãe da menor é normal, não podendo, no entanto e sem mais, defender-se que toda a situação está ultrapassada e que a mãe da menor daqui para a frente terá um comportamento exemplar.

13. Atendendo à situação passada da progenitora, que colocou a menor em perigo, à sua actual situação, que ainda tem uma curta duração, ainda que de quase um ano, e bem assim ao facto de inexistirem contactos com a menor, por imposição judicial, desde que esta foi institucionalizada há cerca de uma ano, afigura-se-nos que a medida, transitória por natureza, que mais se adequa é a da manutenção da menor na situação de acolhimento na instituição onde se encontra, com a duração de um ano, no decurso da qual e sempre com a avalisada supervisão da Sr.ª Técnica da Segurança Social que tem acompanhado a menor, seria de implementar um regime de visitas gradualmente mais aberto.

14. Nesse período de tempo, em que a progenitora estaria sujeita a um "regime de prova", ou seja, onde iriam sendo avaliadas as suas competências, as visitas estariam confinadas a visitas à menor na instituição pelo período de cerca de um mês, findo o qual deveria evoluir para visitas já processadas fora da instituição por outro mês, evoluindo de seguida para a possibilidade de visitas da menor à casa da progenitora aos fins-de-semana e até, havendo parecer positivo, no decurso de férias escolares.

15. Avaliando-se, no final de um ano de aplicação da medida, de forma positiva a situação da menor, evoluir-se-ia para a aplicação de uma medida de apoio junto da mãe. Sendo a avaliação negativa, aí sim e com toda a justificação, terá de se avançar para a aplicação da medida constante do acórdão impugnado.

16. Desta forma entende-se que será salvaguardado o verdadeiro interesse da menor, que é, sempre que possível e no caso dos autos entendesse que o é, a manutenção da menor no seio da família biológica.

Termos em que se requer que o recurso seja julgado procedente e, consequentemente, seja o acórdão recorrido revogado aplicando-se em lugar da medida de confiança a pessoa que venha a ser seleccionada para adopção e, no imediato, a instituição com vista a futura adopção pela medida supra indicada de manutenção da menor em acolhimento em instituição pelo período de um ano, com o regime de visitas preconizado.

A progenitora da menor, B..., formula, nas alegações do seu recurso, as seguintes conclusões:

1 - Por acórdão de 25 de Maio de 2012 foi decidido aplicar no superior interesse da menor A... a medida de promoção e protecção de “confiança a pessoa que venha a ser seleccionada para adopção, e no imediato, a instituição com vista a futura adopção” (artigo 35º, nº 1, al. c) e f), e artigo 44º, ambos da Lei nº 147/99, de 01.09), sendo que no imediato e até indicação em contrário por parte do CDSS de Y..., a menor continuará confiada nos sobreditos termos e fins à instituição onde a mesma se encontra acolhida.

2 - A Recorrente discorda assim, do decidido, e atendendo ao exclusivo interesse da menor, por entender que na sua determinação não foi respeitado o superior interesse da menor.

3 - Não parece à recorrente que a medida de confiança a pessoa seleccionada para adopção seja a única que vise acautelar o superior interesse da menor, afastando-a de perigos na sua educação, formação e desenvolvimento, sendo que cabe ao processo tutelar a protecção e manutenção da família biológica, prioridade, esta, estipulada na Convenção Europeia dos Direitos e Liberdade Fundamentais.

4 - No seguimento deste escopo, é prerrogativa principal num processo de promoção e protecção de menores que os pais assumam as suas obrigações e deveres para com a menor, sendo a família biológica prioritária na escolha da integração da menor, promovendo para o efeito medidas proporcionais e adequadas à integração da menor no seio da sua família biológica.

5 - No entendimento da recorrente a aplicação da medida de adopção apenas poderá existir se se demonstrarem infrutíferas todas e quaisquer medidas de integração na família biológica, abrangendo também a família alargada em que haja um vínculo sanguíneo.

Em situações em que possa haver perigos para os menores têm que se encontrar vias que possibilitem que os mesmos sejam ultrapassados, sem que em primeira instância sejam retirados os menores da sua família. Para tal existem medidas que se adequam a alcançar os objectivos propostos como sendo as medidas de apoio junto de outro familiar ou a confiança a pessoa idónea, a família ou instituição. A aplicação destas medidas é temporária, pois o pressuposto da sua aplicação é sempre o de correcção dos problemas existentes no núcleo familiar e da entrega dos menores à família biológica reestruturada.

6 - A recorrente tem vínculos afectivos com a menor que não cremos estarem comprometidos, uma vez que a mesma tem actualmente uma vida equilibrada e que possibilita a integração da menor A... junto da mãe. A recorrente encontra-se reabilitada sócio e economicamente, tendo uma casa e um companheiro e estando à espera do nascimento de outra filha em Setembro de 2012, tendo um modo de vida completamente oposto aquele que originou o processo de promoção e protecção da menor A.... Todos os perigos a que a menor poderia ter estado sujeita anteriormente e derivados do modo de vida da sua mãe, ora recorrente, todas essas disfuncionalidades desapareceram, não se verificando qualquer perigo para a menor presentemente.

7 - Assim sendo, não há qualquer razão para que a menor A... não seja integrada no seio da sua família biológica, mais concretamente junto da mãe e do agregado familiar em que esta se encontra integrada.

8 - É de todo infundada a hipótese colocada de que a recorrente tenha arquitectado a existência de um agregado familiar para convencer o tribunal de um projecto de mudança de vida, pois tal é completamente descabido. A recorrente tem um lar, vive com um companheiro e espera uma filha, irmã da menor A..., tendo perfeitas condições familiares, sociais e económicas para acolher tanto a filha que irá nascer como a filha A..., construindo uma família feliz, equilibrada e harmoniosa. Não há qualquer dúvida que a nova realidade de vida da recorrente é honesta e verdadeira.

9 - Aliás resulta da matéria de fado provada que, desde Julho de 2011, a recorrente e o J... iniciaram uma relação de namoro, passando a viver em união de facto a partir de Agosto de 2011. Viveram inicialmente em X...e posteriormente perto do cemitério em Y..., passando a residir na Q..., nesta cidade, onde mantêm a sua residência, por ser uma casa com todas as condições de habitabilidade e ser constituída por três quartos, cozinha com dispensa, duas casas de banho e uma sala. O actual companheiro da recorrente é divorciado, tendo dois filhos do casamento, um já maior de idade e outro menor com 10 anos. O companheiro da recorrente conhece perfeitamente a história de vida da recorrente, tendo dado demonstração disso mesmo com o seu depoimento. J... aufere a quantia mensal de € 1.500,00, enquanto membro estatutário da empresa W... e é professor de artes gráficas na U... e é também o secretário da Junta de Freguesia de V.... Pelo que, é evidente que a situação de vida real do companheiro da recorrente é distinta daquela que consta do acórdão, pois não foram tidos em conta todos os rendimentos deste, nomeadamente em relação às remunerações auferidas como professor e como secretário da Junta.

10 - Actualmente, a recorrente possui todas as condições para que a menor A... lhe seja confiada.

11 - No entanto, a recorrente entende que em virtude do seu comportamento passado compreende que tal não seja, por ora, a medida aprovada.

12 - Assim sendo, a recorrente pretende continuar a demonstrar que a sua vida mudou completamente e que em nada tem a ver com a sua vida passada, estando em condições de cuidar e dar toda a educação e formação necessárias à sua filha A....

13 - A situação familiar da recorrente é adequada e equilibrada e que decorreu precisamente de uma tomada de consciencialização por parte desta de que a sua conduta não era adequada e que punha em perigo a sua filha A....

14 - A existência dos presentes autos possibilitou que a recorrente “acordasse", o que a fez mudar radicalmente de vida para evitar que a sua filha lhe fosse retirada e fosse entregue para adopção. Medida esta que foi aplicada e que ora se contesta, pois não é coerente que a recorrente e a filha A... continuem a ser penalizadas por um erro da recorrente que faz parte do passado e após demonstrar com factos concretos que as disfuncionalidades de que padecia foram ultrapassadas em prol do bem-estar da sua filha.

15 - A alteração de comportamento da recorrente está em consonância com o fim que um processo de promoção e protecção pretende alcançar que é o da integração da menor no seu agregado familiar livre de disfuncionalidades e de perigos que afectem os menores.

16 - O companheiro da recorrente apenas não conhece a menor A... uma vez que o tribunal impossibilitou todo e qualquer contacto da menor A... com a qualquer elemento da família biológica, não podendo também ele, por ser principal interessado, pois é o companheiro da mãe da menor visitá-la na instituição onde esta se encontra.

17 - Após avaliação de todas as circunstâncias e sopesando, quer as condições de vida anteriores da recorrente, bem como as suas actuais condições e o facto da menor se encontrar institucionalizada há um ano, a recorrente pretende que seja aplicada a medida, transitória por natureza, de manutenção da menor na situação de acolhimento na instituição onde se encontra, com a duração de um ano, no decurso do qual seria aplicado um regime de visitas gradualmente mais aberto à recorrente e à família materna, tendo o acompanhamento da Técnica da segurança Social que tem acompanhado a menor.

18 - Neste período de um ano a recorrente seria avaliada, bem como o seu comportamento.

Primeiramente e durante um mês as visitas processar-se-iam na instituição, posteriormente, no mês seguinte as visitas seriam fora da instituição, evoluindo no mês seguinte para visitas da menor à casa da recorrente aos fins-de-semana e em caso de parecer positivo as mesmas alargar-se-iam aos períodos de férias escolares.

19 - No final do decurso de um ano de aplicação da medida proposta seria realizada uma avaliação que a ser positiva permitiria a aplicação de uma nova medida que seria a de apoio junto da recorrente.

20 - Apenas e tão somente com a medida ora proposta estará salvaguardado o superior interesse da menor A..., que é a manutenção da menor no seio da família biológica. Entende a recorrente que no caso sub judice é possível a aplicação da medida proposta por se encontrarem reunidas as condições necessárias à sua aplicação.

Termos em que se requer que o presente recurso seja julgado procedente e, consequentemente, seja o acórdão recorrido revogado aplicando-se em substituição da medida de confiança a pessoa que venha a ser seleccionada para adopção, e, no imediato, a instituição com vista a futura adopção pela medida proposta de manutenção da menor em acolhimento em instituição pelo período de um ano, com estipulação de regime de visitas à família materna.


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II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações dos Apelantes – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se estão ou não verificados os pressupostos de que depende a aplicação da medida de promoção e protecção de confiança da menor com vista a futura adopção ou se, ao invés, deve ser aplicada a medida propugnada pelos Apelantes.


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III.

Na 1ª instância, foi considerada provada a seguinte matéria de facto:

1 - A menor A..., nascida a 11 de Janeiro de 2008, é filha de B... e de pai incógnito.

2 - A mãe da menor, B..., desde cedo começou a deixar a menor A... sozinha em casa enquanto se ausentava durante a noite, para frequentar bares e discotecas, levando a que os vizinhos chamassem as autoridades policiais a intervir, atento o choro consecutivo e prolongado da menor.

3 - A B...começou a prostituir-se com 17 ou 18 anos, mantendo essa forma de vida desde então.

4 - A B...tem uma outra filha mais velha, agora com 10 anos de idade, irmã uterina da A..., entregue à guarda e cuidados do pai depois de ter sido retirada à B...quando esta tinha 17 anos de idade, em virtude de a mesma sair frequentemente de casa à noite para se encontrar com amigos em bares e discotecas, o que desencadeou a intervenção dos vizinhos que chamavam a PSP e os bombeiros, porque a criança estava sozinha a não parava de chorar.

5 - Na sequência do nascimento da A..., por vezes, B... deixava a menor entregue aos cuidados dos avós maternos, D...e C..., ausentando-se durante dias.

6 - E após se ter zangado com a sua mãe, a B...abandonou a residência dos avós maternos da menor, onde logo após o nascimento da menor residiu, acompanhada da menor que deixou entregue a uma pessoa conhecida, tendo desaparecido durante três dias.

7 - Após o conhecimento da situação por parte da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de ..., para onde B... e a menor entretanto se mudaram, aquela prestou o seu consentimento para a intervenção a 7/10/2008, tendo ainda dado a conhecer que trabalhava numa empresa de limpezas e residia em casa de uma amiga juntamente com a menor.

8 - Após visita domiciliária, ocorrida a 8/10/2008 e onde foi constatado que a casa onde residia a B...e a menor tinha condições adequadas e que a referida amiga tomava conta da menor A... enquanto a sua mãe trabalhava, foi celebrado Acordo de Promoção e Protecção onde ficou estabelecida a medida de apoio junto da mãe.

9 - A menor passou então a frequentar a creche com assiduidade, apresentando-se limpa e asseada, havendo uma boa relação de afectividade entre a menor e a sua progenitora, razão pela qual foi arquivado o processo relativo à menor na CPCJ. de ....

10 - A 15/7/2009 foi reaberto um novo processo na CPCJ. de Y... com base na informação efectuada pela avó materna da menor, D..., em que relatava que a mãe da menor se encontrava a trabalhar numa casa de alterne em Z..., desconhecendo a sua residência.

11 - Nessa sequência, foram realizadas diligências pela CPCJ. que apurou que efectivamente a B...tinha abandonado a sua anterior residência na sequência de um desentendimento com a amiga, tendo esta, após comparência na CPCJ., dado o seu consentimento para nova intervenção.

12 - A menor A... passou a estar nessa altura entregue aos cuidados de uma ama, de nome N...., onde chegava a ficar semanas inteiras porque a B...ali não aparecia, nem dava qualquer notícia.

13 - A partir de certa altura e muito devido à intervenção da CPCJ., a B...passou a visitar a menor A... com regularidade e a levá-la a pernoitar consigo nos dias de folga.

14 - Porém, não só a B...residia num apartamento com tipologia T3, onde residiam mais 14 mulheres todas elas colegas de trabalho no bar de alterne, como a menor regressava a casa da referida ama com fome, apresentando a menor e a roupa suja, apática e com olheiras.

15 - Sendo que a ama por vezes teve de lavar a roupa da menor e até comprar peças novas, porquanto a que a B...levava era insuficiente.

16 - Como esta situação persistia, não obstante a intervenção da CPCJ. e a celebração de Novo acordo de Promoção e Protecção, foi proposta à progenitora a alteração da medida para apoio junto de outro familiar, concretamente juntos dos avós maternos, tendo aquela recusado.

17 - E no inicio de Dezembro de 2009, a menor passou a ficar a cargo de O..., residente na ... ..., também com ligações à actividade de alterne e prostituição, uma vez que a progenitora se tinha incompatibilizado com a anterior ama.

18 - E mais tarde, em data não concretamente determinada, mas que se situa em Maio ou início de Junho de 2010, a menor passou a estar entregue aos cuidados de P..., residente na ..., em Y..., também este pessoa conhecida por, desde há longos anos e juntamente com o seu marido, explorar bares de alterne.

19 - Na sequência da intervenção do tribunal no âmbito deste processo e logo após ter sido ouvida a avó materna da menor, a P ... e o seu marido, a progenitora apressou-se a vir a Y... buscar a menor, levando-a com ela para Espanha, onde trabalhava num bar de alterne.

20 - A partir de então a B... passou a relacionar-se com o cidadão nacional possuidor de diversas casas de prostituição e alterne em Espanha.

21 - Este cidadão e a própria B...estão constituídos arguidos no âmbito do processo de inquérito n.º 380/08.0TACTB onde existem indícios da prática dos crimes de associação criminosa para o auxílio à emigração ilegal;

22 - Enquanto permaneceu em Espanha, a A..., e as demais crianças filhas das mulheres que ali alternavam, ficava aos cuidados de uma das mulheres mais velhas deste R..., para que aquelas se pudessem prostituir e alternar;

23 - A própria avó materna da A..., D... chegou a ser convidada por aquele R... para desempenhar essas funções em Espanha (tomar conta das crianças) o que aceitou;

24 - Entretanto, o cidadão R... foi preso pelas autoridades judiciárias Espanholas, condenado pela prática do crime de homicídio tentado, estando neste momento a cumprir pena de 6 anos de prisão em Espanha;

25 - Na sequência disso, a B..., com o auxilio da avó materna, D..., planearam e executaram uma fuga para Portugal a partir do estabelecimento de alterne sito em FF..., designado de " T...", onde a B...alternava e se prostituía por conta daquele R..., tendo ambas deixado a A... em Espanha no interior daquele estabelecimento, entregue a quem ali trabalhava.

26 - No dia 1/7/2011, por acção deste Tribunal e Juízo foi do foi a menor recuperada das mãos de dois cidadãos desconhecidos e entregue aos cuidados da Segurança Social, após intervenção conjunta desta entidade e da Polícia de Segurança Pública.

27 - Passando a menor desde então a ficar acolhida no Centro de Acolhimento Temporário Obra de K..., onde ainda hoje se encontra.

28 - Desde o início de tal acolhimento que a avó e a tia materna mostraram interesse em acompanhar a menor, não tendo sido no entanto autorizada as visitas à menor por parte destas por decisão judicial, conforme resulta de fls. 198.

29 - Em termos de família alargada a menor tem dois tios maternos.

30 - O E... chegou a manifestar vontade de a menor passar a ficar aos seus cuidados, porém actualmente tanto ele como a sua mulher estão desempregados e sem fontes de rendimentos que lhes permitam assumir os seus próprios encargos, e deixaram de manifestar vontade em ter a menor A... em sua casa.

31 - O E..., tio materno da menor, reside em Y..., embora trabalhava em França onde auferia cerca de € 1.600 por mês, mas agora esta desempregado;

32 - É casado com F... F...e têm uma filha, G... G..., nascida a 26/08/2004.

33 - Para além disso estes tios maternos não têm ligação com a A... já há algum tempo, embora tenham ficado muitas vezes com ela quando esta era bebé.

34- Vivem em casa camarária arrendada, pagando € 62 mensais, a qual tem boas condições de habitabilidade, sendo composta de 2 quartos, casa de banho, sala, cozinha e marquize.

35 - Manifestam vontade em que a menor passe a viver aos seus cuidados mas posteriormente vieram a declinar essa responsabilidade por razões económicas e por não existirem laços afectivos fortes com a A....

36 - Também o tio materno H... se chegou a disponibilizar para cuidar da menor, muito embora considerasse que o seu irmão E...apresenta melhores condições.

37 - Este reside na Aldeia S... e é casado com I... há 13 anos, sendo que esta trabalha no Centro de Dia da Aldeia S..., têm um filho com 11 anos de idade, o AA, e residem em casa própria.

38 - Porém a Tia por afinidade I...assume de forma expressa não querer a menor em sua casa, designadamente por razões económicas, no que é agora acompanhado por aquele H...seu marido.

39 - Os avós maternos da menor que residem na ..., em Y..., sendo esta residência constituída por 3 quatros, um quarto de arrumos, uma sala, uma cozinha, despensas e duas instalações sanitárias.

40 - O avô materno, C..., encontra-se sazonalmente a trabalhar em França, deslocando-se, sempre que possível a Portugal.

41 - É ele quem garante a subsistência do agregado com o vencimento por si auferido.

42 - Porém, o casal constituído por ele e pela avó materna da menor já por duas vezes, nos últimos 12 meses esteve a viver separado de facto, em virtude de desentendimentos havidos entre eles por razões não concretamente apuradas.

43 - Em Julho de 2011, a mãe da menor conheceu J..., melhor identificado a fls. 270, e começaram a viver maritalmente após um mês de namoro.

44 - Em Dezembro de 2011 a B... volta a engravidar estando agora com mais de 5 meses de gestação, sendo o pai da criança aquele J....

45 - Estes já viveram inicialmente em X..., posteriormente perto do cemitério em Y... e por ultimo nesta morada onde se encontram a viver desde Janeiro.

46 - A residência possui três quartos, um do casal, outro para os filhos e outro de arrumações, cozinha com dispensa, duas casas de banho e sala, constatamos que tem boas condições de habitabilidade.

47 - De despesas referem 300€ de renda, cerca de 70€ de água, luz e gás.

48 - B...esteve no mês Janeiro e Fevereiro do presente ano a trabalhar na instituição XQ..., como auxiliar directa, auferindo cerca de 499,52€ mensais.

49 - Porém, em 29 de Fevereiro de 2012, aquela pôs fim à relação laboral por sua própria iniciativa e sem razão válida comprovada.

49 - O J... está divorciado desde Março 2011 após um casamento de 20 anos.  

50 - Desta relação nasceram dois filhos: L... L..., de 20 anos, estudante da Escola Superior de Tecnologias em Y... e de M... M... de 10 anos.

51 - Existe um litígio entre o casal quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais, sendo que o J... não paga a pensão de alimentos do seu filho menor;

52 - Quanto ao filho mais velho diz que este, dada a sua idade, não o pode obrigar a estar com ele, quando questionado acerca do apoio financeiro diz que não dá uma vez que este é maior.

53 - Diz estar a par da vida de B...e de todo o seu passado assim como esta sabe do dele.

54 - Tanto J... como B...dizem disponíveis para acolher A..., mas aquele, até agora, apenas verbalizou "curiosidade" em conhecer a A..., que apenas conhece de fotografia.

55 - O J... é membro estatutário da empresa W... e diz auferir 1500€, acrescenta que é também professor de Artes Gráficas na U... e é secretário na Junta de freguesia de V....

56 - Em consequência de créditos incumpridos contraídos na pendência da sua anterior relação matrimonial, o J... tem actualmente um rendimento disponível paras as despesas correntes do agregado familiar da ordem dos 500,00 Euros por Mês.


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IV.

O presente recurso vem interposto da decisão que aplicou à menor, A..., a medida de confiança a instituição com vista a adopção, nos termos do art. 35º da LPCJP.

Consideram os Apelantes (Ministério Público e progenitora da menor) que a medida em causa não acautela o superior interesse da criança, por não estarem ainda esgotadas as possibilidades de integração na família biológica (atendendo à recente alteração do comportamento da mãe) e propugnando a manutenção da menor em acolhimento em instituição, pelo período de um ano, durante o qual seria avaliada a possibilidade (ou não) de aplicação da medida de apoio junto da mãe.

Analisemos, pois, a questão.

Em conformidade com o disposto no art. 36º, nºs 5 e 6 da Constituição da República Portuguesa, os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos, sendo que estes não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial. O princípio constitucional aqui consagrado de que os filhos não podem ser separados dos pais não é, evidentemente, um princípio absoluto, na medida em que comporta – como não poderia deixar de ser – as excepções que se revelem necessárias para assegurar os direitos das crianças, quando os pais não cumprem os seus deveres fundamentais para com os filhos e, por via desse incumprimento, não asseguram a necessária protecção e satisfação daqueles direitos.

E é nesse quadro que tem aplicação a Lei nº 147/99 de 01/09 que tem por objecto a promoção dos direitos e a protecção das crianças em perigo, de forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral, nas situações em que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo – cfr. arts. 1º e 3º nº 1 da citada lei.

De acordo com o disposto no art. 34º do mesmo diploma, as medidas de promoção e protecção visam afastar o perigo em que se encontra a criança ou o jovem; proporcionar-lhe as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral e garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração.

As diversas medidas de promoção e protecção aplicáveis são enunciadas pelo art. 35º nº 1 e a sua aplicação deverá, naturalmente, ter em conta os princípios orientadores que estão consignados no art. 4º e dos quais destacamos os seguintes:

• Interesse superior da criança e do jovem – a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesse presentes no caso concreto;

• Proporcionalidade e actualidade – a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade;

• Responsabilidade parental – a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança ou jovem;

• Prevalência da família – na promoção de direitos e na protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem na sua família ou que promovam a sua adopção.

Significa isto que a escolha da medida a aplicar deverá ser norteada, prioritariamente, pelos direitos e interesses da criança ou jovem, devendo ser aplicada a medida que, atendendo a esses interesses e direitos, se mostre mais adequada a remover a situação de perigo em que a criança ou jovem se encontra.

Na escolha da medida a aplicar deverá ainda ser dada prevalência às medidas que integrem a criança ou jovem na sua família, de forma a manter e desenvolver os laços afectivos originais, promovendo e auxiliando, se necessário, os progenitores a assumir e cumprir devidamente os seus deveres parentais, desde que essas medidas se mostrem adequadas a remover a situação de perigo; não sendo isso possível e desde que verificados os demais requisitos legalmente exigíveis, deverá ser dada prevalência às medidas que, promovendo a adopção, visam a integração da criança ou jovem numa nova família que possa assegurar-lhe a satisfação e protecção das suas necessidades e direitos.

No caso sub judice foi aplicada a medida prevista no citado art. 35º nº 1, alínea g): confiança com vista à futura adopção.

Resta saber se tal medida é ou não a adequada e se estão ou não verificados os requisitos de que depende a sua aplicação, tendo em atenção os princípios orientadores acima mencionados.    

Tal como resulta do art. 38º-A da citada Lei nº 147/99, a medida de confiança com vista a futura adopção é aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no art. 1978º do Código Civil.

Esta norma dispõe o seguinte (na parte que ora nos interessa):

1 - Com vista a futura adopção, o tribunal pode confiar o menor a casal, a pessoa singular ou a instituição quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, pela verificação objectiva de qualquer das seguintes situações:

a) Se o menor for filho de pais incógnitos ou falecidos;

b) Se tiver havido consentimento prévio para a adopção;

c) Se os pais tiverem abandonado o menor;

d) Se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor;

e) Se os pais do menor acolhido por um particular ou por uma instituição tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.

2 - Na verificação das situações previstas no número anterior o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses do menor.

3 - Considera-se que o menor se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à protecção e à promoção dos direitos dos menores.

(…)”.

Ora, perante a matéria de facto provada e demais elementos que resultam do processo, afigura-se-nos estarem reunidos os pressupostos para que possa ser decretada a medida em causa, já que, não sendo conhecido o pai da menor, ocorre a situação prevista na alínea d), no que toca à mãe, decorrendo claramente da matéria de facto (não impugnada) que a mesma colocou em perigo grave a segurança, a saúde, a formação e a educação da menor, comprometendo seriamente os vínculos próprios da filiação.

Com efeito, a menor nasceu em Janeiro de 2008 (tem actualmente quase cinco anos de idade) e, desde então até ao momento actual, a sua progenitora não quis ou não soube prestar à menor os cuidados de que a mesma carece, expondo-a, por diversas e repetidas vezes, a situações de grave perigo e abandono. De facto, a progenitora da menor deixava-a sozinha em casa durante a noite, enquanto se ausentava para bares e discotecas, levando os vizinhos a chamar as autoridades, devido ao choro prolongado e consecutivo da criança; por diversas vezes abandonou a menor aos cuidados de diversas pessoas, ficando sem aparecer e sem dar notícias durante vários dias e semanas; não obstante a intervenção do CPCJ – por força da qual passou a visitar a filha com mais regularidade e a levá-la consigo nos dias de folga – a verdade é que residia num apartamento T3 com mais 14 mulheres (colegas de trabalho no bar de alterne) e a menor regressava a casa da ama com fome, com olheiras, apática e com a roupa suja; incompatibilizada com a ama da A..., passou a entregá-la aos cuidados de diversas pessoas com ligações à actividade de alterne e prostituição e, após intervenção do tribunal com a inquirição de algumas pessoas, levou a menor para Espanha, onde trabalhava num bar de alterne e onde se relacionava com um cidadão espanhol possuidor de casas de prostituição e alterne e que acabaria por ser preso pela prática de crime de homicídio tentado; entretanto, a progenitora da menor abandonou o estabelecimento de alterne onde trabalhava (em Espanha), deixando a filha no interior desse estabelecimento e acabando a mesma por ser resgatada pelas autoridades portuguesas das mãos de dois cidadãos desconhecidos com quem se encontrava.

Perante estes factos, é evidente e incontroverso o grave perigo em que a menor se encontrou e ao qual ficou exposta por actuação da sua mãe, verificando-se, por isso, a situação prevista na alínea d) do nº 1 do art. 1978º do Código Civil.

Embora reconhecendo a evidente situação de grave perigo em que a menor se encontrou, consideram os Apelantes (Ministério Público e progenitora) que, apesar de tudo, ainda não estão esgotadas todas as possibilidades de integração na família biológica, já que a progenitora alterou recentemente o seu comportamento e adquiriu um modo de vida mais estável que, previsivelmente, lhe dará as condições necessárias para acolher a A....

Não poderemos concordar com essa posição.

Em determinada perspectiva, as possibilidades de integração na família biológica (seja junto da mãe, seja junto de outro familiar) nunca estarão esgotadas, já que será sempre possível vislumbrar alguma esperança de que, mais cedo ou mais tarde, venham a estar reunidas as condições necessárias para essa integração (a mãe poderá sempre vir a alterar o seu modo de vida, tornando-se uma mãe responsável e afectuosa e os avós e os tios poderão vir a demonstrar a vontade de acolher a menor e a reunir as condições para tanto necessárias).

Mas, como nos parece evidente, a escolha do percurso da menor, tendo em vista a procura de uma família (seja ela a família biológica ou a família adoptiva) que lhe possa ainda proporcionar um resto de infância feliz e as bases necessárias para a formação de uma personalidade sã e equilibrada, não pode basear-se em esperanças ou expectativas vagas que apenas vão adiando e hipotecando o seu futuro.

Acreditamos, naturalmente, que as pessoas podem mudar (se nisso se empenharem) e, portanto, acreditamos que a progenitora da menor pode mudar (se quiser) os seus hábitos de vida e adquirir condições para cuidar da sua filha A....

Mas quererá e conseguirá fazê-lo em tempo útil para a menor? Não sabemos e, sobretudo, não dispomos de quaisquer factos que sustentem, com um mínimo de credibilidade, essa expectativa.

De facto, a A... tem quase cinco anos. Aguardar mais um ano – como propõem os Apelantes – significará que a menor irá ficar institucionalizada durante esse período, sem qualquer garantia de que, findo esse período, possa ser entregue aos cuidados da mãe e diminuindo as reais possibilidades de encontrar uma família adoptiva onde possa encontrar o afecto e a segurança que, até ao momento, não teve.

As expectativas de possível integração na família biológica, radicam – segundo os Apelantes – na circunstância de a progenitora da menor estar agora integrada num novo agregado familiar que, alegadamente, lhe dá as condições necessárias para acolher a filha.      

  Está, efectivamente, provado que, em Julho de 2011, a Apelante conheceu J..., com o qual começou a viver maritalmente após um mês de namoro, residindo em casa com boas condições de habitabilidade.

Mas, salvo o devido respeito, isso não basta para suspender por mais um ano o projecto de vida da A....

Em primeiro lugar, porque nada nos garante que essa relação reúna condições para se manter com alguma estabilidade e, em segundo lugar, porque não temos quaisquer elementos que, com alguma credibilidade, nos permitam concluir que J... esteja real e efectivamente disposto a sustentar e a acolher uma criança com a qual não mantém qualquer laço afectivo (e que nem sequer conhece), quando é certo que não paga a pensão de alimentos ao seu filho menor e não ajuda financeiramente o outro filho que, apesar de maior, ainda é estudante.

Acresce que a Apelante, apesar de ter começado a trabalhar (na instituição XQ...), apenas o fez durante dois meses, sendo certo que, por sua iniciativa e sem razão válida comprovada, pôs fim a tal relação laboral, o que, como não pode deixar de ser, retira credibilidade à sua alegada intenção de alterar o seu modo de vida que, desde há vários anos, tem sido a prostituição.

Alega a Apelante, nas suas alegações, que foi a existência dos presentes autos que fez com que “acordasse” e que a fez mudar radicalmente de vida para evitar que a sua filha lhe fosse retirada e entregue para adopção.

Em primeiro lugar, aquilo que a Apelante chama de “mudança radical de vida” consiste apenas no facto de estar a viver maritalmente com uma pessoa que, alegadamente, terá alguma estabilidade financeira (embora não tenha muita, já que, como decorre da matéria de facto, apenas terá um rendimento disponível para as despesas correntes de 500,00€/mês), porque a verdade é que, apesar de ter conseguido arranjar um emprego – que lhe permitiria obter o seu sustento e o da sua filha, sem dependência de terceiros – não quis ou não soube mantê-lo. Em segundo lugar, não poderemos deixar de estranhar que tenha sido a possibilidade de a filha ser entregue para adopção que a “acordou”, quando é certo que o amor que deveria sentir por ela não foi, durante vários anos, suficiente para esse efeito.

Importa dizer que, logo no primeiro ano de vida da menor, existiu uma intervenção da CPCJ de ... e que, no ano seguinte, foi reaberto um novo processo na CPCJ de Y..., no âmbito do qual lhe foi proposta a medida de apoio junto de outro familiar, que ela recusou. E, aquando da intervenção do tribunal, apressou-se a vir buscar a menor, levando-a para Espanha, onde trabalhava num bar de alterne e onde a deixou, na companhia de outras pessoas que aí trabalhavam, regressando a Portugal. Tais intervenções não terão sido – ao que parece – suficientes para “acordar” a Apelante e a sua reacção, na sequência da intervenção do Tribunal (por força do eventual receio de que a filha lhe fosse retirada), não foi a de angariar meios de trabalho e alterar o seu modo de vida, mas sim a de levar a menor para Espanha.

Importa ainda dizer que o comportamento que adoptou perante a menor durante estes anos e desde o seu nascimento, foi semelhante ao que já havia adoptado com a filha mais velha que acabou por ser entregue à guarda do pai.

Sendo assim, com que bases poderemos agora afirmar que existe uma real e fundada expectativa de que essa situação se vai alterar, quando é certo que a Apelante nem sequer conseguiu manter a relação laboral que apenas durou dois meses?

 A colocação em instituição – preconizada, em termos imediatos, pelos Apelantes – deve ser encarada sempre em termos provisórios tendo em vista a procura de soluções que visem a sua reintegração na família natural ou a sua adopção.

Naturalmente que, existindo vínculos afectivos entre os progenitores e a criança ou jovem, deverá ser dada prevalência à reintegração na família, ainda que tal exija algum apoio de natureza psicopedagógica, social ou económica. Todavia, estando em causa uma criança com quase cinco anos, não pode nem deve manter-se a sua colocação em instituição a aguardar a possibilidade (meramente teórica e sem qualquer consistência prática) de a mãe vir a adquirir as condições necessárias para a acolher e para lhe proporcionar o afecto, a segurança e todos os demais cuidados de que carece. Sendo certo que, durante todo esse período, a progenitora da menor não quis ou não soube criar essas condições e nada existindo de concreto que nos permita concluir pela expectativa real de isso vir a acontecer a curto prazo e em tempo útil para a menor, o adiamento da sua confiança com vista a adopção implicará apenas a drástica redução ou a eliminação da possibilidade de vir a ser adoptada e de, por essa via, encontrar a família onde poderá ainda usufruir de tudo aquilo que, até ao momento, não teve.

Afigura-se-nos, pois, que, nestas circunstâncias, terá que ser dada prevalência às medidas que promovem a sua adopção – cfr. art. 4º alínea g) da Lei nº 147/99 – de forma a que possa ser integrada, a título definitivo e sem mais delongas, numa família que possa sentir como sua e onde possa usufruir do amor, afecto, segurança e demais condições de que carece para o seu normal desenvolvimento.

Assim o exige o princípio do interesse superior da criança, o princípio da proporcionalidade e actualidade e o princípio da prevalência da família.

Nestes termos, mostrando-se verificados os necessários pressupostos – cfr. art. 38º-A da Lei nº 147/99 e 1978º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Civil – outra solução não resta que não seja a aplicação da medida de confiança com vista a futura adopção, conforme se considerou na sentença recorrida.

Confirma-se, pois, a sentença.


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V.
Pelo exposto, nega-se provimento a ambos os recursos e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Sem custas.
Notifique.

Maria Catarina Gonçalves (Relatora)

Maria Domingas Simões

Nunes Ribeiro