Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1303/17.0T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
REGIME INFORTUNÍSTICO
TRABALHADOR POR CONTA DE OUTREM
CONTRATO DE TRABALHO
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 01/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JUÍZO DO TRABALHO DE C. BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 3º DA LAT APROVADA PELA LEI 98/2009, DE 04/09; 12º, Nº 1 DO C. T./09.
Sumário: I – No conceito de “trabalhador por conta de outrem” encontram-se incluídos os trabalhadores vinculados por contrato de trabalho.
II - O n.º 1 do art. 12.º do CT/2009 elenca os índices de subordinação que, verificando-se, fazem presumir a existência de um contrato de trabalho.

III - Nos termos dessa norma presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:

a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;

b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;

c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;

d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;

e) O prestador de actividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.

IV - O regime dos acidentes de trabalho previsto na Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, é aplicável a trabalhador que preste o seu serviço numa situação de dependência económica do beneficiário do serviço prestado, quando essa prestação ocorra numa situação de ausência de subordinação jurídica.

V - O regime dos acidentes de trabalho previsto na Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, é aplicável ao trabalhador que preste o seu serviço numa situação de dependência económica do beneficiário do serviço prestado, quando essa prestação ocorra numa situação de ausência de subordinação jurídica.

VI - Não havendo trabalho subordinado e não se verificando a dependência económica relativamente à pessoa servida, o acidente não goza da tutela infortunística, não dando lugar à reparação.

Decisão Texto Integral:










Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I Frustrando-se a tentativa de conciliação, veio M..., com o patrocínio do Mº Pº, intentar a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra “L...” e “COMPANHIA DE SEGUROS F..., S.A.”, pedindo que a acção seja jugada procedente e em consequência:

1. Do pedido principal:

Ser julgado ter o acidente de trabalho em que foi vítima L... sido causado em virtude da omissão de observância de regras sobre segurança e saúde no trabalho por parte do co-réu empregador e, por via disso:

a) Serem os co-réus seguradora e empregador condenados, na medida da responsabilidade infortunística de cada um deles, a pagar à autora:

Uma pensão anual e vitalícia, no montante de €14.600,00, devida desde 21.07.2017, sendo da responsabilidade da seguradora o pagamento da quota-parte de €5.840,00 e, da responsabilidade do empregador, o pagamento da quota-parte de €8.760,00;

b) Ser a co-ré seguradora condenada a pagar à autora a quantia de €5.561,40 a título de subsídio por morte;

c) Ser a co-ré seguradora condenada a pagar à autora a quantia de €2.620,00 a título de reembolso de despesas de funeral;

d) Ser a co-ré seguradora condenada a pagar à autora a quantia de €40,00 a título de reembolso de despesas de transporte com deslocação a este Juízo do Trabalho para estar presente na tentativa de conciliação; e

e) Serem as rés condenadas a pagar à autora juros de mora à taxa legal sobre todas as peticionadas quantias, contadas desde a data dos respectivos vencimentos – art. 135º do C.P.T.

2. Dos pedidos subsidiários:

A. Na hipótese de julgar-se inexistir omissão de observância de regras de segurança e saúde no trabalho por parte do co-réu empregador, deverá a ré seguradora ser condenada a pagar à autora:

a) Uma pensão anual e vitalícia, devida desde 21.07.2017, no montante de €5.840,00; e

b) As demais quantias indicadas no pedido principal.

B. Na hipótese de julgar-se inexistir contrato de seguro válido que englobe no seu âmbito de cobertura o sinistrado e, além disso, que existiu omissão de observância de regras de segurança e saúde no trabalho por parte do co-réu empregador, deverá este último ser condenado a pagar à autora:

1. Uma pensão anual e vitalícia, devida desde 21.07.2017, no montante de €14.600,00;

2. A quantia de €5.561,40 a título de subsídio por morte;

3. A quantia de €2.620,00 a título de reembolso de despesas de funeral;

4. A quantia de €40,00 a título de reembolso de despesas de transporte com deslocação a este Juízo do Trabalho para estar presente na tentativa de conciliação; e

5. Juros de mora à taxa legal sobre todas as peticionadas quantias, contadas desde a data dos respectivos vencimentos – art. 135º do C.P.T

Para tanto alegou, em síntese, tal como consta da sentença impugnada, que:

- O sinistrado L... foi vítima de um acidente de trabalho no dia 20.07.2017, pelas 12h00 horas, em ...;

- Na ocasião trabalhava para o co-réu L..., como trabalhador eventual, auferindo a remuneração de 40 euros por dia de trabalho efectivo.

- À data do acidente a entidade empregadora tinha a responsabilidade civil emergente de acidentes laborais transferida para a Ré seguradora pelo referido montante;

- O acidente ocorreu quando o sinistrado se encontrava a carregar fardos de palha utilizando para tanto um tractor, de sua propriedade, que não estava equipado com arco de protecção ou sistema de retenção do condutor;

- No momento em que L... seguia no tractor, conduzindo-o, transportando na viatura um fardo de palha nos garfos frontais, ao passar junto a uma parede existente no terreno, a mesma cedeu e arrastou o tractor, vindo este a capotar, ficando com as rodas para o ar e o condutor debaixo do mesmo.

- Em consequência do acidente sofreu o sinistrado L... contusão torácica anterior e posterior, fractura do 3º ao 7º arcos costais anteriores, lado direito, fractura do 1º e do 3º ao 11º arcos costais posteriores, lado direito, e fractura do 3º ao 10 arcos costais posteriores, lado esquerdo, em todos os casos com infiltração sanguínea.

- Lesões traumáticas torácicas estas que foram causa directa e necessária da morte de L..., ocorrida por asfixia mecânica por compressão torácica.

- Enquanto empregador, o co-réu L... permitiu a utilização do referido equipamento na actividade agrícola que estava a ser desenvolvida em seu benefício, apesar de saber que o tractor utilizado para o efeito não tinha arco de protecção e sistema de retenção do trabalhador.

- E que a utilização de um tractor agrícola, nessas circunstâncias, não é permitida por lei por colocar em perigo a segurança e saúde do trabalhador que o manobra, sendo muito perigosa a sua utilização, designadamente em caso de capotamento.

- Sendo certo que podia e devia ter evitado a utilização do referido equipamento ao seu serviço, impedindo L... de trabalhar com o mesmo para si.

- Caso o tractor agrícola estivesse equipado com arco de protecção que o impedisse de virar mais de um quarto de volta no caso de capotamento e com sistema de retenção do trabalhador (cinto de segurança), o tractor não teria capotado de modo a ficar com as rodas para o ar e o trabalhador L... com o peito esmagado debaixo do mesmo.

- Ou, mesmo rodando o tractor 180 graus, sempre o trabalhador ficaria protegido pelo arco de protecção e pelo sistema de retenção, não ficando esmagado debaixo do tractor.


+

Devidamente citada, a ré seguradora apresentou contestação, na qual não aceita qualquer responsabilidade infortunística pelo acidente objecto dos autos, defendendo que sendo o sinistrado pai do co-réu L..., o acidente dos autos não está coberto pelo seguro contratado, para além de que o mesmo apenas abrange, como actividade segura, a actividade agrícola, e não também a actividade pecuária que era desenvolvida pelo co-réu L... no local e momento do acidente. Não aceita por isso pagar à autora quaisquer das quantias ora reclamadas.

Igualmente citado, o Réu entidade empregadora apresentou contestação, onde, em breve síntese, não aceita qualquer responsabilidade infortunística e, por conseguinte, pagar à autora quaisquer das quantias ora reclamadas, porquanto o acidente de trabalho no qual foi vítima o sinistrado não ocorreu com violação de qualquer regra de segurança que estivesse legalmente obrigada a observar naquelas concretas circunstâncias e, além disso, tinha transferida para a seguradora a responsabilidade civil por acidentes de trabalho relativamente ao sinistrado em função da totalidade da retribuição auferida pelo mesmo.

Citado o Instituto de Segurança Social, IP, veio o mesmo apresentar pedido de reembolso, alegando que pagou à autora pensões de sobrevivência e subsídio por morte no valor de 3.246,30€.

Foram apresentadas respostas

II – Findos os articulados foi proferido despacho saneador, tendo, ainda sido seleccionada a matéria de facto considerada assente e controvertida e, após realização do julgamento, veio a ser proferida sentença, constando do respectivo dispositivo o seguinte:

“…decide-se julgar procedente a acção e, em consequência, decide-se:

I - Ter o acidente de trabalho em que foi vítima L... sido causado em virtude da omissão de observância de regras sobre segurança e saúde no trabalho por parte do co-réu empregador e, por via disso:

II - Condeno os co-réus seguradora e empregador, na medida da responsabilidade infortunística de cada um deles, a pagar à autora uma pensão anual e vitalícia, no montante de €14.600,00, devida desde 21.07.2017, sendo da responsabilidade da seguradora o pagamento da quota-parte de €5.840,00 e, da responsabilidade do empregador, o pagamento da quota-parte de €8.760,00;

III- Condeno a co-ré seguradora a pagar à autora a quantia de €5.561,52 a título de subsídio por morte;

IV – Condeno a co-ré seguradora a pagar à autora a quantia de €2.620,00 a título de reembolso de despesas de funeral;

V – Condeno a co-ré seguradora a pagar à autora a quantia de €40,00 a título de reembolso de despesas de transporte com deslocação a este Juízo do Trabalho para estar presente na tentativa de conciliação; e

VI - Condeno as rés a pagar à autora juros de mora à taxa legal sobre todas as peticionadas quantias, contadas desde a data dos respectivos vencimentos.

VII- Condeno as rés no reembolso ao Instituto de Segurança Social, I.P., Centro Nacional de Pensões (ISS/CNP) da quantia de €3.246,30, nos termos acima expostos;”

III – Inconformado, veio o réu L... apelar, alegando e concluindo:

...

A seguradora veio recorrer subordinadamente, concluindo:

...

Respondeu a seguradora ao recurso apresentado pelo réu empregador, concluindo:

...

Contra alegou a beneficiária autora nas seguintes termos:

...

IV – Da 1ª instância vem assente a seguinte matéria de facto:

...

V - Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões as questões a decidir são[1]:

1. Se a matéria de facto deve ser alterada.

2. Se o acidente se encontra abrangido pela tutela infortunística.

Na afirmativa,

3. Se o acidente ocorreu causalmente em virtude da inobservância de regras de segurança pelo co-réu L...

4. Se o acidente se encontra coberto pelas garantias emergentes do contrato de seguro celebrado entre os réus

5. Se se encontra mal calculada a quantia arbitrada a título de despesas de funeral.

Da alteração da matéria de facto:

...

Presente tudo o que acabou de ser dito, entende esta Relação ser de alterar a matéria de facto da forma que segue:

...

Da tutela infortunística:

A questão de saber se o acidente em causa se encontra a coberto da tutela infortunística, ou seja, se é reparável ao abrigo da LAT foi suscitada pela seguradora nas suas alegações, onde alegou que dispõe o artigo 3º da NLAT que se presume que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços (artigo 3º/2 da NLAT). Esta presunção é ilidível por prova em contrário, e no caso dos autos a vítima não trabalhava por conta do Réu L .... , seu filho.

Vale por dizer que só pode ser beneficiário do regime de reparação de acidentes de trabalho, o trabalhador que esteja vinculado ao empregador mediante contrato de trabalho e que esteja na dependência económica deste.

Perante a resposta que se impõe negativa ao item 23 dos Factos Provados, e face à inexistência de remuneração, facilmente se conclui que a vítima não era trabalhador por conta de seu filho, uma vez que a exploração agrícola era familiar e nenhuma das pessoas que compunham o agregado familiar, incluindo a vítima, recebia qualquer salário e/ou remuneração”.

No caso em apreciação é aplicável a LAT aprovada pela Lei 98/2009, de 04/09, que no seu artº 3º dispõe: “Trabalhador abrangido 1 - O regime previsto na presente lei abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer actividade, seja ou não explorada com fins lucrativos. 2 - Quando a presente lei não impuser entendimento diferente, presume-se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços”.

A LAT em vigor, ao contrário do que previa LAT anterior (n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º100/97), não especificou o que deve entender-se por “trabalhador por conta de outrem”.

No entanto, não podem restar dúvidas que neste “trabalhador por conta de outrem” se encontram incluídos os trabalhadores vinculados por contrato de trabalho.

Assim, importa em primeiro lugar verificar se as características da relação estabelecida entre o sinistrado e o seu filho, o co-réu L..., pode ser caracterizada como de trabalho subordinado.

Nesta operação há que saber se se verificam alguns dos índices de laboralidade a partir dos quais a lei faz presumir, ainda que iuris tantum, a existência de um contrato de trabalho – artº 12º do CT.

O n.º 1 do art. 12.º do CT/2009 elenca os índices de subordinação que, verificando-se, fazem presumir a existência de um contrato de trabalho. Como resulta do teor do seu corpo, é condição suficiente para operar a presunção da laboralidade a verificação de duas das características afirmadas na norma (o que se retira da expressão “se verifiquem algumas das seguintes características”, que induz – do plural usado - que não basta uma, sendo necessária a reunião de mais do que uma das características). A presunção é, contudo, ilidível, admitindo prova em contrário, nos termos do art. 350.º, n.º 2, do Código Civil.

Assim, nos termos dessa norma presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:

a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;

b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;

c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;

d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;

e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.

Ora, no caso não se constata que o sinistrado tenha prestado sua actividade com alguma das características acima elencadas.

A forma como o sinistrado desempenhava a sua actividade não se caracteriza como de trabalho subordinado, ainda que presumido.

Mas o regime previsto na LAT abrange não só o trabalhador subordinado mas também o trabalhador por conta de outrem de qualquer actividade, seja ou não explorada com fins lucrativos e, quando a lei não impuser entendimento diferente, presume-se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços.

Seguindo aqui o Ac. do STJ de 22/01/2015 proferido no processo 481/11.7TTGMR.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt/jstj,este Código, ao contrário do Código do Trabalho de 2003, limitou-se a estabelecer alguns princípios gerais em matéria de reparação de danos derivados de acidentes de trabalho e de doenças profissionais no seu artigo 283.º, relegando a disciplina desta matéria para legislação específica, o que veio a acontecer com aquela lei.

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 3.º da referida Lei  n.º 98/2009, o regime previsto «abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer actividade, seja ou não explorada com fins lucrativos», dispositivo que corresponde ao n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, diploma que estabelecia o anterior regime dos acidentes de trabalho.

Ao contrário do que resultava do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 100/97, a Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, não especificou o que deve entender-se por «trabalhador por conta de outrem», prevendo apenas no n.º 2 do seu artigo 3.º que «quando a presente lei não impuser entendimento diferente, presume-se que o trabalhador está a dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços» e caracterizando no n.º 3 do mesmo artigo o conceito de formação profissional.

A determinação do conteúdo da norma do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 98/2009, que corresponde ao n.º 3 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, que regulamentou a Lei n.º 100/97, encontra-se a partir do disposto no artigo 10.º do Código de Trabalho e do artigo 4.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, diploma que aprovou o Código do Trabalho em vigor.

Resulta do disposto no referido artigo 10.º do Código do Trabalho, para além do mais, a extensão da disciplina estabelecida naquele código, em matéria de segurança no trabalho, a «situações em que ocorra prestação de trabalho por uma pessoa a outra, sem subordinação jurídica, sempre que o prestador de trabalho deva considerar-se na dependência económica do beneficiário da actividade».

À luz do disposto nesta norma, a disciplina estabelecida no Código do Trabalho para as matérias ali discriminadas é aplicável nas situações de prestação de trabalho sem subordinação jurídica, desde que seja feita numa situação de dependência económica.

Por outro lado, resulta do referido artigo 4.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, a extensão do regime relativo a acidentes de trabalho e doenças profissionais, «c) a prestador de trabalho, sem subordinação jurídica, que desenvolve a sua actividade na dependência económica, nos termos do artigo 10.º do Código do Trabalho».

Em síntese, o regime dos acidentes de trabalho previsto na Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, é aplicável a trabalhador que preste o seu serviço numa situação de dependência económica do beneficiário do serviço prestado, quando essa prestação ocorra numa situação de ausência de subordinação jurídica[2]

No mesmo acórdão pode ler-se, citando o Profª Pedro Romano Martinez que “ (..) por um lado, a dependência económica pressupõe a integração do prestador da actividade no processo empresarial de outrem e, por outro, o facto de a actividade desenvolvida não poder ser aproveitada por terceiro. Já não parece de aceitar que se enquadre na noção de dependência económica o facto de o prestador da actividade carecer da importância auferida para o seu sustento ou o da sua família.

A integração no processo produtivo da empresa beneficiária, que será talvez o factor relevante para a existência de dependência económica, pode ser coadjuvada com a continuidade no exercício da actividade, pois, por via de regra, não haverá integração num processo produtivo empresarial se a actividade é desenvolvida de forma esporádica. Não sendo o empregador uma empresa, dificilmente quem prestar serviços com autonomia poderá considerar-se na dependência económica da pessoa servida, até porque o legislador pretendeu, de algum modo, excluir do âmbito da Lei dos Acidentes de trabalho os acidentes ocorridos na execução de trabalhos de curta duração fora do seio empresarial (art. 8.º, n.º 1, alínea b), da LAT e art. 292.º n.º 1 do CT).

Por outro lado, a dependência económica pressupõe que a actividade desenvolvida por quem presta o serviço só aproveite ao seu beneficiário, de molde a não poder conferir quaisquer vantagens a terceiros. Será o que ocorre no caso de o trabalhador autónomo realizar certa actividade, cujo resultado, sendo rejeitado pelo beneficiário, não poderá ser aproveitado por outrem.

Na dúvida em relação a dada actividade, presume-se que o trabalhador se encontra na dependência económica da pessoa em proveito da qual o serviço é prestado (art. 12.º n.º 3, do Decreto-Lei n.º 143/99) (in “Direito do Trabalho”, 3.ª edição, Junho de 2006, páginas 819 a 821 – sublinhados nossos).

A delimitação assim operada demonstra, à saciedade, que um contrato, definitivamente qualificado como prestação de serviço, está fora do âmbito proteccionista da sinistralidade laboral».

E, mais à frente, lê-se ainda no citado acórdão que “importa, contudo, que se tenha sempre presente que a dependência económica derivada da presunção, relevante para a extensão do regime de protecção, não pode ser vista em abstracto, mas tem de ser ligada ao fundamento específico daquela extensão do regime de protecção.

Este assenta na responsabilização do beneficiário da actividade considerada pelos riscos derivados da sua prossecução, sendo a obrigação de reparação dos danos derivados dos acidentes um custo dessa actividade, como tal assumido pelo seu promotor, custo este que é transferido, a coberto do regime de seguro obrigatório, para uma seguradora.

O destinatário do trabalho, como tal beneficiário do mesmo, é assim responsável pela reparação dos danos derivados de acidentes ocorridos na sua realização.

A ligação do trabalhador sinistrado em termos de dependência económica ao promotor da actividade no contexto da qual ocorreu o acidente surge como expressão do enquadramento desse trabalhador na actividade prosseguida, como inserção do trabalhador no complexo organizacional inerente à realização dessa actividade, tendo implícita a sua afectação de forma exclusiva à prossecução da mesma.

Na verdade, a dependência económica, considerada em abstracto, prende-se, em primeira linha, com a resposta à satisfação das necessidades do dia a dia, em termos de alimentação, alojamento, vestuário, mas também com o restante complexo de necessidades essenciais à realização pessoal de cada um.

Está numa situação de falta de autonomia económica e como tal em dependência económica, quem não tem, só por si, capacidade para responder aos encargos de natureza económica relacionados com a satisfação daquele conjunto de necessidades.

É a capacidade de satisfação daquele conjunto de exigências com expressão económica que exprime a existência ou não de uma situação de dependência económica.

A esta luz a autonomia económica tem uma dimensão variável e relativa, onde a situação social de cada um desempenha um ponto de referência, quando se ensaia uma análise comparativa num universo de pessoas.

Não é esta, contudo, a dimensão relevante de dependência económica para fundamentar a extensão do regime de protecção dos acidentes de trabalho, conforme acima se referiu, embora o valor dos rendimentos auferidos na prestação dos serviços tenha forçosamente reflexo na capacidade de resposta do trabalhador na satisfação das suas necessidades, conduzindo, por norma, a integração em exclusivo na actividade do destinatário da prestação dos serviços, a uma situação em que os rendimentos auferidos sejam a única fonte relevante de rendimentos do trabalhador”.

Também esta Relação no Ac. de 24/06/2004, processo 829/04, “in Acidentes de Trabalho jurisprudência 2000-2007” se pronunciou sobre a temática nos sentido de que “a dependência económica exige um regime de prestação de serviços, se não de uma forma exclusiva, pelo menos com uma regularidade e importância tais que se possa afirmar que ( quase como acontece no contrato de trabalho) o prestador de serviços faz face às suas necessidades económicas e do seu agregado familiar se o tiver), essencialmente com as remunerações que percebe da entidade (individual ou colectiva) para quem por norma trabalha”.

No caso em apreciação verificamos que o sinistrado trabalhava de forma eventual ou ocasional na exploração do co-réu L..., seu filho, no âmbito de uma actividade de raiz familiar, sem qualquer contrapartida remuneratória.

Era uma pessoa com 77 anos de idade, já reformado, recebendo a respectiva reforma (isso mesmo afirmou o seu filho).

Seguramente a resposta à satisfação das necessidades do dia a dia, em termos de alimentação, alojamento e vestuário do sinistrado, não estava em primeira linha dependente do auferido na actividade que aquele desempenhava na exploração.

Em face da factualidade provada não nos restam dúvidas que o sinistrado se encontrava numa situação de autonomia económica, possuindo só por si capacidade para responder aos encargos de natureza económica relacionados com a satisfação daquele conjunto de necessidades.

A presunção de “dependência económica” a que alude o nº 2 do artº 3º da LAT encontra-se, pois, ilidida.

Não havendo trabalho subordinado e não se verificando a dependência económica relativamente à pessoa servida, o acidente dos autos não goza da tutela infortunística, não dando lugar à reparação, ficando prejudicada a apreciação das demais questões enunciadas como constituindo o objecto das apelações.

VI – Termos em que, na revogação da sentença impugnada, se delibera julgar as apelações totalmente procedentes em função do que se decide absolver os réus recorrentes dos pedidos.

Sem custas por a autora, patrocinada pelo Mº Pº, delas estar isenta.


Coimbra, 17 de Janeiro de 2020

(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Jorge Manuel da Silva Loureiro)

(Paula Maria Roberto)

***



[1] Enunciam-se as questões a decidir de forma conjunta, abarcando ambos os recursos, segundo uma ordem de prejudicialidade, ou seja, tendo em conta que a resposta dar a uma das questões poderá prejudicar a apreciação das restantes.
[2] Negrito nosso