Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1675/21.2T8CLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA
ÁREA DO IMÓVEL PROMETIDO VENDER INFERIOR À ANUNCIADA
RESOLUÇÃO
REDUÇÃO DO PREÇO
Data do Acordão: 06/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: S
Legislação Nacional: ARTIGOS 247.º; 251.º; 292.º; 410.º; 830.º, 1 E 2; 879.º, B); 884.º; 892.º; 902.º; 905.º; 911.º E 913.º E SEG.S DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:

I - No caso de se verificar que, tal como acusado pelo promitente comprador, o imóvel objecto do contrato promessa de compra e venda tinha menor área do que a perspectivada nesse contrato, importa ponderar se se mostrava legitimo para os promitentes vendedores terem procedido à resolução do contrato promessa a coberto do premente esgotamento do prazo estipulado no contrato para aquele marcar a escritura definitiva.

II - A legitimidade desse procedimento dependerá, entre o mais, de se ter ou não como abusiva a exigência por parte do promitente comprador da redução do preço na proporção da menor área do imóvel perante a circunstância de, porventura, o mesmo estar suficientemente abaixo do valor de mercado e o promitente comprador ter disso conhecimento.

III - A questão da redução do preço no contrato promessa terá de ser colocada em função do disposto no art 911º do Código Civil, aplicável à venda de coisas defeituosas, por força do disposto no nº 1 do art  913º, e não dos arts 902º e 292º, em que não está em causa uma redução do preço mas uma redução do negócio jurídico.

IV - Porque nenhum dos pedidos formulados postula a anulação do contrato promessa irreleva na situação dos autos o regime do erro.    

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I - AA, interpôs acção declarativa com processo comum, contra BB e CC, pedindo que seja reduzido o preço da coisa em função da área efetivamente existente ou, alternativamente, seja resolvido o contrato promessa por motivo exclusivamente imputável aos RR., condenando-os a restituírem-lhe o dobro do sinal prestado, acrescido de juros moratórios desde o seu não cumprimento; ser ainda o R. condenado em  montante não inferior a € 7.500.00, por tentar alienar um património sob o qual existia um contrato promessa sem comunicar ao A., sem restituir o sinal, nem anular o contrato, o que, nos termos da Lei Geral, mormente ao abrigo do artigo 483º do Código Civil, o obriga a indemniza-lo pelos danos efetivamente causados e pela violação ilícita do direito que tinha constituído.
Alegou, para o efeito, e em síntese, que a 26/11/2020 celebrou com o R. contrato promessa de compra e venda tendo por objecto um  prédio urbano sito  em ..., pelo preço de € 125,000.00, tendo pago ao R. a quantia de € 25,000,00 de sinal, devendo o  remanescente ser pago no acto da escritura, que deveria ser outorgada no prazo de 90 dias, sob pena de poder ser invocado o seu incumprimento definitivo. Sucede que, a 16/12/2021, escreveu ao R. informando-o que, ao contrário do que consta da certidão predial, o prédio não tinha a área de 350 m2,  mas menos 100 m2, pelo que entendia que o valor do mesmo devia ser reequacionado em função da efectiva área, pelo que o mais que poderia oferecer pelo imóvel seria € 92.000,00, aguardando resposta no prazo máximo de 10 dias. O R. respondeu-lhe a 18/2/2021 entendendo que os valores estavam correctos e a 9/3/2021 enviou-lhe carta registada com aviso de receção dando-lhe «o prazo máximo de cinco dias de calendário para marcar  a escritura, cujo prazo já tinha sido ultrapassado, sob pena de ter por incumprido definitivamente o  contrato promessa com a perda do sinal entregue», vindo efectivamente os RR., por carta de 22/3/2021, a  declararam resolvido o contrato-promessa. Entende que os RR. ao atuarem da forma descrita, sem que alterassem junto da entidade competente a área do imóvel, ou devolvessem imediatamente o sinal, entraram em mora, devendo considerar-se legitima a sua recusa no cumprimento da prestação a que estava obrigado, a coberto do art 428º  CC. Alega ainda que em 10/11/2021 apercebeu-se que os RR. estavam a tentar vender o imóvel, agora por € 188.000, o que é demonstrativo da vontade de incumprirem o contrato, por cuja manutenção ele, A., pugna, por manter interesse no imóvel, pretendendo apenas a redução proporcional do preço em relação a área do prédio, mais alegando que os RR. tinham conhecimento da essencialidade do espaço, porquanto ele necessitava de guardar os seus barcos dentro do prédio.
Os RR. contestaram, alegando que tinham como condição para vender o prédio a de que o sinal a receber se cifrasse em € 25.000,00,  porque necessitavam dessa quantia para extinguir as penhoras registadas, desonerando o imóvel para alienação.  Referem que na visita que fez ao imóvel o A. se lhes apresentou como investidor imobiliário, viu  a totalidade do imóvel, no interior e exterior, tendo-lhe o R. explicado que o valor por que o vendiam decorria de avaliação feita há mais de dois anos,  mas que tinham urgência na venda e como condição da mesma um sinal de € 25.000,00 explicando-lhe a contingência das penhoras que oneravam o imóvel. O A. ofereceu € 100.000,00 o que foi recusado pelo R., aceitando, no entanto, € 125.000,00.. A intenção do A. com a  aquisição do imóvel era a negociação do mesmo para investimento imobiliário, nada tendo referido quanto a precisar de lá guardar barcos. Poucos dias depois, em 21/11/2020, aceitou a contraproposta dos RR. de € 125.000,00, como preço e o pagamento de € 25.000,00, a título de sinal, tendo, nessa sequência, solicitado o envio da documentação do imóvel, e depois de a  analisar, agendou o dia  para assinatura do contrato-promessa de compra e venda, tendo o mesmo sido assinado em 26/11/2020, e entregues dois cheques  para pagamento do sinal.  Logo após a assinatura do contrato-promessa de compra e venda o A. colocou um anúncio de venda do imóvel prometido vender. O RR. receberam com espanto e perplexidade o email do mesmo. dando conta da divergência de área do imóvel, tanto mais que todos os documentos deste referiam a  mesma área, cuja rectificação, o A. não requereu aos RR., mas apenas a redução do preço, tendo os RR. acedido a reduzi-lo em € 5.000,00,  o que o A. não aceitou. Alegam ainda os RR. que a partir daí foram sucessivamente perturbados pelo A., que chegou a tentar registar a sua Aquisição Provisória com base no contrato-promessa firmado, mesmo sabendo que o  contrato estava já resolvido desde 24/3/021. Referem que em Maio de 2021, resolvido que estava o contrato promessa, venderam o imóvel a terceiros. Terminam requerendo a condenação do A. como litigante de má fé, já que da factualidade alegada, bem como dos documentos juntos, resulta claro que tentou locupletar-se à custa deles RR., tentando manietá-los a realizar um negócio ruinoso, sob a capa de uma pretensa significância quanto a uma alegada divergência de áreas desconhecida deles RR., tudo com o intuito único de realizar uma mais-valia significativa numa futura venda, por cerca do dobro do valor, pelo que deverá ser  condenado em multa e numa indemnização  no montante de € 7.500,00 .
O A. respondeu ao pedido de litigância de ma fé pedindo a sua absolvição do mesmo.

Teve lugar audiência prévia, tendo a instância sido suspensa para tentativa de acordo pelas partes, que não foi conseguido.

Tendo-se afigurado ao Tribunal possível o conhecimento imediato do pedido.  foi concedido às partes o prazo de 10 dias para se pronunciarem, o que os RR. fizeram, não se opondo àquela apreciação imediata.

De seguida o Tribunal proferiu sentença, em que  julgou a acção totalmente improcedente,  absolvendo os RR. de todos  os pedidos formulados e o A.  do pedido de condenação como litigante de má fé.

II – Do assim decidido, apelou o A., tendo concluído as respectivas alegações, nos seguintes termos:
1. Após a descrição da factualidade, dúvidas não restam que o Tribunal A Quo, não deixou o ora recorrente provar o que alega, nem mesmo ouvi-lo em sede de alegações, ou seja não deixou que a prova quanto ao erro fosse produzida em Julgamento.
2. Mormente quanto aos seus elementos, aspetos objectivos e subjectivos como consta no Acórdão do STJ 20-1-205 sobre a essencialidade do erro.
3. A alteração de área ou a sua dissimulação não pode ser qualificada "normal", "usual" ou "corrente", sob pena de se colocar em risco o efeito útil do registo.
 4. É ao "deceptus " que incumbe provar que o declaratário (deceptor) conhecia, ou não deveria ignorar, a essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro - artºs 251°, 247° e 342º, nº 1, do C.C
 5. Ora não é pelo simples facto do R. afirmar que não precisa do espaço, ou que tem outro negócio como investidor em imóveis, que por si retira a essencialidade que a dimensão do imóvel tem para o recorrente.
6. Afigura-se- nos tendencioso este tipo de motivação, uma vez que  a coisa tem valor consoante a área, e o local onde se situa.
7. Isto quando se considera que é elemento não essencial a área quando é um facto notório a sua necessidade e bem ainda, com o fundamento na área na determinação do valor da coisa.
8.Houve, pois, errada interpretação daquele normativo, como dos artigos 562º e 566º, como do artº 342º, n° 1 do C.C., bem como do ensinamento doutrinal e jurisprudencial.
9. O recorrente sentiu-se enganado, quis comprar um imóvel com certas características e áreas, deu o sinal pedido no contrato promessa e verificou posteriormente que o imóvel que pretendia adquirir não correspondia com o descrito nos documentos oficiais.
10.Mesmo quando contacta telefonicamente , sendo ele o lesado, é tratado como se do contrário se tratasse, ele confiou e foi enganado, sentiu-se desgosto. A suas expectativas saíram goradas. Para ele ou havia redução do preço ou do contrato com culpa imputada aos réus, e sinal em dobro e ainda, indemnização .
11. O tribunal a quo não aferiu do erro, nem da sua essencialidade no negocio, que poderia torna-lo anulável ou de anulabilidade.
12. o que nos mostram os autos é que o Tribunal não considerou o erro invocado pelo autor essencial e próprio, nem tão pouco deu a oportunidade ao autor de provar os factos por si alegados, não podendo, pois concluir que a Ré conhecia, ou ao menos não devia ignorar, a essencialidade para o autor de uma das áreas do imóvel.
Face, pois, à matéria de facto dada como assente, versus o conteúdo do pedido e o ónus da alegação, afirmação ou dedução, e outrossim do ónus da prova, jamais poderia a acção ser julgada, sequer parcialmente, como procedente.[1]

Os RR. apresentaram contra-alegações, que concluíram nos seguintes termos:
1. Vem o presente recurso interposto pelo Autor/Recorrente, da douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, que julgou a presente ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os Réus/Recorridos dos pedidos formulados.
2. Sumariamente, insurge-se o Autor contra a douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, alegando, em suma, que “1. Descrita integralmente a factualidade, ponderada para a tomada de decisão do Tribunal A Quo, dúvidas não restam, que não deixou o ora recorrente provar o que alega, nem mesmo ouvi-lo no sentido de tirar conclusões em sede de alegações. 2.O Tribunal A Quo analisou a essencialidade do erro, não deixando contudo, que de forma exacta se analiza-se em sede de julgamento o motivo do engano do recorrente.”
3. Não lhe assiste razão. Com efeito,
4. O Tribunal “a quo” atentou e ateve-se estritamente ao teor dos documentos juntos não impugnados, bem como à matéria considerada provada por acordo, assim dando por provados os factos constantes da douta Sentença de fls. (relativamente aos quais não se insurgiu o Autor/Recorrente), os quais nunca seriam suscetíveis de conduzir à procedência de qualquer das pretensões do Autor/Recorrente;
5. E os quais permitem o conhecimento imediato do mérito da ação, sem necessidade de mais prova; pois mesmo que todos os factos alegados pelo Autor/Recorrente viessem a ser considerados provados, seria a mesma a decisão a proferir nestes autos.
6. Pelo que, contrariamente ao que alega o Autor/Recorrente, bem andou o Tribunal “a quo” ao conhecer imediatamente do mérito da causa numa decisão que se considera completa, bem fundamentada do ponto de vista jurídico e factual, e justa. Efetivamente,
 7. Alega o Autor “Que o Tribunal não considerou o erro invocado pelo autor essencial e próprio, nem tão pouco deu a oportunidade ao autor de provar os factos por si alegados Como concluir que a Ré conhecia, ou ao menos não devia ignorar, a essencialidade para o autor de uma das áreas do imóvel.” Mas não lhe assiste razão.
8. A título principal, o Autor/Recorrente invoca a existência de um erro na área do prédio prometido comprar/vender, pedindo a redução do preço da coisa, em função da área efetivamente existente.
9. É certo, e isso não se contesta, que a redução do preço depende da verificação dos seguintes pressupostos: i) O erro atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objeto do negócio; ii) Desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
10. Mas, como bem se observou na douta Sentença recorrida, não é menos certo que só releva o erro essencial e próprio, sendo que a “essencialidade exigida pela norma legal consiste em ter tido o erro um papel decisivo na determinação da vontade do declarante, por maneira que, se ele conhecesse o verdadeiro estado das coisas, não teria querido de modo nenhum concluir o negócio. Erro essencial é pois o que deu causa ao negócio (causam dans). É suficiente que tenha contratado também por causa do erro, de tal sorte que sem o erro teria desistido em absoluto de contratar. O erro essencial é aquele que --- isoladamente ou ainda que em colaboração com alguma outra circunstância --- levou o errante a concluir o negócio, em si mesmo e não apenas nos termos em que foi concluído[10].” Ora,
 11. Contrariamente ao alegado pelo Autor/Recorrente, (que não se insurge quanto à matéria de facto considerada provada) nunca, em momento algum, a área do prédio foi relevante para a apresentação da proposta de compra - de € 125.000,00 - pelo Autor. Tal tanto não era relevante/determinante para a aquisição e apresentação de proposta que sequer foi feito constar do contrato-promessa de compra e venda a área do imóvel.
12. Ademais, todos os documentos – caderneta predial e certidão predial – foram disponibilizadas ao Autor/Recorrente antes da outorga da promessa, até para efeitos de elaboração do contrato, o que teria dado ao Autor tempo para refletir e aferir deste ponto se tal fosse realmente relevante para si, que não era; O Autor/Recorrente, como confessa, é pessoa habituada a negócios desta natureza, disto fazendo, pelo menos em parte, vida, pelo que, se era determinante a área total do prédio, como se pode explicar que logo no dia da visita – aliás, na própria visita – o Autor tenha apresentado uma proposta sem confirmação destes elementos, ou sem pedir um levantamento topográfico previamente? Ou até subordinar a boa conclusão do negócio à confirmação de um tal dado?
13. Não era, como é manifesto, relevante. Nem podia nunca ser, pois estamos a falar de uma moradia devidamente murada e, portanto, devidamente delimitada no terreno (conforme imagens constantes dos autos), pelo que qualquer homem médio colocado em idêntica situação conseguiria apreender os contornos daquilo que estava a ver e a prometer comprar, as totais características do bem, sem margem para qualquer dúvida.
 14. O Autor/Recorrente apresentou proposta com base naquilo que os seus olhos viram, apreenderam e percecionaram e aquilo que os seus olhos viram, apreenderam e percecionaram não mudou, não havendo dúvidas daquilo que o Autor/Recorrente estava a prometer comprar.
15. A área do imóvel nunca foi elemento essencial para o Autor/Recorrente; Tanto não era essencial que o Autor nunca – nem mesmo nesta ação - perdeu interesse na aquisição do imóvel;
16. Nunca o Autor/Recorrente informou os Réus/Recorridos de que necessitava de guardar os seus barcos dentro do prédio e de que necessitava de um espaço concreto e determinado para o efeito; aliás, nunca o Autor falou de barcos aos Réus; Dos documentos juntos pelas partes aos autos não resulta demonstrada qualquer referência ao que agora alega o Autor; aliás, como se compagina e articula uma tal alegação (muitíssimo parca, designadamente em sede de petição inicial, diga-se) do Autor – de que necessitava de guardar os seus barcos dentro do prédio – com a circunstância de o imóvel ter sido posto imediatamente à venda pelo Autor? Necessariamente uma coisa exclui a outra e a evidência nos autos é a que o Autor/Recorrente não lá pretendia guardar barco nenhum. Note-se, ademais, que estamos a falar de uma moradia, não de uma garagem para barcos ou de um estaleiro, tudo conforme resulta do teor dos documentos juntos não impugnados.
17. As próprias partes fizeram constar do contrato promessa, de conteúdo incontroverso, que verificaram o imóvel objeto da promessa de compra/venda, não tendo feito constar a área, nem tendo feito constar uma cláusula que sujeitasse a manutenção da promessa à prévia verificação das características do bem…
18. Pelo que bem andou a douta Sentença de fls. ao considerar que “o erro relativamente à área, no caso concreto, não integra um erro essencial e próprio, (…)”.
19. E, assim, mesmo que, por hipótese académica, se considerassem como provados todos os factos alegados pelo Autor/Recorrente, nunca se verificariam os pressupostos exigidos para a redução de preço pretendida pelo Autor/Recorrente, desde logo porque o erro invocado pelo Autor não consubstancia um erro essencial e próprio, como resulta demonstrado à saciedade da matéria assente (por acordo e documentos). Pelo que bem andou a douta Sentença de fls. ao considerar totalmente improcedente este pedido do Autor/Recorrente sem necessidade de mais prova.
20. Também quanto ao pedido de resolução do contrato promessa por motivo exclusivamente imputável aos Réus, com a sua condenação a restituir ao Autor/Recorrente o dobro do sinal prestado, acrescido de juros moratórios desde o seu não cumprimento, bem andou a douta Sentença recorrida ao considerar o mesmo totalmente improcedente sem necessidade de produção de mais prova.
21. Com efeito, da matéria assente resulta, com clarividente incontrovérsia, que o Autor não marcou a escritura de compra e venda no prazo contratualmente estipulado para o efeito;
22. Note-se, ademais, que os Réus/Recorridos haviam já resolvido o contrato, pelo que não pode vir o Autor/Recorrente pedir a resolução de um contrato que já se encontrava validamente resolvido pelos Réus/Recorridos por culpa do Autor.
23. Deste modo, o Autor não tem direito a pedir a resolução do contrato de promessa nem a pedir aos Réus a restituição ao Autor do dobro do sinal prestado.
24. O direito foi exemplarmente aplicável aos factos considerados provados com base nos elementos (factos e documentos) constantes dos autos, sendo a matéria assente manifestamente suficiente para a prolação imediata de decisão de mérito.
25. Assim, considerando tudo quanto se expôs, mesmo que, por hipótese, o Autor/Recorrente viesse a produzir prova testemunhal de que resultasse provado que o Autor “já teve uma frota pesqueira, uma auto caravana, entre outros bens que carecem de espaço para ser guardados”, tal não afasta todos os demais factos provados nem as considerações, fundamentos e conclusões proferidas na douta Sentença recorrida que levaram, e sempre levariam, a uma decisão de total improcedência da ação, como a que teve lugar.
26. Bem andou, em face do exposto, a douta decisão recorrida, a qual deverá, por conseguinte, manter-se, in totum, nos seus precisos termos. Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, manter-se na íntegra a douta Decisão recorrida.

III – O Tribunal da 1ª instância entendeu provada a seguinte factualidade, em função de acordo e dos documentos juntos aos autos:
1. A 26 de novembro de 2020, A e R. celebraram por escrito, assinaram e reconheceram as assinaturas, um contrato designado “contrato Promessa de compra e venda”.
2. Assim o A. prometeu comprar à R. e esta prometeu vender-lhe o prédio urbano sito na R. ..., ..., ... – ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...80 da Freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ...62 da Freguesia ..., de que era dona e legítima proprietária.
3. O preço acordado de venda é de €125,000.00 (cento e vinte e cinco mil euros) tendo o A. pago à R. a quantia de 25,000,00 (vinte e cinco mil euros) titulados por dois cheques um de €18.716,87 (dezoito mil setecentos e desaseis euros e oitenta e sete cêntimos) através de cheque da Banco 1..., de n.º ...80, a favor do R. e outro cheque da Banco 1... no valor de €6283,13(seis mil duzentos e oitenta e três mil e treze Cêntimos), de n.º ...79, emitido a favor do R., - Cfr. Doc2 e 3 que se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.
 4. O remanescente do preço será pago no ato da escritura.
5. Cláusula Segunda, ponto 2.: «2. O Promitente Comprador declaram ter procedido à vistoria, nas condições que entendeu adequadas, do Imóvel prometido vender, não podendo dele, em qualquer circunstância, reclamar, nem exigir da Promitente Vendedora quaisquer obras de reparação ou beneficiação.».
6. Cláusula Quinta, ponto 1.: «A Escritura de Compra e Venda / Documento Particular Autenticado será outorgada no prazo de 90 dias da presente data, não renovável».
 7. Cláusula Sétima, ponto 3.: «Caso a Escritura Pública de Compra e Venda / Documento Particular Autenticado, não seja celebrada até ao termo do prazo previsto no número um da Cláusula Quinta do presente CPCV, poderá ser invocado o seu incumprimento definitivo, aceitando as partes o mero decurso desse espaço de tempo como necessário e suficiente para extrair tal consequência».
 8. Cláusula Nona: «Este CPCV traduz e constitui o acordo celebrado entre todos os Contraentes, só podendo ser modificado por documento escrito e assinado pelos mesmos e junto a este Contrato como seu aditamento».
 9. Por via do contrato promessa de compra e venda o A. obrigou-se a pagar o preço da compra do imóvel e outorgar na respectiva escritura como comprador e a R., em contrapartida, a outorgar na mesma escritura como vendedora e enquanto dona e possuidora do mesmo, livre de ónus ou encargos, ou outras responsabilidades, bem como devoluto de pessoas e bens, entregando ao A. as chaves.
10. A 16 de Fevereiro de 2021, escreve um email o A. ao R. no qual informa “Ex.mo Senhor BB, No passado dia 26 de Novembro, celebrei um contrato de promessa de compra e venda com V. Ex.ª referente ao imóvel sito na Rua ... em .... Consta da caderneta e da certidão permanente código de acesso ...80, junta com o contrato, que o prédio tem uma área de 350m2 sendo a área de implantação do edifício de 104m2. Todavia feito o levantamento topográfico constatasse que tem menos 100m2 do que o que consta nos documentos oficiais referidos. Assim sendo o valor do imóvel deve ser reequacionado em função da sua efectiva área. Se para uma área de 350m2 me comprometi com 125.000,00 (cento e vinte cinco mil euros), o mais, que posso oferecer com a redução de 100m2 é, 92.000,00 (noventa e dois mil euros). Entenderá que me sinto defraudado nas minhas expectativas tentando acreditar que V. Ex.ª não conhecia este facto. Agradeço que me responda no prazo máximo de 10 dias. Melhores cumprimentos.”.
11. Como resposta o A., recebe do R., a 18/2/2021, por email a resposta “Bom dia Sr. AA. Estive a medir os valores que constam nos registos dos documentos oficiais que lhe facultei e eles estão corretos. Alias o Sr. Esteve presencialmente a analisar a compra do imóvel quando acordamos a venda. Como tal não entendo a dúvida. Amanhã falaremos melhor”. cfr- doc. 4 que se junta e dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
12. Por carta datada de 09 de março de 2021 e recebida pelo Autor em 11 de março de 2021 os Réus remeteram-lhe uma carta registada com aviso de receção com o seguinte teor: «O termo do prazo para outorga da escritura era de 90 dias, não prorrogável, pelo que o seu termo se verificou em 24 de fevereiro último, sem que V. Exa. tenha dado cumprimento ao disposto na cláusula quinta, n.º 3, o que, nos termos da cláusula sétima, n.º 3, do contrato, determina o incumprimento definitivo do mesmo. Como é do seu conhecimento, aquele prazo de 90 dias, improrrogável, foi assim estabelecido não apenas por existirem outros interessados na aquisição do imóvel, mas também pela nossa situação financeira débil e urgente necessidade de solver obrigações vencidas, que impunham, e impõem, a celebração da escritura no mais curto espaço de tempo possível. Foi, como sabe, nesse pressuposto, e por essas razões, que acordámos em avançar com o negócio com V. Exa., vindo a celebrar o referido contrato-promessa de compra e venda. Assim, e sem prejuízo do disposto na cláusula sétima, n.º 3, do contrato, servimo-nos da presente carta para interpelar V. Exa. ao derradeiro cumprimento da promessa de compra, e da obrigação de marcação da escritura de compra e venda nos termos prometidos e correspondente notificação do dia, hora e local para outorga da mesma, no prazo máximo de cinco dias de calendário, a contar da receção da presente carta, sem possibilidade de prorrogação - uma vez que, como lhe referimos, existem outros interessados na aquisição do imóvel e a nossa necessidade financeira e urgência na venda se mantêm -, findo o qual consideraremos definitivamente incumprido o contrato-promessa celebrado, com a correspondente perda do sinal entregue.».
13. Por carta datada de 22 de março de 2021, recebida pelo Autor em 24 de março de 2021, pelas 10h29, os Réus declararam resolvido o contrato-promessa celebrado em 26 de novembro de 2020: «(…) não podendo aceitar mais a manutenção desta situação, para nós insubsistente, ultrapassado o prazo derradeiramente concedido para marcação da escritura de compra e venda sem que V. Exa. tenha procedido à respetiva marcação e comunicação do dia, hora e local da sua realização, consideramos resolvido o contrato promessa celebrado em 26 de novembro de 2020, por incumprimento definitivo a V. Exa. imputável, por violação do disposto na cláusula quinta, n.ºs 1 e 3 do contrato-promessa, com a correspondente perda do sinal entregue, nos termos do disposto no artigo 442.º, n.º 2, 1.ª parte, do Código Civil. (…)».

O Tribunal a quo, depois de enunciar esta matéria de facto como provada, fez menção «a outros factos alegados pelo A. na sua petição inicial» e «a outros factos alegados pelos RR. na contestação» - com o que reproduziu, na sua totalidade, a restante factualidade constante da petição inicial e  da contestação - fazendo-o no pressuposto, que evidenciou, de que «os factos já provados e os factos alegados pelo Autor mesmo que viessem a ficar provados, não são susceptíveis de conduzir às pretensões do Autor, as quais são por isso manifestamente improcedentes, como se verá».
Na sequência desta observação, iniciou a apreciação dos pedidos (os dois que o A. colocou em termos de alternatividade), em função do primeiro formulado, o da redução do preço da coisa em função da área efectivamente existente, vindo a concluir  pela sua improcedência em função da impropriedade e falta da essencialidade do erro, referindo, entre o mais, que «a área necessária para o efeito, salvo melhor opinião, não poderá configurar um erro essencial e próprio, ou seja, não resulta que esse alegado erro, mesmo a verificar-se, teve um papel decisivo na determinação da vontade do declarante Autor, por maneira que, se ele conhecesse o verdadeiro estado das coisas, não teria querido de modo nenhum concluir o negócio».
Só depois da apreciação deste pedido se debruçou sobre o da resolução do contrato promessa e a condenação dos RR. na devolução do sinal em dobro, vindo a concluir, também no que a este pedido respeita, pela sua improcedência, por ter considerado que o contrato promessa já havia sido legitimamente resolvido pelos RR. em função da não marcação atempada pelo A. da data para a outorga da escritura definitiva e para a qual o haviam  admonitoriamente interpelado a proceder sob pena de incumprimento definitivo do contrato promessa.
Do nosso ponto de vista e antecipando conclusões que adiante melhor se compreenderão, perante a alegação dos RR. na contestação de terem procedido em Maio de 2021 à venda do imóvel a terceiros  - e pressupondo que essa venda existiu, pois que, na verdade, não se mostra provada nos autos –, tendo, em consequência, deixado de ser  possível o cumprimento do contrato promessa  com ou sem redução do preço em função da área efectivamente existente no imóvel, a questão dessa menor área só relevará para avaliar quem é que incumpriu definitivamente o contrato promessa.
Repare-se que a reclamação do A. referentemente à divergência de áreas entre a real e a constante dos documentos referentes ao imóvel objecto do contrato antecede o termo do prazo de que o mesmo  dispunha contratualmente para a marcação da escritura definitiva, tendo os RR, pura e simplesmente, depois que inteirados pelo A. desta divergência de áreas feito sobrepor o seu entendimento de que essa divergência, ainda que existente, irrelevava, tudo estando, afinal, em saber, para se concluir ou não pelo incumprimento do contrato promessa, se a acusada diferença de áreas, feita antes do vencimento da obrigação da marcação da escritura,  contendia com esta obrigação.

Deste modo, analisada assim a questão que nos autos importa decidir,  operando o confronto da decisão recorrida com as conclusões das alegações de recurso - e pese embora, estas, aparentemente, se pareçam apenas reportar à redução do preço -  a verdadeira questão a decidir no recurso, correspondendo ao  seu objecto, é a de saber se no contexto fáctico dos autos  se mostrava  legitimo ou não por parte dos RR. terem por definitivamente incumprido o contrato promessa em função da não marcação da escritura pelo A.

Entende o apelante, como resulta das conclusões das alegações, que a questão da divergência de áreas foi mal decidida pelo Tribunal a quo, pela simples razão, que aqui se resume, de que a dimensão do imóvel para quem o compra é sempre essencial e se repercute sempre no preço, o que os RR. não podiam desconhecer, além de que o Tribunal a quo não lhes deu oportunidade de provar os factos por ele alegados.

Na abordagem que o Tribunal recorrido fez à questão que teve como primeira – a da redução do preço em função da menor área – começa por assinalar que o A. pede a redução do preço da coisa em função da área efetivamente existente, sem, contudo, indicar as normas legais em que fundamenta esta pretensão, ou seja, sem indicar a fundamentação legal, o que é efectivamente verdade. Em lado algum da petição ou subsequentemente  no processo, inclusivamente nas alegações de recurso,  o A. procedeu a essa indicação.
O Tribunal entendeu subsumir a situação de facto e de direito a que o A. se reporta à norma do art 884º CC - segundo a qual, «1. Se a venda ficar limitada a parte do seu objecto, nos termos do artigo 292.º ou por força de outros preceitos legais, o preço respeitante à parte válida do contrato é o que neste figurar, se houver sido discriminado como parcela do preço global. 2. Na falta de discriminação, a redução é feita por meio de avaliação» - concatenando-a seguidamente com a do art 292º CC - segundo o qual, «A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.”.
Do nosso ponto de vista a subsunção operada pelo Tribunal a quo não terá sido a priori a mais adequada, pese embora acabe por ser relevante a norma do art 884º assinalada pelo mesmo.
Vejamos melhor o que se pretende assinalar.
Impõe-se, porém, antes de mais, tornar claro que movendo-nos no âmbito do contrato promessa (de compra e venda), será às normas deste contrato (de compra e venda) que nos deveremos socorrer, atendendo ao princípio da equiparação, nas palavras de Ana Prata[2], «um dos mais evidentes sintomas do reconhecimento legal da função instrumental do contrato promessa relativamente ao correspondente contrato final».
 Decorre do art 410º CC, enquanto «directiva de ordem geral[3]» que se aplica aos requisitos e efeitos do contrato promessa as disposições relativas ao contrato prometido. «São assim aplicáveis à promessa de venda, com as necessárias adaptações, as regras que na compra e venda se referem à determinação e à redução do preço, à venda de bens alheios, de coisas defeituosas, de bens onerados, etc» [4]. Já são inaplicáveis ao contrato promessa as disposições reguladoras do contrato prometido que pelo seu fundamento não são extensíveis à simples promessa, isto é, à promessa que tem eficácia meramente obrigacional, como sucede «com a proibição de venda de coisa alheia (art 892º), a proibição de venda de coisa comum (indivisa) por um só dos condóminos, e outras proibições análogas». Adverte igualmente Antunes Varela que[5], «na fixação das consequências do não cumprimento do contrato promessa, há também que corrigir o principio da equiparação à luz da prescrições especiais constantes do art 830º (especialmente os nº 1 e 2 ) para a falta de cumprimento do contrato promessa».
Explica deste modo Ana Prata[6] o significado essencial do princípio da equiparação, dizendo que este principio «vem reflectir, ao nível do regime, a insubsistência da promessa por si só e a sua indissociável conexão com outro negócio de cuja celebração final é instrumento. (…) Constituindo essa (a promessa) um acordo preparatório de um outro negócio, a sua razão de ser, é, a um tempo, a de garantir a celebração deste último e o diferimento do seu surgimento  - que não apenas da sua eficácia -  para momento ulterior. As partes visam, simultânea e articuladamente, estabelecer um acordo que já respeita ao contrato prometido e adiar o nascimento deste com a função e a eficácia que lhe são aplicáveis».

Na situação dos autos e tal como o A. configura a situação material, está em causa a promessa de compra e venda de coisa defeituosa, enquanto coisa que não tem as qualidades asseguradas pelo vendedor; surgindo desnecessárias maiores considerações a respeito de outras possíveis caracterizações do vício - dos documentos referentes ao imóvel objecto do contrato promessa consta uma determinada área, e é essa que tacitamente os aqui RR., promitentes vendedores, asseguram ao A., mas, em função do levantamento topográfico que este terá levado a efeito, o imóvel tem menos 100  m 2. 
Qualquer que seja o entendimento que se tenha a respeito da ligação entre as normas do art 913º e ss e as do incumprimento em geral, mostrar-se-á consensual que a inexecução do contrato que resulta daqueles vícios permite ao comprador – no caso de venda específica – anular o contrato (ainda que haja quem entenda que, também aqui, à semelhança do que sucede no âmbito da Lei do Consumidor, art 4º/1 DL 67/2003 de 8/4, se trata não de anulação, mas de resolução).
Efectivamente, e como resulta dos arts 913º e 905º CC, o comprador tem o direito de anular o contrato, sendo, no entanto, a ele, que incumbe a prova do defeito, bem como  os pressupostos da anulabilidade por erro ou dolo, nos termos dos arts 251º e 247º, visto que o vendedor com a entrega da coisa cumpriu a sua prestação contratual – art 879º/al b).
Não está, no entanto, no âmbito do presente processo a questão da anulação do contrato, que não vem pedida, pese embora o Tribunal a quo tenha inadequadamente, salvo o devido respeito, acabado por analisar a questão da redução do preço por via do art 292º CC e, subsequentemente, dos arts 251º e 247º, em função dos requisitos da  anulação do contrato.

O que importa saber é se se verificavam em 16/2/2021, aquando do email do A. ao R. marido a acusar a divergência de área e a reclamar, em função dela, a redução do preço, os pressupostos necessários à pretendida redução do preço, a que se reporta a norma do art 911º, sob a epígrafe “Redução do preço”, norma essa inserida na secção referente à venda de bens onerados, para que remete o art 913º/1, referente à venda de coisas defeituosas. 

Está em causa na redução do preço aí contemplada a antiga “actio quanti minoris”, que se traduz na manutenção do contrato e na redução do preço em função do vício da coisa e eventual indemnização do comprador.

Diz-se nessa norma:

 «Se as circunstâncias mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por preço inferior, apenas lhe caberá o direito à redução do preço, em harmonia com a desvalorização resultante dos ónus ou limitações, além da indemnização que no caso competir».

 Referindo, após, o nº 2 desse preceito que «são aplicáveis à redução do preço os preceitos anteriores, com as necessárias adaptações».

Esta última norma – também ela remissiva – impõe algumas considerações, na medida em que apesar de a mesma o poder inculcar, a redução do preço que está em causa no art 911º nada ter a ver com a redução do negócio a que se refere o art 902º, dispositivo este inserido na secção da venda de coisa alheia, desde logo porque neste está em causa uma nulidade parcial do contrato, ao passo que na norma do art 911º se pressupõe a validade do negócio. 

Com efeito, a norma do art 902º e também a do art 292º para que o mesmo expressamente remete, pressupõem o que no âmbito do art 911º se exclui – uma invalidade parcial do contrato, na venda de bens alheios fácil de se perceber quando os bens forem só parcialmente alheios.

Nessas normas – dos arts 902º e 292º - como resulta das respectivas epígrafes, não está em causa, como na do art 911º, uma redução do preço, mas uma redução do negócio jurídico.

É, por assim ser que no âmbito da aplicabilidade da norma do art 902º se tem de ponderar, à semelhança do que o exige o art 292º, se o contrato teria sido concluído sem a parte viciada, e apenas se o comprador lograr essa prova se mostrará admissível a redução do negócio, embora acabe por não a poder obter se o vendedor provar  que ele (vendedor) não teria concluído o negócio sem a parte viciada, caso em que o negócio tem que ser anulado.

Já no âmbito do art 911º o comprador tem que fazer a prova de que as circunstâncias mostram que ele, sem dolo ou erro, não teria deixado de comprar, embora por preço inferior.

 Não podendo, ao que parece,  o vendedor opor-se à redução do preço, alegando que (mesmo com os ónus ou limitações do direito) não venderia por preço inferior, como o concluem Pires de Lima/Antunes Varela[7].

Ora, a redução do preço como estes autores o assinalam, «é feita nos termos do art 884º», que estipula: «Se a venda ficar limitada a parte do seu objecto, nos termos do art 292º ou por força de outros preceitos legais, o preço respeitante a parte válida do contrato é o que neste figurar, se houver sido discriminado como parcela do preço global», acrescentando o nº 2 dessa disposição que, «na falta de discriminação, a redução é feita por meio de avaliação».

Feita esta excursão relativamente à abordagem jurídica que se entende que deveria ter sido utilizada nos autos logo se vê que foi precipitado e errado o conhecimento imediato do pedido.

Os autos são ricos na alegação de circunstâncias factuais, sobretudo posteriores à resolução do contrato promessa pelos RR. e à alegada actuação do A. junto destes,  cuja prova poderá, quiçá, influir na modelação da culpa no incumprimento/impossibilitação do cumprimento do contrato promessa, importando, entre, e antes do mais, compreender, se o preço ajustado no contrato promessa era, em termos de mercado, tão suficientemente baixo que, numa consideração de boa fé contratual absorveria a acusada menor área do imóvel, e se, efectivamente, este foi vendido a terceiros pelos RR.

Factos/questões estas que a prova feita nos autos anda longe de permitir.

Entende-se, pois, que os autos devem prosseguir para julgamento, com o que se anula a sentença proferida na 1ª instância, nos termos da al c) do nº 2 do art 662º CPC.

V – Pelo exposto, acorda este Tribunal em anular a sentença proferida na 1ª instância e ordenar a prossecução dos autos para julgamento.

Custas a determinar a final.

                                               Coimbra, 30 de Junho de 2023

                                               (Maria Teresa Albuquerque)

                                               (Falcão de Magalhães)

                                               (Pires Robalo)

(…)





               [1] -Tratar-se- á de um lapso do apelante – quereria dizer, “improcedente”, ao invés de “procedente”
[2] - «O Contrato-Promessa e Seu Regime Geral», Almedina, 2ª Reimpressão, p 466
[3] -Antunes Varela, «Das Obrigações em Geral», p269
[4] - Antunes Varela, «Das Obrigações em Geral», Almedina, 4ª ed, p 275
[5]- Obra referida, p 277
[6]- Obra referida, p 442
[7] -«Código Civil Anotado»,  Coimbra Editora, 4ª ed, II Vol , p 185