Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
444/96.0TXEVR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
REVOGAÇÃO
Data do Acordão: 12/15/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 61º,63º CP,479º,486º CPP
Sumário: 1. Se tiver havido revogação da liberdade condicional concedida aos 2/3 da pena, haverá que proporcionar ulteriormente ao condenado a libertação condicional aos 5/6 da pena. Se a liberdade condicional revogada tiver sido concedida aos 5/6 da pena, então não haverá que conceder nova liberdade condicional. O condenado cumprirá a pena na sua totalidade.
2. O que se visa através da exclusão prevista no nº 4 do art. 63º do CP é impor o cumprimento autónomo da pena que resulta da revogação da liberdade condicional, porquanto diluir esta última pena numa soma de penas que não comportam cúmulo jurídico e que por essa razão devem ser cumpridas sucessivamente não encontraria justificação nas considerações de prevenção especial subjacentes ao cumprimento da pena.
3. Verificados os requisitos legais, isto é, atingidos os 5/6 da pena e obtido o consentimento do condenado, com vista à libertação condicional do condenado não é dispensável o relatório social e a prévia junção do CRC, já que embora tratando-se de concessão de liberdade condicional obrigatória, o condenado deve, ainda assim, ficar sujeito ao cumprimento de condições e regras de conduta relativamente às quais o M.P. deve ser ouvido, podendo os pareceres e o teor do CRC influir decisivamente na fixação dessas condições e regras de conduta.
4. O cumprimento do remanescente da pena de prisão resultante da revogação da liberdade condicional anteriormente concedida constitui, para efeitos de determinação do momento da concessão da liberdade condicional, uma pena autónoma.
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO:

Nos autos de processo gracioso de concessão de liberdade condicional que originaram os presentes autos de recurso em separado foi proferido o despacho certificado a fls. 25/30, que tem o seguinte teor:
I - Foram os presentes autos instaurados, com vista à eventual concessão de Liberdade Condicional, ao arguido, V..., melhor identificado nos mesmos, que se encontra em reclusão, no Estabelecimento Prisional de Castelo Branco.
O processo seguiu a normal tramitação, mostra-se suficientemente instruído e foram observadas as legais formalidades.
Não obstante não se mostrarem juntos aos autos, todos os Relatórios e Parecer, exigidos pelo artigo 484°, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, determinou-se ainda assim a realização do presente Conselho Técnico, dado tratar-se de Liberdade Condicional "Ope Legis", conforme melhor consta dos nossos despachos de folhas 308, 309 e 361, aqui dados, por integralmente reproduzidos.
Nos termos do disposto no artigo 485°, nº 1 do mesmo diploma legal, o Ministério Público, pronunciou-se a folhas 362, aqui dada por integralmente reproduzida.
O Conselho Técnico em 01 do corrente mês de Fevereiro, prestou os necessários esclarecimentos e emitiu Parecer Favorável, por unanimidade, à concessão da Liberdade Condicional do arguido, sendo certo que se trata de situação de liberdade condicional obrigatória.
Ouvido o arguido, este não requereu a produção de qualquer prova e prestou o seu consentimento, à concessão da Liberdade Condicional, conforme consta da respectiva acta, aqui dada por reproduzida .
O Tribunal é competente. O Processo é o próprio.
Não há nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito.
Afigura-se-nos inexistirem diligências a que haja ainda de proceder, para apreciação da situação do recluso, para efeitos de liberdade condicional.
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II - Fundamentos
A concessão da Liberdade Condicional assenta num Juízo de prognose, decorrente da análise de vida anterior do arguido, da sua personalidade, a evolução da mesma no decurso da execução da pena de prisão, de tal modo que possibilite concluir que o arguido, em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, sendo que a execução da pena de prisão, se deve orientar no sentido da reintegração social do recluso. (artigos 61° e 42°, do CP).
Medida de excepção no cumprimento da pena, a Liberdade Condicional visa a suspensão da reclusão, por forma a criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, assim permitindo que o recluso ganhe o sentido de orientação social que, necessariamente, o período de encarceramento enfraqueceu. (vd. Nº 9 do Preâmbulo do Decreto Lei nº 400/82, de 23 de Setembro).
Implica pois, toda uma simultaneidade de circunstancialismos, necessariamente verificáveis, e que são, no fundo, o alcance da finalidade da execução da própria pena,
ou seja, esta, por si própria, terá de revelar a capacidade ressocializadora do sistema, com vista a prevenir a prática de futuros crimes.
Tem assim, uma "finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização. Do que se trata, verdadeiramente, é de oferecer ao delinquente, o máximo de condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso numa vida fiel ou conformada com o dever ser, jurídico penal, visando a prevenção da reincidência através da colaboração voluntária e activa daquele". (vd. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, - As Consequências Jurídicas do Crime. Aequitas. 1993, pg. 528)
Também a ressocialização dos criminosos se apresenta, em face dos pressupostos jurídico constitucionais próprios do Estado de Direito material e das considerações humanitárias, como um imperativo de carácter ético, vale por dizer, como "concretização de um dever geral de solidariedade e de auxílio às pessoas que deles se encontrem carecidas" (vd. A. Almeida Costa, - "Passado, presente e futuro da liberdade condicional no direito português', - in, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1989, págs. 449-50)
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Contudo, não sendo tal concessão automática ao meio e aos dois terços da pena, dependendo da verificação dos legais requisitos, formais e materiais, o mesmo não se pode dizer, quando atingidos os 5/6, em penas de duração superior a seis anos. Nesta altura a concessão da Liberdade Condicional é obrigatória, automática, ope legis, isto é resulta directamente da verificação de pressupostos formais e não exige valoração judicial autónoma da existência de pressupostos materiais, embora dependa sempre do consentimento do arguido.
Assentando tal instituto, na ideia de que, se o recluso, cumprida que seja a sua pena, tem de ser libertado, é preferível que se vá preparando para a sua vida em liberdade, no momento em que é ainda possível, vigiar o seu comportamento, sedimentando as bases de uma efectiva reintegração social.
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Mais concretamente, e no que aqui nos interessa, sendo esta apreciação, a correspondente aos 5/6 do cumprimento da pena, há que atentar, no que dispõem, os nºs 1 e 4 do artigo 61° do Código Penal, donde resulta que, "obtido o consentimento do condenado, o Tribunal coloca-o, em liberdade condicional, logo que houver cumprido, cinco sextos da pena".
Verificados que se encontrem tais requisitos legais, a libertação é obrigatória.
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Da verificação dos pressupostos formais:
Resulta dos autos, que o arguido se encontra a cumprir, no âmbito do processo na 153/99.9TBLGS, O residual, por revogação de Liberdade Condicional de 2 anos, 11 meses e 1 dia de prisão, cujos 5/6 ocorrem em 16 do corrente mês, e termina em 01/10/11, de acordo com a liquidação do Tribunal da condenação, junta a folhas 321/322, que se dá por integralmente reproduzida e se encontra elaborada em termos legalmente correctos.
(Para melhor esclarecimento, da liquidação supra, dá-se por reproduzido o despacho de folhas 308/309, destacando-se o seguinte, do ali constante:
Quando cumpria a pena inicial de 9 anos e 9 meses, no âmbito do processo supra identificado, foi concedida ao arguido a liberdade condicional, pelos 213 da mesma e, quando faltava 1 ano 3 meses e 16 dias, para ali atingir os respectivos 5/6 - foi colocado em Liberdade Condicional em 19103/03 e os 516 ocorreriam em 04/07/04-. Assim e tendo reiniciado o cumprimento da aludida pena em 31/10/08, atingirá os 516, cumprido que esteja o período em falta para o mesmo, aquando da concessão da Liberdade Condicional, ou seja, em 16/02/10.)
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Neste quadro e atento o disposto no artigo 61° na 4 do Código Penal, impõe-se que o arguido vá em Liberdade Condicional, em 16/02/10, desde que, para tanto, tenha dado, o seu consentimento.
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Dos elementos carreados para o processo, resulta, nomeadamente que:
O recluso atinge os 5/6 da pena em que está condenado, no dia 16/02/10; Deu o seu consentimento à aplicação da Liberdade Condicional;
Assim, deve o arguido, ser restituído à liberdade, no próximo dia 16/02/10.
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III - Decisão:
Por tudo o exposto, em conformidade com os normativos citados, decide-se conceder ao arguido, a Liberdade Condicional, desde a sua libertação e até ao fim da pena.
Ficará porém vinculado, nos termos dos artigos 64° e 52° do Código Penal, sob pena de revogação da Liberdade Condicional, ao cumprimento das seguintes regras de conduta:
1 - Fixar residência na Rua …, Elvas, de onde não se poderá ausentar, por mais de cinco dias, sem autorização do Tribunal;
2 - Manter boa conduta e dedicar-se ao trabalho com regularidade;
3 -Aceitar a tutela da Direcção Geral de Reinserção Social, comparecendo às entrevistas de acompanhamento e aderindo às orientações que lhe forem sugeridas, devendo apresentar-se aos respectivos técnicos da Equipa da DGRS, da Beira Sul e Alto Alentejo, extensão de Portalegre, cujos serviços se situam Rua Dr. Augusto César de Oliveira Tavares, nº 4, r/c, Direito, 7300-126 Portalegre, no prazo de oito dias após a Libertação e, periodicamente, sempre que lhe for pedido, sujeitando-se às indicações que lhe forem dadas por aqueles serviços.
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Notifique, sendo o arguido com cópia desta decisão, a realizar antes da libertação. Será advertido de que:
1° - a falta de cumprimento das condições e regras de conduta impostas, pode acarretar as consequências previstas nas alíneas a) a c) do artigo 55° do Código Penal, (por força do artigo 64° nº 1, do mesmo diploma);
2° - A liberdade condicional será revogada se, no seu decurso, o libertado condicionalmente:
a) - infringir, grosseira ou repetidamente, as condições impostas; ou
b)- cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que fundamentam a presente Liberdade condicional, não puderam ser alcançadas por essa via, o que determinará a execução da pena de prisão ainda não cumprida ­artigo 56° nºs 1 e 2, do Código Penal -.
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Cumpra o disposto no número 5 do artigo 4850 do Código de Processo Penal, sendo que os relatórios sociais, devem ser elaborados e remetidos ao TEP competente, com a periodicidade que entenderem por relevante.
Remeta Boletim à DGSIC e certidão ao Tribunal da condenação. Registe e D.N.
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Passe mandado de Libertação para 16/02/10, (caso não interesse a sua prisão à ordem de outros autos).
D.N ..
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Tendo em conta a residência ora fixada e atento o teor dos artigos 19° e 20° do Decreto Lei 783/76 de 29/10, oportunamente remeta os autos ao TEP competente, para os ulteriores tramites processuais.

Inconformado, o M.P. interpôs recurso, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões:
1. O recluso que cumpre pena residual por revogação de liberdade condicional tem o direito a ver apreciada a sua libertação antecipada à metade e aos 2/3 e, eventualmente, 5/6 de tal pena.
2. A liberdade condicional pelos 5/6 destina-se apenas a facilitar a integração controlada de reclusos que estiveram sujeitos a penas longas de privação da liberdade.
3. Uma pena residual por revogação de liberdade condicional inferior a 6 anos não leva à concessão de liberdade condicional pelos 5/6.
4. No presente caso a pena residual é de 2 anos e 11 meses e 1 dia.
5. A revogação da liberdade condicional dá lugar ao cumprimento de uma pena residual cuja duração é igual à parte não cumprida da pena ou penas em execução aquando da concessão de liberdade condicional.
6. Não há lugar ao retomar do cumprimento da pena inicial e respectivo cômputo.
7. A pena residual por revogação da liberdade condicional, posto que determinada pela pena inicial, desta é funcionalmente autónoma, havendo lugar a novas apreciações da liberdade condicional.
8. A libertação condicional é precedida de parecer do MP.
9. Tal parecer é emitido até 10 dias antes da data calculada para a apreciação da liberdade condicional.
10. Antes de ser emitido o parecer do MP deverão ser juntos os relatórios e parecer previstos na lei e o CRC.
11. Não tem o juiz poderes para dispensar o cumprimento de formalidades legais em virtude da sua agenda de deslocações.
12. Não pode, sem o processo estar devidamente instruído, quando ainda faltavam quase 20 dias para a data calculada, o juiz dispensar a instrução do processo e ordenar a emissão de parecer.
13. O parecer do MP é emitido em obediência à lei e no prazo ai previsto, não podendo o juiz, por meros interesses de agenda de deslocações determinar outro prazo diverso.
14. Sendo arguida uma irregularidade o juiz tem o dever de sobre a mesma se pronunciar, não podendo esquecê-la, utilizando meras frases formularias
15. A falta de parecer é uma irregularidade que foi devida e tempestivamente arguida.
16. Não é possível ao juiz incumprir prazos legais c dispensar actos que a lei exige, apenas fundamentado na sua conveniência de agenda.
17. As deslocações dos magistrados fazem-se no cumprimento da lei, não podem ser utilizadas para dispensar o seu cumprimento.
18. Foram violadas, entre outras, as normas dos artigos 61°,63 n° 2 e 64° n° 3 do Código Penal e as normas dos artigos 484°, 485°, 118°, 123° do Código do Processo Penal.
Termos em que, com os do douto suprimento de V.Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida (…)

O condenado respondeu nos termos constantes de fls. 37/40, pugnando pela manutenção do despacho recorrido.
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto limitou-se a apor o seu visto.
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, a questão que fundamentalmente importa resolver consiste em averiguar se o cumprimento do remanescente da pena de prisão resultante da revogação da liberdade condicional anteriormente concedida constitui, para efeitos de determinação do momento da concessão da liberdade condicional, uma pena autónoma.

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II - FUNDAMENTAÇÃO:

Resultam dos autos os seguintes elementos com relevância para a decisão a proferir:
- Na sequência de condenação em pena de 9 anos e 9 meses de prisão efectiva, imposta por decisão proferida no Proc. Comum nº 153/99.9TBLGS, do 2º Juízo do Tribunal da comarca de Lagos, V... iniciou o cumprimento dessa pena, cujo termo estava previsto para 20 de Fevereiro de 2006.
- Por sentença do Tribunal de Execução de Penas de Évora, de 13 de Março de 2003, foi colocado em liberdade condicional em 19 de Março de 2003, após os 2/3 da pena e 1 ano, 3 meses e 16 dias antes dos respectivos 5/6.
- O condenado não cumpriu as obrigações que lhe foram fixadas naquela decisão.
- Por sentença do Tribunal de Execução de Penas de Évora, de 3 de Março de 2005, foi-lhe revogada a liberdade condicional, determinando-se a execução da pena de prisão ainda não cumprida, imposta no Proc. Comum nº 153/99.9TBLGS.
- Na sequência da emissão do correspondente mandado, o condenado foi capturado em 31/10/2008 e nessa mesma data deu entrada no E.P.R. de Elvas para cumprimento do remanescente da pena em que tinha sido condenado.

Vejamos então, à luz destes elementos, que são os que verdadeiramente relevam para a apreciação da questão fundamental suscitada, se a posição do recorrente deverá ser acolhida.
Sustenta o recorrente que a pena residual por revogação da liberdade condicional é funcionalmente autónoma da pena inicial, havendo lugar a novas apreciações da liberdade condicional, não sendo, pois, retomado o cumprimento da pena inicial nem havendo que atender ao respectivo cômputo.
Contudo, a letra da lei, considerado o sistema jurídico na sua unidade, não favorece essa interpretação. Na verdade, ainda que a causa próxima do cumprimento da pena residual ou remanescente seja a revogação da liberdade condicional, essa decisão jurisdicional, sendo legítima, não é, no entanto, constitucionalmente apta para a imposição ab initio de uma pena de prisão autónoma, já que nos termos do nº 2 do art. 27º da Constituição da República Portuguesa, “ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança” (sublinhado nosso). Logo por força deste imperativo constitucional se verifica que a decisão que opera a revogação da liberdade condicional se limita a determinar o prosseguimento da execução de uma pena de prisão antes decidida por um tribunal com competência para a impor e que foi interrompida por força de um incidente previsto na lei, relativo à execução da pena de prisão, que visa facultar ao recluso um período de transição entre a reclusão prisional e a definitiva liberdade, para que este se adapte de novo à vida em liberdade, permitindo a comprovação da eficácia ressocializadora da pena que lhe foi imposta.
Precisamente por força do carácter unitário da pena de prisão, o Código Penal dispõe, no respectivo art. 64º, nº 2, que “a revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida”, e não o cumprimento de uma pena de prisão equivalente ao período não cumprido, como seria mister se tivesse em vista uma pena autónoma, decorrente da revogação da liberdade condicional.
Por seu turno, e contrariamente ao sustentado pelo recorrente, o disposto no art. 64º, nº 3, do Código Penal, tem que ser necessariamente interpretado em harmonia com o que resulta da conjugação do nº anterior deste artigo com o preceituado no art. 27º, nº 2, da CRP. Ou seja, o facto de aquela norma dispor que “relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art. 61º” não significa que se repitam os passos já cumpridos da concessão de liberdade condicional, mas apenas e tão-só que mesmo no caso de cumprimento de pena remanescente decorrente de revogação de liberdade condicional deverão ser observadas as regras de aplicação subsequente, concedendo-se nova liberdade condicional se, segundo as regras do art. 61º, consideradas relativamente à pena inicial (e não relativamente à pena remanescente), houver ainda lugar à concessão de liberdade condicional. Significa isto, em termos práticos, que se tiver havido revogação da liberdade condicional concedida aos 2/3 da pena, haverá que proporcionar ulteriormente ao condenado a libertação condicional aos 5/6 da pena. Se a liberdade condicional revogada tiver sido concedida aos 5/6 da pena, então não haverá que conceder nova liberdade condicional. O condenado cumprirá a pena na sua totalidade.
Também não assiste razão ao recorrente quando sustenta que a inaplicabilidade do regime previsto no art. 63º do Código Penal (execução sucessiva de várias penas) tem em vista impedir que pela soma das várias penas, aí incluída a resultante da revogação da liberdade condicional, seja atingida moldura penal superior a 6 anos, que dá sempre lugar à libertação aos 5/6 da pena. Esta não é a finalidade da norma, mas apenas uma sua consequência prática. O que na verdade se visa através da exclusão prevista no nº 4 do art. 63º é impor o cumprimento autónomo da pena que resulta da revogação da liberdade condicional, porquanto diluir esta última pena numa soma de penas que não comportam cúmulo jurídico e que por essa razão devem ser cumpridas sucessivamente não encontraria justificação nas considerações de prevenção especial subjacentes ao cumprimento da pena.

Também o Código de Processo Penal aponta vincadamente no sentido da consideração unitária da pena para efeitos de contagem e de determinação do momento da concessão da liberdade condicional. Com efeito, o art. 486º, nº 1, prevê o prosseguimento da prisão, deixando claro que a pena a cumprir em consequência da revogação da liberdade condicional não é uma nova pena, mas a execução da parcela da pena inicial que não foi cumprida por força da concessão da liberdade condicional. Sendo assim, a contagem da pena terá de pautar-se, para todos os efeitos, pelo critério previsto no art. 479º, nº 2, em cujos termos, “quando a prisão não for cumprida continuamente, ao dia encontrado segundo os critérios do número anterior acresce o tempo correspondente às interrupções”.
Em conclusão, por força das normas indicadas, sempre a instância teria que ser renovada para efeitos de concessão da liberdade condicional aos 5/6 da pena, nos termos previstos nos arts. 486º, nº 1 e 484º, ambos do CPP.

Não obstante a razão que assistia à Mmª Juiz do TEP no que concerne à questão de fundo, a implicar a consequente improcedência do recurso – e dúvidas não restam de que verificados os requisitos legais, isto é, atingidos os 5/6 da pena e obtido o consentimento do condenado, deveria ter lugar a libertação condicional do condenado – ainda assim não é isento de reparo o cerceamento que impôs à actuação do M.P. através da dispensa do relatório social e da prévia junção do CRC, já que embora tratando-se de concessão de liberdade condicional obrigatória, o condenado deve, ainda assim, ficar sujeito ao cumprimento de condições e regras de conduta relativamente às quais o M.P. deve ser ouvido, podendo os pareceres e o teor do CRC influir decisivamente na fixação dessas condições e regras de conduta. Andou mal, pois, a Mmª Juiz, ao não providenciar pela atempada junção daqueles elementos aos autos, adiando, se necessário, e ainda que com prejuízo da sua agenda, a realização do Conselho Técnico que se iria pronunciar sobre a concessão da liberdade condicional.

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III – DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, nega-se provimento ao recurso.
Sem tributação.

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Coimbra, ____________
(texto processado e revisto pelo relator)




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(Jorge Miranda Jacob)




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(Maria Pilar de Oliveira)