Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1802/11.8TBPBL-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: PLANO DE INSOLVÊNCIA
HOMOLOGAÇÃO
LEI DO ORÇAMENTO DE ESTADO
Data do Acordão: 06/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE POMBAL - 1.º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: LEI N.º 55-A/2010, DE 31-12 (LEI DO ORÇAMENTO DE 2011)
Sumário: Após as alterações da Lei n.º 55-A/2010, de 31-12 (Lei do Orçamento de 2011), não pode ser homologado plano de insolvência que contenha, sem o acordo do Estado ou da Segurança Social, o perdão, a redução ou a modificação do prazo de vencimento de créditos tributários.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

Tendo sido declarada a insolvência de “A..., Lda.” (por sentença de 27 de Setembro de 2011, transitada em julgado), veio esta apresentar proposta de plano de insolvência, na modalidade de plano de recuperação, que, submetido à apreciação, veio a ser aprovado por credores representativos das maiorias legalmente exigidas (mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados); tendo, porém, entre outros, votado contra quer o Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional (emitindo declaração condicionando o voto favorável ao preenchimento das condições por si assinaladas), quer o Instituto da Segurança Social, alegando, para o efeito, que o plano contende com o regime geral de regularização de dívidas à Segurança Social, nomeadamente com a indisponibilidade dos créditos públicos (uma vez que o plano prevê o perdão de juros vencidos e vincendos).

Foi dada publicidade à deliberação de aprovação do plano de insolvência e, tendo decorrido o prazo de 10 dias a que alude o art. 214.º do CIRE, conclusos os autos, foi proferida decisão que recusou a homologação do plano de insolvência apresentado pela devedora/insolvente.


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Inconformada com tal decisão, interpôs a devedora/insolvente o presente recurso, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que proceda à homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1) A Requerente apresentou plano de insolvência que, não prevê qualquer redução de capital, juros, coimas ou custas dos créditos da Administração Tributária;

2) O plano foi votado e aprovado em assembleia de credores;

3) Tal plano apenas derroga a Lei Geral Tributária e o CPPT quanto aos prazos de pagamento;

4) Contudo já tinha em curso acordos de pagamento com garantias e prazos associados, em que os sócios da insolvente estão adstritos.

5) Não existem motivos para a não homologação oficiosa do Tribunal a quo. Aliás,

6) O incumprimento a existir é de fácil harmonização com as exigências da Administração Tributária, apenas, consiste na harmonização do prazo de pagamento de tais créditos contemplados com capital, juros, coimas e, multas.

7) A insolvente pretende dar observância e, cumprimento às condições cumulativas exigidas pelo M.ºP.º

8) O Tribunal, a quo, no fez uma correcta interpretação e, aplicação das normas legais previstas nos art. 97.º; 194.º; 195.º, 209.º; 212.º e 215.º do CIRE.

Não foi apresentada qualquer resposta.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


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II – Fundamentação de Facto

Foi pela devedora/insolvente proposto, em termos de pagamento de créditos, o seguinte:


Plano de Amortização do Passivo

Conforme enunciado na síntese, o valor em dívida total apurado ascende a 258.852,40€, que engloba todos os passivos em mora até à data incluídos no Processo de Insolvência e os ainda não reclamados. O plano de recuperação que aqui apresenta propõe a sua liquidação em 10 anos, iniciando a sua amortização em Agosto de 2012.

Assim temos a seguinte estrutura de amortização da dívida, com amortizações constantes de 2.396,78€, que serão amortizadas a cada credor na proporção do montante em dívida apurado


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III – Fundamentação de Direito

Entendeu-se, na decisão recorrida, que o legislador, com os art. 123.º e 125.º da Lei do Orçamento de 2011 (Lei n.º 55-A/2010, de 31-12), pretendeu intervir sobre os “planos de insolvência” que encerrem uma redução ou um perdão de créditos tributários; que o sentido útil de tal intervenção legislativa é o de enfatizar a natureza indisponível dos créditos tributários, indisponibilidade que se mantém mesmo perante a legislação especial contida no CIRE; e, representando o plano de insolvência, proposto e aprovado no caso sub-judice, uma redução dos juros e uma modificação dos prazos de pagamento dos créditos de impostos da Fazenda Nacional e dos créditos da Segurança Social, não se homologou – por compreender a violação de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza – o plano de insolvência apresentado nos autos pela devedora/insolvente.

Concorda-se, desde já se antecipa, com o decidido.

Ao “plano de insolvência” – convenção ou negócio jurídico próprio do direito da insolvência, previsto no título IX do CIRE – atribuiu o legislador a força jurídica especial de afectar os direitos dos credores; uma vez que se pode através dele impor aos credores – aparentemente a todos os credores, com excepção das entidades referidas no art. 196.º/2 do CIRE (em que se incluem o BCE e os Bancos Centrais dos Estados membros) – uma compressão generalizada das suas faculdades típicas.

Significa isto – a referida “compressão” e por outro lado não constarem os créditos do Estado, das Instituições de Segurança Social e de outras entidades públicas sujeitas a regimes especiais da expressa ressalva constante do referido art. 196.º/2 do CIRE – que de imediato se problematizou a questão da sujeição ou não do plano de insolvência à regra da “indisponibilidade” dos créditos tributários (constante dos art. 30.º/2, 36.º/2 e 3 da LGT e 196.º do CPPT); ou seja, em poucas palavras, de imediato se discutiu se as dívidas fiscais e as dívidas à segurança social podem ser ou não comprimidas pelo plano de insolvência, pese embora a referida regra da indisponibilidade, sem o respectivo acordo do Estado ou da Segurança Social.

Questão em que o STJ, maioritariamente, se inclinou no sentido afirmativo[1], ou seja, no sentido de ser possível a compressão; para o que se argumentou não existir, no caso do plano de insolvência prever perdões, reduções ou moratórias no pagamento das dívidas fiscais e da segurança social, violação das normas fiscais imperativas por vontade das partes ou dos credores, mas sim a necessidade de observar um regime especial criado pelo próprio legislador (em ordem a consagrar a igualdade de tratamento para todos os credores do insolvente e em que a lei prevê a possibilidade de os créditos do Estado serem despojados de privilégios, mesmo sem a sua aquiescência, inexistindo também, por isso, violação de qualquer princípio constitucional, nomeadamente o estabelecido no art. 103.º/2 do CRP), sendo, por isso legítimas, no âmbito do plano de insolvência, quaisquer alterações aos créditos do Estado ou da Segurança Social mesmo sem o consentimento destes.

É neste encadeamento que têm que ser situados e lidos os art. 123.º e 125.º da Lei do Orçamento de 2011[2] (Lei n.º 55-A/2010, de 31-12), que no fundo e em poucas palavras – concorde-se ou discorde-se – vêm dizer que a regra geral tributária constante do art. 30.º/2 – que estabelece a indisponibilidade do crédito tributário e que diz que só no respeito pelos princípios da igualdade e da legalidade tributárias o mesmo poderá ser comprimido – não é alterável por uma qualquer legislação ou regime especial.

Mais, para que não haja lugar a dúvidas – ou veleidades interpretativas – até se “blindou” a prevalência da regra da indisponibilidade da lei geral tributária sobre qualquer legislação especial com a introdução duma disposição transitória em que como que se “advertiu” o intérprete para a aplicação/observância de tal prevalência nos processos de insolvência, o mesmo é dizer, na homologação do plano de insolvência.

Enfim, embora bastante pertinentes vários dos argumentos expostos no Ac. da Relação de Guimarães de 18/10/2011[3] transcrito pela recorrente – efectivamente, não se alcança o mérito do Estado/legislador que impõe aos particulares um regime de excepção, obrigando-os a um plano de insolvência que inclui o perdão ou a redução dos seus créditos, sem ou contra o seu acordo, e que ao mesmo tempo se “abstém de contribuir para a prossecução dos fins que visou atingir com o processo de insolvência, mantendo intocáveis os seus créditos e impondo aos demais credores todo o esforço de recuperação do insolvente” – não padecendo a lei (neste caso, a Lei 55-A/2010) de patente inconstitucionalidade, impõe-se (cfr. 203.º da CRP e 4 do EMJ) conceder-lhe a pretendida aplicação e eficácia.

O que, no caso, como já se antecipou, conduz à não homologação do plano de insolvência proposto e aprovado.

Efectivamente, ao contrário do que a recorrente sustenta, o plano de insolvência proposto e aprovado contém, no que diz respeito ao pagamento de todos os créditos (aqui se incluindo, naturalmente, os créditos de impostos e de contribuições à Segurança Social), uma clara redução dos juros (os quais, desde logo, deixam de ser contabilizados no e para o montante total a pagar em 10 anos) e derroga, dilatando-os, os prazos de pagamento das obrigações tributárias[4].


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Em conclusão, improcede tudo o que a devedora/recorrente invocou e concluiu na sua alegação recursiva, o que determina o completo naufrágio do recurso e a confirmação do decidido na 1ª instância.

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IV – Decisão

Nos termos expostos, decide-se julgar totalmente improcedente a apelação e confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela massa.


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(Barateiro Martins - Relator)

 (Arlindo Oliveira)

 (Emídio Santos)



[1] Cfr. v. g. Ac. do STJ de 13/01/2009, 04/06/2009 e 02/03/2010, in DGSI

[2] Passando o art. 30.º da LGT a ter a seguinte redacção:

Objecto da relação jurídica tributária

1 - Integram a relação jurídica tributária:

a) O crédito e a dívida tributários;

b) O direito a prestações acessórias de qualquer natureza e o correspondente dever ou sujeição;

c) O direito à dedução, reembolso ou restituição do imposto;

d) O direito a juros compensatórios;

e) O direito a juros indemnizatórios.

2 - O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária.

3 - O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial.

Tendo o n.º 3 sido aditado pelo art. 123.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro.

Lei que também aditou, pelo art. 125.º, a seguinte disposição transitória.

O n.º 3 do artigo 30.º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, sem prejuízo da prevalência dos privilégios creditórios dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho sobre quaisquer outros créditos.
[3] In CJ, Tomo IV, ano 2011, pág. 279/82.

[4] Isto é das dívidas de impostos e das dívidas à segurança social. Dívidas/contribuições à segurança social que são comummente classificados como tributos ou receitas parafiscais – o mesmo é dizer, mais singelamente, impostos – estando expressamente referidos no art. 3.º da LGT e 148.º/1/ do CPPT; LGT e CPPT cujas respectivas disposições são assim aplicáveis às contribuições para a segurança social se e onde não houver disposição especial.