Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1837/10.8TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: TESTAMENTO
CLÁUSULA MODAL
CONDIÇÃO SUSPENSIVA
Data do Acordão: 02/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 270.º; 2030.º; 2187.º, N.º 2 ; 2229.º; 2244.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. Numa fórmula resumida pode dizer-se que a distinção entre o negócio sob condição suspensiva e o negócio “sub modo” reside em que o primeiro só produz os seus efeitos uma vez verificada a condição, enquanto o segundo os produz de imediato. Por isso se diz que “a condição suspende mas não obriga, quando é certo que o modo obriga mas não suspende”.

2. Quando da interpretação dos factos se colhe que a disposição mediante a qual se estipula que os efeitos do testamento de imediato produzidos tinham apenas como imposição que em certas circunstâncias o beneficiário praticasse determinado facto nela descrito, então não ocorreu a aposição de uma condição em sentido próprio, mas de um encargo ou modo, traduzindo-se este num certo comportamento positivo do beneficiado (composto por uma específica conduta a preencher por este já como herdeiro de pleno direito).

3. Na averiguação do exacto alcance do testamento, deve o intérprete (e o tribunal) guiar-se pela vontade real do testador, tendo em conta o sentido peculiar da sua linguagem e expressões; pelo confronto de todo o contexto do documento; pela prova complementar que se venha a fazer; e pela letra do próprio testamento, como limite a essa prova.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A....e B....intentaram no 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco uma acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra C...., pedindo:

- Seja reconhecida a validade e eficácia do testamento outorgado por D....em 15.12.2009 no Cartório Notarial de Castelo Branco;

 - Sejam declarados nulos e de nenhum efeito os registos efectuados a favor da Ré dos prédios descritos em 41º da petição inicial, em ordem ao respectivo cancelamento.

Para tanto, alegam que tendo o aludido D....falecido em 17.08.2010, outorgou o mesmo um testamento pelo qual instituiu vários legatários, sendo que nele também nomeou herdeira do remanescente dos seus bens a “associação a constituir” com a denominação Lar S (...), com sede na (...), (...), Castelo Branco, desde que tal herdeira lhe prestasse toda a assistência de que necessitasse enquanto vivo; que embora o A (...), ora 1ª Autora, tivesse já então iniciado a construção do edifício onde se instalaria o LAR S (...), sempre se disponibilizou a prestar ao testador todos os cuidados e assistência que este solicitasse, o que aconteceu esporadicamente; a 2ª A. B....foi efectivamente constituída em 18.10.2010 por não ter sido autorizada a denominação LAR S (...); com a concretização da prestação de cuidados ao falecido D....e da construção do aludido Lar, estão preenchidos os factos requeridos pelo testador; a Ré foi habilitada como única herdeira legítima do aludido D....sob a falsa invocação do não cumprimento da condição imposta no testamento; com base nessa habilitação procedeu a Ré ao registo em seu nome da aquisição por via hereditária dos bens que eram pertença do falecido; estes registos são nulos porque são suportados por um título que não é válido.

Citada, contestou a Ré, excepcionando a ilegitimidade da 1º A. A (...), visto esta já existir à data do testamento, e o testador, sabendo-o, não a ter logo instituído sua herdeira; a falta de capacidade sucessória da 2ª A. B (...), uma vez que só veio a constituir-se após a morte do testador; assim não se entendendo, aduziu a Ré que, pelo menos, não foi cumprida a condição estabelecida no testamento, pois não só a “associação a constituir” nunca se constituiu em vida do testador, como nunca ela lhe prestou a requerida assistência em vida, cuidados que sempre foram exclusivamente prestados pelo Lar de AL (...), onde, de resto, o mesmo viria a falecer.

Termina com a procedência da excepção de ilegitimidade da 1ª A. e, de qualquer modo, com a improcedência de todos os pedidos formulados, com a invalidade da habilitação da 2ª A.

Replicaram as associações AA., refutando a excepção aduzida, reiterando a factualidade já explicitada na petição inicial, e concluindo da mesma forma.

Após no saneador ter sida dirimida a excepção de ilegitimidade da 1ª A., declarando-se a mesma parte legítima,[1] foi a final proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente por parcialmente provada, julgando-se válido o testamento efectuado por D....em 15.12.2009 e absolvendo-se a Ré do demais peticionado.

Inconformados, deste veredicto recorreram as AA. (A…) e (B….), recurso admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos, e efeito meramente devolutivo.

Colhidos os vistos cumpre decidir.             

                                                                                  *

A apelação.

Não obstante as extensíssimas conclusões com que as apelantes culminam as respectivas alegações, é possível sintetizar as questões nelas afloradas do seguinte modo:

1º - A relativa à alteração da decisão sobre a matéria de facto – respostas aos nºs 10, 19, 20, 21, 22, 27, 28, 29, 30 e 31 da b.i..

2º- A de saber se o testamento contem uma ou mais cláusulas modais ou uma ou mais condições.

3º- A atinente à interpretação do sentido da vontade do testador na estipulação de que instituía herdeira do remanescente de todos os seus bens a associação a constituir - por ele identificada - com a condição de a mesma lhe prestar toda a assistência que necessitasse.

A apelada contra-alegou, pugnando pela confirmação integral da sentença recorrida.

1ª questão: a alteração da decisão sobre a matéria de facto.

(……)

2ª questão: a qualificação como condição ou cláusula modal da disposição aludida em D da matéria assente e 4 dos factos provados.

Joga-se nesta questão a interpretação do conteúdo do testamento na parte em que o testador D (...) declara:

““Que institui herdeira do remanescente de todos os seus bens, a associação a constituir, que vai adoptar a denominação “LAR S (...)”, com sede na (...), freguesia de (...), concelho de Castelo Branco, com a condição de essa instituição lhe prestar toda a assistência de que necessitar enquanto for vivo, nomeadamente alojamento, alimentação, vestuário e cuidados médicos”.

Sem tomar posição sobre a natureza do instituição – que é efectivamente de herdeiro e não de legatário, face ao critério resultante do art.º 2030, nº 3, do CC e à não especificação dos bens – entendeu a sentença que com a disposição citada estava o testador a impor uma dupla condição.

Com efeito, após invocar o disposto no art.º 2229 do Código Civil – normativo em que se estabelece que “o testador pode sujeitar a instituição de herdeiro ou a nomeação de legatário a condição suspensiva ou resolutiva com as limitações dos artigos seguinte”, de forma que, nos termos dos art.ºs 270 e seguintes do mesmo diploma, também no negócio jurídico unilateral que é o testamento é possível subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos respectivos efeitos jurídicos (condição suspensiva) – a sentença recorrida veio a extrair a seguinte conclusão:

“… parece-nos claro que o testador pretendeu deixar os seus bem a uma associação, que não estava constituída à data da outorga do testamento, mas que deveria ser constituída ainda em vida daquele, de forma a poder prestar-lhe todos os referidos cuidados diários e nocturnos de forma a que pudesse passar a residir em (...). E só se essa condição (ou melhor dizendo condições): 1.º constituição em vida do testador da associação, 2.º prestação de toda a assistência ao de cujus, nomeadamente alojamento, alimentação, vestuário e cuidados médicos, de que aquele necessitasse enquanto fosse vivo) fosse cumprida é que dita Associação seria beneficiada com o remanescente dos bens do testador.

Ao invés, não era vontade do testador fazer depender a constituição dessa associação da afectação à mesma do seu património hereditário, situação em que, naturalmente, a associação só poderia ser constituída depois do decesso do testador, até porque, aquando da outorga do testamento pelo Sr. (D….), as obras do lar que viria a pertencer à associação a constituir já tinham sido iniciadas pelo (A…) (que, como vimos já, o testador não pretendeu beneficiar com o seu testamento), obra essa que ainda hoje decorre”.

Divergem as recorrentes deste enquadramento, uma vez que sustentam que a disposição em apreço constituiria antes um modus, ou seja, um encargo, e não uma verdadeira condição (única ou dupla).

Esta visão diferenciada da aludida disposição tem uma decisiva consequência: se a qualificação for de condição (suspensiva), a sua não verificação acarretaria em qualquer situação a volatilização da designação, que não surtiria qualquer efeito (art.ºs 2229 e 270 do CC); se for de encargo o enquadramento por que se opte, exigir-se-ia para o seu eventual incumprimento que, como é lógico, o testador sobrevivesse à constituição da associação instituída herdeira.

Vejamos.

Preceitua o art.º 2244 do Código Civil que “tanto a instituição de herdeiro como a nomeação de legatário podem ser sujeitas a encargos”.

A imposição de um encargo a uma liberalidade, que é, tal como a condição, uma cláusula acessória típica, integra a chamada cláusula modal, pois modera, isto é, limita, a liberalidade pura.

Num determinado negócio pode ser preciso discernir entre o que é condição e o que é simples cláusula modal.

Numa fórmula resumida e mais apreensível, pode dizer-se que a distinção entre o negócio sob condição suspensiva e o negócio sub modo reside em que o primeiro só produz os seus efeitos uma vez verificada a condição, enquanto o segundo os produz de imediato. Por isso se diz que “a condição suspende mas não obriga, quando é certo que o modo obriga mas não suspende”[2].

Notar-se-á, porém, que, ao lado das condições casuais, que são aquelas em que o evento condicionante é estranho à vontade das partes, consistindo num acontecimento natural ou num acto de terceiro, acham-se também as chamadas condições potestativas, que são aquelas em que o evento condicionante é um acto de uma das partes, tanto podendo ser do credor ( dizendo-se então a parte creditoris) como do devedor (dizendo-se agora a parte debitoris). [3]

Adverte, no entanto, a doutrina que é ténue a linha que marca a fronteira entre a condição, especialmente a potestativa, e o modo, porquanto “por vezes há dificuldade em distinguir no caso concreto se estamos em face de uma condição ou dum simples modo”, de tal sorte que “a questão há-de resolver-se com as particularidades da espécie e as regras da interpretação.” [4]

Ora, no caso vertente – dissentindo da sentença – afigura-se-nos que, quer no tocante à constituição da futura associação em vida do testador – que, afinal, ou seja, diante da factualidade que se teve como definitivamente provada, não se mostra efectivamente imposta no testamento – quer no que toca à obrigação de a mesma vir a prestar toda a assistência de que o testador necessitasse, não se evidencia a vontade do testador D....de considerar a associação que se deveria designar como Lar de S (...) como herdeira do remanescente dos seus bens apenas se esta lhe viesse a prestar os cuidados por ele discriminados (por se constituir ainda em sua vida).

É que, por um lado, está provado - cfr. o facto provado em 30 - que as obras do lar estavam apenas iniciadas na altura do testamento (e que continuavam por acabar à data do decesso do testador), pelo que não poderia o falecido D....ignorar a forte possibilidade de a associação e o lar que queria contemplar não virem a funcionar a tempo de lhe prestarem os cuidados de que carecesse.

Por outro lado, também se demonstrou – cfr. os factos provados em 44 e 44-A – que o testador quis afastar a Ré da sua sucessão. O que só pode querer dizer que não encarou outra sucessora que não a associação que designou.

À luz desta materialidade, não se pode, portanto, afirmar que estamos em presença da vontade do testador em instituir condicionalmente a referida associação como sua herdeira, transferindo sub conditione para momento ulterior a produção dos efeitos respectivos. Antes propendemos para a interpretação de que o mesmo quis designar logo a associação como sua herdeira, embora sob a presença de uma mera adstrição a um determinado encargo, seja este tomado como um encargo puro ou dependente de certos pressupostos (necessidade do testador e prestação dos cuidados pela associação).

Em suma, do que realmente se trata é de uma disposição mediante a qual se estipula que os efeitos do testamento de imediato produzidos tinham apenas como imposição que em certas circunstâncias o beneficiário praticasse determinado facto nela descrito. Não ocorreu, por conseguinte, a aposição de uma condição em sentido próprio, mas de um encargo ou modo, traduzindo-se este num certo comportamento positivo do beneficiado (composto por uma específica conduta a preencher por este já como herdeiro de pleno direito).

3ª questão: A interpretação do testamento no que concerne à vontade do testador com a disposição aludida em 4 dos factos provados.

 

Considerou – e bem, neste aspecto - a decisão ora sob censura que, na averiguação do exacto alcance testamento, deve o intérprete (e o tribunal) guiar-se pela vontade real do testador, tendo em conta o sentido peculiar da sua linguagem e expressões; pelo confronto de todo o contexto do documento; pela prova complementar que se venha a fazer; e pela letra do próprio testamento, como limite a essa prova.

Quanto a estas duas últimas coordenadas, há, na verdade, que nunca perder de vista o que dispõe o nº 2 do art.º 2187 do CC, preceito que determina que a prova complementar não pode conduzir a um resultado não tenha uma correspondência ou um apoio literal mínimo no testamento, ainda que imperfeitamente expresso.

A partir destas premissas acabou a sentença por confluir em que, perante a demonstração de que a B....se constituiu após a morte do testador, haveria que concluir “pela não verificação da condição ou condições impostas na deixa testamentária”.    

Esta construção da 1ª instância – que, todavia, como se viu, não subscrevemos - baseou-se no que então constava dos nºs 49, 50 e 51 do acervo fáctico, em que ficara consignado que:

49. Era vontade do Sr. (D…..), ao inserir a disposição transcrita em 4. no seu testamento de dia 15.12.2009, a de que a “associação a constituir”, ali mencionada, fosse efectivamente constituída em sua vida, para que lhe pudesse prestar a assistência de que ele necessitasse.

50. E caso tal sucedesse, então ela seria contemplada com o remanescente da sua herança.

51. Para que dessa forma ele pudesse ir viver para os (...), onde nasceu.

Sucede que estes pontos foram eliminados daquele acervo pela procedência da impugnação da decisão de facto nesse segmento.

E foi ainda acrescentado estoutro:

            43-A (resposta ao nº 19 da b.i.) Não foi vontade do testador que a Associação aludida no testamento fosse necessariamente constituída enquanto ele fosse vivo.

Isto é, aquilo que para a sentença foi tido como factualidade que integrava uma das duas condições – de natureza obviamente suspensiva – da qual dependeria a eficácia do testamento, ficou inequivocamente arredado da materialidade desta acção.

Por conseguinte, pensamos ser insofismável que o legislador não pretendeu afastar ou excluir a instituição da referida associação como sua herdeira mesmo na hipótese de ela não se constituir em sua vida.

E também se nos apresenta como seguro que a quis designar para o caso de ela se constituir em momento ulterior ao da sua morte ou da abertura da sua sucessão (art.º 2031 do CC), até porque houve a intenção de obstar à sucessão da Ré, como a sua única herdeira legítima.

  

Coloca-se aqui o problema de saber se a associação em causa – a associação LAR S (...) – podia adquirir a qualidade da herdeira do testador, não obstante só se ter constituído em 18 de Outubro de 2010, ou seja, cerca de 10 meses após o falecimento do seu benemérito.

A resposta a esta questão é positiva.

O problema é de capacidade sucessória passiva e não é cristalinamente solucionado pelo nº 2 do art.º 2033 do C. Civil.

Reza este art.º 2033:

“1. Têm capacidade sucessória, além do Estado, todas as pessoas nascidas ou concebidas ao tempo da abertura da sucessão, não exceptuadas por lei.

2. Na sucessão testamentária ou contratual têm ainda capacidade:

a) Os nascituros não concebidos, que sejam filhos de pessoa determinada, viva ao tempo da abertura da sucessão;

b) As pessoas colectivas e as sociedades”.

Aparentemente o nº 2 do artigo contem uma excepção à regra de que só tem capacidade sucessória quem dispõe de personalidade jurídica.

Assim é efectivamente, pois como adverte o Prof. Oliveira Ascensão[5], o que aí se visa é a capacidade em sentido amplo, que vai muito para além da que se confina ao conceito técnico-jurídico: “aqui [no art.º 2033] só se refere a susceptibilidade de se ser beneficiário de uma designação, como operação intelectual, e não uma qualidade de uma pessoa”.

Tem-se entendido – mais frequentemente a propósito das fundações – que é admissível o benefício de pessoa colectiva ainda não existente à data da abertura da sucessão.

O que se passa é que o chamamento se transfere para momento posterior ao da abertura.

Citando ainda o Prof. Oliveira Ascensão[6]: “A pessoa colectiva é, pois, verdadeiramente chamada à sucessão. O que acontece é que por ser inexistente à data da abertura da sucessão ela só é chamada em momento posterior. A ordem jurídica fez coincidir o reconhecimento e, portanto, a constituição da pessoa colectiva, o chamamento e a aceitação.”

Destarte, nenhuma reserva subsiste sobre a possibilidade de a associação 2ª A. (A….), apesar de constituída depois da morte de D (...), ser chamada a suceder-lhe como herdeira testamentária.

Sintetizando:       

A interpretação a efectuar do trecho do testamento que está transcrito em 4 dos factos provados, à luz das regras estabelecidas no art.º 2187 do CC, já acima aludido, isto é, tendo em atenção a letra e contexto do documento e a prova complementar que foi realizada, permite delinear deste modo a vontade do falecido D (...):

Quis o testador afastar da sua sucessão a Ré, como sua herdeira legítima;

Para além dos legados que designou, quis instituir herdeira do remanescente dos seus bens a associação LAR DE S (...), quer esta se constituísse ou não em vida dele;

Constituindo-se essa associação em vida do testador, e necessitando ele de assistência, nomeadamente alojamento, alimentação ou cuidados médicos, teria a mesma que lhe prestar toda a assistência que necessitasse.

Não se constituindo tal associação em vida do testador, desaparecia naturalmente este encargo, mas ainda assim adquiriria a dita associação a qualidade de herdeira se e logo que se viesse a constituir.   

Do que dito fica deflui ainda que só a 2ª A. (B….) pode ver julgado procedente o pedido de declaração de validade e eficácia do testamento de 15.12.2009, com a impugnação da escritura de habilitação de herdeiros a favor da Ré e cancelamento dos registos por esta efectuados com base nesse documento.

Estão, assim, votados ao insucesso os pedidos no que diz respeito à associação 1ª A. (A…..): na verdade, apesar de no saneador ter sido expressamente apreciada e declarada, com trânsito, a respectiva legitimidade, certo é que esta A. não é a herdeira instituída [7](porque já estava constituída na data do testamento e não correspondia à designação do testador), pelo que nenhuma utilidade lhe advém da procedência da acção. Daí que, quanto a ela, a Ré tenha de ser absolvida dos pedidos.

A nulidade da habilitação de herdeiros outorgada a favor da Ré será decorrência necessária da declaração de validade e eficácia da designação da 2ª A. como herdeira do remanescente dos bens do falecido D (...), que se acha contida no testamento de 15.12.2009.

Em suma, o recurso procede e a decisão recorrida não pode ser mantida tal como foi prolatada.

Pelo exposto, na procedência da apelação, revogam em parte a sentença e, em função disso, julgam a acção:

 

A – Improcedente por não provada relativamente à 1ª A. (A…) absolvendo-se a Ré dos pedidos por ela formulados;

B – Procedente por provada relativamente à 2ª A. Associação (B….), pelo que condenam a Ré a ver declarada a validade e eficácia do testamento aludido em 2, 3 e 4 dos factos provados, e, nomeadamente, a reconhecer a referida 2ª A. como única herdeira aí instituída do remanescente dos bens do falecido (D….), ordenando-se o cancelamento de todos os registos de aquisição de imóveis lavrados a favor da Ré com base na escritura de habilitação de herdeiros a que se reporta o nº 11 dos factos provados.

Custas em ambas as instâncias na proporção de ¼ para a 1ª Autora e ¾ para a Ré.

                                   Freitas Neto (Relator)

                                    Carlos Barreira

                                    Barateiro Martins


[1] Desta decisão não veio a ser interposto qualquer recurso pela Ré, parte para quem ela era desfavorável, o que implicou o seu trânsito em julgado.
[2] Manuel de Andrade, Teoria Geral, 1972,V. II, p. 394.
[3] Autor, ob., ed. e vol. citados, p. 367-368. São também mencionadas condições mistas, em que há uma intervenção do devedor ou do credor e um acontecimento independente da vontade de ambos.
[4] A., ob.. ed. e vol. citados, p.394.
[5] Direito Civil, Sucessões, 4ª ed., Coimbra Ed., p.144 e seguintes.
[6] Pág. 146.
[7] É incompatível com a letra do testamento (art.º 2187, nº 2 do CC) defender que o testador quis designar como herdeiro do remanescente do dos seus bens uma associação já constituída.