Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1433/23.0T8CTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
INDICAÇÃO DOS FACTOS IMPUGNADOS NAS CONCLUSÕES DO RECURSO
ALTERAÇÃO OFICIOSA DA MATÉRIA DE FACTO
DOCUMENTO AUTENTICADO
TÍTULO EXECUTIVO
TERMO DE AUTENTICAÇÃO NOTARIAL
REQUISITOS
NULIDADE
Data do Acordão: 03/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – CASTELO BRANCO – JUÍZO CENTRAL CÍVEL – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 640º Nº1 ALS. A) E B), 662.º, N.º 1 E 703.º, N.º 1, AL. B) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
ARTIGO 46º, Nº1, AL. E), E 70.º DO CÓDIGO DO NOTARIADO - DL N.º 207/95, DE 14 DE AGOSTO
Sumário: I - A nulidade por excesso de pronúncia apenas emerge se o juiz decide para além das questões – rectius do pedido e causa de pedir – colocados pelas partes, e não quando invoca razões ou fundamentos, máxime jurídicos, não coincidentes com os dos litigantes, desde que se mantenha dentro do thema decidendum e do módulo jurídico por estes delineado.

II - Se o embargante invoca a inexistência/invalidade do título executivo consistente em documento particular autenticado, e o tribunal conclui pela mesma por preterição de formalidades notariais, a decisão pode ser ilegal, mas não é nula por excesso de pronúncia.

III - Sob pena de rejeição liminar, a impugnação da decisão da matéria de facto exige, no mínimo, a indicação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que se pretendem ver provados e não provados e o teor da decisão pretendida – artº 640º nº1 als. a) e b) do CPC.

IV – Porém, quer haja ou não haja impugnação da matéria de facto ao abrigo do artº 640º, sempre a Relação deve alterar a mesma oficiosamente ao abrigo do artº 662º nº1 do CPC.

V - A não menção no termo de autenticação, em caso de representação, que foram verificados os poderes necessários para o ato – artº 46º nº1 al. e) do Código do Notariado – não acarreta a nulidade de tal termo, pois que tal omissão não consta no lote dos casos taxativamente previstos no seu artº 70º que acarretam tal vício.

VI - Estamos assim perante uma mera irregularidade que não retira validade e eficácia ao termo de autenticação, podendo pois o instrumento a que se reporta – confissão de dívida - , assumir a qualidade de título executivo com exequibilidade extrínseca – artº 703º nº1 al. b) do CPC.

VII – Constituindo o titulo executivo uma confissão de dívida, e não ilidindo a oponente executada a presunção da existência da obrigação dela dimanante, como decorre do artº 458º do CC - antes se provando o empréstimo invocado pela exequente -, ele assume exequibilidade intrínseca e a prestação é devida.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Relator: Carlos Moreira
Adjuntos: Fernando Monteiro
João Moreira do Carmo

*

ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

A..., LDA., deduziu oposição à execução ordinária que lhe foi  movida por AA.

Pediu:

A  extinção da Instância por falta de procuração forense outorgada pela Exequente.

Determinar-se a inexistência de título executivo porquanto a deliberação que esteve na origem da sua formação é nula e falsa.

Determinar-se que o termo de autenticação é nulo e falso porquanto na sua feitura se junta a ata da sociedade nula.

Determinar-se a não existência do empréstimo.

Determinar-se a nulidade do mútuo por falta de escritura publica.

Declarar-se a suspensão da execução por inexigibilidade da obrigação – artº 733º nº1 al. c) do CPC.

Para tanto, alegou em síntese:

A sociedade executada não pediu qualquer empréstimo à exequente.

Na assembleia na qual se deliberou que a Executada se confessasse devedora da quantia exequenda não estavam presentes todos os sócios (não constando tal assunto da ordem dos trabalhos, nem havendo convocatória, o que implica a verificação da nulidade prevista no art. 56.º, n.º 1, alínea a), do CSC, que se alastra ao título executivo.

Assim, está a confissão de dívida bem como a autenticação de documento particular, inquinadas de nulidade.

O que acarreta a inexistência de título executivo.

Admite que as transferências dos documentos para a conta da sociedade tenham sido efetuadas por BB.

Mas nunca  da conta da exequente para a conta da sociedade executada.

Aquela nunca transferiu para a conta desta qualquer quantia.

Tendo a deliberação social na qual se acordou que a sociedade iria confessar-se devedora da Exequente sido um estratagema ardiloso entre BB e as filhas CC e DD, as quais pagaram, após instauração da execução, € 38.215,24 à Exequente.

A exequente/Embargada  contestou.

Pugnou pela improcedência da oposição à execução e pelo prosseguimento dos termos da execução até final.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«1) Julga-se totalmente procedentes os presentes embargos de executado deduzidos por A..., LDA., absolvendo-se a mesma da instância executiva e, em consequência, determina-se a extinção da execução de que estes autos constituem um apenso.

2) condena-se a Embargada AA nas custas processuais da presente oposição à execução, nos termos dos artigos 527.º do Código de Processo Civil e 7.º e tabela II do Regulamento das Custas Processuais.»

3.

Inconformada recorreu a exequente/oponida.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

i. Por Sentença datada de 04 de Novembro de 2024, viu o ora Recorrente, ali Embargada, ser proferida pelo douto Tribunal a quo, brevatatis causa e para o que lhe interessa, a seguinte decisão:

“1) Julga-se totalmente procedentes os presentes embargos de executado deduzidos por A..., LDA., absolvendo-se a mesma da instância executiva e, em consequência, determina-se a extinção da execução de que estes autos constituem um apenso.”

ii. Dando o tribunal como provado que em 2004 houve concessão de dinheiro da Exequente ao BB, dinheiro este que o mesmo utilizou na compra da máquina Timberjack, ou seja, em benefício da sociedade, (cfr. pág. 24 da sentença) e que dúvidas não há de que o dinheiro foi cedido pela Exequente à Executada – ou seja, € 65.000,00, certo é que, a final, foi um detalhe que ditou a procedência dos embargos, extinguindo a execução. 

iii. Numa minudência processual que nem as partes se lembraram de alegar, considera o Recorrente que a decisão recorrida enferma de:

Da nulidade da sentença por excesso de pronuncia (art.º 615.º, n.º 1, al. c) e d) do CPC);

Do erro notório da apreciação da prova – quanto à prova documental, uma vez que a decisão recorrida considera não existir título executivo pela preterição de formalidades.

 - DA NULIDADE DA SENTENÇA POR EXCESSO DE PRONUNCIA

iv. A nulidade por excesso de pronúncia, prevista no artigo 615º, nº 1, d), do CPC, não se reporta aos fundamentos considerados pelo tribunal para a prolação de decisão, nem aos argumentos esgrimidos, aferindo-se antes pelos limites da causa de pedir e do pedido.

v. Foram três as excepções que a embargante apresentou para que se determinasse a procedência dos embargos e a consequente extinção da execução:

 - termo de Autenticação é NULO e Falso porquanto na sua feitura se junta Ata da sociedade NULA;

- não existência de empréstimo à sociedade executada pela exequente

- a existência de qualquer Mutuo está ferida de Nulidade dado não ter sido realizada por escritura pública

vi. Estando, deste modo, o Tribunal vinculado a tais temáticas, definiu assim os temas da prova:

“V. FIXAÇÃO DOS TEMAS DA PROVA

Articulando o objecto do litígio com a matéria de facto alegada nos articulados, alinham-se como temas da prova1 os seguintes, tendo sempre por pressuposto a sua utilidade para a apreciação do objecto do litígio:

a) Da não existência do empréstimo de € 65.000,00 da Embargada à Embargante, resultante de acordo escrito datado de 14-10-2022, e para que esta tivesse liquidez e mantivesse a sua actividade comercial;

b) Da deliberação da sociedade Embargante para outorgar a confissão de dívida constante do requerimento executivo, e das circunstâncias atinentes ao processo de formação deliberativa;

c) Dos pagamentos feitos no decurso da acção executiva à Exequente;

 “(cfr.despacho saneador datado de 22.02.24)

vii. Tais temas da prova foram sendo dissecados um-a-um na fundamentação da sentença, através dos factos provados e não provados, e plasmando a realidade que iria de encontro à génese da execução.

viii. “Em síntese, com a aludida prova, fica assente que, em data não concretamente apurada, mas seguramente antes de 18-03-2024, a Exequente e o falecido marido EE declararam emprestar à sociedade A..., LDA, representado por BB, tendo aqueles transferido a quantia de € 65.000,00 para a conta n.º ...53 titulada por BB e por FF.” (pág. 27 da sentença, sublinhado nosso)

ix. “Já quanto ao facto não provado b), o que se verificou foi estarem duas versões em oposição, sendo certo que desde já se dirá que é uma conclusão completamente alienígena. Assim, no sentido da sua verificação concorreram as declarações de parte de GG e depoimento da testemunha HH. Quanto ao primeiro, o mesmo manifestou apenas sentimentos, não factos. Na sua perspectiva, tudo não passou de um plano maquiavélico do falecido pai e das irmãs para orquestrarem uma dívida e posteriormente lhe venderem a sociedade com a transmissão da dívida. (pág. 25 da sentença, sublinhado nosso)

x. Deixando vincado que,

“Naturalmente, o legal representante da Executada quis ignorar o teor de tais documentos, por tal lhe dar jeito, não oferecendo qualquer explicação em sentido contrário ao que deles resulta.

xi. Sendo, igualmente, lapidar que existiu documentação que prova tal empréstimo e que tais documentos são validos.

xii. aqui chegados, tudo se encaminhava para dar como cristalizados os temas da prova, através da, por vezes, dilacerante, fundamentação da sentença recorrida, secando o Tribunal a quo o peregrino entendimento da Embargante e da sua gerência.

xiii. Acontece que volvidas mais de três dezenas de páginas de fundamentação, concretamente na pág. 34, inicia assim a decisão rumo ao volte-face:

xiv. Reparou o julgador do Tribunal a quo que, pasme-se, a Sra. Solicitadora no acto de elaboração do termo de autenticação da acta, em que se assumia o empréstimo da Exequente à Executada, esqueceu-se de inscrever o n.º da certidão permanente comercial da empresa que, segundo a decisão recorrido, atesta a qualidade em que o legal representante actuava.

xv. “Compulsados os factos 1), 2) e 3), constata-se que em nenhum momento do instrumento notarial, seja na confissão de dívida seja no termo de autenticação, a solicitadora tenha mencionado que verificou os poderes necessários para o acto por parte do outorgante BB.”

xvi. Mas note-se, só no termo de autenticação, pois no documento dado à autenticação (cfr. fls 5 e 6) e que iria ser objecto de reconhecimento, já lá constava a menção estando, aliás, o sócio-gerente presente no acto notarial!

xvii. Quer isto dizer que in extremis, a decisão do Tribunal a quo não versou sobre o pedido e a causa de pedir de qualquer uma das partes; não recaiu sobre os embargos deduzidos pela embargante; não versou sobre qualquer tema da prova; recaiu, sim, sobre a preterição de uma formalidade, a qual não gerava qualquer nulidade, anulabilidade ou irregularidade da decisão e que NENHUMA DAS PARTES ALEGOU! xviii. Ou dito por outras palavras, o Tribunal a quo viu o que mais ninguém viu!

xix. O Tribunal a quo decidiu, indo para além do que estava vinculado e pronunciou-se sobre questões jurídicas de que não poderia legalmente conhecer.

 xx. Segundo jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. o sumário do acórdão de 29/11/2005 (proc. 05S2137): 2. O excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal conhece de questões que não tendo sido colocadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso.3. As questões não se confundem com os argumentos, as razões e motivações produzidas pelas partes para fazer valer as suas pretensões. 4. Questões, para efeito do disposto no n.º 2 do art. 660.º do CPC, não são aqueles argumentos e razões, mas sim e apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções». (sublinhado nosso)

xxi. A ausência da verificação dos poderes do então sócio-gerente da Embargante, não foi alegada por nenhuma das partes, estando estes, aliás, reconhecidos na acta que delibera o reconhecimento da divida.

xxii. Tal omissão de formalidade apenas viu a luz do dia graças à intromissão do decisor em matérias das quais não poderia conhecer, nem contendiam com a boa decisão da causa.

xxiii. Havendo, por conseguinte, um excesso de pronuncia do Tribunal a quo quanto à formalidade (preterida ou não), no termo de autenticação que deu razão à acção executiva movida.

- DO ERRO NOTÓRIO DE APRECIAÇÃO DA PROVA

xxiv. O erro na apreciação da prova, constitui um vício da decisão judicial que se distingue do erro de julgamento, porquanto no erro de julgamento o enfoque é a aplicação incorreta do direito ou a má interpretação da lei, o erro na apreciação da prova centra-se na incorreta valoração ou análise das provas apresentadas.

xxv. Eis a razão da discórdia: Ora, a este propósito, dispõe ainda o artigo 46.º, n.º 1, al. e), do Código do Notariado, que o instrumento notarial deve conter a menção das procurações e dos documentos relativos ao instrumento que justifiquem a qualidade de procurador e de representante, mencionando-se, nos casos de representação legal e orgânica, terem sido verificados os poderes necessários para o acto. (págs. 32 a 34 da Sentença, destacado nosso)

 xxvi. É este o formalismo a que se prende o Tribunal a quo, para eutanasiar o que já havia sido provado: O EMPRÉSTIMO DA EXEQUENTE À EXECUTADA

(Embargada e Embargante, respectivamente).

xxvii. Sempre se dirá, para que ecoe, que o documento dado à execução é um documento particular, assinado pela Embargada e por BB, à data sócio da Embargante.

xxviii. ambos estiveram presentes no acto da outorga do acordo.

xxix. Assistindo à autenticação de tal documento.

 xxx. Sendo inequívoco que BB era sócio da Embargante à data do reconhecimento da existência da divida.

xxxi. Aliás, disso ficou convencido o Tribunal a quo quando refere:

“(…) a Exequente e o falecido marido EE declararam emprestar à sociedade A..., LDA, representado por BB”

 xxxii. Sendo inequívoco que BB era sócio da Embargante à data do reconhecimento da existência

xxxiii. Até o tribunal a quo ficou absolutamente convencido que BB era à data sócio da Embargante!

xxxiv. Isto porque para dar como provado o facto 4. Necessitou de consulta a certidão comercial da sociedade junta aos autos:

“Quanto ao facto 4) relevou-se o teor da certidão do registo comercial da sociedade Executada junta a 21-06-2024 com a referência n.º 3633791.”

xxxv. Constatando através desta que, desde a criação da sociedade comercial em 2007 até 2023, altura em que a empresa foi transmitida para nova gerência, SEMPRE FOI - BB - O LEGAL REPRESENTANTE DA SOCIEDADE A..., LDA.

xxxvi. Não podia, portanto, ignorar o Tribunal que a formalidade se encontrava ultrapassada.

xxxvii. Havendo, por conseguinte, erro de julgamento.

xxxviii. Devendo, pelo exposto ser revogada a sentença recorrida.

Contra alegou a embargante, pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais:

I. Foi proferida douta sentença que julgou os embargos de executado totalmente procedentes, absolvendo a recorrida da instância executiva, determinando-se a extinção da execução.

II. A recorrente, não se conformando com a douta sentença proferida, veio arguir, em resumo, e do que se infere, o seguinte: - a nulidade a sentença por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC; e - a existência de erro notório na apreciação da prova – quanto à prova documental, uma vez que a decisão recorrida considera não existir título executivo pela preterição de formalidades.

III. Ora, ao contrário das alegações da recorrida, a decisão recorrida não merece qualquer reparo, no que toca à apreciação quanto à existência de título executivo, pelo que inexistiu qualquer tipo de nulidade da sentença, nem, tampouco, erro notório quanto à apreciação da prova documental que serviu de base para formular as suas conclusões quanto à existência de título executivo.

IV. Desde logo, atendendo ao disposto nos artigos 726.º, n.º 2, alínea a) e 734.º teria sempre o Tribunal a quo de conhecer oficiosamente das questões que poderiam influir sobre existência ou não de título executivo.

V. Nos termos do artigo 46.º, n.º 1, alínea e) do Código do Notariado o instrumento notarial tem que fazer menção às procurações e documentos relativos ao instrumento que justifiquem a qualidade de procurador e de representante, mencionando-se, nos casos de representação legal e orgânica, terem sido verificados os poderes necessários para o ato.

VI. No caso dos autos, conforme vislumbrado pelo Tribunal a quo, a Sra. Solicitadora não mencionou que procedeu à verificação dos poderes necessários para o ato de outorga do documento particular autenticado por parte do outorgante BB.

VII. “A autenticação de um documento particular efectuada por advogado estagiário (tem as mesmas competências que um solicitador – artigo 196.º, n.º 1, alínea a) do Estatuto da Ordem dos Advogados, acrescento nosso) é nula quando não contenha as formalidades previstas nas alíneas a) a n) do n.º 1 do artigo 46.º do Código do Notariado.” - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18 de janeiro de 2022, Processo n.º 1238/20.0T8ANS-A.C1, Relatora: Cristina Neves.

VIII. Sendo que a nulidade aqui invocada pode ser declarada oficiosamente pelo Tribunal – artigo 286.º do Código Civil.

IX. O não preenchimento dos requisitos legais dos documentos que, em abstrato, podem constituir título executivo, faz cair essa valência executória, sendo que a mesma tem que ser apreciada oficiosamente pelo Tribunal (sendo, aliás, fundamento para indeferimento liminar do requerimento executivo).

X. Inexistindo, destarte, a nulidade por excesso de pronúncia invocada pelo recorrente.

XI. Das conclusões apresentadas não se consegue compreender com clareza e rigor o fundamento específico do recurso quanto ao segundo tópico de arguição, porquanto o recorrente vem invocar a existência de erro notório de apreciação da prova, no entanto, remata a alegação com a pretensa existência de erro de julgamento, quando é o próprio que numa primeira fase faz uma destrinça entre o erro na apreciação da prova e erro de julgamento, invocando que existe um erro na apreciação da prova.

XII. Existe erro notório de apreciação da prova “quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida.”

XIII. “Existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis, como sucede quando o tribunal se afasta infundadamente do juízo dos peritos. Mas, quando a versão dada pelos factos provados é perfeitamente admissível, não se pode afirmar a verificação do referido erro”.

XIV. O recorrente não indica qual a matéria de facto dada como provada e como não provada que ingressa nesse erro notório de apreciação da prova, pelo que não se pode concluir que se verifica o aludido erro.

XV. O recorrente não indica qual a matéria de facto dada como provada e não provada que ingressa nesse erro notório de apreciação da prova, pelo que não se pode concluir que se verifica o aludido erro.

XVI. Existindo um défice de alegação e de descrição da matéria de facto provada e não provada, défice esse que mina, salvo melhor entendimento, a procedência do recurso quanto a essa parte.

XVII. Por seu turno, o erro de julgamento existe quando o Tribunal dá como provado um facto sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que devia ter sido julgado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova produzida, devia ter sido julgado provado.

XVIII. A alegação da recorrente é omissiva na descrição dos factos que o Tribunal deveria ter dado como provados e aqueles que deveria dar como não provados, o que prejudica, outrossim, por si só, a procedência do recurso nesta parte.

XIX. Não obstante, sempre se dirá que a prova documental junta e testemunhal produzida em sede de julgamento, ainda que hipoteticamente favoráveis ao recorrente, não serviriam como “condão” para suprir a preterição de formalismo inerente ao documento particular autenticado que “serviu” de título executivo.

XX. O vicio do documento não pode ser suprido em plena fase executivo e, por maioria de razão em sede de embargos de executado.

XXI. Pelo que não pode agora o recorrente invocar que a formalidade se encontra ultrapassada, com a confirmação pelo Tribunal a quo de que à data da outorga do reconhecimento da divida BB era sócio-gerente da executada.

SEM PRESCINDIR,

XXII. Conforme exposto no requerimento executivo e confirmado na sentença recorrida: “A Exequente alegou que o reconhecimento de dívida apresentado à execução resultava de um empréstimo de € 65.000,00, em 2022.”

XXIII. O Tribunal a quo esclareceu que: “o devedor/Embargante provou que não houve o empréstimo referido no requerimento executivo (…). O título não continha a causa de pedir (…). A Exequente alegou os factos constitutivos da relação causal.”

XXIV. Concluindo, destarte, que “a Embargante provou não ter existido tal empréstimo de 2022” e que “salta à visa a divergência entre a relação subjacente ou fundamental que justificaria a confissão (veja-se o que se referiu na motivação de facto – a haver empréstimo terá sido em 2004 e não em 2022) e aquela relação fundamental que no requerimento executivo foi apresentada como fonte do crédito exequendo”.

XXV. Pelo que inexistindo a causa de pedir invocada/relação fundamental invocada, “cai por terra” a obrigação exequenda.

XXVI. Essas conclusões resultam do facto provado no ponto 14) da douta sentença, sendo que cabia ao recorrente, nos termos do artigo 640.º, n.º 1 do CPC, impugnar tal factualidade, o que não fez.

XXVII. Como consta nos pontos 7) e 8) dos factos dados como provados, a Assembleia Geral extraordinária, do dia 10 de outubro de 2022, onde foi deliberado o reconhecimento de dívida no valor de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros) à recorrente, não foi previamente convocada, estando presentes apenas sócios que representavam 80% do capital da sociedade.

 XXVIII. Dispõe o artigo 54.º do CSC que: “1 - Podem os sócios, em qualquer tipo de sociedade, tomar deliberações unânimes por escrito, e bem assim reunir-se em assembleia geral, sem observância de formalidades prévias, desde que todos estejam presentes e todos manifestem a vontade de que a assembleia se constitua e delibere sobre determinado assunto.”

XXIX. Estatui o artigo 56.º, n.º 1, alínea a) do CSC que: 1 - São nulas as deliberações dos sócios: a) Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representado”.

XXX. Pelo que inexistem dúvidas que a deliberação constante da ata 36 é nula.

 XXXI. Nulidade essa que condiciona, na sua totalidade, a eficácia do negócio jurídico, pelo que o mesmo não produzirá quaisquer efeitos – artigo 294.º do Código Civil.

XXXII. Estando, destarte, o reconhecimento de dívida e a respetiva autenticação inquinados pelo mesmo vício, o que levaria, da mesma forma, à extinção da instância executiva.

XXXIII. Tudo concatenado, deve ser mantida a douta sentença por não padecer de qualquer vício e por subsumir idoneamente os factos dados como provados no Direito.


4.
Sendo que, por via de regra: artºs  635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas  são, lógica e metodologicamente,  as seguintes:

1ª –  Nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
2ª -  Erro notório na apreciação da prova/Alteração da decisão sobre a matéria de facto.
3ª-   Improcedência da oposição.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

Estatui o artº 615º nº1 al. d) do CPC:

1 - É nula a sentença quando:

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;


Este segmento normativo conexiona-se com o estatuído nos arts. 152º e 608º do mesmo diploma.
Ou seja, com o dever do juiz administrar a justiça proferindo despachos ou sentenças sobre as matérias pendentes – artº 152º.
E com a necessidade de o juiz dever conhecer das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica e de resolver todas as questões – e só estas questões, que não outras, salvo se de conhecimento oficioso - que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras –artº608º.
 Há decisão “ultra petitum” sempre que o julgador não confina o julgamento da questão controvertida ao pedido formulado pelo autor ou ao pedido reconvencional deduzido pelo réu e conhece, fora dos casos em que tal lhe é permitido “ex officio”, questão não submetida à sua apreciação.
Para que não se verifique tal vício terá de existir uma correspondência entre a pronúncia e a pretensão, isto é, a sentença não pode decidir para além do que está ínsito no pedido, nos termos formulados pelo demandante. Este princípio é válido quer para o conhecimento excessivo em termos quantitativos, quer por condenação em diverso objeto - excesso qualitativo – cfr. Ac. do STJ de 28.09.2006, p.06A2464, in  dgsi.pt.
Por outro lado e como é consabido e constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, não se devem confundir «questões» a decidir, com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes ou invocados pelo julgador.
Até porque, como é sabido, “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”  - art. 5.º, n.º 3 do CPC.
A estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas às pretensões formuladas e aos elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir –cfr. Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, 2005, p.228; Antunes Varela in RLJ, 122º,112 e, entre outros, Acs. do STJ de 24.02.99, BMJ, 484º,371 e de 19.02.04, dgsi.pt.
Efetivamente:
«O tribunal não tem…o dever de responder a todos os argumentos, tal como não se encontra inibido de usar argumentação diversa da utilizada pelas partes.
Assim, a nulidade por excesso de pronúncia [art. 615.º, n.º l, d)], sancionando a violação do estatuído na 2ª parte do nº 2 do art. 608.º, apenas se verifica quando o tribunal conheça de matéria situada para além das “questões temáticas centrais”, integrantes do thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e exceções.» - Ac. do STJ de 06.03.2024, p. 4553/21.1T8LSB.L1.S1.
Ou, por outras palavras ou noutra perspetiva ou nuance:
«Não se verifica a nulidade de acórdão com base em excesso de pronúncia …se, no âmbito da solução a dar à questão ou questões principais…, o julgador aborda uma questão de direito nova, instrumental a essa solução, já que, não estando sujeito às alegações das partes na sua tarefa de indagação, interpretação e aplicação de regras jurídicas, aquela abordagem se insere na oficiosidade quanto à matéria de direito …abrangida no comando amplo que o art. 5.º, n.º 3, do CPC confere à actuação do julgador. Neste caso, até pode o recorrente vencido estar em desacordo com a matéria jurídico-conclusiva em face da factualidade provada e não provada e entender que houve julgamento errado, mas tal não afecta o acórdão com um vício relativo aos limites da decisão (error in procedendo), que contamine a regularidade do silogismo judiciário que lhe é imanente.» - Ac. do STJ de 02.03.2021, p. 765/16.8T8AVR.P1.S1

In casu.

A recorrente, neste particular, insurge-se contra a decisão, dizendo que ela apontava num determinado sentido, e que, depois,  iniciou um «volte-face»:

xiv. Reparou o julgador do Tribunal a quo que, pasme-se, a Sra. Solicitadora no acto de elaboração do termo de autenticação da acta, em que se assumia o empréstimo da Exequente à Executada, esqueceu-se de inscrever o n.º da certidão permanente comercial da empresa que, segundo a decisão recorrido, atesta a qualidade em que o legal representante actuava.

xv. “Compulsados os factos 1), 2) e 3), constata-se que em nenhum momento do instrumento notarial, seja na confissão de dívida seja no termo de autenticação, a solicitadora tenha mencionado que verificou os poderes necessários para o acto por parte do outorgante BB.”

xvi. Mas note-se, só no termo de autenticação, pois no documento dado à autenticação (cfr. fls 5 e 6) e que iria ser objecto de reconhecimento, já lá constava a menção estando, aliás, o sócio-gerente presente no acto notarial!

xvii. Quer isto dizer que in extremis, a decisão do Tribunal a quo não versou sobre o pedido e a causa de pedir de qualquer uma das partes; não recaiu sobre os embargos deduzidos pela embargante; não versou sobre qualquer tema da prova; recaiu, sim, sobre a preterição de uma formalidade, a qual não gerava qualquer nulidade, anulabilidade ou irregularidade da decisão e que NENHUMA DAS PARTES ALEGOU!

xviii. Ou dito por outras palavras, o Tribunal a quo viu o que mais ninguém viu».

Porém, pelo que supra se expendeu, não lhe assiste razão.

A embargante pediu que se determinasse a inexistência de título executivo porquanto a deliberação que esteve na origem da sua formação é nula e falsa; bem como determinar-se que o termo de autenticação é nulo e falso porquanto na sua feitura se junta a ata da sociedade nula.

Efetivamente, a própria recorrente admite que:

«v. Foram três as excepções que a embargante apresentou para que se determinasse a procedência dos embargos e a consequente extinção da execução:

 - termo de Autenticação é NULO e Falso porquanto na sua feitura se junta Ata da sociedade NULA;

- não existência de empréstimo à sociedade executada pela exequente

- a existência de qualquer Mutuo está ferida de Nulidade dado não ter sido realizada por escritura pública»

(sublinhado nosso)

Ora a análise do tribunal na sentença, pelo menos a partir da pág. 29, centra-se na apreciação se existe, ou não, título executivo válido e eficaz.

Tendo concluído que, apresentado que foi como título executivo um documento particular autenticado – artº 703º nº1 al. b) do CPC -  impunha-se que a autenticação observasse as regras próprias do Código do Notariado.

E tendo concluído que não observou.

Pois que «em nenhum momento do instrumento notarial, seja na confissão de dívida seja no termo de autenticação, a solicitadora tenha mencionado que verificou os poderes necessários para o acto por parte do outorgante BB.

No mesmo apenas consta que na descrição do outorgante que o mesmo interveio na qualidade de sócio e gerente com poderes para o acto, mas não consta que tenham sido verificados tais poderes.

Mais ainda, nos documentos ditos verificados, não consta que tenha sido verificado qualquer documento idóneo a comprovar a existência dos aludidos poderes.

…a lei exige que se mencione que foram verificados os poderes necessários para o acto na representação legal e orgânica e tal não se encontra mencionado.

Assim, se a autenticação do documento particular de reconhecimento de dívida não obedeceu aos requisitos legalmente exigidos, não pode servir de base à acção executiva por não consubstanciar título passível de ser subsumido à al. b) do n.º 1 do artigo703.º do Código de Processo Civil.

O termo de autenticação deve ser lavrado em conformidade com os requisitos previstos nos artigos 46.º, 150.º e 151.º do Código de Notariado…

No caso, o título executivo não preencheu o requisito do artigo 46.º, n.º 1, al. e), por via do artigo 151.º, n.º 1, do Código do Notariado…

Pelo que inexiste titulo executivo bastante para a presente execução…»

Ora esta dilucidação não constitui excesso de pronúncia.

Primus porque ela se reporta à questão essencial dos embargos, qual seja: se existe, ou, principalmente, se não existe, título executivo, porque ele é nulo, nulidade esta também derivada do termo de autenticação.

Secundus porque tal análise é apenas de jaez jurídico.

E, como se viu, se esta dilucidação não extravasar o thema decidendum  - que no caso não extravasa -, o juiz não está espartilhado pelas razões de direito aduzidas pelas partes.

Tal como resulta do brocardo de jure novit curia, consagrado na nossa lei no artº 5º nº3 do CPC a saber:

« O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.»

Efetivamente:

« Incumbe ao tribunal proceder à qualificação jurídica que julgue adequada, nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do CPC, mas dentro da fronteira da factualidade alegada e provada e nos limites do efeito prático-jurídico pretendido…». – Ac. do STJ de 19.01.2017, p. 873/10.9T2AVR.P1.S1.

Aliás, devidamente interpretada esta irresignação da recorrente, o que ela contesta é a legalidade do decidido, pois que entende que, perante a lei e os factos provados, a decisão, mais do que formalmente inválida, é substantivamente ilegal e injusta.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.
Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.
O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.
Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.
Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.
Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.
Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.
Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.
Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.
O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.
E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.
Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.
Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:
«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010,, p. 73/2002.S1.  in dgsi.pt pt; e, ainda, Ac. STJ de 02-02-2022 - Revista n.º 1786/17.9T8PVZ.P1.S1.
5.2.2.
Por outro lado, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.
 A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.
Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova.
Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.
Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve o recorrente efetivar uma análise concreta, discriminada – por reporte de cada elemento probatório a cada facto probando - objetiva, crítica, logica e racional, do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.
 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida.
E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;
5.2.3.
Finalmente urge atentar no estatuído no artº 640º do CPC:
«1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;»
Assim:
«Para efeitos do disposto nos artigos  640º e 662º, nº1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir,  previstas nas alíneas a), b)  e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por  função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto.
E, por outro lado, a exigência da  indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada  na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um  ónus secundário, tendente a possibilitar  um acesso mais ou menos  facilitado aos meios de prova gravados relevantes  para a apreciação da impugnação deduzida.
Nesta conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c)  do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso…» - Ac. do STJ de  21.03.2019, p. 3683/16.6T8CBR.C1.S2.
A rejeição do recurso quanto à decisão de facto deve verificar-se, para além do mais, nas situações de falta «de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados», tal como de falta «de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação», constituindo, aliás, exigências que «devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.» - A . Geraldes  in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, ps. 126 /128.
(sublinhado nosso)
É esta, tanto quanto alcançamos, a posição jurisprudencial uniformizada, aliás no seguimento do entendimento da doutrina nesta matéria.
Assim:
«A rejeição do recurso de apelação a respeito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto apenas pode radicar, atendo-nos propriamente ao conteúdo das conclusões, na falta de especificação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados. Todos os demais elementos legalmente mencionados, em especial no art. 640.º, n.º 1, do CPC – especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados, menção sobre o sentido da decisão pretendido e indicação exacta das passagens da gravação em que o recurso de funda –, apenas se faz indispensavelmente mister que constem da motivação – corpo alegatório – de tal recurso.» - Ac. do STJ de 19.06.2019, p. 7439/16.8T8STB.E1.S1.
De notar que a falta da indicação dos pontos factuais impugnados nas conclusões não admite convite ao seu aperfeiçoamento- cfr. vg., Ac. do STJ S 27.10.2016, p. 110/08.6TTGDM.P2.S1 e Henrique Antunes, ob. e loc. cits.
5.2.4.
O caso decidendo.
5.2.4.1.
Apesar da recorrente alegar erro notório na apreciação da prova, o que inculcava a ideia que ela se insurgia contra a decisão sobre a matéria inadmissível de facto, pretendendo impugnar factos provados e/ou factos não provados, o certo é que no seguimento das suas alegações e na sua posição conclusiva, não cumpre minimamente os requisitos formais desta impugnação.
O que, como se viu, desde logo exigia a concreta indicação dos factos impugnados, a invocação  crítica dos concretos meios probatórios a eles reportados que impunham a alteração do seu teor e decisão diversa, e a indicação do concreto teor factual desta decisão.

Por conseguinte, esta pretensão, quedaria liminarmente inadmissível, sendo de  rejeitar nos termos legais do artº 640º do CPC.

Aliás, de tão indevidamente elaborada, fica a dúvida se ela existia, parecendo até que não.

 Na verdade, vista a alegação recursiva, verifica-se que a recorrente parece confundir o erro na decisão de facto -, rectius na fixação dos factos provados e não provados -  o qual ocorre quando os meios probatórios não são bem apreciados, com o erro  de julgamento – tout court -, ou seja, aquele adveniente de uma errada ou menos boa e adequada subsunção dos factos apurados às normas jurídicas pertinentes e e/ou duma menos curial exegese destas operada.

E que, no fundo, é a este erro que ela sempre se quis reportar.

5.2.4.2.

Não obstante vista a fundamentação probatória da sentença e o teor da confissão de dívida, conclui-se que o Julgador menos bem decidiu a matéria de facto.

Ora a alteração da decisão da matéria de facto tanto pode ser efetivada a requerimento da parte, como oficiosamente pelo tribunal.

Naquela vertente, como se viu, rege o artº 640º.

Nesta ótica prescreve o artº 662º do CPC.

Estatui este preceito:

«Modificabilidade da decisão de facto

1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.».

Como já se decidiu:

«O art. 662º do CPC constitui a norma central de atribuição de autonomia decisória à Relação em sede de reapreciação da matéria de facto, traduzida numa convicção própria de análise dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se encontrem disponíveis no processo.

Começa tal atribuição por estar plasmada na prescrição-matriz da competência de reavaliação factual do n.º 1, sem dependência de provocação pelas partes em sede de recurso para esse efeito; Depois, o n.º 2 estabelece verdadeiros poderes-deveres funcionais e qualificados (a lei diz «deve ainda, mesmo que oficiosamente») sempre que, aquando da reapreciação da prova sujeita à livre apreciação, não resulte uma convicção segura e fundamentada sobre os factos, uma vez confrontada com a motivação e a decisão reflectidas na 1.ª instância.:» -  Ac. do STJ de 15.06.2023, p. 6132/18.1T8ALM.L1.S2.

Assim sendo, há que interpretar a fundamentação da decisão de facto que nela se plasmou:

 «Certo, patente e assente fica que em 2004 houve concessão de dinheiro da Exequente ao BB, dinheiro este que o mesmo utilizou na compra da máquina Timberjack, ou seja, em benefício da sociedade, facto esse que o sócio gerente da Executada não pode negar, sendo certo que o tentou fazer.

Do exposto, dúvidas não há de que o dinheiro foi cedido pela Exequente à Executada – ou seja, € 65.000,00 – mas com a finalidade de compra de uma máquina Timberjack, e não para fazer face a dificuldades financeiras em 2022.

Razão pela qual se deu como não provado o facto a).

E pela mesma razão foi dado como provado o facto 14), ilidindo a Executada a presunção de que beneficiavam os factos alegados no requerimento executivo relativos à causa negocial da dívida.

Em síntese, com a aludida prova, fica assente que, em data não concretamente apurada, mas seguramente antes de 18-03-2024, a Exequente e o falecido marido EE declararam emprestar à sociedade A..., LDA, representado por BB, tendo aqueles transferido a quantia de € 65.000,00 para a conta n.º ...53 titulada por BB e por FF.”» -

(Realce e sublinhado nossos)

Ora se a prova foi feita neste sentido,  menos bem andou o Sr. Juiz a quo em dar como provado o facto 14 e ao não dar como provado, de todo em todo,  o teor da al. a) dos factos não provados.

Tendo eles o seguinte teor:

14) A Exequente não entregou à Executada a quantia de € 65.000,00, a título de empréstimo, em 14-10-2022, mediante acordo escrito com a mesma data.

a) Fruto de dificuldades financeiras vividas à data pela Executada e interpelada a Exequente, esta acedeu a emprestar, através de acordo escrito datado de 14.10.2022, o montante de € 65.000,00, para que aquela tivesse liquidez e mantivesse a sua actividade

O julgador assim decidiu parece que no entendimento de que o empréstimo foi concedido em 2004 e não em 2022, e que foi para compra de uma máquina e não para fazer face a dificuldades financeiras em 2022.

Mas tal não coincidência, temporal e  finalística, é irrelevante, ou, ao menos, não é suficiente para se operar tal prova e não prova.

O que importa e releva, do ponto de vista da justiça material,  é saber se a executada sociedade, pôde dispor, quer diretamente quer através de atuação do seu gerente, da verba em causa, e se  dela, a qualquer título ou de qualquer maneira, pôde beneficiar.

Até porque  no documento de confissão de dívida  não se especifica a data do empréstimo, apenas se expondo na cláusula SEGUNDA que:

«O SEGUNDO outorgante, na qualidade de devedor, reconhece para os devidos e legais efeitos que é devedor perante a primeira outorgante, na qualidade de credora, da quantia de 65.000,00 € (sessenta e cinco mil euros).

E, quanto ao beneficiário  do empréstimo e à sua finalidade há a considerar que na cláusula TERCEIRA  ficou a constar:

«A quantia supra indicada, resulta de um empréstimo/mútuo, da primeira outorgante à representada do segundo outorgante, destinando o mesmo para investimento de uma máquina para uso da atividade comercial da sociedade, melhor atrás identificada.»

Ora nos dizeres fundamentadores do Sr. Juiz  até foi exatamente esta finalidade que se provou ter sido prosseguida com o empréstimo: a aquisição de uma máquina para uso da atividade comercial da sociedade.

Inexiste, pois, entre o teor do titulo executivo e a prova feita, qualquer incompatibilidade  temporal, substantiva, lógica ou teleológica que obste a que através da prova efetivada o empréstimo da recorrente à recorrida se possa dar como provado.

 Antes, pelo contrário, emergindo coincidência quanto à teleologia do empréstimo – para aquisição de máquina em benefício da sociedade executada -   entre   o título e a prova produzida que aponta para a concessão do mesmo.

Acresce que as respostas à matéria de facto podem ser restritivas ou explicativas, desde que não extravasem o cerne ou essência do teor factual em apreciação.

Destarte,  o teor factual provado  tem de ser exatamente o inverso do decidido na 1ª instância.

 O ponto 14 não pode se dado como provado com o teor que tem.

Antes o devendo ser a partir do teor dimanante da al. a) dos factos não provados, adaptado nos seguintes termos:

A Exequente emprestou à executada, através do seu sócio gerente BB, o montante de € 65.000,00,  que  este utilizou na compra da máquina Timberjack, em benefício da sociedade.

5.2.5.

Decorrentemente, os factos a considerar são os seguintes, indo a negrito o ora alterado.

1) A Exequente apresentou à execução o acordo escrito que consta de fls. 5-6 dos autos de execução, datado de 14 de Outubro de 2022, denominado «CONFISSÃO DE DÍVIDA», outorgado pela Exequente na qualidade de primeira outorgante, e por BB, na qualidade de segundo outorgante e de sócio gerente da sociedade A..., LDA, e assinado por BB e pela Exequente, cujo teor é o seguinte:

«A PRIMEIRA e o SEGUNDO outorgantes, cada um na qualidade em que outorga, celebram entre si a presente confissão de dívida, nos termos das cláusulas seguintes:

PRIMEIRA

Entre a PRIMEIRA e o SEGUNDO outorgantes, na qualidade em que outorgam, é acordado celebrar a presente confissão de dívida e plano de pagamento, dele fazendo parte integrante o termo de autenticação, ao qual os outorgantes, expressamente, conferem força executiva, nos termos do disposto do artigo 703.º do Código Processo Civil

SEGUNDA

O SEGUNDO outorgante, na qualidade de devedor, reconhece para os devidos e legais efeitos que é devedor perante a primeira outorgante, na qualidade de credora, da quantia de 65.000,00 € (sessenta e cinco mil euros).

TERCEIRA

A quantia supra indicada, resulta de um empréstimo/mútuo, da primeira outorgante à representada do segundo outorgante, destinando o mesmo para investimento de uma máquina para uso da atividade comercial da sociedade, melhor atrás identificada.

QUARTA

(a) O montante supra referido será pago em treze (13) prestações mensais, iguais e sucessivas, cada uma no montante de 5.000,00 € (cinco mil euros), cada, até ao dia 30 de cada mês, com início no mês de um de novembro do corrente ano e termo no mês de um de novembro de dois mil e vinte e três.

(b) - O pagamento supra citado, deverá ser efetuado por meio de transferência bancária com origem na conta bancária titularidade da representada do segundo outorgante, para a conta bancária da primeira outorgante, a entregar pela primeira na data de inicio da primeira prestação.

QUINTA

A falta de pagamento de uma das prestações, implica o vencimento das restantes, tornando-se a obrigação definitivamente exigível.

SEXTA

O não cumprimento do presente acordo de forma pontual e tempestiva implica o pagamento da quantia de 5000,00 € (cinco mil euros) a título de cláusula penal,

SÉTIMA

A Primeira Outorgante declara que, efetuado o pagamento pelo Segundo Outorgante, na qualidade em que Intervém, nos precisos termos do presente acordo, a dívida se encontra integralmente paga, nada mais tendo a receber ou reclamar, prescindo desta forma dos juros civis, calculados nos ternos e para os efeitos do artigo 559.º do Código Civil

OITAVA

O presente acordo de confissão de dívida e plano de pagamento por documento particular autenticado e com força executiva.

NONA

A primeira outorgante, intervém no presente ato por si e na qualidade de única herdeira de EE, falecido no dia 16 de setembro de 2005, na extinta freguesia ..., concelho ..., conforme consta da certidão da escritura de habilitação de herdeiros, outorgada no dia 09 de abril de 2008, no Cartório Notarial ..., emitida pelo referido Cartório em 09 de abril de 2008. ..., 14 de outubro de 2022.» (cfr. doc. de fls. 5-6 de execução, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido).

2) A acompanhar o documento particular referido em 1), a Exequente apresentou ainda um termo de autenticação, que consta de fls. 3-4 dos autos de execução, datado de 14-10-2022, elaborado pela Sr.ª Solicitadora II, com a cédula profissional n.º ...83, e assinado pela Exequente e por BB, com o seguinte teor:

«No dia 14 de outubro de 2022, perante mim, II, SOLICITADORA, NIF ...82..., inscrita na Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução e portadora da cédula profissional com o número ...83, com escritórios sitos, no Largo ..., Loja ..., em ..., na freguesia ... e ..., concelho ... e na Rua ..., na freguesia e concelho ..., compareceram como outorgantes:

PRIMEIRA:

AA, NIF ...28..., natural da freguesia ..., concelho ..., de nacionalidade Portuguesa, viúva, residente na Rua ..., em ..., na freguesia ..., ... e ..., concelho ..., titular do bilhete de identidade número ...78, emitido em ../../2005, pelos Serviços de Identificação Civil ..., com validade vitalícia.

SEGUNDO:

BB, NIF ...69..., natural da freguesia ..., concelho ..., de nacionalidade Portuguesa, casado, residente na Rua ..., ..., em ..., na freguesia ..., ... e ..., concelho ..., titular do cartão de cidadão número ..., emitido pela República Portuguesa, válido até 18/11/2029, que intervém na qualidade de sócio e gerente com poderes para o ato, da sociedade comercial, com a designação de firma “A..., LDA”, com sede na Estrada Nacional ...33, na freguesia ..., ... e ..., concelho ..., com o número único de matricula e identificação de pessoa coletiva ...51, com o capital social de cinco mil euros.

Verifiquei:

(a)-A identidade dos signatários pela exibição dos referidos documentos de identificação;

(b)- A fotocópia autenticada da ata número 36, emitida por mim nesta data, comprovativa da deliberação e reconhecimento da sociedade perante a dívida existente

(c) - Pelos comprovativos de depósito das quantias em divida, na conta bancária da representada do segundo outorgante, emitidos pelo Banco Banco 1..., SA em 26 de fevereiro de 2015, 18 de março de 2004 e 04 de março de 2018.-

Documentos arquivados:-

(a) - fotocópia autenticada da ata número 36, emitida por mim nesta data;-

(b) - Fotocópia autenticada dos comprovativos de depósito das quantias em divida, na conta bancária da representada do segundo outorgante, emitidos pelo Banco Banco 1..., S.A em 26 de fevereiro de 2015, 18 de março de 2004 e 04 de março de 2018, emitida por mim nesta data;

(c) - Fotocópia autenticada da certidão da escritura de habilitação de herdeiros, outorgada no dia 09 de abril de 2008, no Cartório Notarial ..., emitida pelo referido Cartório em 09 de abril de 2008, emitida por mim nesta data Por eles me foi apresentado, para fins de autenticação, CONFISSÃO DE DÍVIDA anexa, exarada hoje, tendo declarado que já a leram, assinaram e rubricaram, que estão perfeitamente inteirados do seu conteúdo e que o conteúdo da mesma exprime as suas vontades e a vontade da representada do segundo outorgante.

----O presente termo de autenticação, tal como o documento que o antecede, foi lido e explicado aos signatários, tudo em voz alta e na sua presença, tendo os mesmos transmitido, do mesmo modo, o seu acordo em relação ao seu conteúdo do presente termo.-

For feita a advertência aos signatários que a presente declaração de confissão de dívida está sujeito ao pagamento da verba 17.1.3 da TGIS».

3) O termo de autenticação referido em 2) foi registado online a 14-10-2022, pelas 16h12, com o n.º ...09 e nesse registo consta:

«II, Solicitador(a), Inscrito(a) na Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução portador(a) da cédula profissional com o número ...83, com escritório na Largo ..., D. ... ..., Portugal.

Termo de autenticação da confissão de divida, exarada hoje e anexa ao presente registo ROAS., fazendo parte integrante do mesmo, em que são intervenientes, AA NIF ...28..., natural da freguesia ..., concelho ..., de nacionalidade ... viúva, residente na Rua ..., em ..., na freguesia ..., ... e ..., concelho ..., titular do bilhete de identidade número ...78, emitido em ../../2005, pelos Serviços de Identificação Civil ..., com validade vitalícia e BB, NIF ...59..., natural da freguesia ..., concelho ..., de nacionalidade Portuguesa, casado, residente na Rua ..., .... em ..., na freguesia ..., ... e ..., concelho ..., titular de cartão de cidadão número ..., emitido pela República Portuguesa, válido até 18/11/2029, que Intervém na qualidade de sócio e gerente com poderes para o ato, da sociedade comercial, com a designação de firma "A..., LDA", com sede na Estrada Nacional ...33, na freguesia ..., ... e ..., concelho ..., com o número único de matrícula e identificação de pessoa coletiva ...51, com o capitel social de cinco mil euros.»

4) A Executada é uma sociedade comercial que tem por objecto social, entre outros, a comercialização de materiais de construção e a construção de obras particulares.

5) A Executada não liquidou qualquer uma das treze prestações referidas em 1).

6) Por escritura pública de habilitação notarial, outorgada no dia 09-04-2008, no Cartório Notarial ..., foi declarado que a EE, falecido no dia 16-09-2005, no estado de casado em primeiras núpcias com AA e sob o regime da comunhão geral, sucederam, em virtude do respectivo óbito, como única herdeira a cônjuge atrás referida.

7) No dia 10-10-2022, teve lugar Assembleia Geral Extraordinária da sociedade Executada, na sede social sita na Estrada Nacional ...33, freguesia ..., ... e ..., concelho ..., vertida na acta n.º 36 junta aos autos a fls. 106-107, a qual não foi precedida de convocatória, nela tendo intervindo apenas BB, CC e DD, os quais à data representavam 80% do capital da sociedade.

8) Da acta n.º 36 a que acima se alude consta, entre o mais, o seguinte:

«Sem observância de formalidades prévias nos termos do artigo 54º do Código das Sociedades Comerciais, com a seguinte ordem de trabalhos:---

- Ponto um: -  Deliberar o reconhecimento da dívida, no valor de 65.000,00 € (sessenta e cinco mil) contraída pela sociedade, devido a um empréstimo a título particular a AA e marido EE.

----Ponto dois:- Deliberar o reconhecimento da divida, no valor de 16.000,00 € (dezasseis mil euros) contraída pela sociedade, devido a um empréstimo a título particular a JJ.

Ponto três: Autorizar o gerente a outorgar a respetivo documento particular autenticado de confissão de dívida.--

--------Foi aberta a sessão, a qual foi presidida pelo sócio BB, estando em condições de deliberar validamente, assumiu a presidência e deu inicio aos trabalhos, passando a ser analisado o ponto único da ordem de trabalhos:

O sócio BB, pediu a palavra e apresentou à assembleia a exposição dos factos enumerados no ponto número um e dois, explicando que a sociedade contraiu dois empréstimos a título particular, no valor total de 81.000,00 € (oitenta e um mil euros), a AA e marido EE e a JJ, para fazer face às despesas da sociedade.

-Foram colocados à discussão e votação os três pontos da ordem de trabalhos, que foram aprovados por unanimidade.--

Não havendo mais nada a tratar, foi encerrada a sessão pelas dezasseis horas e trinta minutos, tendo sido lavrada de imediato a presente ata, que vai ser assinada por todos os sócios.

Não havendo mais nada a tratar, foi encerrada a sessão pelas vinte horas e trinta minutos, tendo sido lavrada de imediato a presente ata, que vai ser assinada pelo sócio presente».

9) No dia 27-05-2023, BB, KK, JJ, DD, GG, A..., LDA, e BB, B..., Sociedade Unipessoal, Lda., na qualidade respectivamente de primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto e sétimo outorgantes, outorgaram documento particular escrito intitulado «Contrato de Transmissão de Quotas e Bens», mediante o qual declararam o seguinte:

«A-CONSIDERANDOS

a) O 1º a 5º Outorgantes são os únicos sócios da sociedade comercial por quotas A..., LDA, com o capital social de 5.000,00 Euros, matriculada na Conservatória do Registo Comercial ... sob o nº ...51;

b) Considerando que o 1º outorgante é titular de uma quota no valor nominal de 3.000,00 euros (três mil euros);

c) Considerando que a 2º outorgante é titular de uma quota no valor nominal de 500,00 Euros (quinhentos euros);

d) Considerando que a 3ª outorgante é titular de uma quota no valor nominal de 500,00 Euros (quinhentos euros);

e) Considerando que o 4º outorgante é titular de uma quota no valor nominal de 500,00 Euros (quinhentos euros);

f) Considerando que o 5º outorgante é titular de uma quota no valor nominal de 500,00 Euros (quinhentos euros);

g) Considerando que os outorgantes 1.º a 6.ª alcançaram acordo relativamente à transmissão de quotas da sociedade, a mesma concretiza-se nos termos do disposto nos números/alíneas seguintes.

A. As quotas tituladas pelos 1º, 2ª, 3ª e 4ª Outorgantes no valor total de 4500,00€ (quatro mil e quinhentos euros) são vendidas na sua totalidade ao 5.º Outorgante e por este integralmente pagas, através da transferência bancária do valor acordado para todos os restantes sócios, individualmente, nos seguintes termos:

i. Cessão total onerosa da quota do 1º outorgante no valor nominal de 3,000.00€ (três mil euros), livre de ónus ou encargos, a favor do 5º Outorgante e paga através da transferência bancária cujo comprovativo se anexa como doc. 1:

ii. Cessão total onerosa da quota da 2ª a Outorgante no valor nominal de 500,00€ (quinhentos euros) livre de ónus ou encargos, a favor do 5º outorgante e paga através da transferência bancária cujo comprovativo se anexa como doc. 2;

iii. Cessão total onerosa da quota da 3ª outorgante no valor nominal de 500,00€ (quinhentos euros) livre de ónus ou encargos, a favor do 5º outorgante e paga através da transferência bancária cujo comprovativo se anexa como doc. 3;

iv. Cessão total onerosa da quota da 4ª a outorgante no valor nominal de 500,00€ (quinhentos euros) livre de ónus ou encargos, a favor do 5º outorgante e paga através da transferência bancária cujo comprovativo se anexa como doc. 4:

1) Considerando que a 6ª outorgante sociedade deu o seu acordo a essas transmissões, todos os Outorgantes, atentos os considerandos supra identificados, acordam e reciprocamente estipulam o seguinte:

1. A 6ª e a 7ª Outorgantes acordam na venda da primeira à segunda, de parte dos veículos de que é proprietária, nomeadamente:

Camião MAN (..-..-UT) Cfr. foto 1 que se anexa;

JCB 3CX (1988) Cfr. foto 2 que se anexa;;

Niveladora Mitsubishi MG230 Cfr. foto 3 que se anexa;;

Komatsu PC 210 Cfr. foto 4 que se anexa;;

CAT IT 12 Cfr. foto 5 que se anexa;

Compressor Acessórios Cfr. foto 6 que se anexa::

Martelo Retro 2022 Cfr. foto 7 que se anexa;;

Lavagem de Inertes Cfr. foto 8 que se anexa;

Reboque banheira (L-...15) + reboque (AV-...37) Cfr. foto 9 que se anexa;

Cisterna Cfr. foto 10 que se anexa;

(Cfr. imagens e fotos dos equipamentos que se juntam e fazem parte integrante do presente contrato)

II. Pela referida venda a 7ª Outorgante líquida à 6ª Outorgante a quantia de 4.500,00 euros, crescido de IVA à taxa legal em vigor cfr. cópia do cheque n.º ...00 da Banco 1...;

III. Com a presente transacção entre os sócios, declara o 5.º Outorgante e sócio GG que, quanto à sociedade comercial identificada como 7.ª a Outorgante, autoriza e consente que a mesma seja alargada a novos sócios, preferentes ou terceiros alheios à mesma, renunciando a todos os direitos que poderá vir a ter sobre a mesma, presentes, passados ou futuro;

IV. Mais declara que, caso exerça tais direitos aqui renunciados sobre a 7.ª a Outorgante, violando ostensivamente, portanto, o presente contrato, obriga-se ao pagamento a cada um dos restantes sócios, 1.º, 2.º, 3.º e 4.º, o montante de 15.000,00€, assumindo e garantindo tal penalidade a titulo pessoal;

V. Caso as 2ª e 3ª outorgantes incumpram - não outorgando - o contrato de transmissão de quotas melhor descrito no CONSIDERANDO i), a 7ª outorgante obriga-se a devolver à 6ª Outorgante os bens identificados na cláusula 1ª a deste contrato, bem como ao pagamento de uma indemnização de 5.000,00€.

VI. Caso a 6ª Outorgante incumpra com a obrigação de transmissão à 7ª outorgante dos bens melhor identificados na cláusula 1ª, os 1ª, 2ª, 3ª e 4ª a outorgantes ficam exonerados da obrigação de transmissão de quotas a favor do 5º a outorgante.

VII. Declara o 5.º outorgante, na qualidade de sócio cessionário e sócio único da sociedade que assumirá, a partir da outorga do presente contrato e sob sua inteira responsabilidade, a situação contributiva da sociedade perante a Autoridade Tributária, Segurança Social e demais dívida existentes a entidades públicas ou a particulares, nomeadamente fornecedores, exonerando os restantes sócios de qualquer responsabilidade pelas mesmas, leia-se, desobrigando-os ao pagamento de quaisquer dividas da sociedade existentes à presente data, ainda que com data anterior à do presente contrato, nada devendo ser assacado a qualquer um dos 1ª, 2.º 3º e 4º outorgantes.

Os outorgantes do presente contrato dão o seu acordo aos termos do mesmo.

..., 27 de Maio de 2023.»

10) Após a instauração da execução, JJ, DD pagaram à Exequente as quantias de € 16.557,50 e de €21.657,74.

11) JJ nasceu a ../../1967 e encontra-se registada como filha de BB e de FF.

12) DD nasceu a ../../1973 e encontra-se registada como filha de BB e de FF.

13) GG nasceu a ../../1980 e encontra-se registado como filha de BB e de FF.

14) A Exequente emprestou à executada, através do seu sócio gerente BB, o montante de € 65.000,00,  que  este utilizou na compra da máquina Timberjack, em benefício da sociedade.

5.3.

Terceira questão.

5.3.1.

O Sr. Juiz decidiu nos seguintes, essenciais, termos:

«…estabeleceu-se no artigo 38.º, n. ° 1, do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, que …os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem …autenticar documentos particulares… mediante registo em sistema informático.

O documento particular apenas poderá ser considerado autenticado se o seu teor tiver sido confirmado pelas partes perante o certificante …nos termos prescritos nas leis notariais, circunstância que terá de constar da respectiva autenticação, não bastando apenas o facto de os mesmos procederem ao reconhecimento das assinaturas (cfr. artigos 35.º, n.º 3, e 36.º, n.º 4, do Código do Notariado - publicado pelo Decreto-Lei n.º 207/95, de 14 de Agosto, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 125/2013, de 30 de agosto).

Como se dispõe no artigo 46.º do Código do Notariado, sobre as formalidades comuns aos instrumentos notariais, o termo de autenticação, deve conter, entre outros elementos, a declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade, nos termos das als. l) a n), do seu n.º 1.

É que, como preceitua o artigo 150.º, n.º 1, do Código do Notariado, «os documentos particulares adquirem a natureza de documentos autenticados desde que as partes confirmem o seu conteúdo perante o notário», observados que sejam os requisitos comuns formais previstos no artigo 151.º do mesmo diploma, que são, além dos enunciados no citado art. 46.º, n.º 1, als. a) a n), os aí indicados nas als. a) e b), e que se reconduzem à necessidade de, no termo, se fazer constar:

- o nome completo, estado, naturalidade e residência habitual dos outorgantes, bem como das pessoas singulares por estes representadas, a identificação das sociedades, nos termos da lei comercial, e das demais pessoas colectivas que os outorgantes representem, com menção, quanto a estas últimas, das suas denominações, sedes e números de identificação de pessoa colectiva;

- a referência à forma como foi verificada a identidade dos outorgantes, das testemunhas instrumentárias e dos abonadores;

- a menção das procurações e dos documentos relativos ao instrumento que justifiquem a qualidade de procurador e de representante, mencionando-se, nos casos de representação legal e orgânica, terem sido verificados os poderes necessários para o acto;

- a menção de haver sido feita a leitura do instrumento lavrado, ou de ter sido dispensada a leitura pelos intervenientes, bem como a menção da explicação do seu conteúdo;

- as assinaturas, em seguida ao contexto, dos outorgantes que possam e saibam assinar, bem como de todos os outros intervenientes, e a assinatura do funcionário, que será a última do instrumento.

- a declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade.

Para além do exposto, necessário se torna, ainda, proceder ao imediato registo do acto,como se referiu, no respetivo sistema informático ou, em caso de indisponibilidade, dentro do prazo máximo de 48 horas (cfr. artigos 1.º e 4.º da Portaria 657-B/2006, de 29 de Junho), sob pena de se considerar que o documento não reúne os requisitos legalmente exigidos para que possa ser considerado título executivo (Cf. VIRGÍNIO DA COSTA RIBEIRO / SÉRGIO REBELO, A Acção Executiva Anotada e Comentada, Almedina, 2015, pp. 138-141).

Por sua vez, o artigo 70.º do Código de Notariado, prevê os casos de nulidade do acto notarial por vício de forma, prescrevendo o seu n.º 1, que «[o] acto notarial é nulo, por vício de forma, apenas quando falta algum dos seguintes requisitos:

- a menção do dia, mês e ano ou do lugar em que foi lavrado;

- a declaração do cumprimento das formalidades previstas no artigo 65.º e 66.º;

- a observância do disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 41.º;

- a assinatura de qualquer intérprete, perito, leitor, abonador ou testemunha;

- a assinatura de qualquer dos outorgantes que saiba e possa assinar;

- a assinatura do notário;

- a observância do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 46.º».

Ora, a este propósito, dispõe ainda o artigo 46.º, n.º 1, al. e), do Código do Notariado, que o instrumento notarial deve conter a menção das procurações e dos documentos relativos ao instrumento que justifiquem a qualidade de procurador e de representante, mencionando-se, nos casos de representação legal e orgânica, terem sido verificados os poderes necessários para o acto.

Compulsados os factos 1), 2) e 3), constata-se que em nenhum momento do instrumento notarial, seja na confissão de dívida seja no termo de autenticação, a solicitadora tenha mencionado que verificou os poderes necessários para o acto por parte do outorgante BB.

No mesmo apenas consta que na descrição do outorgante que o mesmo interveio na qualidade de sócio e gerente com poderes para o acto, mas não consta que tenham sido verificados tais poderes.

Mais ainda, nos documentos ditos verificados, não consta que tenha sido verificado qualquer documento idóneo a comprovar a existência dos aludidos poderes.

Ou seja, a lei exige que se mencione que foram verificados os poderes necessários para o acto na representação legal e orgânica e tal não se encontra mencionado.

Assim, se a autenticação do documento particular de reconhecimento de dívida não obedeceu aos requisitos legalmente exigidos, não pode servir de base à acção executiva por não consubstanciar título passível de ser subsumido à al. b) do n.º 1 do artigo703.º do Código de Processo Civil.

O termo de autenticação deve ser lavrado em conformidade com os requisitos previstos nos artigos 46.º, 150.º e 151.º do Código de Notariado, exigindo-se ainda o registo informático a que se reporta a Portaria n.º 657-/2006, de 29 de Julho, quando aquele seja efectuado por uma das entidades referenciadas no Dec.-Lei n.º 76-A/2008 de 29-03.

Pelo que inexiste titulo executivo bastante para a presente execução, razão pela qual os embargos não podem deixar de ser julgados procedentes, devendo, em consequência, ser a embargante absolvida da instância executiva.

Ainda que assim não fosse, veja-se que segundo o Acórdão do STJ, de 16-02-2023, Proc. 30218/15.5T8LSB-A.L1.S1, «Quando o título executivo consista numa declaração de reconhecimento de dívida, a qual, nos termos do art. 458.º do CC, reveste a natureza de negócio unilateral presuntivo de causa, cabe ao exequente o ónus de, em sede de requerimento executivo, alegar sucintamente factos que integrem a relação causal subjacente a tal declaração (cfr. art. 724.º, n.º 1, al. e), do CPC).».

No caso, a Exequente alegou que o reconhecimento de dívida apresentado à execução resultava de um empréstimo de € 65.000,00 em 2022.

A declaração unilateral de reconhecimento de dívida, prevista no artigo 458.º, n.º 1, do Código Civil, não cria a obrigação, mas faz presumir a existência da mesma, cuja fonte será outro acto ou facto.

No apontado artigo estabelece-se a inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental, pelo que caberia ao devedor alegar e provar a falta de causa da obrigação assumida.

No caso, o devedor/Embargante provou que não houve o empréstimo referido no requerimento executivo (vd. facto 14)).

A Embargante provou não ter existido tal empréstimo de 2022.

...a haver empréstimo terá sido em 2004 e não em 2022)…

Em suma, provou-se inexistir a causa de pedir invocada pela Exequente, donde se retira a conclusão de que o direito não pode ser executivo.

Demonstrada nos autos a inexistência ou invalidade da relação fundamental invocada, inexiste consequentemente a obrigação exequenda»

5.3.2.

Perscrutemos.

Estatui o artº 703º do CPC.

Espécies de títulos executivos

1 - À execução apenas podem servir de base:

a) As sentenças condenatórias;

b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;

c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;

d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.

Como é consabido, esta enunciação é taxativa.

E mais restritiva, por reporte às normas anteriores que consagravam o panorama dos títulos executivos. - vg. artº 46º do CPC na sua anterior redação.

O título executivo é condição necessária e suficiente da ação.

Necessária porque não há execução sem título.

Suficiente porque, perante ele, deve ser dispensada qualquer indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que se refere.

Efetivamente a obrigação exequenda tem de constar no título o qual, como documento que é, prova a existência de tal obrigação, ou, pelo menos, fá-la presumir, presunção esta que só em certas circunstâncias pode ser ilidida, designadamente através do recurso à ação declarativa de oposição à execução.

Por outras palavras, o título executivo é um pressuposto da ação executiva na medida em que confere ao direito à prestação invocada um grau de certeza, exigibilidade e liquidez que a lei reputa de suficientes para a admissibilidade de tal ação e na qual os princípios da igualdade de armas e do contraditório, estão esbatidos, em favor do exequente, exatamente por força da aludida presunção e deste cariz de certeza e segurança.  –cfr. Prof. Antunes Varela, Manual de Processo Civil", 2ª ed., pág. 79 e Ac. do STJ de 18.10.2007, p.07B3616, in dgsi.pt. como os infra cits.

In casu o título executivo em causa consubstancia um documento particular autenticado cuja exequibilidade é atribuída na al. b) do nº1 do artº 703º

Como dimana da decisão extratada supra,  os embargos procederam e a execução foi declarada extinta por dois motivos ou fundamentos, a saber:

i) O documento não pode ser considerado título executivo, pois que a autenticação não é válida, já que  não respeitou todos os requisitos do Código do Notariado, como seja o da alínea e) do nº1 do seu artº 46º  sendo que nem na confissão de dívida  nem no termo de autenticação a solicitadora mencionou que verificou os poderes necessários para o ato por parte do outorgante BB.

ii) Inexiste causa de pedir exequenda, pois que se provou que a exequente não entregou à executada a quantia de € 65.000,00, a título de empréstimo, em 14-10-2022, mediante acordo escrito com a mesma data – ponto 14.

Estes dois aspetos atêm-se, o primeiro, à chamada exequibilidade extrínseca, e, o segundo, à denominada exequibilidade intrínseca.

Efetivamente, há de distinguir a exequibilidade extrínseca, que se reporta à exequibilidade do título ou à exequibilidade da pretensão incorporada ou materializada no título, da exequibilidade intrínseca, que diz respeito à  existência, validade ou eficácia do teor  do ato ou negócio incorporado no título e que tem como requisitos a certeza, a exigibilidade e a liquidez da obrigação exequenda.

Vistas e bem interpretadas as coisas, a exequibilidade intrínseca atêm-se à exigibilidade da prestação, e, assim, reporta-se à (im)procedência do pedido executivo.

Já a exequibilidade extrínseca do próprio título reporta-se à sua idoneidade para, ab initio poder sustentar e permitir a instauração do processo executivo. -  cfr. Ac. do TRP de 18.01.2005, p. 0424318 e Ac. do TRC de 21.05.2024, p. 458/23.0T8VIS-A.

Desde logo quanto ao primeiro fundamento não acompanhamos o decidido.

Resulta da argumentação vertida na sentença que a inexistência de  título executivo dimana da invalidade do termo de autenticação, rectius da sua nulidade.

Mas o facto nela invocado, constante na al. e) do nº1 do artº 46º do Código do Notariado, não é abrangida pelo regime da nulidade fixado no artº 70º.

Efetivamente estatui o artº 46º:

«Formalidades comuns

1 - O instrumento notarial deve conter:

e) A menção das procurações e dos documentos relativos ao instrumento que justifiquem a qualidade de procurador e de representante, mencionando-se, nos casos de representação legal e orgânica, terem sido verificados os poderes necessários para o acto

E estabelece o artigo 70.º:

«Casos de nulidade por vícios de forma e sua sanação

1 - O acto notarial é nulo, por vício de forma, apenas quando falte algum dos seguintes requisitos:

a) A menção do dia, mês e ano ou do lugar em que foi lavrado;

b) A declaração do cumprimento das formalidades previstas nos artigos 65.º e 66.º

c) A observância do disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 41.º;

d) A assinatura de qualquer intérprete, perito, leitor, abonador ou testemunha;

e) A assinatura de qualquer dos outorgantes que saiba e possa assinar;

f) A assinatura do notário.

g) A observância do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 46.º.»

Verifica-se assim que  do advérbio «apenas»  dimana que os casos de nulidade previstos neste preceito são taxativos, mais nenhum assim podendo originar a nulidade do ato notarial.

Ora nenhuma de tais previsões  abarca a previsão da alínea e) do artº 46º.

Certo é que o argumento da recorrente, qual seja, que os poderes para o ato do C... resultam do processo e dos documentos nele constantes, não procede.

Pois que o que aqui está em causa, e apenas releva, é a regularidade formal, em si mesmo, com estrita observação dos requisitos procedimentais do Código do Notariado, do instrumento que atribui eficácia executiva à confissão de dívida, qual seja: o termo de autenticação.

Mas, repete-se, porque a omissão verificada não acarreta a nulidade do termo de autenticação, ele enferma apenas de uma mera irregularidade na sua formação.

Pelo que ele se mantém válido, já que a irregularidade, em termos gerais de formação do ato, vg. administrativo, não implica a sua invalidade.

Quanto à sua (in)eficácia,  como ato simplesmente irregular, ela apenas poderia ser afetada se a lei especificamente previsse tal afetação.

No caso não se vislumbra tal norma, antes pelo contrário, existindo  preceito que aponta no sentido  da irrelevância de tal irregularidade.

Assim, o artigo 150.º do Código do Notariado:

«Documentos autenticados

1 - Os documentos particulares adquirem a natureza de documentos autenticados desde que as partes confirmem o seu conteúdo perante o notário».

Ora a confissão de dívida está assinada pela credora e devedor e no termo de autenticação  consta que as partes  a leram e estão cientes do seu conteúdo, tal como o exige  artº 151º do Código do Notariado.

 Pelo que o termo de autenticação tem de ser considerado válido e eficaz.

A não ser que da irregularidade dimanassem efeitos iníquos ou intoleravelmente desproporcionados para qualquer dos interesses em presença, por reporte ao  teor do instrumento substantivo a que a autenticação se refere, o que não se antolha.

De exposto decorre que o documento de confissão de dívida  tem de ser considerado regularmente autenticado e, assim, encerrando exequibilidade extrínseca.

Já  no atinente ao segundo fundamento  ele outrossim não pode subsistir atenta a alteração operada na matéria de facto.

Como bem se expende na sentença e constituem doutrina e jurisprudência pacíficas,  o titulo executivo apresentado no âmbito da confissão de dívida do  artigo 458º, nº 1, do Código Civil,  tem o seguinte regime.

Ao credor  exequente compete alegar a relação fundamental que subjaz ao reconhecimento da dívida.

Esta alegação não cria a obrigação mas  faz presumir a existência da mesma.

Estabelece-se assim a inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental,  cabendo ao devedor alegar e provar a falta de causa da obrigação assumida, a invalidade do negócio donde procede a dívida ou a que a prestação se reporta, a exceção de não cumprimento do contrato, ou o exercício do direito de resolução.

E, com estes termos alegatórios, podendo o documento servir de base à execução, se autenticado - cfr. Ac. RE 13.12.2020, p. 1575/18.3T8MMN-A.E1 e Ac. RG de 09.06.2022, p. 492/22.7T8VNF.G1.

Ora in casu não apenas a executada oponente não logrou ilidir aquela presunção ou  provar qualquer  outro facto excetivo,  como a exequente oponida conseguiu provar –  aliás, e perante tal não prova,  provou mais do que lhe competia e necessitava -  a existência do empréstimo.

Por conseguinte se conclui, versus do decido na sentença recorrida, que o título executivo consubstancia um negócio jurídico – empréstimo da exequente à executada -  existente, válido e eficaz.

 O qual, assim, atribui jus aquela de exigir a prestação  a esta nos termos confessados, assumindo, pois, o título executivo, também exequibilidade intrínseca.

Procede o recurso.

6.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso procedente, revogar a sentença e ordenar o prosseguimento da execução.

Custas recursivas pela recorrida.

Coimbra, 2025.03.11