Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1058/20.1T8ACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: RECONVENÇÃO
COMPENSAÇÃO
Data do Acordão: 02/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE ALCOBAÇA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 266.º, N.º 2, ALÍNEA C), DO CPC
Sumário: O réu pode, em reconvenção, pedir o reconhecimento de um crédito, para obter a compensação, para o caso de não proceder a defesa dele consistente na negação do direito de crédito do autor.
Decisão Texto Integral:    








         Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Estão em causa as seguintes decisões:

Em reconvenção, pede a ré (transcrição):

«(…) d) Sem prescindir, deve a Reconvenção deduzida ser admitida e julgada procedente e, em consequência:

i. Ser judicialmente reconhecido o crédito da Ré;

ii. Ser declarada a compensação do crédito da Ré;

iii. E, se for o caso, ser a Autora condenada no pagamento do excesso à Ré.».

Sustenta a admissibilidade da reconvenção no disposto nos artigos 266.º, n.º s 1, 2, alínea c) e n.º 3 a contrario sensu, 530.º, n.º 3, 93.º e 583.º, n. º 1 do Código do Processo Civil.

Como causa de pedir, vertida nos artigos 56.º a 70.º da contestação, invoca ser credora da autora da quantia de €23.345,27, referente a comissões de remunerações vencidas do Contrato de Mediação de Seguros entre ambas celebrado - resolvido pela autora na data de 30/06/2018 - e indemnização de clientela. Pretende ver reconhecido o seu crédito, obter a compensação do mesmo e, caso se verifique que o seu crédito é de valor superior ao da autora, obter a condenação da autora no pagamento do excesso.

Sustenta encontrarem-se preenchidos os requisitos da compensação previstos no artigo 847.º do Código Civil.

Vejamos.

Dispõe o artigo 266.º do Código do Processo Civil:

«1 - O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.

2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos:

a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa;

b) Quando o réu se propõe tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;

c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;

d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.

3 - Não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.º s 2 e 3 do artigo 37.º, com as necessárias adaptações.

4 - Se o pedido reconvencional envolver outros sujeitos que, de acordo com os critérios gerais aplicáveis à pluralidade de partes, possam associar-se ao reconvinte ou ao reconvindo, pode o réu suscitar a respectiva intervenção.

5 - No caso previsto no número anterior e não se tratando de litisconsórcio necessário, se o tribunal entender que, não obstante a verificação dos requisitos da reconvenção, há inconveniente grave na instrução, discussão e julgamento conjuntos, determina em despacho fundamentado a absolvição da instância quanto ao pedido reconvencional de quem não seja parte primitiva na causa, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 37.º.

6 - A improcedência da acção e a absolvição do réu da instância não obstam à apreciação do pedido reconvencional regularmente deduzido, salvo quando este seja dependente do formulado pelo autor.»

Por seu turno, prevê o artigo 847.º do Código Civil, sobre os requisitos da compensação:

«1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:

a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material;

b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.

2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.

3. A iliquidez da dívida não impede a compensação.».

A compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra – artigo 848.º, n.º 1 do Código Civil. E a declaração é ineficaz se for feita sob condição ou a termo – n.º 2 do mesmo artigo 848.º do Código Civil.

Nos termos do n.º 1 do artigo 853.º do Código Civil, não podem extinguir-se por compensação a) os créditos provenientes de factos ilícitos dolosos; b) os créditos impenhoráveis, excepto se ambos forem da mesma natureza; c) os créditos do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, excepto quando a lei o autorize.

Também não é admitida a compensação, se houver prejuízo de direitos de terceiro, constituídos antes de os créditos se tornarem compensáveis, ou se o devedor a ela tiver renunciado – artigo 853.º, n.º 2 do Código Civil.

No caso, é manifesto que o pedido da ré não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa, porquanto não se relaciona com a invocada apropriação ou desvio de quantia alegadamente entregue à ré para que esta a entregasse a terceiro (Tomador do Seguro), fundamento da acção, de que a ré se defende, não só por impugnação, mas também por excepção de prescrição e de enquadramento jurídico diverso do invocado na petição inicial.

O pedido reconvencional, como acima referido, assenta em alegadas comissões de remunerações vencidas do Contrato de Mediação de Seguros celebrado entre a autora e a ré - resolvido pela autora na data de 30/06/2018 - e indemnização de clientela.

Todavia, da leitura conjugada da contestação-reconvenção, em termos que lhe permitam conferir coerência interna, extrai-se que em momento algum a ré assume ou admite ser devedora da autora, pois impugna toda a factualidade alegada na petição inicial na qual a autora funda a existência, origem e montante do seu invocado crédito. A própria reconvenção não vem formulada a título subsidiário, para a hipótese de ficar demonstrada a existência do direito de crédito da autora sobre a ré. Tal formulação não resulta expressa do pedido reconvencional, nem se retira tacitamente da alegação dos fundamentos da reconvenção, que inicia com «(…) 56.º - Sem prescindir de tudo quanto ficou supra exposto, (…)». E o supra exposto é, entre o mais, a impugnação dos fundamentos da acção na parte respeitante à existência, origem e montante do invocado crédito da autora. Ou seja, a ré nega ser devedora da autora. E sem prescindir dessa posição, pretende ver compensado o direito de crédito de que se arroga titular sobre a autora com o direito de crédito da autora cuja existência rejeita.

Ora, a declaração de compensação, nestes termos efectuados pela ré, não observa os requisitos legais de admissibilidade da compensação previstos no artigo 847.º do Código Civil, no que tange à reciprocidade dos créditos, por a ré não se assumir reciprocamente devedora da autora, hipótese que nem sequer admite a título subsidiário.

Em suma, a reconvenção deduzida, na parte atinente à compensação de créditos, pelo montante de €21.516,23, deve ser rejeitada, por inadmissibilidade legal, visto não ser subsumível à previsão da alínea c) do n.º 2 do artigo 266.º do Código do Processo Civil, nem a qualquer outra das taxativas hipóteses que consagram os requisitos substantivos de admissibilidade da reconvenção.

Poderia ser admitida, ao abrigo do preceituado na alínea c) do n.º 2 do artigo 266.º do Código do Processo Civil, para apreciação do montante que excede a compensação de créditos, €1.829,04, mas cremos que esta limitação não serve o interesse da ré, por a decisão a proferir formar caso julgado quanto aos fundamentos da relação material controvertida, coarctando-lhe a possibilidade de, em acção autónoma, proceder à discussão plena dos seus contornos e de peticionar a integralidade dos valores a que entende ter direito.

Pelo exposto, decido não admitir a reconvenção deduzida, na sua totalidade.” (Fim da citação.)

E ainda:

“- Indefiro ao pedido de junção de documentos na posse da parte contrária, formulado pela ré na contestação, por esse meio de prova se mostrar dirigido à demonstração da matéria da reconvenção, que não foi admitida no processo.

- Indefiro à realização da prova pericial requerida pela ré na contestação, por esse meio de prova se destinar à demonstração da matéria da reconvenção, que não foi admitida no processo.” (Fim da citação.)


*

Inconformada, a Ré recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida no despacho saneador que julgou inadmissível a reconvenção deduzida pela Recorrente e que, consequentemente, não admitiu os requerimentos probatórios da Ré quanto ao pedido de junção de documentos na posse da parte contrária e à realização da prova pericial.

B. Resumidamente, em sede de petição inicial, a Autora peticionou a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 21.516,23€ (vinte e um mil, quinhentos e dezasseis euros e vinte e três cêntimos), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento, referente ao valor do contrato de seguro “Maximus Investimento” com a apólice nº F0..., celebrado com o tomador AA, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 473º, nºs 1 e 2 do CC.

C. Posteriormente, veio a Ré, ora Recorrente, apresentar contestação, mediante a qual se opôs à pretensão da Recorrida e exerceu a sua defesa nos termos dos artigos 569º e seguintes do CPC,

D. e deduziu reconvenção, peticionando o reconhecimento de um crédito sobre a Autora no valor de 23.345,27€ (vinte e três mil, trezentos e quarenta e cinco mil euros e vinte e sete cêntimos), a compensar com o crédito peticionado pela Autora na presente ação.

E. A reconvenção da Ré, ora Recorrente, foi deduzida nos termos do artigo 266º, nºs 1 e 2, al. c) do CPC ainda conjugado com os artigos 266º, nº 3 a contrario sensu, 530º, nº 3, 93º e 583º, nº 1 do CPC e com fundamento nos artigos 847º e 853º a contrario sensu do CC.

F. E segundo crê a Recorrente foi devidamente fundamentada, de facto e de direito.

G. Não obstante, veio o Tribunal a quo julgar inadmissível a reconvenção deduzida entendendo, por um lado, que o pedido da Ré não emerge do facto jurídico que serve fundamento à ação e, por outro lado, que não estão reunidos os requisitos legais de que depende a compensação nos termos do artigo 847º do CC, por entender que a Ré não confessou, em sede de contestação ou de reconvenção o crédito de que a Autora se arroga credora, antes se lhe opondo, nem deduziu a reconvenção, expressa ou tacitamente, a título subsidiário para a hipótese de ficar demonstrada a existência do crédito da Autora sobre a Ré.

H. Ora, em primeiro lugar refira-se que a reconvenção foi deduzida com fundamento na al. c) do nº 2 do artigo 266º do CPC isto é, para efeitos de reconhecimento de um crédito sobre a Autora e obtenção da compensação do mesmo pelo crédito da Autora, e não nos termos da al. a) do mesmo preceito legal, esta sim que apenas admite a reconvenção se o pedido do réu emergir do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa.

I. E conforme tem sido entendido pela jurisprudência e resulta, segundo cremos, da letra do artigo 266º, nº 2, al. c) do CPC, sempre que o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor, deverá exercer o seu direito por via reconvencional,

J. Ou seja, pretendendo a Ré, como pretende e claramente alegou na reconvenção, fazer operar a compensação de créditos face ao invocado pela Autora, crédito esse aliás que estima ser superior ao peticionado por esta, então o meio próprio para o fazer é precisamente o da reconvenção.

K. Em segundo lugar, cabe referir que em sede de contestação a Ré veio defender-se por exceção e por impugnação do peticionado pela Autora por entender que esta não tem razão e que não é para com ela devedora do montante peticionado, e depois já em reconvenção vem alegar a existência de um crédito entre as partes em que a posição destas se inverte, isto é, em que a Ré é credora e a Autora é devedora, o que se percebe perfeitamente face ao teor da reconvenção.

L. Ora, ao contrário do entendido pelo Tribunal a quo, consta expressamente alegado pela Ré no artigo 65º da reconvenção que “verifica-se que Autora e Ré são simultânea e reciprocamente devedoras e credoras de quantias monetárias, pretendendo a Ré ver reconhecido o seu crédito, obter a compensação do mesmo […]”,

M. e também resulta expressamente alegado no artigo 66º da reconvenção que “A

compensação está sujeita à verificação dos requisitos dispostos nos artigos 847º do CC, que face ao supra exposto se encontram manifestamente preenchidos, designadamente: ambas as partes detêm um crédito sobre a outra, sendo reciprocamente credoras e devedores; […] ambas as obrigações são fungíveis, da mesma espécie e qualidade (artigo 207º do CC), já que correspondem a quantias monetárias devidas; […].

N. Tudo visto, do alegado nos artigos 65º e 66º da reconvenção e também em conjugação com o demais alegado em sede de reconvenção, efetivamente se verifica que a reconvenção é subsidiária à improcedência da defesa deduzida e procedência do pedido da Autora, estando preenchidos (ou pelo menos alegados) os pressuposto de que depende a compensação de créditos nos termos do artigo 847º do CC.

O. Mais ainda, conforme também tem sido entendido pela jurisprudência, nomeadamente pela citada em sede de motivações, quando é invocada a compensação de créditos, não se pretende a extinção do direito do autor por qualquer circunstância inerente ao mesmo ou à relação jurídica invocada na petição, mas sim com base numa outra relação jurídica entre as partes, a qual pode ser absolutamente distinta da apresentada pelo autor.

P. Ou seja, naturalmente que sem prescindir dos fundamentos de defesa, entende a Ré que detém um crédito sobre a Autora e que pode ser compensado nos autos, obviamente que no caso de ser procedente a pretensão da Autora, pois só assim faz sentido toda a alegação expendida pela ora Recorrente no articulado da reconvenção.

Q. Em terceiro lugar, parece-nos de repugnar o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo segundo o qual não havendo confissão da Ré no sentido de se confessar devedora nos autos da quantia peticionada pela Autora, fica impossibilitada de requerer a compensação de créditos de que entende ser credora e a Autora devedora.

R. Este entendimento colide desde logo e manifestamente com o direito de defesa da Ré – que é um direito basilar do processo civil português – disposto nos artigos 3º, nº 1, 2ª parte e 266º do CPC e ainda no artigo 20º da CRP, direito este aliás irrenunciável, conforme ensina Lebre de Freitas (In: Introdução ao Processo Civil – Conceito e princípios gerais à luz do novo código”, 3ª edição, 2013, Coimbra Editora, p. 101) e ainda com os princípios do contraditório e da igualdade das partes previstos, respetivamente, nos artigos 3º, nº 1, 2ª parte e nº 3 e no artigo 4º do CPC.

S. Face a tudo quanto vai exposto, entendemos que a posição sufragada pelo Tribunal a quo na decisão ora recorrida é ilegal, por violar o disposto nos artigos 266º, nº 2, al. c), 530º, nº 3, 2ª parte, 3º, nºs 1 e 3, e 4º do CPC e no artigo 847º do CC, sendo também inconstitucional por violar o artigo 20º da CRP no que respeita ao direito de defesa da Ré.

T. Pelo que andou mal o Tribunal a quo ao julgar inadmissível a reconvenção deduzida pela Ré, devendo esta decisão ser revogada e substituída por uma outra que, em cumprimento do disposto nas citadas disposições legais, admita a reconvenção deduzida pela Ré.

U. Veio ainda o Tribunal a quo julgar inadmissíveis os requerimentos de prova formulados pela Ré em sede de contestação com reconvenção de documentos na posse da parte contrária e de produção de prova pericial, por estarem afetos à reconvenção julgada inadmissível.

V. Porém, face à posição defendida no presente recurso e entendendo-se que a reconvenção deve ser admitida, deverão também ser deferidos os requerimentos da prova.

W. Com efeito, o pedido reconvencional deduzido reporta-se a um crédito a favor da Ré e a cargo da Autora referente a comissões de remunerações vencidas do contrato de mediação de seguros entre ambas celebrado e resolvido pela Autora em 30/06/2018 e a indemnização da clientela.

X. Ora, conforme alegado em sede de reconvenção, com a resolução contratual em 30/06/2018 a Autora bloqueou todos os acessos da Ré à base de dados informática e assim a toda a documentação informatizada ali guardada, ficando a Ré sem acesso à carteira de clientes que houvera angariado, aos contratos que se encontravam sob a sua gestão e sem auferir as comissões referentes a esse ano de 2018, que nunca lhe foram pagas pela Autora.

Y. Ou seja, uma vez que foi vedado à Ré o acesso à plataforma eletrónica/base de dados, esta não conhece, nem tem como conhecer, qual o montante/valor exato das comissões que lhe são devidas pelos 6 meses em que o contrato se manteve em vigor no ano de 2018, mas estimando que o valor do ano de 2018 não sofrerá desvios substanciais face às comissões auferidas no ano anterior, em 2017.

Z. Tudo ainda com influência no apuramento da indemnização de clientela nos termos contratuais a que a Recorrente entende ter direito.

AA. Ora, os referidos documentos na posse da parte contrária foram requeridos precisamente para efeitos de apuramento do crédito cuja compensação se pretende nos termos e em escrupuloso cumprimento do disposto no artigo 429º do CPC.

BB. O mesmo se diga quanto à prova pericial a produzir, requerida nos termos e em cumprimento com o disposto nos artigos 388º e 389º do CC e 467º e seguintes e 475º do CPC, inclusivamente com indicação dos respetivos quesitos.

CC. Pelo que julgando-se admissível a reconvenção conforme se defende no presente recurso, devem ser deferidos os requerimentos de junção de documentos na posse da parte contrária e de realização de perícia singular formulados pela Recorrente, pois decisão contrária viola, respetivamente, o disposto nos artigos 429º do CPC e nos artigos 388º e 389º do CC e 467º e seguintes e 475º do CPC.

DD. Pelo que deve a decisão ora recorrida ser revogada também na parte em que indefere os requerimentos de prova de documentos na posse da parte contrária e de prova pericial e substituída por outra que, julgando admissível a reconvenção, admitida/defira esses requerimentos de prova.


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            A Autora contra-alegou, defendendo a correção do decidido.

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            Questões a decidir:

            A admissibilidade da reconvenção e, em consequência, dos meios de prova rejeitados em função da inadmissibilidade daquela.


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            Os factos a considerar são os que resultam do relatório antecedente e das considerações infra exaradas.

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Nos termos da alínea c), do n.º 2, do art.º 266.º do Código de Processo Civil, é admissível a reconvenção quando o réu pretenda o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.

Esta admissibilidade ocorre independentemente do facto jurídico de que emergem o crédito do autor e o crédito do reconvinte.

A compensação pode implicar a invocação de uma (outra) relação jurídica, da qual emerge o crédito invocado pelo réu, a qual é paralela à relação jurídica que sustenta o pedido do autor.

No caso, no âmbito de uma relação de mediação aceite, terão ocorrido os factos invocados por autora e ré. A primeira invoca a apropriação indevida de certa verba de um resgate de certo seguro, a segunda o não pagamento de comissões e da indemnização de clientela resultantes da extinção da relação de mediação.

Neste contexto, nada obsta ao conhecimento da reconvenção.

E impedirá esse conhecimento o facto de a ré negar/impugnar o crédito da autora?

Como assinala Teixeira de Sousa (Blog do IPPC, entradas de 9.7.2020 e de 18.1.2022), criticando alguma jurisprudência restritiva, “a compensação que o réu pretende provocar pressupõe o reconhecimento do crédito do autor (e a improcedência de qualquer defesa do réu). Isto origina duas situações possíveis: (i) o réu pode reconhecer o crédito do autor e invocar, a título principal, o contracrédito, de molde a provocar a extinção daquele crédito; (ii) o réu pode contestar o crédito do autor e alegar, a título subsidiário, o contracrédito, para o caso de o tribunal vir a reconhecer o crédito do autor.

            No caso, ao contrário do entendido pelo Tribunal recorrido, resulta da reconvenção que a ré admite a possibilidade de aquele vir a reconhecer o crédito da autora. Embora a ré não use a expressão “subsidiariamente”, e use a expressão “sem prescindir”, ela expressa-se de modo a colocar a discussão do seu pretenso crédito para o caso do crédito da autora vir a ser reconhecido. Neste sentido, no conjunto do articulado, especialmente os arts.65 e 66 da sua contestação/reconvenção. (De qualquer maneira, perante alguma imprecisão ou aparente contradição no articulado, a parte deveria ser confrontada com ela, vindo esclarecer o que deixou claro neste recurso.)

Também é certo que a autora, na réplica, admite a discussão do crédito da ré (pelo menos parcialmente), demonstrando compreender o articulado.

Assim, perante o normativo em causa, na defesa da economia processual (evitar a duplicação de processos) e da compensação de créditos (imediata liquidação de dívidas), o facto da ré contestar o crédito do autor não impede o conhecimento do contracrédito, avaliado no caso do reconhecimento (judicial) do crédito da autora.

            Sendo admissível a reconvenção, as provas rejeitadas, porque estavam ligadas à não admissão daquela, também devem ser liminarmente aceites.


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            Decisão.

            Julga-se o recurso procedente e revogam-se as decisões recorridas, admitindo a reconvenção e a prova apresentada para a mesma.

Custas pela Recorrida, vencida.

            Coimbra, 2022-02-15


(Fernando Monteiro)

(Carlos Moreira)

(João Moreira do Carmo)