Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2523/12.0TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: ACESSÃO INDUSTRIAL IMOBILIÁRIA
OBJECTO
ACESSÃO
Data do Acordão: 10/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – J.C. CÍVEL DE LEIRIA – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 1340º, Nº 1 DO C. CIVIL.
Sumário: Na acessão industrial imobiliária, como forma de aquisição originária do direito de propriedade (art.1340º, nº1 do CC), o objecto da acessão deve ser delimitado a partir do critério da “unidade económica”, pelo que pode ser apenas o terreno onde a obra estiver a ser feita e já não todo o prédio.
Decisão Texto Integral:











Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

1.1.Os Autores –A... e marido N... – instauraram acção declarativa com forma de processo ordinário, contra os Réus – M... e marido L...

            Alegando, em resumo, que são donos de dois prédios rústicos que os Réus ocupam ilegitimamente, pediram cumulativamente a condenação dos Réus:

            a)A reconhecer que os Autores são donos e legítimos proprietários dos prédios identificados no art.1º da petição e entrega-los livre e devolutos

            b)A pagar a título de indemnização a quantia anual de €500,00 até efectiva desocupação, acrescida de juros desde a citação.

            Contestaram os Réus e em reconvenção alegando a aquisição por usucapião e a acessão industrial imobiliária, pediram a condenação dos Autores:

            i)A reconhecer que as construções com área de 551,54 m2, nomeadamente a casa de habitação inscrita na matriz sob o art..., são propriedade dos Réus, por as haverem adquirido por usucapião;

ii)A reconhecer que os RR têm direito a haver para si desde 1974 os prédios rústicos inscritos na matriz predial sob os arts. ..., e consequente cancelamento do registo.

Os Aurores replicaram contraditando a reconvenção.

No saneador afirmou-se a validade  e regularidade da instância.

1.2.- Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu:

a)” Declarar que os AA. são donos e legítimos proprietários dos prédios ido em 6.1.a. e b., com exceção da parcela de 551, 54 m2. e assim condenar os RR. a retirar coisas e pessoas de tais prédios, deixando-os livres e devolutos.

b)Condenar os RR. a pagar 500 euros /ano até à efectiva desocupação, acrescida de juros contados desde a data da citação até efectivo pagamento.

c)Condenar os AA. a reconhecer que os RR. adquiriram, por incorporação desde 1974, a parcela de terrenos dos prédios ido em 9.1. de 551, 54 m2 de área integrando a casa de habitação inscrita na matriz predial urbana de ... sob o artigo ..., pagando para o efeito, em sessenta dias após trânsito o valor daquele ano, correspondente a 27.577$00 escudos portugueses, actualizado até à data da presente sentença sob o índice de preços do INE.”

            1.3.- Inconformados, os Réus recorreram de apelação com as seguintes conclusões:

...

            Os Autores contra-alegaram  no sentido da improcedência do recurso.


II – FUNDAMENTAÇÃO

            2.1.- O objecto do recurso

            As questões submetidas a recurso, delimitado pelas conclusões, são as seguintes:

            Impugnação de facto ( alínea e) );

            Se a acessão industrial imobiliária pode abranger apenas parte dos prédios (“acessão parcelar”).

            2.2. -Os factos provados ( descritos na sentença )

...

2.3.- A impugnação de facto

O tribunal deu como provado que

 “e.Os RR. realizaram construções numa área de 551,54 m2, desde 1974, sempre autorizados pelos pais da A. e da R., sem qualquer oposição, há mais de trinta anos, de forma pública, convictos que não lesavam ninguém, construções essas que ocupam parte ambos prédios a. e b., sendo distintas destes, tendo o R. declarado em 1988 à AT a propriedade plena da casa de habitação de rés do chão e 1° andar, mediante a inscrição...”

Conforme fundamentação, justificou nos seguintes termos:

“A matéria fáctica provada de a. a e. adveio da admissão por acordo. Em relação ao facto e. no que diz respeito à ocupação de ambos prédios, adveio do relatório pericial na resposta constante a fls. 255 e 256, tendo atendido ao doc, de fls. 64. Este documento, a inscrição matricial, é um reconhecimento de tal distinção e autonomia realizado pelos próprios RR..”.

            Pretendem os Apelantes a alteração no sentido de se julgar como não provado que as construções numa área de 551,54 m2 são distintas da parte remanescente dos prédios (identificados em a) e b) ), por ausência de acordo e de qualquer prova, devendo, por isso, considerar-se provado apenas que - “Os RR. realizaram construções numa área de 551,54 m2, desde 1974, sempre autorizados pelos pais da A. e da R., sem qualquer oposição, há mais de trinta anos, de forma pública, convictos que não lesavam ninguém, construções essas que ocupam parte ambos dos prédios a. e b., tendo o R. declarado em 1988 à AT a propriedade plena da casa de habitação de rés do chão e 1º andas, mediante a inscrição ...”.

            Verifica-se ter havido acordo das partes quanto às construções erigidas pelos Réus e respectiva área de 551,54 m2 (cf. art.8 da contestação e 34 da réplica).

            A questão coloca-se quanto à “autonomia” da parcela destas construções em relação à restante área dos dois prédios rústicos, e sobre a qual as partes dissentiram nos articulados. Atente-se na alegação dos Réus de que os prédios rústicos começaram a ser possuídos por eles, semeando e amanhando de lés a lés, há mais de 30 anos ( cf. arts.4º a 10º da contestação), que foi expressamente impugnada pelos Autores na réplica ( cf. arts.7, 9, 10, 23, 35).

            Contudo, para além de não se provar que “os Réus há mais de 30 anos semeiam, cultivam, amanham os prédios rústicos de lés a lés”, facto que não foi sequer impugnado, verifica-se que o relatório da perícia colegial, com os subsequentes esclarecimentos (cf. fls. 254 e segs., 296 e segs.) é suficientemente elucidativo no que concerne à distinção e autonomia em relação à parte remanescente.

Na verdade, o relatório concluiu unanimemente que as construções feitas pelos Réus (casa de r/c e 1º andar, barracão, pocilga e telheiro) tem uma área de 551,543 m2 e foram implantadas no terreno dos prédios dos artigos matriciais..., tendo como confrontação “a norte a ...”, afirmando que “toda a área se encontra vedada pelas paredes das construções existentes”, bem assim que “ o prédio urbano e os anexos estão fisicamente individualizados dos terrenos rústicos adjacentes”.

            Improcede a impugnação de facto, mantendo-se intangível a factualidade descrita

            2.4.- A acessão industrial imobiliária – acessão parcelar

            A sentença recorrida considerou comprovada aquisição do direito de propriedade através da acessão industrial imobiliária ( art.1340 CC) em relação não à totalidade dos dois prédios rústicos, mas apenas e tão só à parcela com área de 551,54 m2 ( onde foi edificada a casa e construções anexas), mediante o pagamento da quantia de 27.577 escudos portugueses, actualizada à data da sentença de acordo com o índice de preços do INE.

            Com efeito, reconhecendo os requisitos legais da acessão, a sentença refere, no entanto, que “ a incorporação abrange tão somente a parcela dos prédios rústicos onde se encontram incorporadas as construções e não as distintas e restantes parcelas dos prédios rústicos”.

            Os Réus/Apelantes objectam dizendo que a acessão incide sobre a totalidade dos prédios, por não ser admissível a “acessão parcelar” e, por outro lado, a não ser assim, há violação do art.1376 do CC devido à proibição do fracionamento de prédios rústicos com área inferior à unidade de cultura.

Fizeram-no, desde logo, no pressuposto da alteração de facto, que não lograram obter, comprometendo a pretensão recursiva.

            Na análise interpretativa do instituto da acessão industrial imobiliária, como forma de aquisição originária do direito de propriedade, e a partir da norma do art.1340 nº1 do CC , máxime quanto ao segmento “ o autor da incorporação adquire a propriedade dele (…)”, tem-se questionado se o objecto da acessão é todo o prédio ou só a parte do mesmo em que a obra é feita.

            Há quem entenda que a acessão terá que abranger a totalidade do prédio, argumentando-se com a letra da lei - “propriedade dele” ( interpretada como dele/prédio) e com o prejuízo para os proprietários do solo por favorecer a fragmentação da propriedade ( cf. Rui Pinto Duarte, “A Jurisprudência Portuguesa Sobre Acessão Industrial Imobiliária – Algumas Observações”, Revista Themis, Ano III, nº5, 2002, pág. 255 e segs.)

            Porém, adere-se à orientação jurisprudencial prevalecente de que o objecto da acessão pode ser apenas o terreno onde a obra estiver a ser feita e já não todo o prédio (cf., por ex.,  Ac STJ de 5/3/96 ( CJ 1996, tomo 1º, pág.129), Ac STJ de 17/2/2000 ( CJ 2000, 1º, pág. 105), Ac STJ de 20/5/2003 ( proc. nº 03A988), Ac STJ de 19/4/2012 ( proc. nº 34/09 ), Ac STJ de 20/5/2014 ( proc. nº 11430/00), disponíveis em www dgsi.pt ).

            Esta posição parte do balanceamento dos interesses em conflito e arranca do critério da “unidade económica “ para delimitar o objecto  da acessão, ou seja, o prédio que o autor da acessão adquire é “ a unidade económica em que se integra a construção ou a unidade económica distinta que se criou com a própria construção”.

            Sintetizando-se esta orientação, afirma-se no Ac STJ de 20/5/2014 – “A totalidade do prédio a que alude o normativo do citado art. 1340.º do CC, atentos os fins da acessão, só pode considerar-se como sendo a nova unidade económica formada pelo terreno e pela construção edificada, já que é apenas relativamente a estes que existe o conflito de direitos que a lei quer resolver; a aquisição por acessão tanto pode abranger a totalidade do prédio como a parte em que se incorporaram as obras, sendo essencial que com estas se tenha formado uma unidade económica distinta”.

            Neste contexto e considerando a factualidade apurada, a acessão incidiu sobre a parcela de 551,54 m2, na qual os Réus erigiram a casa de habitação e construções anexas, constituindo uma unidade económica distinta dos prédios rústicos ( referidos em a) e b) ).

            Os Réus/apelantes imputam a violação do disposto no art.1376 do CC quanto à proibição de fracionamento de prédios rústicos e violação da legislação do loteamento.

            Importa observar, a este respeito, que não está em causa o fracionamento de prédio rústico (divisão em parcelas aptas à cultura), sendo legítimo o fracionamento para construção (art.1377 c) CC), e para quem sustente nestes casos, afora tratar-se de uma aquisição originária de direito de propriedade, o cumprimento da legislação administrativa sobre os loteamentos e destaque  ( cf. RJUE, aprovado pelo DL nº555/99 de 16/12) tendo em conta a unidade do ordenamento jurídico de modo a evitar-se fraude à lei, caberia aos Réus a alegação e prova da legalidade do destaque ( cf., por ex., Ac STJ de 1/6/2010 ( proc. nº 133/1994), Ac STJ de 19/4/2012 ( proc. nº 34/09), disponíveis em www dgsi.pt )

            Ora, esta questão apenas foi alegada em sede recursiva e para defender a acessão integral da totalidade dos prédios, e já não para postergar a aquisição do direito de propriedade por via da acessão industrial imobiliária, mas para lá da problemática e implicações da legislação administrativa, há que que ter em conta aqui o princípio da proibição da reformatio in pejus ( art.635 nº5 CPC) , com larga tradição histórica no processo civil, significando que a decisão do recurso não pode ser mais desfavorável para o recorrente do que a decisão recorrida ( cf. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág.467).

            2.4.- Síntese conclusiva

            Na acessão industrial imobiliária, como forma de aquisição originária do direito de propriedade (art.1340 nº1 do CC), o objecto da acessão deve ser delimitado a partir do critério da “unidade económica”, pelo que pode ser apenas o terreno onde a obra estiver a ser feita e já não todo o prédio .


III – DECISÃO

            Pelo exposto, decidem:

1)

Julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.

2)

Condenar os Apelantes nas custas.

            Coimbra, 11 de Outubro de 2017.


( Jorge Arcanjo )

( Isaías Pádua )

( Manuel Capelo )