Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
863/10.1TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
PROCESSO LABORAL
CONTRATO DE SEGURO DO RAMO DE ACIDENTES DE TRABALHO
PRÉMIO VARIÁVEL
FOLHA DE FÉRIAS
FOLHA DE REMUNERAÇÃO
GERENTES REMUNERADOS
SUA INCLUSÃO NA FOLHA DE FÉRIAS.
Data do Acordão: 12/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – INST. CENTRAL- 1ª SEC. DE TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 72º, Nº 1 DO CPT; 79º, 80º E 81º DA NLAT (LEI Nº 98/2009, DE 04/09); PORTARIA Nº 256/11, DE 05/06; AC. STJ UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA Nº 10/2001, DE 21/11/2001, IN DR, I-A, DE 27/12/2001.
Sumário: I – Em princípio, só os factos alegados podem ser considerados pelo tribunal, pois que, embora mitigado, ainda vigora no processo laboral o princípio do dispositivo.

II – Porém, se no decurso da produção da prova surgirem factos que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve ampliar a base instrutória ou, não a havendo, tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto, desde que sobre eles tenha incidido discussão – nº 1 do artº 72º do CPC.

III- Nos contratos de seguro do ramo de acidentes de trabalho na modalidade de prémio variável ou de ‘folha de férias’ ou ‘folhas de remuneração’ é obrigação do tomador do seguro o envio dessas folhas à seguradora até ao dia 15 do mês seguinte a que respeitam as remunerações.

IV – No contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, a omissão do trabalhador sinistrado nas folhas de férias remetidas mensalmente pela entidade patronal à seguradora não gera a nulidade do contrato, nos termos do artº 429º do C. Comercial, antes determina a não cobertura do trabalhador sinistrado pelo contrato de seguro.

V – A Portaria nº 256/11, de 05/06, que aprovou a parte uniforme das condições gerais da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem dispõe, na sua cl.ª 1ª, al. d) – definições -, que ‘para efeitos do presente contrato entende-se por ... d) ‘pessoa segura’, o trabalhador por conta de outrem, ao serviço do tomador do seguro, titular do interesse seguro, bem como os administradores, directores, gerentes ou equiparados, quando remunerados’’.

VI – Da conjugação destas normas podemos verificar que a lei equipara os gerentes, desde que remunerados, ao trabalhador por conta de outrem.

VII – Por isso, um qualquer empresa estará obrigada a transferir para uma seguradora a responsabilidade infortunística relativa aos acidentes de trabalho ocorridos com os seus gerentes, desde que estes sejam remunerados.

VIII – Quando tal não aconteça, fica essa empresa obrigada a reparar um acidente de trabalho que ocorra com um seu gerente remunerado (desde que não tenha contrato com uma seguradora essa transferência).

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Depois de decorrida a fase conciliatória nos presentes autos de processo especial emergente de acidente de trabalho sem que tivesse sido possível obter a conciliação, veio A... -, residente na Rua (... ), Vermoil, instaurar a  presente acção e demandar “B... , S.A”, com sede na Rua (... ) , Lisboa, pedindo que a R. seja condenada a pagar ao A.:

a) Uma pensão anual e vitalícia no montante de 2.940,00 €, com início em 29.06.2010.

b) Uma indemnização de 3.201,25 € relativa aos períodos de incapacidade temporária.

c) A quantia de 200,00 € a título de despesas com alimentação e deslocações obrigatórias.

d) O pagamento de todas as ajudas medicamentosas, terapêuticas e técnicas que o A. venha a necessitar e que decorram directamente das lesões resultantes do acidente de trabalho de que foi vítima.

Para tanto, invocou resumidamente a existência de um acidente de trabalho e de um vínculo laboral, e bem assim a existência de um contrato de seguro a transferir a responsabilidade infortunística para a seguradora.


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Contestou a Ré alegando, em síntese, que à data do acidente – 26 de Abril de 2010 -, o A. não se encontrava abrangido pelo contrato de seguro de acidentes de trabalho titulado pela apólice n.º (... ) ; que o seguro em apreço era na modalidade de seguro completo a prémio variável; que a folha referente ao mês do acidente só foi recepcionada pela aqui R. em 21 de Setembro de 2010 e que a remuneração do A. na folha do mês de Abril de 2010 que a R. recebeu em Setembro desse ano, refere o valor de 1.100,00 € e não de 3.000,00 €.

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II – Foi proferido despacho saneador e foram fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória.

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No apenso de fixação de incapacidade para o trabalho, o A. foi considerado curado, mas portador de um coeficiente de desvalorização de 3% (0,03) de IPP, desde o dia imediato ao da alta, ocorrida esta em 29.06.2010 e, que o mesmo sinistrado se encontrou na situação de ITA (incapacidade temporária absoluta) desde 27.04.2010 a 19.05.2010 e, ITP (incapacidade temporária parcial) de 50% desde 20.05.2010 a 09.06.2010 e, de 30% de 10.06.2010 a 28.06.2010.

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Foi ordenada a intervenção nos autos da firma denominada “F... , LDA”, sem que tenha vindo deduzir qualquer contestação apesar de devidamente citada.

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No normal prosseguimento dos autos, realizou-se audiência de discussão e julgamento tendo, a final, sido proferida sentença na qual se julgou a presente acção totalmente improcedente e, em consequência absolveu a R. “ B... , S.A.” da totalidade do pedido

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III – Inconformado veio o autor apelar, alegando e concluindo:

[…]

Deverá a Ré ser condenada nos pedidos contra ela formulados.


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Respondeu a seguradora alegando em síntese útil:

[…]


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Nesta Relação a Exmª PGA emitiu fundamentado parecer no sentido da procedência da apelação, parecer este a que responderam ambas as partes.

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Recebida a apelação e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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IVDos factos:

Da 1ª instância vem apurada a seguinte matéria de facto:

1) Com data de 26.04.2010, o A. A... elaborou a participação de acidente de trabalho de fls. 14.º e sgs. junta aos autos (cujo teor e conteúdo aqui se tem por integralmente reproduzida), na qual se menciona que o A. na qualidade de empresário, auferindo um salário base mensal de 940,90 €, no dia 26.04.2010, pelas 08H30, nas instalações da empresa sitas em Vermoil, ao puxar umas máquinas, caiu, magoando o pulso direito e, o polegar da mesma mão.

2) Tendo sido o A. submetido a exame médico no Instituto Nacional de Medicina Legal, foi o A. considerado curado, portador das seguintes sequelas: rigidez da interfalângica do polegar direito com engrossamento da articulação.

3) Nesse exame médico foi atribuído ao A. uma IPP de 3% (0,03) de coeficiente de desvalorização; considerou-se a data da consolidação médico-legal das lesões fixável em 29.06.2010 e, que sofreu os seguintes períodos de incapacidade temporária para o trabalho: Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) de 27.04.2010 a 19.05.2010 e, Incapacidade Temporária Parcial (ITP) de 50% de 20.05.2010 a 09.06.2010 e, de 30% de 10.06.2010 a 28.06.2010.

4) A R. seguradora nada pagou ao A. a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária sofridos, declinando toda e qualquer responsabilidade.

5) O A. nasceu no dia 14 de Fevereiro de 1971 – vide, o teor da certidão de nascimento de fls. 36.º do PP -, cujo teor e conteúdo aqui se tem por integralmente reproduzido.

6) Foi inscrita no registo comercial a fusão, por incorporação, da K...., S.A, na Companhia de Seguros W... , S.A que, alterou a sua denominação social para “ B... , S.A”.

7) O autor desempenhava as funções de gerente na sociedade comercial F... Lda, desde 2007.06.06.

8) O exercício da sua actividade comportava a execução de todas as funções inerentes à actividade da empresa de construção e revestimento de pavimentos e paredes, realizando as tarefas associadas.

9) O A. no mês de Abril de 2010 por 11 dias fez indicar junto da Segurança Social um extracto de remuneração no valor de 1.100,00 € (dando-se indicação nesse organismo que o sócio-gerente da empresa “ F... , lda”, passa a ser remunerado a partir de 15.04.2010), sendo que nos meses anteriores não tinha feito quaisquer descontos e, nos meses seguintes, encontram-se registados os seguintes extractos de remuneração: - Maio (11 dias) 580,65 €; Junho (1 dia) 1.930,00 €; Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2010 (30 dias) 3.000,00 €.

10) No dia 26/04/2010, quando o autor prestava a sua actividade profissional que, na altura, consistia em carregar paletes de mosaicos e azulejos e equipamento eléctrico de trabalho para uma carrinha de caixa fechada, este escorregou e caiu.

11) Da queda resultaram, para o autor, lesões e sequelas ao nível do pulso direito e polegar direito.

12) O A. em deslocações obrigatórias a exames médicos e, tentativa de conciliação e, ao GML, despendeu determinada quantia em montante não concretamente apurada.

13) Em 26 de Abril de 2010 encontrava-se em vigor o seguro de acidentes de trabalho titulado pela apólice n.º (...) – modalidade prémio variável, mediante o qual a sociedade “ F... , Lda.”, transferira para a R. (então K...”) a responsabilidade infortunística dos trabalhadores que constassem das folhas de férias enviadas para a seguradora por aquela entidade empregadora até ao dia 15 de cada mês.

14) Nas folhas de férias na posse da seguradora em 26 de Abril de 2010 o A. não constava das mesmas.

15) A folha referente ao mês do acidente só foi recepcionada pela aqui R., em 21 de Setembro de 2010.

16) A remuneração do A. na folha do mês de Abril de 2010 que a R. recebeu em Setembro desse ano, refere o valor de 1.100,00 € e não de 3.000,00 €.


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V - Do direito:

Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões (artºs 685-A e 690° nºs 1 ambos do Código de Processo Civil), as questões a decidir podem enunciar-se do seguinte modo:

1. Saber se há lugar à alteração da matéria de facto.

2. Se o contrato de seguro celebrado na modalidade de “folhas de férias” titulado pela apólice n.º (...) dá cobertura ao acidente de trabalho cujo sinistrado é autor.

3. Se a chamada “ F... , Lda”, deve ser responsabilizada pela reparação do acidente.

Da alteração da matéria de facto:

Pretende a recorrente que matéria dos factos elencados na sentença sob os nºs 14, 15 e 16 seja considerada como não provada e que seja aditada aos factos provados a seguinte matéria:

17) O perito da R. foi averiguar o sinistro no início do mês de Maio de 2010, em data que não se logra precisar mas sempre antes do dia 15 desse mesmo mês;

18) No dia da averiguação do sinistro, o perito da R. solicitou ao A. as folhas de férias referentes ao mês de Abril de 2010;

19) O A., nessa mesma data, entregou ao perito da R. as folhas de férias referentes ao mês de Abril.

20) O A. consta na folha de férias referente ao mês de Abril de 2010 e entregue ao perito naquela data.

21) O A. auferia, à data do sinistro, a quantia de € 3.000,00 (três mil euros);

22) Nas folhas de férias relativas ao mês de Abril de 2010, consta que o trabalhador auferiu a quantia de € 1.100,00, a que corresponde o salário de € 3.000,00.

Em primeiro lugar é de relembrar que, em princípio, só os factos alegados podem ser considerados pelo tribunal pois que, embora mitigado, ainda vigora no processo laboral o princípio do dispositivo.

E dizemos em princípio porque se no decurso da produção da prova surgirem factos que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve ampliar a base instrutória ou, não a havendo, tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto, desde que sobre eles tenha incidido discussão – nº 1 do artigo 72º do Cód. Proc. Trabalho.

Este normativo, cujas raízes remontam já ao CT de 1963[1] pressupõe na nossa óptica, como já tivemos oportunidade de afirmar noutros arestos desta secção social, a necessidade de ser observado em 1ª instância, com vista a assegurar o contraditório.

Decorre do próprio preceito que o mecanismo processual nele previsto deve ser utilizado durante a realização do julgamento em 1ª instância, mesmo que os debates tenham já terminado (nº 2).

Não se concebe nem é razoável permitir à parte, que assistiu à produção de prova, a possibilidade de, depois de conhecer a decisão sobre a matéria de facto e o seu enquadramento jurídico, já em sede de recurso poder vir dizer que tal facto, não articulado, devia ter sido considerado provado porque esta ou aquela testemunha o afirmou em julgamento.

Dar esta possibilidade é subverter totalmente as normas processuais tornando a impugnação da matéria de facto num exercício ilimitado e infindável, para não dizer numa verdadeira “anarquia”.

Ora percorrendo os articulados, particularmente a petição e a resposta à contestação, não vislumbramos onde a matéria de facto que se pretende ver aditada tenha sido alegada (e, por isso, não foi considerada assente ou levada à base instrutória), bem como da consulta das actas de julgamento não resulta que tivesse sido utilizado o mecanismo previsto no artº 72º do CPT.

É certo que na resposta à contestação (artºs 6º e 7º) se alega que o recorrente após ter conhecimento da participação do acidente ao tribunal “enviou, no dia 06 de Julho de 2010, as folhas de seguros referentes ao mês de Abril ao mediador de Seguros (…)

Mas uma coisa é o envio das folhas ao mediador e outra bem diferente é a entrega dessas folhas ao perito no dia da averiguação do sinistro, alegação esta que apenas surgiu em sede de recurso.

Por todas estas razões não conheceremos da matéria que o recorrente pretende aditar.

Pede o recorrente que os factos 14 e 15 sejam dados como não provados. Baseia esta sua pretensão no teor das suas próprias declarações e no teor do depoimento da testemunha Z... , funcionário da seguradora.

Daquelas declarações e deste depoimento que lemos e ouvimos na parte atinente às passagens da gravação concretamente indicadas pelo recorrente (e são a estas passagens que o tribunal ad quem se deve ater na análise da impugnação da matéria de facto – alínea b) do nº 2 do artº 64º do CPC), verificamos que, efectivamente, ambos os depoentes convergem no sentido de, na data da realização da averiguação do sinistro, o sinistrado, ora recorrente, ter entregue ou disponibilizado ao perito da seguradora as folhas de férias, ao que supomos, relativas ao mês de Abril de 2010 (a passagem do depoimento do perito neste aspecto não é elucidativa).

Mas quanto à data da realização da perícia só o sinistrado refere que esta ocorreu no princípio de Maio. Da prova indicada pelo recorrente nada mais se infere quanto à data da entrega ao perito da folha de remunerações, sendo que do depoimento do Z... resulta haver dúvidas sobre a data da realização da perícia (cfr. passagem do depoimento desta testemunha transcrita na contra alegações).

O autor foi ouvido em julgamento na qualidade de parte nos termos do disposto no artº 466º do CPC (v. acta de 27.01.15 a fl 153), sendo que estas declarações são livremente apreciadas pelo tribunal, salvo de constituírem confissão (nº 3 do citado preceito).

Ora, a credibilidade do seu depoimento mostra-se seriamente abalada.

Por um lado, nos articulados omite ter procedido à entrega das folhas de Abril de 2010 ao perito, alegando apenas que entregou essas folhas ao mediador em 6 de Julho de 2010.

Por outro lado, para além de ser parte interessadíssima no desfecho da acção, é também o único gerente (e sócio) da tomadora do seguro, tendo sido ele que elaborou a acta nº 5  da sociedade F... , Lda a que foi aposta a data de 14 de Abril de 2010, não deixando de ser curioso ter sido “deliberado e aprovado por unanimidade que o gerente A... , auferirá uma remuneração mensal de e 3.000,00. Esta deliberação tem efeitos a partir do dia 15 de Abril de 2010…”, justamente, escassos dias antes da ocorrência do acidente, quando o próprio sinistrado recorrente exercia o cargo de gerente da tomadora desde Junho de 2007, ou seja, há cerca de três anos!

Por tudo isto, não podemos concluir pelo denominado erro de julgamento, que justifique a alteração da matéria de facto, mostrando-se a convicção da julgadora bem fundada quando na fundamentação escreveu que “as respostas dadas aos quesitos 7), 8), 9) e 10) resultam da conjugação dos seguintes elementos probatórios: - as condições particulares e especiais da apólice junta aos autos de fls. 16.º a 25.º do PP (cujo teor e conteúdo aqui se tem por integralmente reproduzido); As folhas de férias juntas nos três meses anteriores ao acidente de fls. 56.º a 58.º do PP e, a do mês do acidente de fls. 65.º do PP, a data do envio para os serviços da seguradora através do e-mail datado de 07 de setembro de 2010 (vide, fls. 66.º do PP) e, recebido pelos serviços da R. em 21 de Setembro de 2010; a confirmação de tal factualidade feita em sede de audiência de discussão e julgamento pela testemunha C... (na qualidade de profissional de seguros), dando conta da existência de um contrato de seguro celebrado pela empresa “ F... , lda”, na modalidade de folha de férias iniciado em Setembro de 2008 e, cuja apólice encontrava-se em vigor à data do acidente, explicitando que o seguro do tipo de folha de férias obriga que a relação das pessoas asseguradas seja remetida à seguradora até ao dia 15 do mês seguinte; mais referiu que a folha de férias do mês de Abril passou a incluir o A. só foi recepcionada pela seguradora após a recusa do sinistro em 22 de Julho, tendo-se tido conhecimento da mesma em 21 de Setembro de 2010 e, que à data do sinistro as folhas de férias não mencionavam o A”.

Improcede, pois, “in totum” a impugnação da matéria de facto que se mantém inalterada.

Da cobertura do contrato de seguro:

Em causa está um contrato de seguro do ramo de acidente de trabalho na modalidade de prémio variável ou de “folhas de férias” ou folhas de remuneração.

É obrigação do tomador do seguro o envio dessas folhas à seguradora até ao dia 15 do mês seguinte a que respeitam as remunerações.

Nisto, todos estamos de acordo.

A questão que se controverte é de saber qual a consequência jurídica decorrente do facto do tomador do seguro não cumprir esta obrigação, omitindo o trabalhador sinistrado nas folhas de remuneração relativas ao mês em que ocorreu o acidente.

Antes propriamente de entrar na análise da enunciada questão, relembre-se que a matéria de facto não foi alterada, pelo que terá se dar por definitivamente assente que as folhas de férias do mês de Abril de 2010, mês em que ocorreu o sinistro, nas quais se fez constar o nome do sinistrado, só deram entrada na seguradora no dia 21 de Setembro de 2010, ou seja, muito para além do prazo limite de 15 de Maio desse ano.

Mas ainda que tivesse vingado a tese do recorrente, qual seja a das folhas de férias relativas ao mês do sinistro terem sido entregues ao perito da seguradora antes do dia 15 de Maio, sempre esta entrega não podia ter qualquer relevância jurídica. Não está demonstrado que o perito tivesse poderes de representação da seguradora, sendo até certo que na maioria dos casos as peritagens no âmbito da actividade seguradora são efectuadas em regime de “outsourcing” por pessoas individuais ou por empresas criadas exactamente para o efeito.

A não ser assim, e passando a caricatura, estaria cumprida a obrigação do envio das folhas de remuneração com a simples entrega ao motorista da seguradora, ao porteiro ou até, porque não, à empregada de limpeza!

O tribunal a quo entendeu que o sinistro não se encontrava a coberto pelo contrato de seguro apelando ao decidido no Ac. do S.T.J uniformizador de Jurisprudência de 21 de Novembro de 2001, in DR, I-A, de 27 de Dezembro de 2001, que estabeleceu o seguinte: “No contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, a omissão do trabalhador sinistrado nas folhas de férias remetidas mensalmente pela entidade patronal à seguradora não gera a nulidade do contrato, nos termos do art. 429 do Cód. Comercial, antes determina a não cobertura do trabalhador sinistrado pelo contrato de seguro.”, lendo-se na sentença que “no caso dos autos, decorre da matéria de facto dada como provada que, o A. na qualidade de empresário/sócio gerente da firma “ F... , lda” elaborou a participação de acidente de trabalho de fls. 14.º e sgs., dando conta da ocorrência de uma queda do qual foi vítima, no dia 26.04.2010, quando se encontrava nas instalações da empresa sitas em Vermoil a puxar umas máquinas.

Provando-se ainda que: “em 26 de Abril de 2010 encontrava-se em vigor o seguro de acidentes de trabalho titulado pela apólice n.º (...) – modalidade prémio variável, mediante o qual a sociedade “ F... , lda”, transferira para a R. (então K...”) a responsabilidade infortunística dos trabalhadores que constassem das folhas de férias enviadas para a seguradora por aquela entidade empregadora até ao dia 15 de cada mês; Nas folhas de férias na posse da seguradora em 26 de abril de 2010 o A. não constava das mesmas”. E que: “A folha referente ao mês do acidente só foi recepcionada pela aqui R., em 21 de Setembro de 2010”. – vide, factos provados de 13) a 15).

Com arrimo nos factos acima dados por provados, há que convir que efectivamente a firma “ F... , lda”, antes da ocorrência do sinistro (26.04.2010), não mandou mensalmente, para a seguradora, até ao dia 15 de cada mês, a relação de salários pagos no mês anterior que abrangesse o aqui A./sinistrado na qualidade de empresário/sócio gerente.

Deflui do acima exposto, ter de se concluir que o A. não se encontrava abrangido pela cobertura do contrato de seguro de acidentes de trabalho titulado pela apólice n.º (...) ”.

Argumenta, no entanto o recorrente que as folhas de férias do acidente foram efectivamente enviadas à seguradora, tratando-se de um envio tardio que não determina a invalidade do contrato de seguro de prémio variável, nem a não cobertura do sinistrado, mas apenas a susceptibilidade da seguradora resolver o contrato ou agravar o prémio de seguro.

Vejamos:

O recorrente era sócio e gerente da tomadora do seguro (facto7), tendo passado a ser remunerado, como tal, pela tomadora do seguro a partir de 15 de Abril de 2010.

O artº. 10º. nº. 2 da apólice de acidentes de trabalho, junta a fls. 18 e seguintes dos autos, estipula que: “se a pessoa segura for um administrador, director, gerente ou equiparado, a alteração da retribuição para efeito de seguro, quando aceite, só produz efeitos a partir do 1º. dia do segundo mês posterior ao da alteração.

Esta disposição corresponde à prevista na cláusula 21 nº 3 do anexo à norma regulamentar nº. 1/2009 - de 8 de Janeiro do Instituto de Seguros de Portugal que aprova as condições gerais e especiais do seguro de acidentes de trabalho por conta de outrem.

Estas normas, conforme refere a seguradora nas suas contra alegações, visam evitar que as seguradoras fiquem à mercê de actuações menos escrupulosas de dirigentes societários que, por decisões unilaterais, possam aumentar o risco da seguradora. Ou seja, visam salvaguardar a boa fé na execução dos contratos.

Como refere José Vasques, in Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1997, p. 110 “da maior importância é a classificação do contrato de seguro como de boa fé: porque se baseia nas declarações prestadas pelo segurado, referindo-se alguns autores a uma uberrimae bona fidei, máxima boa fé, considerando-o elemento peculiar do contrato de seguro”, pretendendo sublinhar-se a “necessidade de absoluta lealdade do segurado para manter a equidade da relação contratual, uma vez que a seguradora é normalmente obrigada a confiar nas suas declarações, sem poder verificá-las aquando da subscrição”.

Assim sendo, a alteração remuneratória produzida através da deliberação de Abril de 2010, mês do acidente, (acta de fls. 227 junta pelo autor e cuja veracidade não mereceu qualquer reparo) não pode valer para efeitos de cobertura seguro pois tal alteração apenas podia produzir efeitos a partir do dia 1 de Maio de 2010.

Aliás, parece-nos ser jurisprudência seguida pelo STJ quando, em casos paralelos, tem vindo a decidir que se verifica uma situação de não cobertura do sinistrado pelo contrato de seguro quando este, como trabalhador independente ou pessoa na dependência económica do tomador, apesar de ter desempenhado funções nos meses anteriores ao acidente, o seu nome apenas surge incluído na primeira folha de retribuições recebida pela seguradora após o acidente

Da responsabilidade da chamada “ F... , Lda”:

Lê-se na sentença que “a obrigatoriedade de transferência da responsabilidade pela reparação infortunística nos termos do art. 79.º da NLAT (Lei n.º 98/2009, de 04/09), encontra-se apenas consagrada para os trabalhadores por conta de outrem, daí que, detendo o A. uma qualidade de direito societário/comercial (sócio gerente/empresário), a obrigatoriedade da celebração do contrato de seguro não se impõe (ficando tão só à discricionariedade e, vontade do titular do órgão societário a celebração ou não do mesmo).

Destarte, não tem aplicabilidade aqui o disposto no n’s 4 e 5 do art. 79.º da NLAT, não se condenando assim a chamada “ F... , lda”, pela reparação dos danos sofridos com a ocorrência do evento que se discute nos autos”.

O recorrente não concorda com este enquadramento pois segundo ele: “Dispõe o art.º 79.º da NLAT que o empregador é obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista na presente lei.

Nos termos do disposto no art.º 3º do mesmo diploma legal, refere-se que o regime previsto naquela lei abrange o trabalhador por conta de outrem.

Perscrutada a Portaria 256/2011, a qual aprova, no mais, a parte uniforme das condições gerais da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, pode ler-se que, por «Pessoa segura», se entende o trabalhador por conta de outrem, ao serviço do tomador do seguro, titular do interesse seguro, bem como os administradores, directores, gerentes ou equiparados, quando remunerados.

Outrossim o art.º 16º das Condições Gerais de Apólice de Seguro, assinala que, de entre as pessoas seguras, se conta outrossim o gerente, quando remunerado. Ora, Resulta, pois, dos incisos legais invocados que a transferência da responsabilidade da reparação infortunística encontra-se outrossim consagrada para os gerentes e, ainda que assim não sucedesse, a verdade é que, in casu, a entidade empregadora contratou a possibilidade de segurar o gerente.

Nesta senda, dúvidas não sobejam que soçobrando a responsabilidade da Ré seguradora – por culpa exclusiva da entidade empregadora, que não fez chegar tempestivamente as folhas de férias dos trabalhadores seguros junto da seguradora – sempre a mesma há-de recair na entidade empregadora”.

Dispõe o artº 79º da LAT/09:

1 - O empregador é obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista na presente lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro.

2 - A obrigação prevista no número anterior vale igualmente em relação ao empregador que contrate trabalhadores exclusivamente para prestar trabalho noutras empresas.

O seu artº 80.º (Dispensa de transferência de responsabilidade) estipula que “As obrigações impostas pelo artigo anterior não abrangem a administração central, regional e local e as demais entidades, na medida em que os respectivos funcionários e agentes sejam abrangidos pelo regime de acidentes em serviço ou outro regime legal com o mesmo âmbito.

E o seu artº 81.º (Apólice uniforme) estatui que “1 — A apólice uniforme do seguro de acidentes de trabalho adequada às diferentes profissões e actividades, de harmonia com os princípios estabelecidos na presente lei e respectiva legislação regulamentar, é aprovada por portaria conjunta dos ministros responsáveis pelas áreas das finanças e laboral, sob proposta do Instituto de Seguros de Portugal, ouvidas as associações representativas das empresas de seguros e mediante parecer prévio do Conselho Económico e Social”.

Por outro último a Portaria nº 256/11 de 05/06 que aprovou a parte uniforme das condições gerais da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem dispõe na sua Clª 1ª alínea d) (Definições) que “para efeitos do presente contrato, entende -se por (…) d) «Pessoa segura» o trabalhador por conta de outrem, ao serviço do tomador do seguro, titular do interesse seguro, bem como os administradores, directores, gerentes ou equiparados, quando remunerados”.

Da conjugação das normas acabadas de transcrever podemos verificar que a lei equipara os gerentes, desde que remunerados, ao trabalhador por conta de outrem. Isso mesmo já acontecia no âmbito da Lei 100/97 (cfr. Norma 12/99-R do ISP). Por isso, a Sociedade está obrigada a transferir para uma seguradora a responsabilidade infortunística relativa aos acidentes de trabalho ocorridos com os seus gerentes desde que estes sejam remunerados, como é o caso dos autos.

Assim, a obrigação de reparação do acidente a que reportam os autos recai sobre a chamada “ F... , Lda” na medida em que a seguradora, como se viu, não pode ser responsabilizada.

A apelação deve, pois, proceder em parte.


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VI Termos em que se delibera julgar parcialmente procedente a apelação em função do que se condena a chamada “ F... , Lda” a pagar ao sinistrado:

a) O capital de remição de uma pensão anual vitalícia no valor € 5.080,94.[2]

b) € 1948,98 a título de indemnização por incapacidade temporárias[3].

c) A quantia que se apurar em liquidação de sentença a título de despesas com deslocações obrigatórias a exames médicos, à tentativa de conciliação e ao GML.


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Custas pela recorrente e pela chamada em partes iguais.

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Valor: € 7.029.92

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Coimbra, 03 de Dezembro de 2015

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(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Paula Maria Videira do Paço)

(José Luís Ramalho Pinto)



[1] Que segundo Leite Ferreira é “o melhor que se coaduna com a especial natureza do direito processual do trabalho, naturalmente rebelde e insubmisso a normas rígidas, dado o carácter público e o sentido social das normais” E mais adiante “se os novos quesitos incidem sobre factos não articulados devem ser logo formulados para sobre eles recair contraditoriedade” (CPT, anotado, p. 334, 4ª edição).
[2] Assim calculado: € 1.100 x 14 = 15.400 x 0,70 x 0,03 = (pensão) € 323,40 x 15,711 = € 5080,94
[3] Sendo € 826,84 de ITA , € 590,60 de ITP de 505 e € 531,54 de ITP de 30%.