Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4208/15.6T8PBL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: FALTA DE PAGAMENTO
PRESTAÇÃO
VENCIMENTO
PRESTAÇÕES VINCENDAS
FACULDADE JURÍDICA
CREDOR
GARANTIA
FIADOR
RENÚNCIA
Data do Acordão: 01/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – POMBAL – INST. CENTRAL – 2ª SEC. EXECUÇÃO – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 781º E 782ºDO C. CIVIL.
Sumário: I) O art. 781º do CC concede ao credor uma mera faculdade, que exercitará ou não conforme entender, de exigir do devedor a totalidade do capital em dívida à data da insatisfação da primeira prestação vencida e não paga, sem que tal signifique que o devedor fique, logo e independentemente de interpelação no sentido do seu pagamento, constituído em mora em relação à totalidade do capital que assim ficou em dívida.

II) O regime referido em I) é supletivo, podendo ser afastado por convenção em contrário.

III) O art. 782º do CC confere ao fiador, entre outras, duas garantias, a saber: i) não perder o benefício do prazo nos termos consagrados no art. 781º do CC sem prévia informação/interpelação no sentido de satisfazer todas as prestações já vencidas e garantir o pagamento tempestivo das vincendas; ii) se for afastada convencionalmente a garantia da subsistência do benefício do prazo concedido pelas prestações acordadas, não ficar constituído por simples incumprimento prestacional do devedor principal, logo e independentemente de interpelação no sentido do seu pagamento, constituído em mora em relação à totalidade do capital que ficou em dívida por causa daquele incumprimento.

IV) Renuncia a ambas as garantias referidas em III o fiador que no instrumento constitutivo da fiança declara que “Vale como interpelação para efeitos de determinação do vencimento da dívida, a simples citação nos termos legais para a acção executiva ou outra a que a …(credora)… recorra para manter, garantir ou haver o seu crédito.”.

Decisão Texto Integral:





Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

Por apenso à execução que lhes move a exequente, os embargantes deduziram embargos de execução e oposição à penhora, alegando, em resumo, que o requerimento executivo é inepto, por dele não se depreender qual o pedido e a causa de pedir, que o título executivo é inexequível por não ter expresso o valor da dívida e por não ter sido acompanhado de documento idóneo a comprovar que pelo menos uma prestação foi realizada, que não devem a quantia peticionada, que não foram interpelados previamente à instauração da execução para procederem ao pagamento e que a penhora é ilegal por o título apresentado não ter força executiva.

Contestou a exequente, pugnando pela improcedência dos embargos e da oposição, alegando para tanto, em resumo, que o requerimento executivo não é inepto, que o contrato de mútuo é título executivo ao abrigo do artigo 46º/c do anterior Código de Processo Civil (doravante VCPC) à luz do qual deve ser aferida a respectiva exequibilidade, que tentou interpelar os embargantes para o pagamento, em vão, que a não interpelação não afasta a situação de incumprimento, uma vez que a obrigação exequenda tinha prazo certo e consta do contrato que a citação para a acção executiva vale como interpelação, e que a oposição à penhora deve improceder.

Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador julgando os embargos e a oposição totalmente improcedentes.

Não se conformando com o assim decidido, apelaram os embargantes, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

...

Contra-alegou a exequente, pugnando pela improcedência da apelação.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

II - Principais questões a decidir

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – doravante NCPC), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:

1ª) se a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação ou por ter omitido o conhecimento de questões que deveriam ter conhecidas;

2ª) se o requerimento executivo é inepto;

3ª) se, em abstracto, o título executivo não suporta a pretensão executiva formulada pela exequente;

4ª) se, em concreto, o título executivo permite a cobrança coerciva dos créditos exequendos dada a circunstância de os embargantes não terem sido interpelados prévia e extrajudicialmente para cumprirem;

5ª) se a penhora é ilegal porque o título exequendo não tem eficácia executiva e porque os embargantes não devem a quantia exequenda.

III – Fundamentação

A) De facto

Os factos provados

O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos:

1) Foi apresentado como título executivo um contrato, designado por contrato de mútuo, cuja cópia consta de fls. 4 a 5 v.º da execução e que dou por integralmente reproduzida (facto dado como provado com base no documento para o qual se remete).”

B) De direito

Primeira questão: se a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação ou por ter omitido o conhecimento de questões que deveriam ter sido conhecidas.

1.1. A resposta a esta questão é, manifestamente, negativa, como passa a demonstrar-se.

...

Segunda questão: se o requerimento executivo é inepto.
1.
2.

2.1. Para fundamentar a ineptidão da petição que pretendem ver declarada, alegaram os embargantes o seguinte:

“1º Parece aos Executados que o r.i. apresentado pela Exequente é inepto.

 2º Isto porque, atendendo ao “pretenso” título dado à execução e ao alegado na parte destinada aos “factos”, não se depreende qual o pedido e a causa de pedir da mesma.

 3º Na verdade, ao deparar-se com o teor da notificação correspondente ao processo em questão, os Executados não descortina qual a razão, ou qual o motivo porque são Executados na presente Execução.

 4º A Exequente pouco alega na exposição dos factos, no Requerimento Executivo apresentado aos Executados, que permita elucidar as partes, quer seja do “negócio”, quer dos montantes e sua natureza, o valor dos juros vencidos e vincendos, etc.

 5º O que se diz na exposição dos factos, é o mesmo que nada se dizer, atendendo ao disposto no artigo 467º do C.P.C.

 6º 5/21 4 E face ao “teor” de tal Requerimento Executivo, os Executados vêem-se obrigados a “adivinhar” sobre o verdadeiro motivo pelo qual foram agora demandados, sem saber se a oposição que agora apresentam vai de encontro ao que é efetivamente pedido pela Exequente.

 7º Quem apresenta petição em Tribunal, como o faz neste caso a Exequente, tem de fundamentar de facto e de direito as razões da sua vinda a Tribunal.

 8º Ao analisarmos o r.i., apresentado pela Exequente, não conseguimos saber o que pretende, que contrato foi celebrado, quais as condições, que tipo de serviço foi prestado, o negócio celebrado, etc.

 9º Segundo o Prof. Antunes Varela, Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 234-235,”… causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido, pelo que, se o autor não mencionar esse facto concreto, a petição será inepta”.

 10º É assim manifestamente inepto o Requerimento Executivo apresentado pela Exequente, pelo que deverá o mesmo ser rejeitado.

 11º Por esse facto, deve este Venerando Tribunal, declarar inepto o r.i., anulando-se todos os atos tomados posteriormente. 12º O que aqui se requer, com todas as consequências legais daí resultantes.”.

Como assim, sustentam os apelantes que a exequente não indicou em termos perceptíveis para os embargantes o pedido e a causa de pedir, o que, em abstracto, poderia integrar os vícios de falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir (art. 186º/1/2/a NCPC).

2.2. Não assiste manifestamente razão aos apelantes.

2.2.1. Quanto ao pedido, emerge com evidência do requerimento executivo que a exequente pretende a cobrança coerciva do capital de 155.954,20 euros, acrescido de juros desde 2013/04/08 a 2015/09/30, no montante de 26.184,22 euros, às taxas e com os reportes temporais enunciados no requerimento em questão, cláusula penal de 3.0000000% desde 2013/04/28, no valor de 11.501,63 euros, seguros no valor de 361,46 euros, juros moratórios sobre seguros no valor de 50,17 euros, imposto sobre seguros no valor de 2,00 euros, mutuários conta despesas no valor de 5.061,74 euros, imposto sobre despesas no valor de 202,47 euros, imposto de selo no valor de 1.507,44 euros, tudo no montante global de 200.825,33 euros – fls. 76.

Existe, por isso, pedido formulado e de modo perfeitamente inteligível.

2.2.2. No que toca à causa de pedir, é sabido que na acção executiva a mesma é constituída pelo título executivo e pelos factos constitutivos da obrigação exequenda cuja cobrança coerciva se peticiona, devendo estes estar reflectidos naquele – acórdãos do STJ de 9/2/2012, proferido no processo 8553/06.3TBMTS.P1.S1., de 2/6/2011, proferido no processo 3376/09.0TBLRA-B.C1.S1, de 24/11/83, publicado no BMJ nº 331, p. 469, da Relação de Guimarães de 15/3/2007, proferido no processo 413/07-1, da Relação do Porto de 18/2/2002, proferido no processo 0151831, de 25/2/2002, proferido no processo 0151894, Remédio Marques, Curso de Processo Executivo, p. 58.

No caso em apreço, a causa de pedir da presente execução é integrada pelo contrato de mútuo, com constituição de fiança, que está documentado a fls. 76 vº a 79 vº destes autos, por via do qual, designadamente, a embargante Clínica se confessou devedora à exequente da quantia de 159.000 euros (cláusula 1ª), que se obrigou a pagar à exequente nas condições (prazo de amortização e número de prestações, juros devidos, cláusula penal em caso de incumprimento, despesas e encargos devidos ….), previstas naquele mesmo contrato, constituindo-se os demais embargantes, solidariamente, como fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas perante a exequente pela devedora principal ao abrigo daquele contrato (cláusula 11ª), sendo justamente com base no clausulado constante daquele contrato que a exequente se arroga o direito a cobrar coercivamente de todos os embargantes a quantia de 200.825,33 euros supra referida.

A exequente preencheu, assim, a exigência legal de indicação da causa de pedir, sendo esta perfeitamente clara e, consequentemente, inteligível.

2.3. Não se verifica, assim, a ineptidão da petição inicial.

2.4. Sustentam os apelantes, no entanto, que o título executivo não existe, pois: i) por um lado está em causa um documento particular (conclusão 5ª); ii) por outro lado, dele não emerge “… o incumprimento pelos Recorrentes de obrigação exequenda, constituída ao abrigo do mútuo que apresenta como título executivo” (conclusão 6ª), “O Mútuo junto, apenas se limita a documentar a constituição de uma hipoteca, sem que a correlativa prestação do credor se demonstre constituída e violada, pelo que, não configura título executivo  (conclusão 7ª), “É necessário que o título exequendo esteja em condições de certificar a existência de obrigação que entre as partes se constituiu e formou e tal não resulta do Mútuo junto aos autos.” (conclusão 8ª).

2.4.1. No que concerne à circunstância do título executivo corporizar um documento meramente particular, afigura-se-nos que os embargantes pretendem prevalecer-se do estatuído no art. 703º/1 do NCPC e do facto de neste dispositivo se ter retirado eficácia executiva aos documentos particulares do tipo daquele que é dado como título executivo na presente execução, eficácia essa que era reconhecida pelo anterior 46º/1/c do VCPC.

O título apresentado pela exequente remonta a 28/9/2012, ou seja, a data anterior à da entrada em vigor do NCPC (1/9/2013 – art. 8º da Lei 41/2013, de 26/6).
Ora, como decidido pelo Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral, no seu acórdão 408/2015, é inconstitucional a “….norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil, e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, por violação do princípio da proteção da confiança (artigo 2.º da Constituição).”.

Como assim, sob pena de se incorrer no vício de inconstitucionalidade que foi declarado com força obrigatória geral no aresto acabado de identificar, tem de continuar a reconhecer-se ao título oferecido pela exequente a eficácia executiva de que o mesmo estava revestido à face daquele art. 46º/1/c do VCPC.

2.4.2. No que toca à argumentação aduzida nas conclusões 6ª a 8ª, afigura-se-nos que os embargantes se pretendem prevalecer, num primeiro plano, da circunstância de o contrato de mútuo ter a natureza jurídica de contrato real quoad constitutionem[1] e de, conjugadamente, não emergir do título dado à execução e dos documentos que o acompanham a demonstração da entrega efectiva da quantia mutuada.

Não acompanhamos os embargantes.

2.4.2.1. Com efeito, comece por recordar-se que nos termos do art. 458º/1 do CC, “Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.”, acrescentando o nº 2 do mesmo normativo que “A promessa ou reconhecimento deve, porém, constar de documento escrito, se outras formalidades não forem exigidas para a prova da relação fundamental.”.
Importa não perder de vista, em relação a esse art. 458º/1 e ao contrário do que parece emergir da sua literalidade, que a declaração confessória de dívida relevante no âmbito dessa previsão normativa não é, apenas, na expressão de Pedro Pais de Vasconcelos (Teoria Geral do Dir. Civil, 2ª ed., pp. 339 e ss), “uma declaração unilateral nua”, sem invocação da respectiva causa, pois que o que justifica aquela previsão não é o denominado negócio sem causa, mas um negócio de causa presumida[2] ou com pura presunção de causa[3], ou seja, um negócio causal em que apenas se verifica a inversão do ónus da prova[4], cabendo por isso ao devedor onerado com o encargo demonstrar o contrário, vale dizer, que a causa não existe ou é inválida (P. Lima e A. Varela, CC Anotado, I, 4ª ed., pp. 440-441) – neste sentido, também, acórdãos da Relação de Coimbra de 13/9/2011, proferido no processo 936/10.0TJCBR-A.C1, e de 8/6/2004, proferido no processo 1700/03.
Como ensina Pessoa Jorge: “Significa este preceito que o credor que disponha de um documento escrito do devedor em que este unilateralmente declara prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, não precisa de provar a causa da obrigação, cuja validade e existência se presume.
Não se está, portanto, em face de um negócio abstracto, mas sim de um acto causal, embora com presunção de causa, presunção que, sendo ilidível, determina a inversão do ónus da prova: não será o credor quem terá de demonstrar a existência e a licitude da causa, mas será sim ao devedor que caberá provar que a prestação que prometeu ou reconheceu não tem causa ou esta é ilícita.”[5] – neste mesmo sentido, Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2010 p. 503, e Antunes Varela, Das Obrigações em Geral”, vol. I, 1996, pp. 454 e 455.
Por isso mesmo, nada obsta a que a declaração confessória de dívida seja emitida, de forma vinculativa, no âmbito de um contrato, com indicação da respectiva causa ou motivo determinante, como justamente sucedeu na situação que está em apreço, com a consequente presunção dessa causa ou motivo até prova em contrário, nos termos consignados na última parte daquele art. 458º/1 do CC.
A significar, por via da declaração confessória de dívida emitida pela devedora principal, no contexto e circunstâncias negociais em que foi emitida, que tem de presumir-se, até prova em contrário, que existiu e se perfectibilizou em todos os seus elementos integrantes o contrato de mútuo a respeito do qual aquela declaração foi emitida, incluindo a efectiva entrega da quantia mutuada.
Ora, na petição de embargos jamais os embargantes alegaram que a mutuante não entregou efectivamente à mutuária a quantia emprestada, pelo que sempre essa entrega teria de presumir-se nos termos acabados de ser referenciados.
É à luz destes considerandos que deve também atender-se ao estatuído no art. 46º/c do VCPC, à luz do qual deve ser aferida a exequibilidade do título ora dado à execução por força da jurisprudência constitucional acima invocada, ao reconhecer como título executivo os documentos particulares assinados pelo devedor que importem a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, uma vez que a situação aí prevista de título executivo que incorpore o reconhecimento de uma dívida pré-existente reporta-se exactamente à situação de facto regulamentada no art. 458º/1 do CC.
Na verdade, como ensina Lopes do Rego estabelece-se expressamente que a força executiva tanto é conferida aos documentos “… que incorporem o acto ou negócio constitutivo do débito exequendo, como aos de carácter puramente recognitivo, que envolvam mero reconhecimento pelo devedor de uma obrigação pré-existente.”[6].
E, desde que preencha os requisitos externos de exequibilidade previstos por lei, presume-se a existência do direito que o título corporiza, só susceptível de ser afastada pela prova da inexigibilidade ou inexistência do direito, a alegar e a provar pelo executado em oposição à execução[7], pois, como ensina Lebre de Freitas, encontramo-nos perante a figura da presunção de direito: “Para além da eficácia própria do documento que o consubstancia, o título executivo constitui base da presunção da existência (e titularidade) da obrigação exequenda e não apenas da existência do facto que a constituiu.” – A Acção Executiva depois da Reforma da Reforma, 5ª ed., p. 74, nota 89.
De tudo emerge, assim e apenas em face do que vem de referir-se, que o título oferecido pela exequente como causa de pedir existe e está dotado de eficácia executiva.

2.4.2.2. Ex abundati cautela, é preciso não perder de vista que na cláusula 1ª) do título em análise, a executada Clínica confessou-se devedora à exequente da quantia de 159.000 euros que, quanto a capital e parcialmente (155.954, 20 euros), é dada à execução.

O documento particular de que consta aquela declaração negocial foi assinado pela devedora principal, sem que tal assinatura se mostre impugnada, razão pela qual deve considerar-se como assente que esta executada foi realmente autora daquela declaração negocial (art. 374º/1 do CC).

Nos termos do art. 376º/1 do CC, “O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.”, acrescentando o nº 2 do mesmo dispositivo legal que “Os factos compreendidos na declaração consideramse provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.”.

Ora, consta da cláusula primeira do título dado à execução que a devedora principal se confessa devedora à exequente da quantia de 159.000 euros “… que a título de mútuo dela recebe …”, estando assim provado, nos termos desse nº 2 e porque contrário aos interesses daquela embargante, que a mesma recebeu da exequente a quantia mutuada.

Acresce que “A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena.” – art. 358º/2 do CC.

Como assim, aquela declaração confessória de dívida por parte da devedora principal está dotada, contra si, de força probatória plena, pois, como ensinou Vaz Serra, é das regras da experiência comum que quem reconhece a verdade de um facto em si desfavorável é porque sabe que o mesmo é verdadeiro (Provas - Direito Probatório Material, BMJ nº 110, p. 211).

Por outro lado, essa especial força probatória da confissão determina, igualmente, que o beneficiário da confissão não carece de fazer outra prova do facto confessado, ficando o juiz vinculado à confissão, razão pela qual este tem de considerar verdadeiro o facto confessado - Vaz Serra, BMJ nº 111, pág. 17.

Como escreveu Alberto dos Reis, “O facto sobre que versa a confissão considera-se provado plenamente; passa à categoria de facto sobre o qual não é admissível qualquer dúvida, isto é, de facto indestrutivelmente adquirido. Daí derivam os seguintes efeitos: a) quanto ao confitente – que ele não pode ser admitido, em princípio, a combater e destruir a sua própria confissão; b) quanto à parte contrária – que ela não precisa de produzir qualquer outra prova em relação ao facto confessado; c) quanto ao juiz – que tem necessariamente de admitir na sentença, como verdadeiro, o facto referido.” - Código de Processo Civil Anotado, vol. IV p. 96.
Acresce dizer, igualmente, que tal declaração confessória só poderá ser impugnada pelo confitente por via da falsidade (questionando-se o facto de a mesma ter sido proferida) ou pela prova da falta ou vícios de vontade (questionando-se a sua veracidade) – art. 359º/1 do CC.
Na verdade, como ensina Lebre de Freitas, a confissão constitui um meio de prova pleníssima no sentido de não admitir prova em contrário e de a sua impugnação só poder ser efectuada pela invocação da falta ou vícios de vontade (A Confissão no direito probatório, pp. 249, 744 e 745), não podendo essa impugnação fundar-se na mera desconformidade entre a declaração e a realidade (Lebre de Freitas, A Falsidade no direito probatório, p. 40, nota 70); por outras palavras, a lei não permite ao confitente impugnar a confissão mediante a simples alegação de não ser verdadeiro o facto confessado, tendo, pelo contrário, que alegar a falta ou vícios de vontade, nomeadamente qualquer erro essência - Fernando Pereira Rodrigues, A prova em Direito Civil, Coimbra Editora, p. 43; neste mesmo sentido podem consultar-se, por exemplo, Rita Barbosa Cruz, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Coordenação de Luís Carvalho Fernandes e João Brandão Proença, Universidade Católica Editora, p. 838.
No caso de que nos ocupamos e como resulta do supra exposto, consta do título exequendo uma declaração confessória de dívida da autoria da devedora principal, da qual se constituíram fiadores solidários todos os demais embargantes, mais constando daquela declaração confessória que a causa da dívida radica num empréstimo pecuniário feito pela exequente à devedora principal.
Assim sendo, à luz dos normativos e ensinamentos anteriormente convocados, nenhuma dúvida resta de que, por via da confissão contida no documento dado à execução, está demonstrada a realidade do referenciado empréstimo o qual deve ter-se por plenamente provado, devendo ter-se com um facto proces­sualmente adquirido por via da referenciada confissão – neste sentido, acórdão do STJ de 1/2/2011, proferido no processo 7273/07.6TBMAI-A.P1.S1
Por isso, para que fosse impugnada eficazmente aquela declaração confessória, em termos aptos a retirar-se a eficácia executiva da mesma emergente, não basta aos embargantes alegarem que não resulta do título exequendo a efectiva constituição da obrigação exequenda por dele não resultar a efectiva entrega da quantia mutuada; tinham antes de ter alegado, o que não fizeram, que ao emitir aquela declaração a devedora principal se encontrava em erro – neste sentido, acórdãos do STJ de 31/5/2011, proferido no processo 4716/10.5TBMTS-A.S1, da Relação de Coimbra, de 20/4/2016, proferido no processo 343/14.6TBCBR-A.C1.
Não tendo os embargantes cumprido esse ónus de alegação, subsiste intocada a referida declaração confessória de dívida e a eficácia executiva que dela decorre para o título que a exequente oferece à execução.
Tudo para concluir, também sob este prisma, que o título oferecido pela exequente como causa de pedir existe e está dotado de eficácia executiva.

2.5. Concluindo: o título oferecido à execução como causa de pedir existe, está dotado de força executiva legalmente reconhecida, tendo sido com base nele e nas obrigações contratuais causais dele emergentes, perfeitamente inteligíveis, que a exequente manifestou uma pretensão executiva perfeitamente inteligível.

Por consequência, não se verifica a ineptidão pela qual pugnam os apelantes.

Terceira questão: se, em abstracto, o título executivo não suporta a pretensão executiva formulada pela exequente.

Comece por dizer-se que, como visto a respeito da segunda questão (2.4.2.1), o título executivo constitui base da presunção da existência (e titularidade) da obrigação exequenda e não apenas da existência do facto que a constituiu, presunção essa que só é susceptível de ser afastada pela prova da inexigibilidade ou inexistência do direito, a alegar e a provar pelo executado em sede de oposição à execução.

Como assim, demonstrando o exequente, em face do título executivo e como é seu ónus (art. 342º/1 do CC), a titularidade do crédito deste emergente, presume-se a existência e eficácia deste nos exactos termos decorrentes daquele título, salvo alegação e demonstração de factos impeditivos, modificativos ou extintivos daquele crédito, impendendo sobre os executados este último ónus de alegação e demonstração (art. 342º/2 do CC).

Flui do exposto que no caso em apreço e salvo alegação e subsequente demonstração pelos embargantes de que foi oportunamente satisfeita, total ou parcialmente, qualquer das obrigações dele emergente para a devedora principal, o título executivo oferecido pela exequente permite a cobrança coerciva da totalidade do montante creditício dele emergente para a exequente.

O referido título fez emergir para a exequente o direito à cobrança coerciva de um determinado valor em capital (159.000 euros – cláusula 1ª), de juros remuneratórios (cláusula 2ª), de cláusula penal (cláusula 7ª), de despesas e outros encargos (cláusula 8ª).

Com base nesse enquadramento contratual, a exequente reclama capital de 155.954,20 euros (cláusula 1ª), juros no montante de 26.184,22 euros (cláusula 2ª), cláusula penal no valor de 11.501,63 euros (cláusula 7ª), seguros, juros moratórios sobre seguros, imposto sobre seguros, mutuários conta despesas, imposto sobre despesas, imposto de selo (cláusula 8ª), tudo no montante global de 200.825,33 euros.

Como assim, as quantias reclamadas pela exequente têm enquadramento e cobertura nos direitos creditícios emergentes para a mesma do título exequendo.

Na sua petição, os embargantes jamais alegaram, como exclusivamente lhes competia (art. 342º/2 do CC), terem sido satisfeitos, total ou parcialmente, qualquer dos créditos exequendos, ou que em relação aos referidos créditos se registasse qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo.

Tanto basta para que, sem necessidade de outras considerações, se responder positivamente à questão em apreço.

Quarta questão: se, em concreto, o título executivo permite a cobrança coerciva dos créditos exequendos dada a circunstância de os embargantes não terem sido interpelados prévia e extrajudicialmente para cumprirem.
3.
4.

4.1. Comece por dizer-se, antes de mais, que: i) está em causa uma obrigação de satisfação de um capital mutuado em prestações, mais concretamente 180, sendo que a exequente alega, sem alegação contrária do correspondente facto extintivo que apenas incumbia aos embargantes (art. 342º/2 do CC), não terem sido pagas as prestações vencidas a partir de 8/4/2013, o que deve ter-se por assente; ii) dessa obrigação constituíram-se responsáveis a embargante mutuária e, solidariamente, na qualidade de fiadores, os demais embargantes, tendo a embargante T..., Lda garantido através de hipoteca a satisfação dos débitos da devedora principal; iii) a exequente não logrou interpelar os embargantes extrajudicialmente com vista à cobrança das quantias cujo pagamento coercivo reclama na presente execução (no requerimento executivo a exequente jamais alegou que interpelou extrajudicialmente os embargantes, acabando por reconhecer no art. 32º da contestação por si apresentada aos embargos e à oposição que resultaram infrutíferas as diligências que encetou visando a interpelação dos embargantes para cobrar os seus créditos sem recurso à via judicial).

Assente quanto vem de referir-se, importa apreciar separadamente a situação da embargante-mutuária da dos embargantes fiadores.

4.1.1. É indiscutível que a não satisfação de qualquer das prestações referidas em 4.1.i importa o vencimento de todas (art. 781º do CC), sem necessidade de qualquer interpelação nesse sentido.

Como quer que seja, o vencimento de todas as prestações em dívida e a exigibilidade do correspondente capital estava sempre dependente de um termo incerto, qual seja o da insatisfação de uma qualquer prestação das 180 prestações em causa, em momento que se prefigurava como completamente indeterminado à data da celebração do contrato e mesmo no âmbito da respectiva execução temporal até ao momento do primeiro inadimplemento; a significar que estamos aqui em presença de uma obrigação a termo incerto.

Para lá disso, importa referir que o art. 781º do CC concede ao credor uma mera faculdade[8], que exercitará ou não conforme entender, de exigir do devedor a totalidade do capital em dívida à data da insatisfação da primeira prestação vencida e não paga, sem que tal signifique que o devedor fique, logo e independentemente de interpelação no sentido do seu pagamento, constituído em mora em relação à totalidade do capital que assim ficou em dívida[9].

A constituição do devedor em mora em relação ao capital em dívida à data do incumprimento da primeira prestação insatisfeita e as consequências dela decorrentes dependem, assim e de acordo com o regime supletivo legal em vigor, de interpelação do devedor para cumprir que, como visto, não logrou realizar-se.

Como quer que seja, o credor poder exercer aquela faculdade imediatamente por via judicial, não sendo obrigado a exercê-la extrajudicialmente como condição prévia do recurso àquela via, sendo que no caso dos autos isso é tanto mais assim quanto é certo que nos termos da cláusula 14ª, nº 2, do título dado à execução, exequente e embargantes acordaram em que “Vale como interpelação para efeitos de determinação do vencimento da dívida, a simples citação nos termos legais para a acção executiva ou outra a que a CEMG recorra para manter, garantir ou haver o seu crédito.”.

A significar que a exequente estava legitimada a requerer judicialmente e por via executiva, como requereu contra a devedora principal, a cobrança do crédito que ficou em dívida à data da insatisfação das prestações não pagas (155.954, 20 euros).

Por outro lado, à face daquele regime supletivo, porque não ocorreu interpelação extrajudicial para pagamento do referido capital e porque consequentemente a devedora principal ainda não estava constituída em mora em relação à obrigação do pagamento do mesmo, tudo apontaria no sentido de que a exequente não poderia exigir da devedora principal nenhuma das prestações complementares cuja cobrança coerciva vem reclamada e cuja génese radica, precisamente, no facto de aquele capital não ter sido pago entre a data em que se venceu a primeira prestação não paga e aquela em que ocorreu a citação para estes autos.

Sucede que o regime acima descrito e decorrente do art. 781º do CC é meramente supletivo, podendo ser afastado por vontade das partes (artigo 405º CC), por via da consagração contratual de um regime que faça associar à simples falta do pagamento de qualquer prestação e como mero efeito dela determinadas consequências em termos de obrigação de pagamento de determinadas prestações pecuniárias não compreendidas no capital em dívida, independentemente de interpelação para pagamento deste (neste sentido, por exemplo, acórdãos da Relação de Lisboa de 11/2/2014, proferido no processo 12878/09.8T2SNT-A.L1, de 15/12/2011, proferido no processo 271/04.3TVLSB.L1, da Relação de Coimbra de 4/6/2013, proferido no processo 5366/09.4T2AGD).

Dito isto, importa então precisar que os juros reclamados na petição executiva por referência ao período entre 8/4/2013 e 30/9/2015 não são de natureza moratória[10], no sentido de que os mesmos sejam devidos por consequência da falta do pagamento do capital mutuado em dívida após a falta do pagamento de prestações já vencidas.

Os juros aí reclamados são de natureza remuneratória[11], sendo devidos mesmo que todas as prestações contratualmente previstas tivessem sido cumpridas, e estão como tal previstos na cláusula 3ª do título exequendo, do seguinte teor:




A significar que tais juros são devidos independentemente de qualquer incumprimento por parte da mutuária e mesmo que este não se tivesse registado, razão pela qual a imediata exigibilidade dos mesmos não pode ser condicionada por qualquer prévia interpelação por parte da exequente no sentido do pagamento do capital em dívida à data da falta do pagamento de prestações vencidas.

Por consequência, a exigibilidade destes juros não depende de qualquer interpelação no sentido do seu pagamento, nem no do pagamento do capital a que estão associados, pois estão antecipada e contratualmente estabelecidos entre as partes contratantes independentemente do cumprimento ou não cumprimento do mútuo.

Como assim, a exequente pode exigir à devedora principal o pagamento desses juros independentemente de qualquer prévia interpelação no sentido do pagamento do capital que ficou em dívida por consequência da falta do pagamento tempestivo de prestações.

No que respeita agora à cláusula penal, as partes intervenientes acordaram no seguinte:

As partes acordaram, assim, numa fixação antecipada da indemnização que seria devida à mutuante em caso de incumprimento de qualquer obrigação contratualmente assumida, entre as quais se contava a do pagamento das prestações consensualizadas, sendo que a exigibilidade desse crédito não foi colocada na dependência de qualquer interpelação no sentido do cumprimento; fixaram as partes, assim, uma cláusula penal: i) indemnizatória, no sentido de estipulação que tem a finalidade de liquidar a indemnização devida em caso de não cumprimento definitivo, de mora ou de cumprimento defeituoso; ii) moratória, no sentido de que visa a liquidação da indemnização devida pela mora, cumulando-se com a execução específica da obrigação principal[12], o que por natureza exclui qualquer possibilidade de lhe ser atribuída natureza compensatória.

Por outro lado, as partes não condicionaram o pagamento da indemnização assim fixada a qualquer espécie de interpelação dirigida pela exequente à devedora principal, fixando-se antecipadamente o respectivo termo inicial na “… data da mora”.

Como assim, também em relação a essa cláusula penal a exequente pode exigir à devedora principal o pagamento da mesma independentemente de qualquer prévia interpelação no sentido do pagamento do capital que ficou em dívida por consequência da falta do pagamento tempestivo de prestações.

Finalmente, no que toca às demais despesas e encargos reclamados, os mesmos têm enquadramento contratual, no que à sua exigibilidade respeita, na cláusula 8ª do título exequendo, do seguinte teor:



A este concreto respeito, reclama a exequente: “Seguros 361,46; Juros de Moratórios sobre Seguros 50,17; Imposto sobre Seguros 2,00; Mutuários Conta Despesas 5.061,74; Imposto sobre Despesas 202,47; Imposto de Selo 1.507,44.”.

Não se vislumbra tratar-se de despesas/encargos que tenham sido especificamente determinados para qualquer situação de mora em que incorresse a mutuária e que exigisse a interpelação desta no sentido do pagamento do capital em dívida à data da insatisfação da primeira prestação vencida e não paga, bem podendo tratar-se de “… despesas e encargos, nomeadamente de ordem fiscal, emergentes da celebração do presente contrato …” (nº 1), ou de “… despesas de expediente, serviços prestados pela CEMG, comissões e outros encargos inerentes ao presente contrato …” (nº 2), em relação aos quais foi contratualmente fixado um regime indemnizatório não dependente de qualquer interpelação dirigida à mutuária e com termo inicial reportado à data do desembolso (nº 3).

A significar que em relação a elas foi afastado o referenciado regime supletivo decorrente do art. 781º do CC no sentido da exigibilidade desses encargos/despesas e do correspondente regime ressarcitório, em caso de incumprimento, ficar na dependência de qualquer interpelação por parte do credor ao devedor.

Como assim, também em relação a esses encargos/despesas a exequente pode exigir à devedora principal o pagamento dos mesmos independentemente de qualquer prévia interpelação no sentido do pagamento do capital que ficou em dívida por consequência da falta do pagamento tempestivo de prestações.

De tudo emerge, assim, que a exequente podia requerer da devedora principal, como requereu através da petição inicial executiva, a cobrança coerciva de todos os créditos a que se arrogou nessa mesma petição, sem necessidade de prévia interpelação dirigida à referida devedora.

4.1.2. Cabe agora apreciar a situação os embargantes fiadores

Começando pelo capital em dívida e que deveria ter sido pago a prestações nos termos já supra enunciados, é sabido que a perda do benefício do prazo cominada no art. 781º do CC não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia, entre os quais se contam os fiadores (art. 782º do CC), a significar que, por regra, o fiador: i) não perde o benefício do prazo mesmo que se vença antecipadamente a obrigação do devedor principal; ii) deve ser interpelado pelo credor para ser informado do incumprimento por parte do devedor principal relativamente à obrigação do pagamento de prestações já vencidas, em termos de ficar constituído na real possibilidade de pagar as prestações vencidas (pelas quais é imediatamente responsável) e assumir a posição de devedor principal em relação às prestações vincendas, pagando-as nas respectivas datas de vencimento – neste sentido, P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª ed., p. 33, Fernando de Gravato Morais, Contratos de Crédito ao Consumo, Almedina, p. 345; acórdãos do STJ de 10/5/2007, proferido no processo 07B841, da Relação de Lisboa de 11/2/2014, proferido no processo. 12878/09.8T2SNT-A.L1-7, de 16/5/2013, proferido no processo, 426-B/2001.L1-8, de 17/11/2011, proferido no processo 1156/09.2TBCLD-D.L1-2, de 19/11/2009, proferido no processo 701/06.0YXLSB.L1-6, da Relação de Coimbra de 8/11/2016, proferido no processo 1343/14.1TBFIG-A.C1, de 7/6/2016, proferido no processo 783/13.8TBLMG-A.C1, de 3/7/2012, proferido no processo 1959/11.8T2OVR-A.C1, da Relação do Porto de 29/6/2015, proferido no processo 1453/12.0TBGDM-B.P1.

E tudo isto por duas razões principais, a saber: i) o benefício do prazo decorrente da calendarização das prestações acordadas também é estabelecido em benefício do fiador, que fica assim ciente de um “programa de amortização” acordado e por cuja satisfação pode vir a ser demandado, sendo a esse programa e não ao seu vencimento antecipado que o fiador prestou a sua garantia pessoal; ii) o fiador tem todo o interesse em ser informado de qualquer circunstância referente ao devedor principal susceptível de provocar um agravamento da garantia pessoal prestada, entre as quais se conta a falta de pagamento de prestações determinante do vencimento antecipado de todo o capital mutuado, por forma a poder optar entre responder igualmente por esse agravamento ou evitá-lo, substituindo-se ao devedor principal no cumprimento tempestivo das obrigações por este assumidas em termos de ser postergado aquele agravamento.

Como ensina Januário Gomes, o artigo 782º do CC constitui, em desvio à regra do art. 634º do mesmo diploma, manifestação de um princípio geral de acordo com o qual não são extensivas ao fiador as modificações de prazo com que ele não conte ou não possa razoavelmente contar, sem que daí resulte “… uma beneficiação do fiador, já que o que se pretende evitar é que seja responsável para além da medida do risco que assumiu. Assim sendo, se o fiador não for informado pelo credor do vencimento da obrigação, isto é, se não for colocado em condições de poder cumprir nos mesmos termos em que o pode fazer o devedor, daí não poderá resultar um aumento do risco do fiador, ou seja: o fiador, quando for, mais tarde, intimado para cumprir, não estará vinculado a mais do aquilo que estaria se fosse esse o momento do vencimento da obrigação tornado possível pela interpelação.” - Assunção Fidejussória de Dívida, Sobre o sentido e o âmbito da vinculação como fiador, Colecção Teses, 2000, pp. 942 e 943; cfr, do mesmo autor e no mesmo sentido, Estudos de Direito das Garantias, vol. I, Almedina, pp. 234 e 235.

Assim sendo, para que o credor possa também beneficiar em face do fiador do benefício da garantia pessoal de fiança abranger todo o crédito vencido como decorrência da insatisfação de uma prestação terá o ónus de informar o fiador do vencimento antecipado do capital em dívida e da interpelação ao devedor no sentido da liquidação de todo esse capital, sob pena de, não o fazendo, o fiador, “… quando instado para pagar, já eventualmente em processo executivo, pode(r) opor ao credor a excepção de inexigibilidade (parcial) da obrigação exequenda (art. 813º, al. e) CPC), argumentando com o facto de não lhe ser eficaz o agravamento da dívida posterior ao momento em que razoavelmente deveria ter sido informado da quebra de pagamentos.” – Januário Gomes, Assunção Fidejussória de Dívida, pp. 961 e 962.

De tudo flui, pois, que em termos de regime supletivo legal o fiador só responde pelo vencimento antecipado da dívida cominado no art. 781º do CC se tiver sido informado/interpelado em termos de ficar constituído na real possibilidade de se substituir ao devedor originário no cumprimento imediato das prestações já insatisfeitas bem como no das prestações vincendas de acordo com o programa de amortização acordado.

Trata-se, porém, de um regime supletivo, susceptível de ser postergado por acordo prestado pelos fiadores (art. 405º do CC) no sentido de renunciarem à garantia que lhes é conferida pelo art. 782º, de estarem eximidos, sem prévia informação/interpelação relacionada com o incumprimento do devedor principal, à perda do benefício do prazo cominada no art. 781º - no sentido da supletividade acabada de ser afirmada, podem ser consultados os acórdãos do STJ de 10/5/2007, proferido no processo 07B841, da Relação do Porto de 23/6/2015, proferido no processo 6559/13.5TBVNG-A.P1, da Relação de Lisboa de 28/5/2015, proferido no processo 1859/11.1TBVFX-A.L1.-2, de 11/2/2014, proferido no processo 12878/09.8T22SNT-A.L1, de 16/5/2013, proferido no processo 426-B/2011.L1, de 17/11/2011, proferido no processo 1156/09.2TBCLD-D.L1, de 19/11/2009, proferido no processo 701/06.0YXLSB.L1, da Relação de Coimbra, de 3/7/2012, proferido no processo 1959/11.8T2OVR-A.C1, de 27/1/2015, proferido no processo 517/12.4TBMLD-A.P1.C1.

Por outro lado, como visto, também é susceptível de afastamento convencional a própria regra supletiva do art. 781º do CC no sentido de que a exigibilidade imediata do capital em dívida à data da falta do pagamento da prestação vencida e não satisfeita depende de interpelação no sentido do seu pagamento.

A significar, de acordo com esses regimes supletivos e dando por assente que no caso dos autos não ocorreu qualquer prévia interpelação aos embargantes fiadores no sentido da satisfação do capital mutuado em dívida à data da falta do pagamento da prestação que é causa do vencimento antecipado das subsequentes, que os fiadores beneficiariam da dupla garantia decorrente daqueles regimes supletivos, a saber: i) não perderem o benefício do prazo nos termos cominados no art. 781º CC (art. 782º do CC), a não ser que algo tenha sido estipulado em sentido diverso; ii) mesmo no caso de afastamento do regime garantístico do art. 782º do CC, só perderem aquele benefício do prazo se tiverem sido informados do incumprimento do devedor principal e serem interpelados no sentido da satisfação imediata das prestações já vencidas e tempestiva das vincendas (art. 781º CC).

Importa referir que o facto de os fiadores terem renunciado ao benefício de excussão prévia não equivale à renúncia a qualquer das garantias acabadas de ser referidas – neste sentido, a título de exemplo, acórdãos da Relação de Coimbra de 3/7/2012, proferido no processo 1959/11.8T2OVR-A.C1, da Relação de Lisboa de 28/5/2015, proferido no processo 1859/11.1TBVFX-A.L1.-2, de 17/11/2011, proferido no processo1156/09.2TBCLD-D.L1-2, de 15/1/2008, proferido no processo 10365/2007-7, da Relação do Porto de 29/6/2015, proferido no processo 1453/12.0TBGDM-B.P1

Não obstante tanto quanto vem de referir-se, importa não perder de vista que no caso em apreço todos os embargantes acordaram como a exequente, no título dado à execução (cláusula 14ª, nº 2), em que “Vale como interpelação para efeitos de determinação do vencimento da dívida, a simples citação nos termos legais para a acção executiva ou outra a que a CEMG recorra para manter, garantir ou haver o seu crédito.”.

Resulta desta cláusula, a nosso ver, que todos os devedores renunciaram às exigências legais supletivas que nos termos acima referenciados decorriam: i) para os fiadores do estatuído nos arts. 782º e 781º do CC; ii) para a mutuária do art. 781º do CC.

A significar que os fiadores dispensaram a interpelação prévia a que tinham direito de acordo com aqueles regimes supletivos para que: i) perdessem a garantia conferida pelo art. 782º do CC de subsistência do benefício do prazo decorrente da calendarização das prestações e apesar da devedora principal poder estar incursa numa situação de vencimento antecipado das prestações cominada no art. 781º do CC; ii) lhes pudesse ser exigida imediatamente a totalidade do capital em dívida à data da insatisfação da prestação vencida e não paga que determinou a perda de benefício do prazo consagrada no art. 781º do CC.

Tendo renunciado a ambas essas garantias, os embargantes fiadores ficaram constituídos, tal como a devedora principal, na obrigação do pagamento imediato de todo o capital em dívida à data da insatisfação da prestação vencida e não paga que determinou a perda de benefício do prazo consagrada no art. 781º do CC.

A significar que a exequente estava legitimada a requerer judicialmente e por via executiva, como requereu em relação aos embargantes fiadores, a cobrança do crédito que ficou em dívida à data da insatisfação das prestações não pagas (155.954, 20 euros).

No que concerne aos juros e despesas/encargos também dados à execução, valem aqui, devidamente adaptadas, todas as considerações supra expendidas em relação à devedora principal para concluir no sentido de que as mesmas eram exigíveis, mesmo sem interpelação prévia e no que toca aos fiadores, estando a exequente legitimada a requerer a sua cobrança coerciva por via da execução que instaurou.

No que concerne à cláusula penal também dada à execução, visto quanto supra se expendeu sobre a exigibilidade imediata do capital em dívida, mesmo em relação aos fiadores e sem interpelação prévia, valem aqui, devidamente adaptadas, todas as considerações supra expendidas em relação à devedora principal para concluir no sentido de que a referenciada cláusula era exigível, mesmo sem interpelação prévia e no que toca aos fiadores, estando a exequente legitimada a requerer a sua cobrança coerciva por via da execução que instaurou.

Quinta questão: se a penhora é ilegal porque o título exequendo não tem eficácia executiva e porque os embargantes não devem a quantia exequenda.

De tudo quanto se deixou sustentado a respeito das questões 2ª) a 4ª) emerge, sem necessidade de outras considerações, que a resposta a esta questão tem de ser negativa.

IV- DECISÃO

Acordam os juízes que integram esta 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelos apelantes.

Coimbra, 9/1/2017.


(Jorge Manuel Loureiro)

(Maria Domingas Simões)

(Jaime Carlos Ferreira)


Sumário:

I) O art. 781º do CC concede ao credor uma mera faculdade, que exercitará ou não conforme entender, de exigir do devedor a totalidade do capital em dívida à data da insatisfação da primeira prestação vencida e não paga, sem que tal signifique que o devedor fique, logo e independentemente de interpelação no sentido do seu pagamento, constituído em mora em relação à totalidade do capital que assim ficou em dívida.

II) O regime referido em I) é supletivo, podendo ser afastado por convenção em contrário.

III) O art. 782º do CC confere ao fiador, entre outras, duas garantias, a saber: i) não perder o benefício do prazo nos termos consagrados no art. 781º do CC sem prévia informação/interpelação no sentido de satisfazer todas as prestações já vencidas e garantir o pagamento tempestivo das vincendas; ii) se for afastada convencionalmente a garantia da subsistência do benefício do prazo concedido pelas prestações acordadas, não ficar constituído por simples incumprimento prestacional do devedor principal, logo e independentemente de interpelação no sentido do seu pagamento, constituído em mora em relação à totalidade do capital que ficou em dívida por causa daquele incumprimento.

IV) Renuncia a ambas as garantias referidas em III, o fiador que no instrumento constitutivo da fiança declara que “Vale como interpelação para efeitos de determinação do vencimento da dívida, a simples citação nos termos legais para a acção executiva ou outra a que a …(credora)… recorra para manter, garantir ou haver o seu crédito.”.


(Jorge Manuel Loureiro)

***


[1] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 4ª edição, Coimbra Editora, p. 762; Galvão Telles, Empréstimo Cristal, Revista O Direito, 125º, 1993, p. 190; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. III, Contratos em Especial, 3ª ed., Almedina, p. 393, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1976, p. 275, Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 4ª ed., pp. 67/68; acórdãos do STJ de 10/11/2011, proferido no processo 4719/10.0TBMTS-A.S1, de 31/5/2011, proferido no processo 4716/10.5TBMTS-A.S1, de 3/10/2013, proferido no processo 220/10.0TBPNI.L1.S1, da Relação de Coimbra de 17/12/2008, proferido no processo 278/08.1TBAVR.C1, de 24/9/2013, proferido no processo 1463/07.9TBCNT.C1, da Relação de Guimarães, de 22/5/2014, proferido no processo 163/09.0TBPVL.G1, da Relação do Porto de 12/11/2008, proferido no processo 0824318, da Relação de Lisboa de 17/11/2011, proferido no processo 6930/08.4TBOER.L1-2,
[2] Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 1985, pp. 190 e 191.
[3] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª ed., p. 426.
[4] Vaz Serra, Negócios Abstractos, BMJ nº 83, pp. 32 e 62.
[5] Lições de Direito das Obrigações, 1975/76, pp. 219 e 220.
[6] Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2004, p. 82.

[7] Paulo Pimenta, Acções e Incidentes Declarativos na Pendência da Execução, Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, ano V, nº 9, 2004, p. 73, José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, à luz do Código de Processo Civil de 2013, pp. 206 e 207, nota 31, e Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, p. 458 e 459; acórdão do STJ de 10/11/2011, proferido no processo 4719/10.0TBMTS-A.S1, da Relação de Coimbra de 20/4/2016, proferido no processo 36/14.4TBNLS-A.C1, de 7/10/2014, proferido no processo 590-E/2001.C1, de 25/3/2014, proferido no processo 102/11.8TBTMR-A.C1.

[8] Jorge Morais de Carvalho, Manual de Direito de Consumo, 2014, pp. 309/310, e Os Contratos de Consumo, Reflexão sobre a Autonomia Privada no Direito do Consumo, tese de doutoramento disponível  em http://run.unl.pt/bitstream/10362/6196/1/Carvalho_2011.pdf.

[9] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 6ª ed, p. 53; acórdãos do STJ de 6/2/2007, proferido no processo 06A4524, de 16/10/2008, proferido no processo 08A343, de 10/5/2007, proferido no processo 07B841, de 14/11/2006, proferido no processo 06B2911, de 17/1/2006, proferido no processo 05A3869, da Relação do Porto de 21/3/2013, proferido no processo 144/09.3TBVLP.P1, de 25/1/2010, proferido no processo 5664/08.4TBVNG.P1, da Relação de Lisboa 20/10/2009, proferido no processo 1535/09.5YRLSB-7, de 15/9/2009, proferido no processo 1448/07.5TVLSB.L1-7, de 12/5/2009, proferido no processo 463/07.3TVLSB.L1-7, da Relação de Coimbra de 3/7/2012, proferido no processo 1959/11.8T2OVR-A.C1.
[10] Como tal se considerando aqueles que têm uma natureza indemnizatória dos danos causados pela mora, visando recompensar o devedor pelos prejuízos em virtude do retardamento no cumprimento da obrigação pelo devedor.
[11] Como tal se considerando os juros que têm uma finalidade remuneratória, correspondente ao prazo do empréstimo do dinheiro pelo tempo que o credor se priva do capital por o ter cedido ao devedor por meio de mútuo, exigindo uma remuneração por essa cedência; visam possibilitar o rendimento de determinado capital, correspondendo à sua capacidade criadora de riqueza, tendo, nesta perspectiva, função retributiva, constituindo a contraprestação onerosa pela disponibilidade do capital – “Terão esta natureza os juros que deverão ser pagos quando é celebrado um contrato de mútuo oneroso ou uma operação activa de comércio bancário, convencionando-se que o mutuário ou beneficiário da prestação pecuniária pagará juros ao mutuante ou à entidade bancária que disponibiliza o capital, cujo montante global fica dependente do período de utilização do capital e da taxa fixada.” (Abrantes Geraldes, Elementos Práticos sobre Juros, CEJ, 1998, p. 4).
[12] No sentido da admissibilidade de cláusulas penais moratórias e para uma distinção entre essas cláusulas e as compensatórias, fixadas para as situações de incumprimento definitivo e que não podem cumular-se com a execução específica da obrigação principal, ao contrário do que sucede com aquela que nos autos está em análise, Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, p. 248, Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, 1990, p. 281, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª, pág. 659; sobre esta temática, em particular sobre a diferenciação entre esse tipo de cláusulas penais compensatórias e sobre a (im)possibilidade de cumulação das mesmas com a execução específica da obrigação principal, pode também consultar-se Pinto de Oliveira, Cláusulas Acessórias ao Contrato, Cláusulas de Exclusão e de Limitação do Dever de Indemnizar e Cláusulas Penais, 2008, pp. 73 a 78, Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª, pp. 444/445, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, 2ª., p. 276, acórdãos do STJ de 8/11/2007, proferido no processo 07B3572, de 12/11/2009, proferido no processo 3510/06.2TVLSB.S1, da Relação de Coimbra de 18/7/2006, proferido na apelação 522/06, da Relação de Lisboa de 5/6/2007, proferido na apelação 865/2007-1, da Relação do Porto de 10/7/2013, proferido na apelação 821/10.6TVPRT.P1.