Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | LUÍS RAMOS | ||
Descritores: | RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO REAPRECIAÇÃO DA DECISÃO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO LIVRE CONVICÇÃO DO JULGADOR RESTITUIÇÃO DA COISA FURTADA | ||
Data do Acordão: | 07/07/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE CANTANHEDE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 203º, 204º, 206º DO CP,124º,125º,127º, 412º, 428º E 431º DO CPP | ||
Sumário: | 1.Tendo o tribunal a quo fundamentado a decisão sobre determinado ponto de facto nas declarações do arguido e no depoimento das testemunhas que identifica, se reanalisadas e reapreciadas estas provas no seu conjunto, o tribunal a Relação forma a convicção de que o tribunal da 1ª instância errou, deve alterar aquela decisão, na parte concretamente impugnada. 2ºA restituição de coisa furtada, para efeitos do artigo 206º do CP, deve ser voluntária e espontânea, feita por iniciativa do agente e não quando o faz após ter sido confrontado com a participação que o dá como autor dos factos. | ||
Decisão Texto Integral: | Por sentença proferida nos autos supra identificados, decidiu o tribunal: a) Absolver o arguido F. da prática de um crime de arma proibida do artigo 86°, nº l, c), na sua redacção original, por referência aos artigos 2°, nºs, alíneas c. e , 3°, nº 6, alíneas a. e c., 8° e 15º, todos da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro e b) Condená-lo como autor de crime de furto qualificado dos artigos 203° e 204°, nº 2, alínea e.) do Código Penal, na pena, especialmente atenuada nos termos do artigo 206°, nº 2 do mesmo diploma, de 6 (seis) meses de prisão, substituída por 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de €7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos). Inconformado com o decidido, o Ministério Público interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição): “1. A iniciativa da entrega das armas não partiu propriamente do arguido, mas só ocorreu porque foi surpreendido pelos militares da G.N.R., vendo-se na inevitabilidade de aceitar o "conselho" que estes lhe deram, para proceder à entrega das armas. 2. Já que, conforme resulta do seu depoimento prestado em sede de audiência de discussão e julgamento, após ter subtraído as armas de casa do seu tio, escondeu-as no pinhal, tendo posteriormente levado as mesmas para casa de uns amigos onde estaria a residir. E é nesse local que, após solicitação dos militares da GNR, procede à sua entrega (cfr. depoimento prestado em audiência constante da gravação às 10:27:50). 3. Tal entrega, dita "voluntária", não era propriamente o objectivo do arguido quando da subtracção das armas, uma vez que ele próprio admite não ser sua intenção participar as ameaças de que era alvo à polícia por entender que tal denúncia não surtiria qualquer efeito (cfr. depoimento prestado em audiência constante da gravação às 10:27:50 - 7:27 e ss:). 4. Também os dois militares da G.N.R. que se dirigiram a casa do arguido e procederam à apreensão das armas foram unânimes em afirmar que o arguido, ainda que sempre tenha demonstrado uma atitude de colaboração para com a autoridade, apenas procedeu à entrega das armas após ter sido confrontado com a denúncia e suspeita do tio e de ter sido "aconselhado" a fazê-lo - cfr. depoimentos prestados em audiência constantes da gravação às 10:59:37 e 11:07:17, respectivamente R. e J.. 5. Não é, pois, legítima a conclusão do tribunal a quo de que a apreensão das armas apenas teve lugar porque o arguido procedeu à sua entrega voluntária, parecendo que seria essa entrega o objectivo último da subtracção das mesmas, já que não tem correspondência com o que resultou efectivamente da audiência de discussão e julgamento.. 6. Em face do depoimento do arguido, que o tribunal não deixou de considerar ter sido prestado de forma sincera e credível, conjugado com os testemunhos dos militares da G.N.R., . Assim, a conclusão do tribunal a quo, quanto à apreensão e entrega das armas, considerando que aquela ocorreu devido apenas à conduta colaborante do arguido não está minimamente conforme com a prova que foi produzida em audiência de discussão e julgamento, já que desta resulta antes que tal aconteceu apenas porque os militares da G.N.R. se dirigiram à casa do arguido que, confrontado com os factos, terá resolvido aceitar a sua responsabilidade pela ocorrência dos mesmos. 8. Fica, deste modo, patente a violação do art. 127.° do Cód. Proc. Penal, devendo, por isso, a decisão recorrida ser modificada nos termos ora expostos (cfr. alínea b) do artigo 431.°, por referência ao n.º 3 do artigo 412.°, ambos do Código de Processo Penal). 9. Atenta a material idade fáctica dada como provada (com as correcções e aditamentos supra referidos relativamente ao ponto 5.), não restava ao tribunal a quo outra solução que não fosse a condenação do arguido também pela prática do crime de detenção de arma proibida. 10. Aceitando que o único objectivo da acção do arguido teria sido, efectivamente, o de impedir o seu tio de utilizar as armas "em virtude deste, em número não concretizado de vezes mas, pelo menos, em mais do que uma ocasião, no âmbito de discussões havidas entre ambos, ter referido que ia buscar as armas e que as utilizaria contra o arguido e contra a sua família", bem como que era sua intenção "fazer desaparecer as armas" (pontos 8 e 9 dos factos provados), ainda assim, não se pode deixar de considerar que o arguido representou e quis como necessária a esse objectivo último (a destruição das armas) a detenção, que sabia ilegal, das referidas armas. 11. Agiu, pois, o arguido, no que respeita ao crime de detenção de arma proibida, pelo menos com dolo necessário, já que bem sabia que a sua conduta necessariamente implicaria a posse, ainda que precária, das armas e que essa mesma posse, uma vez que o mesmo não era possuidor de licença de uso e porte de arma, era contrária à lei (cfr. o já referido ponto n.º 6 dos factos provados). 12. É, a nosso ver, abusivo transpor para o caso dos presentes autos a fundamentação constante do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 3¬12-2003, na medida em que são bastante diferentes as respectivas situações fácticas concretas, dado que, diferentemente do que aconteceu no 'caso relatado no acórdão citado, o objectivo da acção do arguido não era o de entregar as armas à autoridade policial mas sim, o de impedir o tio de utilizar as armas contra si próprio. 13. Assim, contrariamente àquele referido caso, em que "o arguido mais não quis do que remover o perigo (abstracto) que a detenção das munições podia implicar - precisamente aquele perigo que está subjacente à incriminação legal", no presente caso o que o arguido pretendeu foi a remoção de um perigo concreto - o perigo que aquelas armas representavam para si em particular. 14. Não se compreende que o Tribunal a quo, a propósito do crime de detenção de arma proibida, faça completa tábua rasa da argumentação jurídica utilizada para afirmação do crime de furto pelo qual viria o arguido a ser condenado, não se percebendo como pode ser feita uma cisão entre o elemento volitivo no furto e o elemento volitivo na detenção de arma proibida, quando o objecto da conduta do arguido é o mesmo em ambos os crimes [como pode uma mesma pessoa querer ter o domínio de um objecto (as armas) e ao mesmo tempo não querer ter consigo as (ditas) armas?!]. 15. Existe, assim, uma contradição flagrante e insanável entre a argumentação expendida na sentença recorrida para a condenação do arguido pelo crime de furto e a argumentação usada para a sua absolvição pelo crime de detenção de arma proibida, o que nosso ver densifica e concretiza uma contradição insanável da fundamentação, vício que aqui se invoca e a que se refere a a!. b) do nº. 2, do art. 410.° do Cód. Proc. Penal. 16. Tendo o arguido subtraído duas espingardas de caça, fazendo-as suas, para as quais não tinha licença de uso e porte de arma, que sabia necessária para a sua detenção, é forçoso concluir pela verificação, in casu, do elemento subjectivo do crime de detenção de arma proibida. 17. Ao assim não considerar, e verificados que estão os demais pressupostos típicos do referido crime, com a absolvição do arguido, o Tribunal a quo violou o disposto nos art.ºs 14.° do Código Penal, 2.°, n.º 1-0) e 86.°, n.º l-c) da Lei n.º 5/2006, de 23.02. Termos em que deve a sentença em apreço ser revogada e substituída por outra que, além do mais, condene o arguido também pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelos art.ºs 2.°, n.º 1-0) e 86.°, n.º l-c) da Lei n.º 5/2006, de 23.02., pelo qual vinha igualmente acusado, assim se fazendo inteira Justiça.” Respondeu o arguido defendendo a manutenção da decisão recorrida e apresentando as seguintes conclusões: 1. O ponto 5 da matéria de facto – "as armas vieram a ser aprendidas pela GNR por terem sido entregues pelo arguido" – foi correctamente dado como provado atento os depoimentos do arguido e das testemunhas militares da GNR, R e J, que referem que o arguido entregou as armas de livre vontade, quase imediatamente à subtracção das mesmas da casa do ofendido, colaborando com as autoridades policiais. 2. Mesmo que se entendesse alterar a matéria de facto nesse aspecto, considerando antes que se deveria ter resultado provado que "as armas vieram a ser apreendidas, na sequência da deslocação desta força militar a casa do arguido, e entregues por este, quando confrontado com os factos, e se tinha conhecimento dos mesmos", tal não era determinante para que o arguido fosse condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida. 3. Não existe qualquer contradição insanável na sentença entre o elemento volitivo do crime de furto e do elemento volitivo do crime de detenção de arma proibida. 4. Se o bem jurídico a proteger neste crime é a segurança dos cidadãos face aos perigos da circulação livre de armas sem observância das regras legais, e se o objectivo era o desaparecimento das armas para remover o perigo que as mesmas representavam para si e para a sua família, a sua conduta não pôs em causa tal bem jurídico. 5. O arguido nunca quis apropriar-se das armas ou utilizá-las, mas sim remover o perigo que tais armas representavam para si e para a sua família, e daí que não tenha agido com dolo, ou seja, com a intenção de transportar ou deter as armas nos termos que subjazem à letra da letra da lei. 6. Assim, o arguido terá de ser absolvido pelo crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido no art.86° nº 1, al. c) da Lei 5/2006 de 23/2, com fez a douta sentença a quo. Termos em que o presente recurso deve ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a douta sentença, por ser um acto de Justiça” O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo. Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto apôs visto. Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência. Cumpre conhecer do recurso Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso. É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras). Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir. Questões a decidir: - Erro de julgamento - Integração jurídica dos factos referentes à detenção das armas Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade (transcrição): 1 - Na noite do dia 17 de Novembro de 2008, pelas 05h30m, o arguido dirigiu-se à residência do seu tio J e cortou uma corrente que mantinha uma das janelas fechada, que dista do solo cerca de 1 metro e 20 centímetros, subiu a mesma e por aí se introduziu no seu interior. 2 - Retirou então daquele local duas espingardas de caça, uma da marca "Benelii" com o número de série M452999, e outra da marca “Ignacio Ugartechea” com o número de série 87951 e respectivos estojos, ambas no valor de 550,00 Euros. 3 - O arguido sabia que os objectos atrás referidos não lhe pertenciam e que ao apoderar-se deles, assim como ao entrar naquela residência o fazia contra a vontade do respectivo dono e com a intenção de os fazer seus. 5 - As armas vieram a ser apreendidas pela GNR por terem sido entregues pelo arguido. 6 - O arguido não era possuidor de licença de uso e porte de arma das referidas armas, sabendo que não as podia deter na sua posse. 7 - O arguido agiu consciente e livremente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. 8 - O arguido quis impedir o tio de utilizar as armas em virtude deste, em número não concretizado de vezes, mas, pelo menos, em mais do que uma ocasião, no âmbito de discussões havidas entre ambos, ter referido que ia buscar as armas e que as utilizaria contra o arguido e contra a sua família. 9 - O arguido tencionava fazer desaparecer as armas. 10 - O arguido confessou os factos. 11 - O arguido trabalha no estrangeiro. 12 - Exerce a profissão de servente numa empresa de fornos industriais. 13 - Pelo exercício da sua profissão aufere, em média e mensalmente, uma quantia que se fixa entre €1.1 00,00 e €1.200,00. 14 - O arguido reside com a mãe. 15 - Ajuda economicamente a mãe e os seus irmãos menores que se encontram a estudar. 16 - É reputado positivamente pelos seus vizinhos e amigos. 17 - O arguido não tem antecedentes criminais.” O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição): “O Tribunal fundou a sua convicção quanto aos factos provados sob os números 1 a 10, na confissão do arguido que se afigurou sincera e credível, atenta a postura de colaboração que manteve em sede de audiência de julgamento. As características da residência, do mecanismo de segurança aposto na janela e das armas foram ainda confirmadas pelo ofendido J cujo depoimento nesta parte mereceu credibilidade quando conjugado com as declarações das testemunhas R, agente da GNR, cujo depoimento se afigurou credível e da testemunha J, agente da GNR, que prestou um depoimento objectivo e isento, que descreveram o local dos factos e as armas apreendidas. No confronto entre a versão trazida pelo arguido quanto aos motivos que teriam determinado a subtracção das armas e o destino que pretendia dar às mesmas (cfr. factos provados sob os nºs 8 e 9) e a versão do seu tio, que negou que tivesse mencionado utilizar as armas contra o arguido, o Tribunal deu crédito às declarações do arguido por se terem afigurado sinceras, coerentes e consentâneas com a atitude que adoptou após os factos (tendo procedido à entrega das armas e confessado os factos) e porque foram confirmadas pela testemunha L, que apesar de não ser completamente isenta por ser sua mãe, prestou um depoimento em sentido coincidente e revelador do temor que a família tem relativamente ao tio do arguido, face à sua personalidade temperamental. Por seu turno, o depoimento de J, ainda que tenha admitido não manter um bom relacionamento com o seu sobrinho, não gozou, nesta parte de credibilidade, por se ter demonstrado evasivo e comprometido e ainda porque contraditório quanto às declarações prestadas pela sua irmã. Os depoimentos dos agentes da GNR corroboraram ainda a atitude de colaboração do arguido, descrevendo que o mesmo procedeu à entrega das armas logo que foi questionado se tinha conhecimento dos factos. A fotocópia do livrete de manifesto de armas de fls. 4, serviu para atestar o número de identificação, características e propriedade da arma de marca “Benelli” e a fotocópia de fls. 5 para atestar a existência da licença para uso e porte da mesma arma a favor do ofendido. A fotocópia de fls. 6 que corresponde ao manifesto da arma de marca “Ignacio Ugartechea” serviu para confirmar as suas características e número de série. O relatório táctico de inspecção ocular de fls. 35 e a fotografia de fls. 36 confirmaram o depoimento prestado pelas testemunhas da acusação quanto às características da janela. Os documentos de fls. 46 e 47 relativos ao exame das armas, quando ainda conjugados com o depoimento de J, serviram para o Tribunal fundar a sua convicção quanto ao valor das armas. No que concerne à situação pessoal, familiar e profissional do arguido a que se reportam os factos provados sob os nºs 11 a 16, a convicção do tribunal alicerçou-se quer no teor das declarações do arguido que se afiguraram coerentes e credíveis, quer no teor do depoimento prestado pela sua mãe que versou ainda sobre esta matéria. Relativamente aos antecedentes criminais a convicção do tribunal alicerçou-se no teor do Certificado de Registo Criminal de fls. 66.” ****** Entende o Ministério Público que o tribunal a quo apreciou erradamente a prova produzida em audiência de julgamento ao ter dado como provado que “5 - As armas vieram a ser apreendidas pela GNR por terem sido entregues pelo arguido”, quando, perante aquela, o que efectivamente resultou provado foi que o arguido entregou as armas “porque os militares da G.N.R. se dirigiram à casa do arguido que, confrontado com os factos, terá resolvido aceitar a sua responsabilidade pela ocorrência dos mesmos”, pelo que o facto descrito sob o nº 5 deveria ter a seguinte redacção: “as armas vieram a ser apreendidas pela GNR, na sequência da deslocação desta força militar a casa do arguido, e entregues por este, quando confrontado com os factos e se tinha conhecimento destes”.Diga-se desde já que o recorrente tem total razão. Vejamos: Sob a epígrafe “Livre apreciação da prova”, estipula o artº 127º do Código de Processo Penal, que, “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. No caso dos autos, uma vez que a prova é constituída pelas declarações do arguido e pelo depoimento de testemunhas, a sua valoração obedece em absoluto a tal princípio visto que não estamos perante o caso do artº 129º. Este princípio impõe como únicos limites à discricionariedade do julgador, as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica, pelo que a livre convicção do tribunal não pode ser puramente subjectiva ou emocional. O tribunal a quo fundamentou a sua decisão (no que a esta parte diz respeito) “na confissão do arguido que se afigurou sincera e credível” e nos “depoimentos dos agentes da GNR corroboraram ainda a atitude de colaboração do arguido, descrevendo que o mesmo procedeu à entrega das armas logo que foi questionado se tinha conhecimento dos factos”. Basta esta fundamentação para percebermos que a mesma aponta no sentido de que o arguido entregou as armas após ter sido questionado pelos agentes da GNR sobre o seu conhecimento dos factos, mas que o tribunal deu como provado algo diverso: deu como provado que o arguido entregou as armas à GNR e que por isso ficaram apreendidas. Ora, a prova produzida em julgamento aponta decisivamente no sentido de que o arguido só entregou as armas porque foi confrontado pela GNR que o seu tio apresentara e em que o apresentara como suspeito do furto. A este respeito, explicou o arguido (com sublinhados nossos) Arguido: E eu entreguei-as (as armas) logo de boa vontade. A GNR ficou com elas. Acho que até foi uma apreendida porque não tinha documentos. Juiz: Oh, Sr. F Mas se sabia que ... o Sr. disse que não queria ir fazer queixa à GNR mas o Sr. escusava destas coisas se ... estes factos de que sai prejudicado se realmente tivesse ido à GNR, não? .. Arguido: Eu acho que eles não faziam nada. Que já tanta vez que ele me ameaçou. Juiz: Mas nunca contou? Arguido: Nunca contei. Juiz: E que armas eram estas? Duas armas de caça? Arguido: Caçadeiras. Juiz: E o Sr. sabia que não podia ter as armas consigo, não é? Arguido: Sabia mas ... eu escondi-as ... escondi-as logo no pinhal e tudo ... Juiz: No pinhal?! Arguido: Para as fazer desaparecer Mais adiante e a instâncias do Ministério Público sobre quanto tempo mediara entre a subtracção e a a apreensão Arguido: Passado para aí umas 4/5 horas ... Devia de ser ... foi depois de almoço Procurador: E a GNR veio ter consigo? Arguido: Veio. Procurador: E o Sr. estava onde? Arguido: Estava em casa de uma colega meu. Procurador: E tinha as armas onde? No pinhal? Arguido: Não. Isso foi quando as ... quando as fui buscar Procurador: O Sr. foi buscá-las e escondeu-as no pinhal e depois foi buscá-las Arguido: Depois fui buscá-las e levei-as para casa desse colega meu … Procurador: Quando elas foram apreendidas estava em casa do seu colega na posse das armas? Arguido: Pronto ... elas estavam escondidas debaixo de um carro que ele lá tem mas, pronto, estava na casa desse meu colega, sim ... ». E mais adiante ainda Juiz: Oh, Sr. F. Mas, portanto o Sr. está a admitir estes factos? Arguido: Estou a admitir. Sei que não foi a melhor forma mas não quis fazer queixa à GNR para não andar nessas coisas. Mas o Sr. P sabe que eu contei-lhe logo a história Destes extractos retira-se que o arguido não só não tomou a iniciativa de entregar as armas à GNR, como nem sequer estava no seu horizonte qualquer devolução, pois pretendia fazê-las desaparecer. Procurador: Mas o R dirigiu-se ao suspeito por causa daquilo que o Sr. J lhe tinha dito, ou ... ? Testemunha R: Sim. O Sr. J disse-me logo: “o meu sobrinho veio cá buscar ... veio cá a casa e levou-me uma arma minha e uma arma que era do ... do avô do F ... Procurador: E vocês então dirigiram-se à procura dele e ele disse logo ... Testemunha R: Sim, fui ter com o F. Ele estava a residir noutra, noutra... em casa de uns amigos na altura e eu falei com o F e disse-lhe: “Oh, F, passa-se isto assim, assim ... “. E o F: “sim, fui lá”. E eu disse: “então dá cá isso se não vai dar uma chatice grande para ti”. E foi isso, essencialmente o que aconteceu. Procurador: E ele tinha as armas onde? Testemunha R: Estavam em casa de um amigo ... nos Pereirões, onde ele estava a residir.»
Testemunha J: Tivemos conhecimento do furto da arma. Fomos falar com o ofendido. Apresentou como suspeito o F. Fomos ... abordámos o F, ele assumiu a autoria do furto e tinha as armas na posse e entregou-nos. Procurador: Onde é que ele tinha as armas? Testemunha J: Tinha em casa de uns amigos nos Pereirões. Procurador: E, já agora, ele vivia nessa casa, não vivia, como é que sabe? Testemunha J: Estava lá a viver com os amigos. Procurador: Aqui o J afirmou à bocado que era a "casa dos chouriços"? Testemunha J: É, a "casa dos chouriços". Procurador: Isso quer dizer o quê? Testemunha J: É uma casa que está referenciada por nós, por indivíduos que se dedicam à prática de furtos, de actos ilícitos. Procurador: E era lá que estava a arma? Testemunha J: Era. Procurador: E ele ofereceu alguma resistência, colaborou, não colaborou ... ? Testemunha J: Colaborou, colaborou Procurador: Vocês entraram lá em casa ou ele Testemunha J: Não, ele é que foi buscá-las Procurador: E a arma estava nessa casa? Testemunha J: Sim, sim. Ficámos cá fora e ele foi lá dentro buscar as armas. Ora, é evidente que o depoimento destas testemunhas confirmam o que disse o arguido, ou seja, só após ter sido confrontado com as suspeitas dos soldados da GNR (e do seu tio) é que entregou as armas, ou seja, a entrega não foi uma iniciativa sua, mas sim o resultado de ter ficado a saber que era suspeito do seu furto. Da alteração supra referida resultam consequências ao nível da integração jurídica dos factos. ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ |