Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
263/08.3GCCNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA DECISÃO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
LIVRE CONVICÇÃO DO JULGADOR
RESTITUIÇÃO DA COISA FURTADA
Data do Acordão: 07/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CANTANHEDE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 203º, 204º, 206º DO CP,124º,125º,127º, 412º, 428º E 431º DO CPP
Sumário: 1.Tendo o tribunal a quo fundamentado a decisão sobre determinado ponto de facto nas declarações do arguido e no depoimento das testemunhas que identifica, se reanalisadas e reapreciadas estas provas no seu conjunto, o tribunal a Relação forma a convicção de que o tribunal da 1ª instância errou, deve alterar aquela decisão, na parte concretamente impugnada.
2ºA restituição de coisa furtada, para efeitos do artigo 206º do CP, deve ser voluntária e espontânea, feita por iniciativa do agente e não quando o faz após ter sido confrontado com a participação que o como autor dos factos.
Decisão Texto Integral: Por sentença proferida nos autos supra identificados, decidiu o tribunal:
a) Absolver o arguido F. da prática de um crime de arma proibida do artigo 86°, nº l, c), na sua redacção original, por referência aos artigos 2°, nºs, alíneas c. e , 3°, nº 6, alíneas a. e c., 8° e 15º, todos da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro e
b) Condená-lo como autor de crime de furto qualificado dos artigos 203° e 204°, nº 2, alínea e.) do Código Penal, na pena, especialmente atenuada nos termos do artigo 206°, nº 2 do mesmo diploma, de 6 (seis) meses de prisão, substituída por 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de €7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos).
Inconformado com o decidido, o Ministério Público interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição):
“1. A iniciativa da entrega das armas não partiu propriamente do arguido, mas só ocorreu porque foi surpreendido pelos militares da G.N.R., vendo-se na inevitabilidade de aceitar o "conselho" que estes lhe deram, para proceder à entrega das armas.
2. Já que, conforme resulta do seu depoimento prestado em sede de audiência de discussão e julgamento, após ter subtraído as armas de casa do seu tio, escondeu-as no pinhal, tendo posteriormente levado as mesmas para casa de uns amigos onde estaria a residir. E é nesse local que, após solicitação dos militares da GNR, procede à sua entrega (cfr. depoimento prestado em audiência constante da gravação às 10:27:50).
3. Tal entrega, dita "voluntária", não era propriamente o objectivo do arguido quando da subtracção das armas, uma vez que ele próprio admite não ser sua intenção participar as ameaças de que era alvo à polícia por entender que tal denúncia não surtiria qualquer efeito (cfr. depoimento prestado em audiência constante da gravação às 10:27:50 - 7:27 e ss:).
4. Também os dois militares da G.N.R. que se dirigiram a casa do arguido e procederam à apreensão das armas foram unânimes em afirmar que o arguido, ainda que sempre tenha demonstrado uma atitude de colaboração para com a autoridade, apenas procedeu à entrega das armas após ter sido confrontado com a denúncia e suspeita do tio e de ter sido "aconselhado" a fazê-lo - cfr. depoimentos prestados em audiência constantes da gravação às 10:59:37 e 11:07:17, respectivamente R. e J..
5. Não é, pois, legítima a conclusão do tribunal a quo de que a apreensão das armas apenas teve lugar porque o arguido procedeu à sua entrega voluntária, parecendo que seria essa entrega o objectivo último da subtracção das mesmas, já que não tem correspondência com o que resultou efectivamente da audiência de discussão e julgamento..
6. Em face do depoimento do arguido, que o tribunal não deixou de considerar ter sido prestado de forma sincera e credível, conjugado com os testemunhos dos militares da G.N.R., . Assim, a conclusão do tribunal a quo, quanto à apreensão e entrega das armas, considerando que aquela ocorreu devido apenas à conduta colaborante do arguido não está minimamente conforme com a prova que foi produzida em audiência de discussão e julgamento, já que desta resulta antes que tal aconteceu apenas porque os militares da G.N.R. se dirigiram à casa do arguido que, confrontado com os factos, terá resolvido aceitar a sua responsabilidade pela ocorrência dos mesmos.
8. Fica, deste modo, patente a violação do art. 127.° do Cód. Proc. Penal, devendo, por isso, a decisão recorrida ser modificada nos termos ora expostos (cfr. alínea b) do artigo 431.°, por referência ao n.º 3 do artigo 412.°, ambos do Código de Processo Penal).
9. Atenta a material idade fáctica dada como provada (com as correcções e aditamentos supra referidos relativamente ao ponto 5.), não restava ao tribunal a quo outra solução que não fosse a condenação do arguido também pela prática do crime de detenção de arma proibida.
10. Aceitando que o único objectivo da acção do arguido teria sido, efectivamente, o de impedir o seu tio de utilizar as armas "em virtude deste, em número não concretizado de vezes mas, pelo menos, em mais do que uma ocasião, no âmbito de discussões havidas entre ambos, ter referido que ia buscar as armas e que as utilizaria contra o arguido e contra a sua família", bem como que era sua intenção "fazer desaparecer as armas" (pontos 8 e 9 dos factos provados), ainda assim, não se pode deixar de considerar que o arguido representou e quis como necessária a esse objectivo último (a destruição das armas) a detenção, que sabia ilegal, das referidas armas.
11. Agiu, pois, o arguido, no que respeita ao crime de detenção de arma proibida, pelo menos com dolo necessário, já que bem sabia que a sua conduta necessariamente implicaria a posse, ainda que precária, das armas e que essa mesma posse, uma vez que o mesmo não era possuidor de licença de uso e porte de arma, era contrária à lei (cfr. o já referido ponto n.º 6 dos factos provados).
12. É, a nosso ver, abusivo transpor para o caso dos presentes autos a fundamentação constante do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 3¬12-2003, na medida em que são bastante diferentes as respectivas situações fácticas concretas, dado que, diferentemente do que aconteceu no 'caso relatado no acórdão citado, o objectivo da acção do arguido não era o de entregar as armas à autoridade policial mas sim, o de impedir o tio de utilizar as armas contra si próprio.
13. Assim, contrariamente àquele referido caso, em que "o arguido mais não quis do que remover o perigo (abstracto) que a detenção das munições podia implicar - precisamente aquele perigo que está subjacente à incriminação legal", no presente caso o que o arguido pretendeu foi a remoção de um perigo concreto - o perigo que aquelas armas representavam para si em particular.
14. Não se compreende que o Tribunal a quo, a propósito do crime de detenção de arma proibida, faça completa tábua rasa da argumentação jurídica utilizada para afirmação do crime de furto pelo qual viria o arguido a ser condenado, não se percebendo como pode ser feita uma cisão entre o elemento volitivo no furto e o elemento volitivo na detenção de arma proibida, quando o objecto da conduta do arguido é o mesmo em ambos os crimes [como pode uma mesma pessoa querer ter o domínio de um objecto (as armas) e ao mesmo tempo não querer ter consigo as (ditas) armas?!].
15. Existe, assim, uma contradição flagrante e insanável entre a argumentação expendida na sentença recorrida para a condenação do arguido pelo crime de furto e a argumentação usada para a sua absolvição pelo crime de detenção de arma proibida, o que nosso ver densifica e concretiza uma contradição insanável da fundamentação, vício que aqui se invoca e a que se refere a a!. b) do nº. 2, do art. 410.° do Cód. Proc. Penal.
16. Tendo o arguido subtraído duas espingardas de caça, fazendo-as suas, para as quais não tinha licença de uso e porte de arma, que sabia necessária para a sua detenção, é forçoso concluir pela verificação, in casu, do elemento subjectivo do crime de detenção de arma proibida.
17. Ao assim não considerar, e verificados que estão os demais pressupostos típicos do referido crime, com a absolvição do arguido, o Tribunal a quo violou o disposto nos art.ºs 14.° do Código Penal, 2.°, n.º 1-0) e 86.°, n.º l-c) da Lei n.º 5/2006, de 23.02.
Termos em que deve a sentença em apreço ser revogada e substituída por outra que, além do mais, condene o arguido também pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelos art.ºs 2.°, n.º 1-0) e 86.°, n.º l-c) da Lei n.º 5/2006, de 23.02., pelo qual vinha igualmente acusado, assim se fazendo inteira Justiça.”
Respondeu o arguido defendendo a manutenção da decisão recorrida e apresentando as seguintes conclusões:
1. O ponto 5 da matéria de facto – "as armas vieram a ser aprendidas pela GNR por terem sido entregues pelo arguido" – foi correctamente dado como provado atento os depoimentos do arguido e das testemunhas militares da GNR, R e J, que referem que o arguido entregou as armas de livre vontade, quase imediatamente à subtracção das mesmas da casa do ofendido, colaborando com as autoridades policiais.
2. Mesmo que se entendesse alterar a matéria de facto nesse aspecto, considerando antes que se deveria ter resultado provado que "as armas vieram a ser apreendidas, na sequência da deslocação desta força militar a casa do arguido, e entregues por este, quando confrontado com os factos, e se tinha conhecimento dos mesmos", tal não era determinante para que o arguido fosse condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida.
3. Não existe qualquer contradição insanável na sentença entre o elemento volitivo do crime de furto e do elemento volitivo do crime de detenção de arma proibida.
4. Se o bem jurídico a proteger neste crime é a segurança dos cidadãos face aos perigos da circulação livre de armas sem observância das regras legais, e se o objectivo era o desaparecimento das armas para remover o perigo que as mesmas representavam para si e para a sua família, a sua conduta não pôs em causa tal bem jurídico.
5. O arguido nunca quis apropriar-se das armas ou utilizá-las, mas sim remover o perigo que tais armas representavam para si e para a sua família, e daí que não tenha agido com dolo, ou seja, com a intenção de transportar ou deter as armas nos termos que subjazem à letra da letra da lei.
6. Assim, o arguido terá de ser absolvido pelo crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido no art.86° nº 1, al. c) da Lei 5/2006 de 23/2, com fez a douta sentença a quo.
Termos em que o presente recurso deve ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a douta sentença, por ser um acto de Justiça”
O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.
Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto apôs visto.
Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.
Cumpre conhecer do recurso
Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.
É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).
Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
Questões a decidir:
- Erro de julgamento
- Integração jurídica dos factos referentes à detenção das armas
Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade (transcrição):
1 - Na noite do dia 17 de Novembro de 2008, pelas 05h30m, o arguido dirigiu-se à residência do seu tio J e cortou uma corrente que mantinha uma das janelas fechada, que dista do solo cerca de 1 metro e 20 centímetros, subiu a mesma e por aí se introduziu no seu interior.
2 - Retirou então daquele local duas espingardas de caça, uma da marca "Benelii" com o número de série M452999, e outra da marca “Ignacio Ugartechea” com o número de série 87951 e respectivos estojos, ambas no valor de 550,00 Euros.
3 - O arguido sabia que os objectos atrás referidos não lhe pertenciam e que ao apoderar-se deles, assim como ao entrar naquela residência o fazia contra a vontade do respectivo dono e com a intenção de os fazer seus.
5 - As armas vieram a ser apreendidas pela GNR por terem sido entregues pelo arguido.
6 - O arguido não era possuidor de licença de uso e porte de arma das referidas armas, sabendo que não as podia deter na sua posse.
7 - O arguido agiu consciente e livremente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
8 - O arguido quis impedir o tio de utilizar as armas em virtude deste, em número não concretizado de vezes, mas, pelo menos, em mais do que uma ocasião, no âmbito de discussões havidas entre ambos, ter referido que ia buscar as armas e que as utilizaria contra o arguido e contra a sua família.
9 - O arguido tencionava fazer desaparecer as armas.
10 - O arguido confessou os factos.
11 - O arguido trabalha no estrangeiro.
12 - Exerce a profissão de servente numa empresa de fornos industriais.
13 - Pelo exercício da sua profissão aufere, em média e mensalmente, uma quantia que se fixa entre €1.1 00,00 e €1.200,00.
14 - O arguido reside com a mãe.
15 - Ajuda economicamente a mãe e os seus irmãos menores que se encontram a estudar.
16 - É reputado positivamente pelos seus vizinhos e amigos.
17 - O arguido não tem antecedentes criminais.”
O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):
“O Tribunal fundou a sua convicção quanto aos factos provados sob os números 1 a 10, na confissão do arguido que se afigurou sincera e credível, atenta a postura de colaboração que manteve em sede de audiência de julgamento.
As características da residência, do mecanismo de segurança aposto na janela e das armas foram ainda confirmadas pelo ofendido J cujo depoimento nesta parte mereceu credibilidade quando conjugado com as declarações das testemunhas R, agente da GNR, cujo depoimento se afigurou credível e da testemunha J, agente da GNR, que prestou um depoimento objectivo e isento, que descreveram o local dos factos e as armas apreendidas.
No confronto entre a versão trazida pelo arguido quanto aos motivos que teriam determinado a subtracção das armas e o destino que pretendia dar às mesmas (cfr. factos provados sob os nºs 8 e 9) e a versão do seu tio, que negou que tivesse mencionado utilizar as armas contra o arguido, o Tribunal deu crédito às declarações do arguido por se terem afigurado sinceras, coerentes e consentâneas com a atitude que adoptou após os factos (tendo procedido à entrega das armas e confessado os factos) e porque foram confirmadas pela testemunha L, que apesar de não ser completamente isenta por ser sua mãe, prestou um depoimento em sentido coincidente e revelador do temor que a família tem relativamente ao tio do arguido, face à sua personalidade temperamental. Por seu turno, o depoimento de J, ainda que tenha admitido não manter um bom relacionamento com o seu sobrinho, não gozou, nesta parte de credibilidade, por se ter demonstrado evasivo e comprometido e ainda porque contraditório quanto às declarações prestadas pela sua irmã.
Os depoimentos dos agentes da GNR corroboraram ainda a atitude de colaboração do arguido, descrevendo que o mesmo procedeu à entrega das armas logo que foi questionado se tinha conhecimento dos factos.
A fotocópia do livrete de manifesto de armas de fls. 4, serviu para atestar o número de identificação, características e propriedade da arma de marca “Benelli” e a fotocópia de fls. 5 para atestar a existência da licença para uso e porte da mesma arma a favor do ofendido.
A fotocópia de fls. 6 que corresponde ao manifesto da arma de marca “Ignacio Ugartechea” serviu para confirmar as suas características e número de série.
O relatório táctico de inspecção ocular de fls. 35 e a fotografia de fls. 36 confirmaram o depoimento prestado pelas testemunhas da acusação quanto às características da janela.
Os documentos de fls. 46 e 47 relativos ao exame das armas, quando ainda conjugados com o depoimento de J, serviram para o Tribunal fundar a sua convicção quanto ao valor das armas.
No que concerne à situação pessoal, familiar e profissional do arguido a que se reportam os factos provados sob os nºs 11 a 16, a convicção do tribunal alicerçou-se quer no teor das declarações do arguido que se afiguraram coerentes e credíveis, quer no teor do depoimento prestado pela sua mãe que versou ainda sobre esta matéria.
Relativamente aos antecedentes criminais a convicção do tribunal alicerçou-se no teor do Certificado de Registo Criminal de fls. 66.”
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Entende o Ministério Público que o tribunal a quo apreciou erradamente a prova produzida em audiência de julgamento ao ter dado como provado que “5 - As armas vieram a ser apreendidas pela GNR por terem sido entregues pelo arguido”, quando, perante aquela, o que efectivamente resultou provado foi que o arguido entregou as armas “porque os militares da G.N.R. se dirigiram à casa do arguido que, confrontado com os factos, terá resolvido aceitar a sua responsabilidade pela ocorrência dos mesmos”, pelo que o facto descrito sob o nº 5 deveria ter a seguinte redacção: “as armas vieram a ser apreendidas pela GNR, na sequência da deslocação desta força militar a casa do arguido, e entregues por este, quando confrontado com os factos e se tinha conhecimento destes”.
Diga-se desde já que o recorrente tem total razão.
Vejamos:
Sob a epígrafe “Livre apreciação da prova”, estipula o artº 127º do Código de Processo Penal, que, “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
No caso dos autos, uma vez que a prova é constituída pelas declarações do arguido e pelo depoimento de testemunhas, a sua valoração obedece em absoluto a tal princípio visto que não estamos perante o caso do artº 129º.
Este princípio impõe como únicos limites à discricionariedade do julgador, as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica, pelo que a livre convicção do tribunal não pode ser puramente subjectiva ou emocional.
O tribunal a quo fundamentou a sua decisão (no que a esta parte diz respeito) “na confissão do arguido que se afigurou sincera e credível e nosdepoimentos dos agentes da GNR corroboraram ainda a atitude de colaboração do arguido, descrevendo que o mesmo procedeu à entrega das armas logo que foi questionado se tinha conhecimento dos factos”.
Basta esta fundamentação para percebermos que a mesma aponta no sentido de que o arguido entregou as armas após ter sido questionado pelos agentes da GNR sobre o seu conhecimento dos factos, mas que o tribunal deu como provado algo diverso: deu como provado que o arguido entregou as armas à GNR e que por isso ficaram apreendidas.
Ora, a prova produzida em julgamento aponta decisivamente no sentido de que o arguido só entregou as armas porque foi confrontado pela GNR que o seu tio apresentara e em que o apresentara como suspeito do furto.
A este respeito, explicou o arguido (com sublinhados nossos)

Arguido: E eu entreguei-as (as armas) logo de boa vontade. A GNR ficou com elas.

Acho que até foi uma apreendida porque não tinha documentos.

Juiz: Oh, Sr. F Mas se sabia que ... o Sr. disse que não queria ir fazer queixa à GNR mas o Sr. escusava destas coisas se ... estes factos de que sai prejudicado se realmente tivesse ido à GNR, não? ..

Arguido: Eu acho que eles não faziam nada. Que já tanta vez que ele me ameaçou.

Juiz: Mas nunca contou?

Arguido: Nunca contei.

Juiz: E que armas eram estas? Duas armas de caça?

Arguido: Caçadeiras.

Juiz: E o Sr. sabia que não podia ter as armas consigo, não é?

Arguido: Sabia mas ... eu escondi-as ... escondi-as logo no pinhal e tudo ...

Juiz: No pinhal?!

Arguido: Para as fazer desaparecer

Mais adiante e a instâncias do Ministério Público sobre quanto tempo mediara entre a subtracção e a a apreensão

Arguido: Passado para aí umas 4/5 horas ... Devia de ser ... foi depois de almoço

Procurador: E a GNR veio ter consigo?

Arguido: Veio.

Procurador: E o Sr. estava onde?

Arguido: Estava em casa de uma colega meu.

Procurador: E tinha as armas onde? No pinhal?

Arguido: Não. Isso foi quando as ... quando as fui buscar

Procurador: O Sr. foi buscá-las e escondeu-as no pinhal e depois foi buscá-las

Arguido: Depois fui buscá-las e levei-as para casa desse colega meu …

Procurador: Quando elas foram apreendidas estava em casa do seu colega na posse das armas?

Arguido: Pronto ... elas estavam escondidas debaixo de um carro que ele lá tem mas, pronto, estava na casa desse meu colega, sim ... ».

E mais adiante ainda

Juiz: Oh, Sr. F. Mas, portanto o Sr. está a admitir estes factos?

Arguido: Estou a admitir. Sei que não foi a melhor forma mas não quis fazer queixa à GNR para não andar nessas coisas. Mas o Sr. P sabe que eu contei-lhe logo a história

Destes extractos retira-se que o arguido não só não tomou a iniciativa de entregar as armas à GNR, como nem sequer estava no seu horizonte qualquer devolução, pois pretendia fazê-las desaparecer.
A não entrega das armas seria, aliás, a consequência lógica do seu entendimento de que não valia a pena participar criminalmente das ameaças do tio: se não ia participar o comportamento do tio, como poderia explicar que entrara na casa dele e que daí as retirara?
A solução seria manter-se em silêncio a esse respeito.
E foi isso que fez.
As nosso ver, as suas declarações são inequívocas quanto a isto.
Acresce que a falta de iniciativa do arguido na entrega das armas, está também claramente retratada nos depoimentos de R e J
Veja-se:

Procurador: Mas o R dirigiu-se ao suspeito por causa daquilo que o Sr. J lhe tinha dito, ou ... ?

Testemunha R: Sim. O Sr. J disse-me logo: “o meu sobrinho veio cá buscar ... veio cá a casa e levou-me uma arma minha e uma arma que era do ... do avô do F ...

Procurador: E vocês então dirigiram-se à procura dele e ele disse logo ...

Testemunha R: Sim, fui ter com o F. Ele estava a residir noutra, noutra... em casa de uns amigos na altura e eu falei com o F e disse-lhe: “Oh, F, passa-se isto assim, assim ... “. E o F: “sim, fui lá”. E eu disse: “então dá cá isso se não vai dar uma chatice grande para ti”. E foi isso, essencialmente o que aconteceu.

Procurador: E ele tinha as armas onde?

Testemunha R: Estavam em casa de um amigo ... nos Pereirões, onde ele estava a residir.»

Testemunha J: Tivemos conhecimento do furto da arma. Fomos falar com o ofendido. Apresentou como suspeito o F. Fomos ... abordámos o F, ele assumiu a autoria do furto e tinha as armas na posse e entregou-nos.

Procurador: Onde é que ele tinha as armas?

Testemunha J: Tinha em casa de uns amigos nos Pereirões.

Procurador: E, já agora, ele vivia nessa casa, não vivia, como é que sabe?

Testemunha J: Estava lá a viver com os amigos.

Procurador: Aqui o J afirmou à bocado que era a "casa dos chouriços"?

Testemunha J: É, a "casa dos chouriços".

Procurador: Isso quer dizer o quê?

Testemunha J: É uma casa que está referenciada por nós, por indivíduos que se dedicam à prática de furtos, de actos ilícitos.

Procurador: E era lá que estava a arma?

Testemunha J: Era.

Procurador: E ele ofereceu alguma resistência, colaborou, não colaborou ... ?

Testemunha J: Colaborou, colaborou

Procurador: Vocês entraram lá em casa ou ele

Testemunha J: Não, ele é que foi buscá-las

Procurador: E a arma estava nessa casa?

Testemunha J: Sim, sim. Ficámos cá fora e ele foi lá dentro buscar as armas.

Ora, é evidente que o depoimento destas testemunhas confirmam o que disse o arguido, ou seja, só após ter sido confrontado com as suspeitas dos soldados da GNR (e do seu tio) é que entregou as armas, ou seja, a entrega não foi uma iniciativa sua, mas sim o resultado de ter ficado a saber que era suspeito do seu furto.
Por isso, mal andou o tribunal ao ter dado como provado que “as armas vieram a ser apreendidas pela GNR por terem sido entregues pelo arguido.”
O que efectivamente ficou provado foi que “as armas vieram a ser apreendidas pela GNR, na sequência da deslocação desta força militar a casa do arguido, e entregues por este, após ter sido confrontado com a participação que o dava como autor dos factos acima descritos”.
Assim sendo, o ponto 5. da matéria de facto que passará a ter esta redacção.

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Da alteração supra referida resultam consequências ao nível da integração jurídica dos factos.
Desde logo, a inaplicabilidade do artº 206º, nº 2, do Código Penal ao caso porque, conforme é jurisprudência unânime, “a restituição relevante deve ser voluntária e espontânea, feita por iniciativa do arguido e não quando o faz apenas por ter sido descoberto, não podendo bastar-se com a entrega dos objectos subtraídos resultante de intervenção das forças policiais, pois que se não foi o agente do crime que procedeu sponte sua à restituição dos bens, inexiste mitigação da sua culpa, pressuposto da aplicação da atenuação especial da pena — cfr. acórdãos do STJ, de 07-05-1997, BMJ 467, 268, de 07-07-1999, processo 1182/98-3ª, SASTJ, nº 33, 81, de 13-01-2000, CJSTJ2000, T1,188, de 22-01-2004, CJSTJ2004, Tomo 1, 183, de 11-04-2007, processo 642/07-3ª —, sendo esclarecedor o acórdão de 15-01-1998, processo 942/97, onde se refere que a atenuação especial «há-de resultar de factos que inequivocamente exprimam (ou onde claramente se expresse) um sentimento espontâneo, livre e não pressionado (ou determinado por incentivos ou condicionalismos exógenos) de restituição ou reparação, uma vez que apenas esse se pode compatibilizar com a diminuição por forma acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena»” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Dezembro de 2007, in www.dgsi.pt)[ No mesmo sentido, v.g., Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2007, de 11 de Abril de 2007 e de 12 de Setembro de 2007, todos em www.dgsi.pt ].
Ora, tendo ficado provado que “as armas vieram a ser apreendidas pela GNR, na sequência da deslocação desta força militar a casa do arguido, e entregues por este, após ter sido confrontado com a participação que o dava como autor dos factos acima descritos”, é evidente que a entrega das armas teve lugar, não por iniciativa do arguido, mas sim porque os agentes da GNR o contactaram e comunicaram que era suspeito da subtracção das armas.
Por isso não é de considerar a recuperação como caso de atenuação especial expressamente prevista na lei (nem em termos gerais).
Resulta daqui que a conduta do arguido é punida nos termos do artº 204°, nº 2, alínea e., do Código Penal, ou seja, de dois a oito anos de prisão.
Contudo, o Ministério Público não trouxe esta questão ao recurso o que impõe que, embora esta Relação altere a integração jurídica, não se possa pronunciar sobre a pena aplicada.
A outra consequência é a pretendida pelo recorrente: a condenação do arguido como autor de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos art.ºs 2.°, n.º 1-0) e 86.°, n.º l-c) da Lei n.º 5/2006, de 23.02.
Vejamos:
Entende o tribunal a quo que embora se mostrem preenchi aos artºs 2°, nº 2, alíneas c. e, 3°, nº 6, alíneas a. e c., 8° e 15º, todos da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, mas que o mesmo não acontece com os elementos subjectivos porquanto, embora soubesse
que não lhe era permitido possuir e ter aquelas armas, todavia, resultou ainda provado que pretendia fazer sumir as mesmas”,
pelo que o
“único objectivo que presidiu à detenção das referidas armas, ao destino que o arguido pretendia dar às armas e à circunstância de ter procedido à sua entrega aos agentes da GNR não se pode afirmar que quisesse ter consigo armas ou sequer utilizá-las, mas antes proceder à remoção do perigo que as mesmas representavam para si e para a sua família, ou seja, não se pode concluir que tenha actuado com dolo
Sem nos determos sobre uma, pelo menos aparente, contradição nestas considerações (repare-se que o facto dado por provado em 9. foi completamente esquecido pela 1ª instância aquando da integração jurídica), diremos que o dolo directo resulta provado no nº 6. (“O arguido não era possuidor de licença de uso e porte de arma das referidas armas, sabendo que não as podia deter na sua posse”) e tal não é contrariado pelo facto descrito em 8. (“O arguido quis impedir o tio de utilizar as armas em virtude deste, em número não concretizado de vezes, mas, pelo menos, em mais do que uma ocasião, no âmbito de discussões havidas entre ambos, ter referido que ia buscar as armas e que as utilizaria contra o arguido e contra a sua família”) e até sai reforçado pelos factos consignados em 5. (“As armas vieram a ser apreendidas pela GNR, na sequência da deslocação desta força militar a casa do arguido, e entregues por este, após ter sido confrontado com a participação que o dava como autor dos factos acima descritos”) e 9. (“O arguido tencionava fazer desaparecer as armas”).
Com efeito, estando plenamente provado que o arguido detinha “duas espingardas de caça, uma da marca “Beneli”" com o número de série M452999, e outra da marca “Ignacio Ugartechea” com o número de série 87951”, que “não era possuidor de licença de uso e porte de arma das referidas armas, sabendo que não as podia deter na sua posse” e que “agiu consciente e livremente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”, dúvidas não existem de que se mostram provados os elementos subjectivos do crime de detenção de arma proibida, ou seja, o conhecimento e a vontade de praticar os factos constitutivos dos elementos objectivos do tipo.
Assim sendo, será condenado como autor de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artºs 86º, nº 1, alínea c., com referência aos artºs 2º, nº 1, alíneas o. e am., 3º, nº 6, alínea a. e 15º, nº 1, todos da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro (redacção original).
Vejamos agora a medida da pena.
Diz-nos o art.º 70.º do Código Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” e que são, segundo o n.º 1 do art.º 40.º do mesmo diploma “a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
Temos assim que a escolha da pena depende de critérios de prevenção geral e especial (v.g. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17 de Janeiro de 1996, CJ, ano XXI, tomo 1, pág. 38) pelo que o julgador, perante um caso concreto, tem que os valorar para depois optar por aplicar uma pena detentiva ou não detentiva.
Como bem explica o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Janeiro de 2001 (processo n.º 3404/00-5ª) “subjaz à norma constante no art.º 70.º, do CP, toda a filosofia informadora do sistema punitivo vertido no Código Penal vigente, ou seja, a de que embora se aceitando a existência da prisão (ou pena corporal) como pena principal para os casos em que a gravidade dos ilícitos, ou de certas formas de vida, a impõem ou justificam, a recorrência deverá ter lugar quando, face ao circunstancialismo que se perfile, se não apresentem adequadas, suficientes ou convenientes, as sanções não detentivas, às quais não é de recusar elevada capacidade (ou potencialidade) ressocializadora. Tudo isto se insere no desiderato de se evitarem as curtas penas de prisão (ou a eventualidade da efectivação dessas penas) donde que, por regra, a alternativa por pena de multa se autorize nos casos em que aos ilícitos caiba pena prisional não demasiado elevada”.
Elucida ainda a este respeito o Professor Jorge de Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 497 e 498 que “o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição, o que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação. Bem se compreende que assim seja: sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena. Por outras palavras: a função da culpa exerce-se no momento da determinação quer da medida da pena de prisão (necessária como pressuposto da substituição), quer da medida da pena alternativa ou de substituição; ela é eminentemente estranha, porém, às razões históricas e político-criminais que justificam as penas alternativas e de substituição, não tendo sido em nome de considerações de culpa, ou por força delas, que tais penas se constituíram e existem no ordenamento jurídico.”
Explica ainda aquele Ilustre Professor que “o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas” (§ 500) e que leve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”.
Em suma “a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de 9de 1997, processo n.º 624/97)
No caso em análise, o crime em causa é punível com prisão de um a cinco anos ou multa até seiscentos dias.
Ora, tendo em consideração as razões que estão na origem dos factos criminosos — tudo começou com o receio que o arguido tinha de que o seu tio viesse um dia a concretizar as ameaças que efectuava —, que o arguido é primário e que a confissão revelou alguma utilidade, consideramos que a pena a aplicar deverá ser a de multa.
A mesma será a resultante da concretização dos critérios do artº 71º do Código Penal, pelo que, apurada num primeiro momento a moldura abstracta da pena, se apura num segundo momento a medida concreta da mesma.
Assim, no caso “sub judice” e dentro da moldura penal abstracta de dez até seiscentos dias de multa, há que atender à culpa do agente e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo depuserem a favor ou contra o arguido.
Nesta conformidade, há que ter em consideração que a culpa (enquanto censura dirigida ao agente em virtude da sua atitude desvaliosa e avaliada na dupla vertente de culpa pelo facto criminoso e de culpa pela personalidade) para além de constituir o suporte axiológico-normativo da pena, estabelece o limite máximo da pena concreta dado que sem ela não há pena e que esta não pode ultrapassar a sua medida (retribuição justa).
Por outro lado e ainda numa primeira linha, relevam as necessidades de prevenção (com um fim preventivo geral, ligado à contenção da criminalidade e defesa da sociedade — e cuja justificação assenta na ideia de sociedade considerada como o sujeito activo que sente e padece o conflito e que viu violado o seu sentimento de segurança com a violação da norma, tendo, portanto, direito a participar e ser levada em conta na solução do conflito — e com um fim preventivo especial, ligado à reinserção social do agente).
Assim e em termos de prevenção geral, a medida da pena é dada pela necessidade de tutela dos bens jurídicos concretos pelo que o limite inferior da mesma resultará de considerações ligadas à prevenção geral positiva ou reintegração, contraposta à prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente.
Para além de constituir um elemento dissuasor da prática de novos crimes por parte de terceiros, a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas.
No que toca à prevenção especial há a ponderar a vertente necessidade de ressocialização do agente e a vertente necessidade de advertência individual para que não volte a delinquir (devendo ser especialmente considerado um factor que também toca a culpa: a susceptibilidade de o agente ser influenciado pela pena).
Como bem explica o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Janeiro de 2000 (processo n.º 1193/99), “se, por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que — dentro, claro está, da moldura legal —, a moldura da pena aplicável ao caso concreto (“moldura de prevenção”) há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente: entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social” e também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2000 (processo n.º 2803/00-5ª), “pelo que nos art.ºs 71. °, n.ºs 1 e 2 e 40.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, se plasma, logo se vê que o modelo de determinação da medida a pena é aquele que comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de estabelecer o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos — dentro do que é consentido pela culpa — e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente.”
Ponderados estes limites, deve ainda o tribunal atender e a quaisquer outras circunstâncias que não fazendo parte do tipo (para que não haja violação do princípio ne bis in idem), deponham contra ou a favor do agente.
Assim e para além do mais (como ensina Jorge Figueiredo Dias in "Direito Penal Português – as Consequências Jurídicas do Crime", pág. 245, § 335 v.g., factores relativos à própria vítima — personalidade, concorrência de culpas, etc. — e/ou relacionados com a necessidade de pena — decurso do tempo), deverá ser sopesado:
- O grau da ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências e o grau de violação dos deveres impostos ao agente
- A intensidade do dolo ou da negligência
- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram
- As condições pessoais do agente e a sua situação económica
- A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime
- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Assim e concretizando:
A culpa é de grau é mediano.
As exigências de prevenção geral são normais e as de prevenção especial mostram-se reduzidas.
O grau de ilicitude é médio e o dolo é directo.
Pondera-se também a situação social do arguido e que não tem antecedentes criminais.
Pondera-se ainda que confessou os factos com alguma relevância.
Atentas todas estas circunstâncias, mostra-se adequado condenar o arguido em 180 (cento e oitenta) dias de multa.
Sendo dois os crimes, há que condenar o arguido numa pena única (artº 77º, nº 1, do Código Penal).
Vejamos
Como acima se disse, o Ministério Público não retirou todas as consequências da alteração factual pretendida o que teve como consequência que esta Relação não tivesse podido pronunciar-se sobre a justeza da pena aplicada ao crime de furto qualificado.
Por isso, há que cumular as penas aplicadas pelo crime de furto qualificado e de detenção de arma proibida, ou seja, respectivamente, 6 (seis) meses de prisão substituídos por igual tempo de multa e 6 (seis) meses de multa.
Temos assim que as penas aplicadas têm natureza diversa e tal diversidade deve ser mantida na pena única (artº 77º, nº 2).
Aliás, entendimento diferente esbarraria com uma dificuldade, a nosso ver, inultrapassável: em caso de não pagamento da multa de substituição, o condenado cumprirá a prisão aplicada na sentença, nos termos do artº 43º., nº 2 do Código Penal, sendo-lhe apenas aplicável o disposto no nº 3, do artº 49º do mesmo diploma e em caso de não pagamento da multa aplicada a título de pena principal, ser-lhe-ão abertas as diversas hipóteses dos artºs 48º e 49º do citado diploma legal.
Assim sendo, será o arguido condenado na pena única de 6 (seis) meses de prisão substituídos por igual tempo de multa e 6 (seis) meses de multa, sendo em ambos os casos, de € 7,50 a taxa diária.
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Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso e consequentemente:
1) Altera-se o ponto 5. dos factos provados, que passará a ter a seguinte redacção:”
“As armas vieram a ser apreendidas pela GNR, na sequência da deslocação desta força militar a casa do arguido, e entregues por este, após ter sido confrontado com a participação que o dava como autor dos factos acima descritos”
2) Altera-se a qualificação jurídica do crime de furto qualificado, condenando-se que o arguido como autor de um crime de furto qualificado previsto e punido pelo artº 204°, nº 2, alínea e., do Código Penal, mantendo-se porém, e pelas razões acima expostas, a pena aplicada na 1ª instância
3) Condena-se o arguido como autor de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artºs 86º, nº 1, alínea c., com referência aos artºs 2º, nº 1, alíneas o. e am., 3º, nº 6, alínea a. e 15º, nº 1, todos da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro (redacção original), na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa
4) Condena-se o arguido na pena única de única de 6 (seis) meses de prisão substituídos por igual tempo de multa e 6 (seis) meses de multa, sendo a taxa diária da multa, em ambos os casos, de € 7,50.

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Sem tributação.
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Coimbra, 7 de Julho de 2010

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