Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
662/14.1TJCBR-P.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: ACÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS DA INSOLVÊNCIA
TÍTULO EXECUTIVO
CADUCIDADE
ABUSO DE DIREITO
SUPRESSIO
Data do Acordão: 09/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO COMÉRCIO DE COIMBRA DO TRIBUNAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 17.º, 62.º A 64.º DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESA (DL N.º 53/2004, DE 18 DE MARÇO).
ARTIGO 941.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
ARTIGO 334.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I) A sentença de prestação de contas da insolvência que determina um saldo positivo a favor de quem promove a prestação é título executivo, na modalidade de sentença judicial de condenação.

II) A obrigação de entrega do saldo referido em I) não está sujeita ao prazo de caducidade previsto no artigo 59.º, n.º 5, do C.I.R.E..

III) O abuso de direito na modalidade de “supressio” implica que uma posição jurídica que não tenha sido exercida em certas circunstâncias e por certo lapso de tempo, não mais possa sê-lo por, de outro modo, se contrariar a boa fé.

IV) São pressupostos da “supressio” um não exercício prolongado, uma situação de confiança daí derivada, uma justificação para essa confiança, um investimento de confiança e a imputação da confiança ao não-exercente.

V) O quantum do não exercício tem de ser determinado pelas circunstâncias do caso e deve ter a grandeza necessária para convencer um homem normal, colocado na posição do real, de que não haveria mais exercício.

Decisão Texto Integral:






Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


No âmbito da presente execução de decisão condenatória no pagamento de quantia certa, a seguir a tramitação prevista para a forma sumária, que a Massa Insolvente de A…, S.A. moveu a B…, ambos já identificados nos autos, veio o executado deduzir oposição à execução, mediante embargos, cumulada com oposição à penhora nela realizada.
O executado invocou, para fundamentar a oposição à execução, em síntese útil, a inexistência e inexequibilidade do título, a falsidade do processado, a falta de pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, a incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, a prescrição do crédito, o abuso do direito, a prescrição do putativo enriquecimento sem causa e a existência de contra crédito sobre a exequente.
Quanto à oposição à penhora, invocou que a penhora requerida e ordenada nos autos viola o princípio da dignidade da pessoa humana, viola o direito fundamental de exercer a sua profissão e precipita o executado para uma situação de insolvência, levando mesmo a que, juntamente com a sua família, fique privado de satisfazer as suas necessidades fundamentais.
Pediu que, na procedência das oposições, seja declarada inexistente, ou nula e ineficaz, ou no mínimo suspensa a presente execução, que seja decretada a isenção da penhora, sejam mandadas restituir imediatamente todas as quantias penhoradas, por forma a assegurar a sobrevivência condigna do executado, seu agregado familiar e pessoas que consigo colaboram, e mandadas suspender imediatamente todas as diligências de penhora ainda em curso, sejam julgadas totalmente procedentes as exceções alegadas e, em consequência, absolvido o executado do pedido e da instância.
*
A exequente contestou a oposição à execução, refutando todos os fundamentos invocados pelo executado.
Contestou igualmente a oposição à penhora, impugnando a factualidade invocada pelo executado e chamando a atenção que, no que respeita ao pedido de isenção de penhora e de restituição das quantias penhoradas, se aplica os regimes previstos no art. 738.º, n.º 5 e n.º 8, do Código de Processo Civil, sendo que a impenhorabilidade relativa dos rendimentos aqui previstos depende da opção do executado. Assim sendo, a sua dignidade e a dignidade dos que lhe são próximos só não está assegurada se o mesmo assim o entender.
Concluiu pela improcedência dos embargos, pelo indeferimento dos pedidos de restituição e isenção de penhora, e opôs-se à requerida suspensão da execução.
*
Porque entre os diversos fundamentos dos embargos de executado, o embargante impugnara a assinatura aposta na procuração forense junta com o requerimento executivo, foi o Sr. Administrador da insolvência convidado a juntar nova procuração, com ratificação do processado, convite que este acolheu.
Seguidamente, o embargante apresentou novo articulado, no qual sustentou a falsidade desta nova procuração e invocou a litigância de má-fé da embargada, do administrador da insolvência, do advogado que a representará e do agente de execução, e requereu a intervenção como assistente de diversas entidades. Requereu ainda a intervenção como assistente do seu cônjuge.
A embargada pronunciou-se pelo indeferimento de todos estes pedidos, acrescentando ser o embargante quer indicia litigar de má-fé.
O novo incidente de falsidade foi liminarmente indeferido, tal como os incidentes de intervenção de terceiros suscitados pelo embargante.

Teve lugar a infrutífera audiência prévia.
Após o que conclusos os autos à M.ma Juiz a quo, sem necessidade de produção de prova, foi proferida a sentença de fl.s 208 a 219 (aqui recorrida), na qual, se fixou a matéria de facto considerada como provada e a final, se julgaram improcedentes os embargos de executado e a oposição deduzida à penhora com os mesmos cumulada.
Foi o embargante condenado como litigante de má-fé, em multa de 2 (duas) UC. Ficando as custas dos presentes embargos a cargo do opente/executado, sem prejuízo do que viesse a ser decidido em sede de apoio judiciário.

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso, o opoente/executado, B…, o qual foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 305 v.º), finalizando as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:
(…)

Dispensados os vistos legais, há que decidir.
Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:
A. Se a sentença proferida no Apenso de prestação de contas (aqui dada à execução), não constitui título executivo, por não conter nenhuma condenação, sendo de simples apreciação;
B. Se se verifica a prescrição/caducidade do direito a que se arroga a exequente-embargada;
C. Se a exequente-embargada age em abuso do direito, na modalidade de supressio;
D. Se a sentença recorrida é nula ao não se pronunciar sobre as seguintes questões, suscitadas pelo recorrente:
- inexigibilidade de qualquer responsabilidade ao recorrente, dada a verificação da previsão do disposto no artigo 807.º, n.º 2, do Código Civil;
- extinção da execução por violação do direito do recorrente à adequação formal, previsto nos artigos 547.º do CPC e 2.º, 3.º, n.º 3 e 20.º, n.os 1 e 4, da CRP;
- verificação da prescrição/caducidade, que deveria ser dada como provada, com a consequente extinção da execução;
- abuso do direito, na modalidade de supressio;
- inexistência absoluta de título executivo;
- inexistência de mandatário munido de procuração válida;
- impedimento do agente de execução, com fundamento na participação do mesmo na obtenção ilícita do “pretenso título executivo”;
- inadmissibilidade da penhora sobre o produto do trabalho do recorrente e necessidades do seu sustento condigno e do respectivo agregado familiar, danificando os seus direitos à dignidade humana, obrigação de trabalhar e à habitação;
E – Se inexiste fundamento para ser condenado como litigante de má-fé e;
F - B. Se a decisão recorrida viola o disposto nos artigos 4.º e 362.º e sgts. do CPCivil; arts. 2.º 3.º/3, 8.º, 9.º, b), 13.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º/1 a contrario, 20.º1/4/5, 60.º, 61.º e 62.º da CRP; 6.º/1 e 17.º da CEDH ex vi art.º 8.º da CRP; e 16.º, 17.º, 20.º, 21.º, 41.º, 47.º, 51.º, 52.º, 53.º e 54.º da CDFUE.

É a seguinte a factualidade dada como provada na decisão recorrida:
1. A sociedade A…, S.A. apresentou-se a processo especial de revitalização no dia 12.03.2014.

2. Por despacho proferido naquele processo dia 17.03.2014, foi nomeado administrador judicial provisório o Dr. B…, sendo tal nomeação publicada no portal Citius a 20.03.2014.

3. A 14.10.2014, foi declarado encerrado o processo negocial, por ultrapassados os respetivos prazos, e determinada a remessa do parecer do administrador judicial provisório à distribuição como processo de insolvência.

4. A insolvência da A…, S.A. foi declarada no dia 30.10.2014, tendo na sentença declaratória da insolvência sido declarado administrador da insolvência o Dr. B….

5. A assembleia de apreciação do relatório teve lugar no dia 16.12.2014, e nela os credores deliberaram a suspensão da liquidação, a manutenção da atividade do estabelecimento compreendido na massa insolvente e o cometimento à devedora do encargo de apresentação de um plano de insolvência.
6. Plano este que não foi aprovado na assembleia de 28.04.2015.

7. No dia 18.09.2015, a assembleia de credores deliberou substituir o administrador da insolvência nomeado pelo Tribunal e eleger para o cargo o Sr. Dr. C….

8. Nessa mesma data foi nomeado como administrador da insolvência, para exercer funções no âmbito deste processo, em substituição do Sr. Dr. B…, o Sr. Dr. C….

9. O executado interpôs recurso do despacho que nomeou o novo administrador da insolvência, e requereu que fosse atribuído ao recurso efeito suspensivo da decisão recorrida.

10. O recurso foi admitido com efeito devolutivo e foi julgado improcedente por Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26.01.2016, notificado ao executado a 28.01.2016.

11. Por despacho proferido a 22.10.2015, determinou-se a notificação do Dr. B… para, em 10 dias, vir prestar contas da sua administração, notificação que foi renovada por despachos proferidos em 16.10.2015 e 19.01.2016.

12. O Dr. B… apresentou as respetivas contas por requerimento entrado em 4.02.2016, juntando conta-corrente e documentos relativos a parte das despesas indicadas

13. Das respetivas contas constavam despesas no valor global de € 195.486,87, e receitas no montante total de € 494.204,17.

14. Por sentença proferida a 22.05.2017, foram julgadas as contas apresentadas pelo Sr. Administrador Judicial B… sendo aprovadas despesas realizadas no montante de € 31.969,04 e receitas percebidas no montante total de € 558.098,53.
15. Mais foi determinado, na mesma peça processual, a notificação do Dr. B… para proceder ao depósito da diferença entre as receitas e as despesas aprovadas, descontada a provisão para despesas que já recebera, de € 500,00, ou seja, do valor de € 526.629,49, à ordem do presente processo ou à ordem da conta aberta em nome da massa insolvente pelo atual administrador da insolvência, juntando o correspondente comprovativo.
16. Em 22.05.2017, o ora executado interpôs recurso desta sentença, requerendo que ao mesmo fosse atribuído efeito suspensivo da decisão recorrida, recurso que foi admitido com efeito evolutivo e que foi julgado improcedente, tendo a sentença transitado em julgado em 04.07.2019.

17. A 11.05.2020, o membro da comissão de credores E… veio requerer a notificação do executado para juntar comprovativo do pagamento/depósito da quantia em causa, e/ou indicar o número da conta bancária e instituição bancária se encontra depositada.

18. O executado respondeu identificando uma conta bancária domiciliada no Banco D… da …, e requerendo fosse solicitado a transferência do respetivo saldo.

19. Dado conhecimento deste requerimento ao administrador da insolvência, e na sequência de requerimento por este apresentado, foram solicitadas informações ao Banco D… sobre a movimentação da dita conta, que se escusou no sigilo bancário.

20. No dia 18.09.2020 o Dr. B… informou que, nessa mesma data, para evitar mais atrasos, dirigira carta ao Banco D… a pedir a transferência do saldo existente na conta … para o IBAN …, e que, aquando da entrega da carta, foi informado que a transferência já fora efetuada a 26.06.2020 e que a conta se encontrava a zeros.

21. No dia 26.06.2020 o Banco D…, S.A., com a referência “transferência a crédito de B…”, procedeu à transferência da quantia de € 295.543,69 para a conta da massa insolvente.

22. No dia 05.11.2020, o Dr. C…, em representação da Massa Insolvente da A…, S.A., intentou contra B.. ação executiva com base na decisão proferida no apenso de prestação das contas, tendo em vista a cobrança da quantia de € 300.646,06, dos quais € 296.359,00 respeitam a capital e € 4.287,06 de juros vencidos desde 26.06.2020, e dos juros vincendos sobre aquela quantia até integral pagamento.
23. No âmbito da execução foi requerida a penhora dos seguintes bens:

a) Saldos das contas bancárias;

b) Todos os créditos, presentes e futuros, que o executado tem a receber junto do Instituto de Gestão Financeira e de Infraestruturas da Justiça, I.P.;

c) Penhora de eventuais créditos que o executado tem a receber no âmbito dos autos a seguir identificados e em que o mesmo exerce, ou exerceu, funções enquanto Administrador Judicial ou enquanto Fiduciário.

24. O agente de execução procedeu à penhora de saldos de contas bancárias detidas pelo executado no valor global de € 49.650,95, € 1.460,86 dos quais estão onerados com penhora anterior.

25. O executado exerce a atividade de Administrador Judicial desde 1982, ano em que iniciou a sua atividade profissional como Administrador de Massas Falidas; passou depois a ser designado de Liquidatário Judicial, a seguir de Administrador de Insolvência e, atualmente, é designado Administrador Judicial e, consoante os processos para que é nomeado, tanto pode ser designado como Administrador Judicial Provisório, como de Fiduciário, sendo possuidor do Cartão de Identificação específico destas atividades, emitido pelo Ministério da Justiça, registado sob o n.º ….

26. O executado é também advogado.

27. Na qualidade de trabalhador independente, não tem um rendimento periódico e certo.

28. O respetivo escritório gera despesas mensais fixas.

A. Se a sentença proferida no Apenso de prestação de contas (aqui dada à execução), não constitui título executivo, por não conter nenhuma condenação, sendo de simples apreciação.
Relativamente a esta questão, defende o recorrente que a sentença proferida no âmbito do apenso de prestação de contas da insolvência, previsto nos artigos 62.º a 64.º do CIRE, não constitui título executivo, porquanto o mesmo tem natureza de acção de simples apreciação, não consubstanciando qualquer condenação, designadamente, não condena o obrigado à prestação de contas ao depósito do saldo que se venha, eventualmente, a apurar.
Alega, ainda, que o mandatário que subscreveu o requerimento executivo não estava munido de procuração válida, pelo que nunca poderiam ter prosseguido os autos de execução.
Na sentença recorrida, considerou-se (fl.s 20 v.º/21) que a procuração foi regularmente emitida, bem como que a sentença exequenda constitui título executivo válido, porquanto determina a obrigação de o obrigado à prestação de contas entregar o saldo apurado.
Para além de que, na parte final da referida sentença se ordenou a notificação do recorrente para proceder ao depósito do saldo apurado, por despacho já transitado, sendo tal despacho de considerar como título executivo, nos termos do disposto no artigo 705.º, n.º 1, do CPC.

A execução a que foram opostos os presentes embargos baseia-se na sentença proferida no apenso de prestação de contas, a que se referem os artigos 62.º a 64.º do CIRE.
A questão está, assim, em saber quais as obrigações que de tal sentença decorrem para o obrigado a prestar contas, no caso de existir saldo positivo.
Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 3.ª edição, pág. 363, defendem que na hipótese de uma decisão desfavorável ao administrador “a consequência será a responsabilidade civil do administrador – sem prejuízo da eventual responsabilidade que ao caso caiba; contudo, a decisão das contas não deve conter também a condenação, que dependerá de ação movida pelos interessados”.
Como resulta do exposto, é esta a argumentação do recorrente para a inexistência de título executivo.
Salvo o devido respeito por tal opinião, não a sufragamos, sendo, quanto a tal, de acolher o decidido em 1.ª instância.
Efectivamente, a sentença de prestação de contas não pode ser vista como de simples apreciação, visando, para além da apresentação das contas, o depósito do respectivo saldo, se existir, sob pena de inutilidade.
Conclusão que mais se reforça se se atentar que, na parte final do artigo 941.º, do CPC, aplicável ex vi artigo 17.º, n.º 1, do CIRE, a acção de prestação de contas, também, tem por objecto “a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se”.
Como se refere no Código GPS, Vol. II, Almedina, 2020, a pág. 388, o fim do processo de prestação de contas “é o de estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efectuadas, de modo a obter-se a definição de um saldo e a determinar a situação de crédito ou de débito”.
Daí que, como se refere no Acórdão da Relação do Porto, de 26 de Setembro de 2006, Processo n.º 062451, disponível no respectivo sítio do itij (e onde se cita outra jurisprudência, nesse sentido) “ninguém pede contas só para saber o saldo. Manifestamente pretende o seu pagamento, na eventualidade de se vir a apurar (…) um pedido de prestação de contas envolve necessariamente um pedido de condenação”.
Consequentemente, como se refere na sentença recorrida, a sentença de prestação de contas que determina um saldo positivo a favor de quem promove a prestação de contas, tem de se considerar como título executivo, na modalidade de sentença judicial de condenação.
Como escreve Rui Pinto, in Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 1.ª Edição, Agosto de 2013, a pág.s 154/5:
“O título executivo judicial corresponde, no plural da al. a) do n.º 1 do art. 46.º = art. 703.º, n.º 1, al. a), do nCPC, às “sentenças condenatórias”.
Sempre se escreveu que a respetiva colocação, na reforma de 1961, em substituição da expressão, “sentenças de condenação” do Código de 1939, idêntica à constante do art. 4.º, n.º 2, al. a), não seria inocente.
Manifestamente, quis-se evitar-se qualquer sinonomia com as sentenças proferidas e, ações declarativas de condenação (cf. art. 4.º, n.º 2, al. b) = art. 10.º, n.º 3, al. b), do nCPC).
Se então se terá querido incluir a condenação em custas e outras condenações acessórias – que estão em rigor atualmente cobertas pelo art. 48.º, n.º 1 = art. 705.º, n.º 1, nCPC – a al. a) abrange agora não apenas as decisões proferidas em ação condenatória, mas qualquer sentença judicial que, ainda em ação de simples apreciação ou ação constitutiva, imponha uma ordem de prestação ou comando de atuação ao réu, de modo incondicional”.
Assim, consideramos que a sentença proferida no apenso de prestação de contas, constitui título executivo, uma vez que esta visa, primordialmente, a condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.
De resto, os Acórdãos do STJ – de 15 de Maio de 2013, Processo n.º 7-W/1994.P1.S1 e de 3 de Abril de 2033, Processo n.º 03A073, ambos disponíveis no respectivo sítio do itij – que o recorrente cita em abono da sua pretensão, não versam sobre esta questão.
Efectivamente, o que ali é objecto de análise e decisão é a questão de saber se no processo de prestação de contas se aprecia o respectivo mérito; isto é, se é objecto do mesmo a averiguação da boa ou má administração da pessoa obrigada a prestar contas. O que é despiciendo para a questão que ora nos ocupa.
Last but not least como resulta dos itens 14.º e 15.º dos factos provados, por despacho já transitado em julgado, na parte final da sentença de prestação de contas, foi ordenada a notificação do ora recorrente para proceder ao depósito do saldo apurado, à ordem dos presentes autos ou em conta aberta em nome da massa insolvente pelo actual administrador.
Tal despacho, só por si, constitui título executivo, nos termos do disposto no artigo 705.º, n.º 1, do CPC.
Como se refere no já citado Código GPS, Vol. II, pág. 33 “Nenhumas dúvidas se suscitam quanto à força executiva de quaisquer decisões judiciais finais ou interlocutórias que imponham o cumprimento de obrigações relativas ao pagamento de quantia certa, entrega de coisa certa ou prestação de facto”.
De tal despacho resulta, indubitavelmente, a obrigação de o recorrente proceder ao depósito da mencionada quantia, pelo que, nestes termos e ainda que a sentença não constituísse título executivo, o que assim não sucede, como já exposto, sempre se teria de concluir in casu pela existência de título executivo válido e suficiente.

No que se refere à validade/genuinidade da procuração apresentada pelo Mandatário que subscreveu o requerimento executivo, já esta questão foi proficientemente tratada na decisão recorrida, sem que, nesta sede, o recorrente tenha alegado diferente argumentação da já referida em 1.ª instância, limitando-se a repetir, por variadas vezes, os fundamentos já expressos anteriormente.
Como aqui se demonstrou à saciedade, a procuração inicialmente junta já era válida e ainda assim, para dissipar todas as dúvidas, foi ordenada a junção de nova procuração, pelo que como se refere a fl.s 20 v.º/21 da sentença recorrida, para cujos termos se remetem, em conformidade com o disposto no artigo 663.º, n.º 6, do CPC, nenhuma irreguralidade/invalidade pode ser assacada ao mandato em causa.
Pelo que, também, com base nesta fundamentação, soçobra o recurso.
Consequentemente, quanto a esta questão, improcede o recurso.

B. Se se verifica a prescrição/caducidade do direito a que se arroga a exequente-embargada.
No que a esta questão respeita, alega o recorrente que no caso de existir qualquer fundamento que acarretasse a sua responsabilização, a única forma de o sancionar seria a propositura da acção a que se refere o artigo 59.º do CIRE, o que não foi feito, nem já o poderá ser, porquanto o prazo nele previsto já ocorreu em 19/09/2017.
Na sentença recorrida, considerou-se não estarmos perante um caso de responsabilidade civil do administrador, a que se aplicaria o prazo de prescrição previsto no n.º 5 do artigo 59.º do CIRE, nem numa acção de condenação fundada no enriquecimento sem causa, mas sim perante uma execução para pagamento de quantia certa fundada em sentença, pelo que é aplicável o prazo de prescrição ordinário, previsto no artigo 309.º do Código Civil.

O ora recorrente já em anteriores acções da mesma índole da presente, suscitou esta questão, a qual, já mereceu análise e decisão deste Colectivo, na Apelação n.º 1422/14.5TJCBR-BE.C1, de 11 de Janeiro do ano corrente, pelo que se passa a seguir o ali considerado e decidido.
Está em causa, neste recurso, no que a esta questão interessa, tão só analisar se existe a obrigação de o recorrente entregar o saldo das contas que apresentou.
A quantificação de tal saldo já se mostra solidificada mercê da força de caso julgado do Acórdão desta Relação que o determinou, razão pela qual não pode, agora, de novo, reabrir-se/discutir-se tal problemática.
Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE, Anotado, 3.ª Edição, a pág. 343, a responsabilidade prevista no artigo 59.º do CIRE é a “que se fundamenta na violação de deveres postos a cargo do administrador da insolvência na satisfação da missão geral de que está encarregado”.
Ora, como é bom de ver, no caso em apreço não estamos perante um acto de administração da massa insolvente mas apenas e tão só na obrigatoriedade de cumprimento/acatamento de uma decisão judicial, que determinou qual o saldo das contas de administração e sua subsequente entrega à massa insolvente.
Não se trata, pois, de responsabilidade civil decorrente de qualquer conduta que faça incorrer o administrador naquela responsabilidade, mas sim da obrigação de acatar a decisão judicial já transitada, que fixou o saldo e inerente obrigação de o entregar.
Só a recusa de tal entrega poderia desencadear responsabilidade civil e disciplinar, que só se poderia considerar a partir do momento em que estivesse fixado o saldo das contas, mas ainda assim, nos moldes gerais e não como acto de administração.
Assim, como exposto, não se enquadra a situação em apreço no regime previsto no artigo 59.º do CIRE, pelo que não lhe é aplicável o prazo de caducidade fixado no seu n.º 5.
Sem que deixe de se referir que tendo o recorrente sido destituído em Setembro de 2015, só apresentou as contas em Fevereiro de 2016 e mercê das vicissitudes processuais acima referidas, por impulso do recorrente, a questão da fixação do saldo das contas, só veio a ficar, definitivamente, resolvida, em Julho de 2019.
Considerar que, ainda que se aplicasse o disposto no artigo 59.º do CIRE, estaria prescrito o direito, tal se afiguraria como abusivo à luz do disposto no artigo 334.º do Código Civil.
No entanto, de reiterar, que não se trata de situação a enquadrar no âmbito da previsão do artigo 59.º do CIRE.
De igual forma, não se fundamenta a execução em enriquecimento sem causa, pelo, igualmente, não é aplicável o respectivo prazo prescricional.
Consequentemente, não se verifica a invocada caducidade, pelo que, também, quanto a esta questão improcede o recurso.

C. Se a exequente-embargada age em abuso do direito, na modalidade de supressio.
Se bem se consegue interpretar a alegação do recorrente no que concerne a este fundamento do recurso, reside aquela no facto de o novo administrador da insolvência nada ter feito para o responsabilizar, designadamente, interpondo a competente acção a que se aludiu na anterior questão, bem como seguiu os procedimentos adoptados pelo recorrente.
Na sentença recorrida, afastou-se a existência da figura do abuso do direito, na invocada modalidade, porquanto, este, para existir, exige “o decurso de um período de tempo significativo susceptível de criar à contraparte a fundada expectativa de que o direito não mais será exercido”, baseia-se na inação do agente que acarreta a tutela do respectivo beneficiário.
Considerando-se que assim não sucedia, porquanto apenas decorreu um ano e quatro meses desde a data do trânsito da sentença exequenda e a data em que foi instaurada a execução e nesse ínterim, o executado foi, várias vezes, interpelado para depositar o saldo apurado.

De acordo com o disposto no artigo 334, do Código Civil:
“É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Como o refere A. Menezes Cordeiro, in Litigância de Má Fé Abuso do Direito de Acção e Culpa “In Agendo”, Almedina, 2006, a pág.s 33 e 49, o abuso do direito constitui uma forma tradicional para exprimir a ideia do exercício disfuncional de posições jurídicas, isto é, do exercício concreto de posições jurídicas que, embora correcto em si, acabe por contundir com o sistema jurídico na sua globalidade, ou seja, como um princípio que entende deter uma actuação que, em primeira linha, se apresentaria legítima.
Tanto a nível doutrinário como jurisprudencial o abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprio, tem vindo a ser encarado à luz da tutela das doutrinas da confiança ou das doutrinas negociais, consoante a situação em apreço, surgindo o princípio da confiança “… como uma mediação entre a boa fé e o caso concreto. Ele exige que as pessoas sejam protegidas quando, em termos justificados, tenham sido levadas a acreditar na manutenção de um certo estado de coisas.” – autor e ob cit., a pág. 51.
No entanto, como não podia deixar de ser, a tutela da confiança, apoiada na boa fé, e seguindo, ainda o mesmo autor e obra, agora, a pág. 52, só pode ser tutelada desde que se verifiquem as seguintes proposições:
1.ª Uma situação de confiança conforme com o sistema e traduzida na boa fé subjectiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias;
2.ª Uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstracto, provocar uma crença plausível;
3.ª Um investimento de confiança consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efectivo de actividades jurídicas sobre a crença consubstanciada;
4.ª A imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela protecção dada ao confiante; tal pessoa por acto ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante em causa ou ao factor objectivo que a tanto conduziu.
Em idêntico sentido se expressou J. Batista Machado, in Obra Dispersa, vol. I, Scientia Iuridica, Braga, 1991, a pág. 407, quando ali refere que a proibição do venire contra factum proprio, se caracteriza pela conformidade à ideia de justiça distributiva que os riscos originados na credibilidade da conduta anterior do agente não devam ser suportados por quem, dentro da normalidade da vida de relação acreditou na mensagem irradiada pelo significado objectivo da conduta do mesmo agente e que, por outro lado, seja possível alcançar esse resultado sem sujeitar tal agente a uma obrigação, sem lhe impor a constituição de um vínculo, mas pelo simples desencadear de um efeito inibitório ou inabilitante, que carece de fundamento bem mais ténue que aquele que exigiria a constituição de uma obrigação.
De igual forma, e seguindo, ainda, o mesmo Estudo, pág.s 415 a 419, exige tal Autor que se verifique uma situação objectiva de confiança, no sentido de que a confiança digna de tutela tem de radicar numa conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a uma dada situação futura e que, directa ou indirectamente, revele a intenção do agente de se considerar vinculado a uma determinada atitude no futuro.
Em segundo lugar, que o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica apenas surjam quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos, se a sua confiança legítima vier a ser frustrada e que tal dano não seja removível através de outro meio jurídico capaz de conduzir a uma situação satisfatória, no sentido de que o recurso a esta proibição é sempre um último recurso e, por último, que exista boa fé da contraparte que confiou e tenha agido com o cuidado e as precauções usuais no tráfico jurídico.
Também no mesmo sentido, opina M. J. Almeida Costa, in RLJ, ano 129, pág. 62, que ali refere exigir a proibição do venire, para além da situação objectiva de confiança e a boa fé do sujeito que confiou, o investimento na confiança que corresponde às mudanças na vida do destinatário do factum proprio que evidenciam tanto a expectativa nele criada como revelam os danos que resultarão da falta de tutela eficaz para aquele, bem como que, subjectivamente, se encontre numa posição de boa fé, no sentido de que tenha agido na suposição de que o autor do factum proprio estava vinculado a adoptar a conduta prevista e que, ao formar tal convicção tenha tomado todos os cuidados e precauções usuais no tráfico jurídico, os quais deverão ser tanto maiores quanto mais vultuosos forem os investimentos inspirados na confiança.

Por outro lado, e porque, como acima se referiu, se pretende fundamentar a figura do abuso do direito, também, dada a inacção do novo administrador da insolvência após iniciar tais funções, teremos de considerar o abuso do direito, também, na modalidade de “supressio”.
De acordo com Menezes Cordeiro, ob. cit., pág.s 56 a 58, a modalidade ora referida abrange manifestações típicas de abuso do direito nas quais uma posição jurídica que não tenha sido exercida em certas circunstâncias e por certo lapso de tempo, não mais possa sê-lo por, de outro modo, se contrariar a boa fé.
Mas, para que a mesma se verifique é necessário um não exercício prolongado; uma situação de confiança, daí derivada; uma justificação para essa confiança; um investimento de confiança e a imputação da confiança ao não-exercente.
Mais ali acrescentando que o quantum do não exercício tem de ser determinado pelas circunstâncias do caso e o necessário para convencer um homem normal, colocado na posição do real, de que não haveria mais exercício, em consequência do que o confiante ex bona fide, vê surgir na sua esfera, uma nova posição jurídica: será a surrectio (surgimento), contraponto da supressio.

Analisados os pressupostos de que se deve fazer depender a aplicação de tal princípio vejamos, agora, por cotejo, com a factualidade apurada, se os mesmos se verificam, isto é, se é de imputar ao ora autor, uma conduta enformadora de abuso do direito, sendo que este, de acordo com a formulação que do mesmo se colhe no artigo 334.º, do Código Civil, tem de ser manifesto.
Desde já e adiantando a decisão, parece-nos que assim não é!
Efectivamente, como resulta do item 16.º, dos factos provados, a sentença exequenda só transitou em julgado em 04 de Julho de 2019.
Como descrito nos itens 17.º a 21.º, entre Maio e Setembro de 2020, foram encetadas várias diligências junto do requerente para este proceder à entrega do saldo apurado, sendo que a transferência se consumou em 26 de Junho desse ano.
Resulta do item 22.º, que a acção executiva, com base na sobredita sentença, foi intentada em 05 de Novembro de 2020.
Por tudo isto, impõe-se concluir que inexiste qualquer inacção da exequente, no exercício do direito a executar a referida sentença, pelo que a sua conduta não encerra abuso do direito, atento o quadro teórico acima tratado.
Pelo que, igualmente, quanto a esta questão, improcede o recurso.

(…)

E – Se inexiste fundamento para ser condenado como litigante de má-fé.
Como resulta da conclusão 25.ª, o recorrente, limita-se a alegar que “inexiste qualquer fundamento para a sua condenação como litigante de má-fé”.
Na sentença recorrida, condenou-se o mesmo por litigância de má-fé, com a seguinte fundamentação:
“Já o embargante tem teimado em, sem fundamento sério, pôr em causa a autoria da procuração outorgada pelo administrador da insolvência, em representação da massa insolvente, ao mandatário que subscreveu o requerimento executivo, mesmo depois de o Tribunal ter diligenciado pela sanação do vício que daí poderia avir. Observa-se, a este respeito, que a segunda procuração foi junta na sequência de notificação dirigida pessoalmente ao administrador da insolvência, sem que houvesse assim qualquer razão para suspeitar da respetiva autoria. Acresce que o executado manteve a sua pretensão mesmo depois de, em audiência prévia, intervirem conjuntamente o administrador da insolvência e o respetivo mandatário, e de aquele, no decurso da diligência, ter confirmado ter subscrito pelo seu punho, não apenas a segunda procuração, mas também aquela que havia sido junta com o requerimento executivo.
Tal conduta processual não tem qualquer outra explicação que não o propósito de entorpecer, de forma consciente, a marcha do processo e a ação da justiça, pelo que deverá o embargante ser condenado, pelos reiterados pedidos que tem deduzido, como litigante de má-fé, em multa correspondente ao mínimo legal, de duas UCs (art. 27.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais).”.

Posto isto, impõe-se começar por clarificar, antes de nos debruçarmos sobre o “mérito” de tal consideração/condenação, que, para tal juízo de censura processual, relevam apenas e só os factos dados como provados; ou seja, no raciocínio lógico (silogismo judiciário) que conduz à condenação de alguém como litigante de má-fé, a premissa menor só pode ser composta pelo cotejo entre o que a parte alegou e o que, em oposição ao alegado, consta dos factos dados como provados.
Dito doutra forma, o tribunal não pode alicerçar um juízo sobre a má-fé no que se fez constar na motivação da decisão de facto (e, muito menos, na de direito); assim como não pode extrair um juízo de má-fé dum facto não provado, uma vez que, todos o sabemos, num processo, um facto não provado não é sinónimo da prova positiva do facto contrário.
Tendo isto presente, importa salientar que, no caso/apelação vertente, o recorrente alegou, variadas vezes, que a procuração apresentada pelo Mandatário que subscreveu o requerimento executivo não foi emitida pelo mandante.
Nada disto se demonstrou.
Mas, salvo o devido respeito, não se pode daí concluir que o recorrente alterou a verdade de factos relevantes (essenciais, segundo o art. 5.º/1 do CPC) para a decisão de causa, limitando-se a impugnar a genuinidade da procuração apresentada, com vista à procedência dos embargos que deduziu, com base, entre outros, em tal fundamento, o que não logrou (em termos de decisão da matéria de facto).
Pode/deve ser considerado litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver, designadamente, deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou quem tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa (cfr. art. 542.º/2/a) e b) do CPC).
Significa isto que a mera falta de razão – quer quando a parte não demonstra a sua versão factual quer ainda quando se demonstra a versão factual oposta – não é por si só suficiente para legitimar uma condenação como litigante de má-fé (em tal hipótese, a “sanção” está justamente na improcedência da sua pretensão ou oposição); sendo necessário, para poder ser proferida uma condenação como litigante de má-fé, que a oposição entre a versão alegada e a que resultou provada seja subjectivamente imputável ao litigante a título de dolo ou de negligência grave, ou seja, que tenha havido uma alteração intencional ou, pelo menos, consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata), que não se basta com qualquer espécie de negligência, antes exige a negligência grave, grosseira.
Ora, é justamente esta última situação, em face do que se deu como provado, que não se pode ter como assente em face do comportamento processual do recorrente.
Efectivamente, este, embora repetidamente, limitou-se a esgrimir argumentos de direito e de facto, no sentido da procedência dos embargos, o que não logrou, essencialmente, por questões de direito, o que acarreta a improcedência do seu recurso, em consequência do que improcede a sua pretensão deste, mas sem que se possa considerar que o recorrente alterou a verdade de factos relevantes (essenciais, segundo o art. 5.º/1 do CPC) para a decisão da causa.
Pelo que, não se profere a condenação do recorrente como litigante de má fé, procedendo, quanto a esta questão, o recurso.

F. Se a decisão recorrida viola o disposto nos artigos 4.º e 362.º e sgts. do CPCivil; arts. 2.º 3.º/3, 8.º, 9.º, b), 13.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º/1 a contrario, 20.º1/4/5, 60.º, 61.º e 62.º da CRP; 6.º/1 e 17.º da CEDH ex vi art.º 8.º da CRP; e 16.º, 17.º, 20.º, 21.º, 41.º, 47.º, 51.º, 52.º, 53.º e 54.º da CDFUE.
Veio, ainda, o recorrente alegar que a decisão recorrida viola os princípios da adequação formal, do contraditório, da proibição da prolação de decisões surpresa, da cooperação, do processo leal e justo e o seu dever de gestão processual, consagrado nos artigos 4.º e 362.º e seguintes do CPC e viola o disposto nos preceitos ora citados e nos artigos 2.º 3.º/3, 8.º, 9.º, b), 13.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º/1 a contrario, 20.º1/4/5, 60.º, 61.º e 62.º da CRP; 6.º/1 e 17.º da CEDH ex vi art.º 8.º da CRP; e 16.º, 17.º, 20.º, 21.º, 41.º, 47.º, 51.º, 52.º, 53.º e 54.º da CDFUE.
Não especifica/concretiza a razão da invocada violação de todos estes princípios e preceitos, a não ser a sua discordância para com a decisão proferida.
Todos estes preceitos (com excepção dos que se referem aos direitos dos consumidores, liberdade de empresa, direito de propriedade privada e ao direito a uma boa administração, bem como à tramitação dos procedimentos cautelares que se confessa não vislumbrar qual a conexão com a questão (questões) aqui a decidir), têm que ver com a igualdade de todos perante a lei; o acesso ao direito e aos tribunais e o direito a um processo equitativo e imparcial.
Ora, com o devido respeito por entendimento em contrário, tais direitos e princípios não se mostram beliscados pelo teor da decisão que indeferiu a pretensão do recorrente.
De acordo com o artigo 13.º da CRP, consagra-se o direito de igualdade de todos perante a lei e no seu 20.º, n.º 1, que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, princípio que vem igualmente, plasmado no n.º 2 do seu artigo 202.º, de acordo com o qual, incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.
Ora, no caso em apreço, quer neste apenso, quer nos autos de onde o mesmo provém, todas as partes processuais tiveram ao seu dispor os articulados respectivos, nos quais alegaram, em pé de igualdade e em obediência às leis processuais civis, as respectivas pretensões e fundamentos e arrolaram os meios de prova respectivos.
Efectivamente, nada foi alegado e muito menos demonstrado, no sentido de que os mesmos não seguiram os trâmites legalmente estabelecidos, designadamente em obediência ao princípio do contraditório e “da igualdade de armas” concedidos a todas as partes.
No seguimento do normal iter processual foi proferida a decisão recorrida que apreciou e decidiu, de acordo com a lei, o conflito de interesses que subjaz aos presentes autos.
Assim, nenhum dos indicados (nem outros) princípios e/ou comandos constitucionais se mostram violados.
Bem como não se mostra violado o artigo 20.º, n.º 1, da CRP.
Não está em causa impedir o acesso ao direito e aos tribunais, mas apenas e tão só o de regular o modo como o mesmo se processa.
O legislador ordinário fixa os termos e condições em que tal direito é exercido – sendo inconstitucionais as normas que o impeçam ou dificultem – sendo lícita (e generalizada) a prática de delimitar os termos de recorribilidade de uma decisão judicial, para um tribunal superior – de acordo com o valor dos interesses/questão em apreciação, bem como em função da apreciação do seu mérito.
Mas, como é óbvio, tal não implica que a pretensão deduzida seja sempre deferida.
Pelo que, nos termos expostos, se considera inexistirem as invocadas inconstitucionalidades e/ou violação dos referidos princípios do nosso direito processual civil; bem como, pelas mesmas razões, não se mostram violados os acima citados preceitos dos identificados diplomas transnacionais.
Pelo que, igualmente, quanto a esta questão, improcede o recurso.

Nestes termos se decide:
Julgar parcialmente procedente o presente recurso, em função do que se revoga a decisão recorrida na parte que condenou o ora recorrente como litigante de má-fé;
Mantendo-a, quanto a tudo o mais nela decidido.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do que foi/vier a ser decidido relativamente ao pedido de apoio judiciário que refere ter formulado.
Coimbra, 07 de Setembro de 2021.