Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1017/08.2TAAVR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ESTUPEFACIENTES
ELEMENTOS DA INFRACÇÃO
Data do Acordão: 04/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – AVEIRO – JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 292º Nº 2 CP
Sumário: 1.- São elementos integradores do crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas (artº 292º nº 2 CP):

a) a condução de veículo, com ou sem motor, na via pública ou equiparada;

b) que o condutor se encontre sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica;

c) que devido à influência de tais estupefacientes, substâncias ou produtos, o condutor não esteja em condições de fazer com segurança tal condução; e

d) que o agente tenha actuado pelo menos com negligência.

2.- Daí que, para além do mais, não baste a presença de substância psicotrópica no corpo, sendo necessário que a mesma influencie e torne o condutor incapaz de conduzir com segurança, sendo este um facto a apurar e, por conseguinte, constar da matéria de facto da acusação.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida sentença que, alterou a qualificação jurídica dos factos da acusação deduzida pelo Magistrado do Mº Pº contra o arguido:
- AV..., solteiro, residente na Rua …. .
Sendo decidido:
I. Absolver o arguido do crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas que lhe era imputado.
II. Condenar o mesmo arguido como autor material de uma contra-ordenação, p. e p. pelos arts. 81 nºs 1, 4 e 5 b) e 146 m) e 147 nºs 1 e 2 do Código da Estrada, na coima de €600 (seiscentos euros) e na sanção acessória da inibição da faculdade de conduzir por um período de 3 (três) meses.
III. Por forma a cumprir a sanção acessória atrás decretada, deverá o arguido no prazo de dez dias após o trânsito em julgado da presente sentença entregar a sua carta de condução na Secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial que a remeterá a esta Secretaria.
***
Desta sentença interpôs recurso o Magistrado do Mº Pº, formulando as seguintes conclusões na motivação do mesmo, e que delimitam o objecto:
1. A decisão recorrida viola o disposto nos artºs 292, nº 2 do Cód. Penal e o princípio da descoberta da verdade material.

2. O art. 292, nº 2 do Cód. Penal preceitua que, incorre em pena de prisão até um ano ou em pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal (conforme punição do nº 1 do mesmo preceito, para o qual aliás se remete), a pessoa que, "… pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, não estando em condições de o fazer em segurança, por se encontrar sob a influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos análogos perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica".
3. "Os crimes descritos no art. 292 do Cód. Penal inserem-se nos chamados crimes de perigo comum, os quais resultam de razões de política criminal que acha necessária a intervenção do direito penal para salvaguardar certos bens jurídicos que a nossa sociedade tecnológica põe em perigo, culminando nos crimes que prevêem a violação das regras de segurança das comunicações.
4. No caso em concreto, trata-se de um crime contra a segurança das comunicações rodoviárias.
5. Para a verificação do tipo previsto no nº 2 do art. 292 do Cód. Penal, a Lei criou uma cláusula geral penal "não estando em condições de o fazer com segurança" e uma cláusula específica "por se encontrar sob a influência de estupefacientes ... " .
6. O nº 2 do art. 292 do Cód. Penal, que prevê o crime de condução sob a influência de substâncias psicotrópicas, foi introduzido pela Lei nº 77/2001 e teve por base a proposta de Lei nº 69/VIII, a qual foi discutida em 02.05.2001 e se encontra publicada no Diário da Assembleia da República – Iª Série - de 03.05. e de onde resulta a ratio legis desse mesmo preceito legal.
7. Decorre da referida proposta de Lei que, com a previsão em causa: a) - se visa criminalizar a condução sob a influência de droga, nos casos em que esta cause uma diminuição da capacidade do condutor e que; b) - este crime passa a constituir um patamar intermédio entre a simples contra-ordenação, prevista no Código da Estrada, e o crime de condução perigosa, já contemplado no Código Penal.
8. O elemento subjacente à supra referida "cláusula geral penal" de "não estar em condições de o fazer com segurança", não configura um elemento essencial para a descrição factual do tipo de crime, mas sim, uma decorrência da conduta do arguido,
9. Há que ponderar, para o efeito, as circunstâncias da acção, as regras da lógica e senso comum, conjugadas estas com as regras da experiência e aqueles que são os conhecimentos (comuns) dos efeitos do produto estupefaciente nas funções sensoriais do corpo humano.
10. Das circunstâncias da acção, confessa, resulta o consumo de produto de estupefaciente e a ocorrência de acidente.
11. O acto da condução, porque fruto de uma vontade humana, está sujeito às vicissitudes da vontade do indivíduo, incluindo aquelas que decorrem do facto de voluntariamente se colocar numa situação em que vê as suas naturais aptidões diminuídas.
12. É o que sucede com o consumo de estupefaciente.
13. Esse dado, como se viu, estava na posse do Mmº Juiz, bem como estava, por provado, que ocorreu um acidente de viação.
14. A ocorrência de acidente não constitui o fim último da condução automóvel, pelo que, naturalmente, esse evento há-de considerar-se anómalo.
15. Com a matéria de facto provada haveria de ponderar-se, pelo menos, a possibilidade de o acidente se ter devido, exactamente, ao consumo de produto estupefaciente, conhecido que é que tal consumo diminuiu as aptidões para a condução.
16. Ponderação essa que, de todo, não se fez.
17. Acresce que, não se provam quaisquer circunstâncias que pudessem ter concorrido para a produção do acidente, nomeadamente circunstâncias relativas á via, ao tráfego, ou ao veículo conduzido pelo arguido, sendo certo que não podemos presumir que tivessem existido ou pudessem existir.
18. A única conclusão possível, é, pois, aquela de que a causa do embate foi, exactamente, a diminuição das capacidades do Arguido para o acto da condução, Arguido que, como o comum das pessoas, é dotado de uma natural capacidade para a condução (a condução só se ensina a pessoas humanas e não a outros mamíferos, por exemplo, exactamente por aqueles não terem essa capacidade de aprendizagem e execução) não esquecendo que se prova que sabia que estava sob influência de cocaína, o que, aliás, confessou.
19. É, pois, claro que, in casu, o arguido conduziu o veículo automóvel, na via pública, sob a influência de cocaína, que ingeriu antes de iniciar o acto da condução, o que lhe causou uma diminuição das suas capacidades para conduzir, o que se veio a materializar no acidente, este a expressão da falta de condições de segurança para o exercício da condução.
20. Os factos descritos na acusação comportam, de forma suficiente, os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime que vinha imputado ao arguido, pelo que, de uma confissão integral e sem reservas dos mesmos por parte do arguido, que inclui a confissão integral e sem reservas do elemento subjectivo, ou seja, do dolo genérico do ilícito penal cuja prática lhe vinha imputada na acusação, conduziria, necessariamente, à sua condenação pela prática do referido tipo de ilícito.
21. Se assim não se entender, sempre não poderia o Mmo Juiz, perante uma confissão integral e sem reservas por parte do arguido, ter dado como provada a factualidade descrita na acusação designada e concretamente que o arguido conduzia na via pública, sob a influência de cocaína, tendo sido interveniente em acidente de viação - e, sem mais, concluir pela absolvição do mesmo.
22. "No nosso processo penal pontifica o princípio da verdade material, que impõe ao juiz o conhecimento amplo e alargado dos factos que interessam à correcta aplicação do direi to penal. Apesar de no nosso processo penal ser o modelo acusatório a dominar (art. 32 nº 5, da Constituição da República Portuguesa), ele não vigora em termos absoluto, pois que é integrado, nas palavras de Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, 2004, págs. 71-72), pelo princípio «que se poderá denominar "investigatório", da "investigação", ou "instrutório", através do qual se pretende traduzir o poder-dever que ao tribunal pertence de esclarecer ou e instruir autonomamente - isto é, independentemente das contribuições da acusação e da defesa - o facto sujeito a julgamento, criando ele próprio as bases necessárias à sua decisão», desta forma se acentuando «o carácter indisponível do objecto e do conteúdo do processo penal, a sua intenção dirigida à verdade material ...» (Vid./Cit: Acórdãos de 03.02.2010 do Tribunal da Relação de Coimbra e de 18.11.2009 do Tribunal da Relação do Porto, in www.dgsi.pt).
23. Um dos momentos essenciais de aplicação deste princípio da verdade material é, precisamente, o do julgamento, devendo o tribunal ordenar, ao abrigo do nº 1 do arte 340 do C.P.P., oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento seja necessário à descoberta da verdade material, no âmbito, designadamente, da indagação e concretização dos factos integradores do tipo legal imputado.
24. No caso em apreço, considerando o Mmº Juiz que o facto que deu como provado, de o arguido ter sido interveniente em acidente de viação enquanto conduzia veículo automóvel na via pública sob a influência de cocaína, não era o bastante para se concluir corno verificada e provada a "clausula geral penal" de o arguido "não estar em condições de conduzir o veículo com segurança", deveria, em nosso entender e salvo o devido respeito por opinião contrária, ter esclarecido esse facto sujeito a julgamento.
25. E podia fazê-lo, apurando a dinâmica do acidente, indagando e concretizando os factos que poderiam integrar o tipo legal cuja prática vinha imputada ao arguido, tudo com vista à descoberta da verdade material.
26. Tanto mais que foram indicadas pela acusação pública, como prova documental, os documentos de fls. 3 a 25, 28, 29 e 78, onde consta: Participação do Acidente de viação, Esboço da Participação de Acidente, Declaração do arguido, enquanto interveniente no referido acidente, e em que o mesmo admite ter colhido o peão na passadeira enquanto ultrapassava um veículo que se encontrava parado, imediatamente, antes da referida passadeira na via da direita da mesma faixa de rodagem onde o arguido seguia; Identificação e declaração do condutor do veículo que seguia na via da direita da faixa de rodagem no mesmo sentido do arguido e que se encontrava parado antes da passadeira onde circulava o peão que foi colhido pelo arguido (enquanto circulava nessa mesma passadeira); Identificação da condutora do veículo que seguia em sentido oposto ao arguido e que presenciou o embate do veículo conduzido pelo arguido no peão que seguia na passadeira; Fotografias várias do local do acidente e do veículo.
27. Documentos esses em que o Mmº Juiz formulou a sua convicção - veja-se al.b) da fundamentação da matéria de facto da decisão recorrida de onde decorre que: "O tribunal, num juízo critico de apreciação da prova produzida, formulou a sua convicção tendo por base nos seguintes elementos: ... b) no teor dos documentos de fls. 3 a 18, 23 a 26 ... ".
28. Face ao supra exposto, não considerando, o Mm° Juiz a quo, que os factos descritos na acusação comportam, de forma suficiente, os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime que vinha imputado ao arguido, e que a confissão integral e sem reservas dos mesmos por parte do arguido, que inclui a confissão integral e sem reservas do elemento subjectivo, ou seja, do dolo genérico do ilícito penal cuja prática lhe vinha imputada na acusação, deveria, em nosso entender, designadamente, ter confrontado o arguido com os documentos indicados como prova documental na acusação pública e que o mesmo valorou para formar a sua convicção de facto, indagando e concretizando, dessa forma e além do mais, qual a concreta dinâmica do acidente com vista à descoberta da verdade material e, posteriormente, sim, poder formular a sua convicção e concluir pela verificação ou não de todos os factos integradores do tipo legal cuja prática vinha imputada ao arguido: condução de veículo sob a influência de substâncias psicotrópicas, o que, atentos os vários elementos constantes dos autos e a confissão integral e sem reservas do arguido, se impõe.
Deve o recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida com as demais consequências legais.
Responde o arguido, concluindo:
a. O n° 2 do art. 292° do CP não tipifica em concreto o âmbito da infracção.
b. O princípio da legalidade obriga à precisa definição e tipificação das condutas criminais - art.s 8, n° 4 e 29, n° 3 da CRP.
c. Ou contrário o art. 292, n° 1 CP determina precisamente o âmbito do ilícito criminal cumprindo integralmente os princípios constitucionais.
d. A diferente determinação e determinabilidade do objecto do ilícito fere o princípio constitucional da igualdade, consagrado no art. 13, n° 1 da CRP.
e. Resulta como provado o consumo de estupefacientes, reforçado pela livre confissão do Arguido, que afirmou ter tido contacto com estupefacientes alguns dias antes, e nunca no dia da verificação do ilícito.
f. No entanto, não se demonstra o nexo de causalidade entre o consumo da substância estupefaciente e o acidente de viação ocorrido.
g. Não resulta igualmente provada a quantificação da intoxicação, nem se refere ainda que remotamente que poderíamos estar perante vestígios de consumo mediato.
Nesta Relação, o Ex.mº PGA emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Cumprido o art. 417 do CPP, não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:
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São os seguintes os factos que o Tribunal recorrido deu como apurados:
“1-No dia 13 de Maio de 2008, cerca das 09h 15m, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula …, na Rua …, tendo sido interveniente em acidente de viação.
2-Em seguida, de forma a determinar a presença de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, foi o arguido conduzido ao Hospital Distrital de ... onde lhe foi efectuada colheita de urina.
3-Analisada que foi a colheita supra mencionada, acusou a presença de cocaína.
4-O arguido sabia e quis agir da forma supra descrita, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, matrícula …, na Rua …, não obstante soubesse estar sob a influência de cocaína.
5-Mais sabia ser a sua conduta proibida e punida por Lei, o que quis.
6-Confessou integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado e mostra-se arrependido.
7-Aufere mensalmente cerca de €500.
8-Vive com seus pais.
9-Não tem antecedentes criminais.
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Não se provaram outros factos que estejam em contradição com os assentes e que tenham relevância para a decisão da causa”.
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É o seguinte o enquadramento jurídico dos factos apurados:
“Enquadramento jurídico-criminal.
Face à materialidade fáctica apurada importa agora averiguar se a conduta do arguido é susceptível de integrar a prática do crime por que vinha acusado.
Vinha o arguido acusado de um crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previsto e punido pelo art. 292 nº 2 Código Penal.
Dispõe o art. 292 do Código Penal (sob a epígrafe "Condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas") que:
"1 - Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igualou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - Na mesma pena incorre quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica. "
São elementos integradores de tal crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas:
a) a condução de veículo, com ou sem motor, na via pública ou equiparada;
b) que o condutor se encontre sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica;
c) que devido à influência de tais estupefacientes, substâncias ou produtos, o condutor não esteja em condições de fazer com segurança tal condução; e
d) que o agente tenha actuado pelo menos com negligência.
É certo que a cocaína é uma substância compreendida na Tabela I- B anexa ao DL nº 15/93, de 22 de Janeiro.
Todavia, da matéria de facto apurada (e que corresponde totalmente àquela que era alegada na acusação), apesar de verificadas as circunstâncias atrás elencadas nas alíneas a) e b), não resultou demonstrado desde logo a situação mencionada em c), ou seja, não ficou demonstrado que apesar da presença de cocaína (desconhecendo-se também em que concreta quantidade), o arguido não estivesse em condições de fazer com segurança aquela condução, motivo pelo qual, terá que ser absolvido do crime que lhe era imputado por não estarem verificados todos os requisitos objectivos de tal tipo legal de crime, sendo também certo que não vislumbramos que seja susceptível de integrar a prática de qualquer outro tipo legal de crime.
Consideramos, sim, que os factos apurados são susceptíveis de integrar a prática de uma contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 81 nºs 1, 4 e 5 b) e 146 m) e 147 nºs 1 e 2 do Código da Estrada, contra-ordenação e normativos esses para os quais, na audiência de julgamento e no âmbito do que dispõe o art. 358 nºs 1 e 3 do Código de Processo Penal, à cautela, já havíamos chamado a atenção para uma eventual alteração da qualificação jurídica dos factos que constavam daquela mesma acusação.
(…)”
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O direito:
As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objecto do recurso.
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A questão suscitada, no recurso, consiste em saber se os factos apurados preenchem o tipo de crime imputado na acusação, ou seja, se preenchem os elementos objectivos e subjectivo do crime previsto e punido no art. 292 do CP, “condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas”.
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A tipificação do crime de condução sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas ocorreu com a alteração legislativa ao art. 292 introduzida pelo art. único da L. 77/01.
No entanto e como contra-ordenação já a versão original do C. da Estrada, DL n.º 114/94, de 03 de Maio, no art. 87 previa e punia a “Condução sob o efeito do álcool ou de estupefacientes”, embora remetendo para diploma próprio a regulamentação do que era conduzir naqueles termos.
Também agora e no que respeita ao crime em causa temos de recorrer a diplomas próprios donde se possa retirar se o condutor se encontra sob a influência de estupefacientes ou psicotrópicas e, se está em condições de exercer a condução com segurança ou não.
Assim, que a Lei 18/2007 de 17 de Maio aprova o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas e, a Portaria 902-B/2007 de 13 de Agosto regula o material a utilizar na recolha e transporte de amostras biológicas destinadas a determinar a presença de substâncias psicotrópicas e os procedimentos a aplicar na realização das análises e os tipos de exames médicos a efectuar para detecção dos estados de influenciado por álcool ou por substância psicotrópica.
A L. 18/2007, nos arts. 10 a 13, inseridos no capitulo “avaliação do estado de influenciado por substâncias psicotrópicas” prevê um exame prévio de rastreio e em caso de resultado positivo, um exame de confirmação, definidos em regulamentação.
Sendo que, nos termos do nº 5 do art. 12, “só pode ser declarado influenciado por substâncias psicotrópicas o examinado que apresente resultado positivo no exame de confirmação”.
A Portaria 902-B/2007 no Capitulo II regulamenta a avaliação do estado de influenciado por substâncias psicotrópicas.
O exame de confirmação considera-se positivo sempre que revele a presença de qualquer substância psicotrópica prevista no quadro 1 do anexo V, ou qualquer outra com efeito análogo, capaz de perturbar a capacidade física, mental ou psicológica do examinado para o exercício da condução de veículo a motor em segurança. Sendo que o quadro 2 prevê os valores de concentração para exame de rastreio de urina.
Efectuado o exame, indicando a secção III como deve ser feito, o médico deve preencher o relatório do exame modelo do anexo VII, sendo que do resultado desse exame, respondendo aos itens de: Observação geral; Estado mental; Provas de equilíbrio; Coordenação dos movimentos; Provas oculares; Reflexos; Sensibilidade e quaisquer outros dados que possam ter interesse para comprovar o estado do observado.
Só o relatório médico com esses itens preenchidos permitirá ao tribunal concluir se o examinado estava em condições de fazer o exercício da condução em segurança.
E, não basta a ocorrência do acidente para podermos concluir pela inexistência de condições para exercer a condução. E, como se ponderava a possibilidade de o acidente se ter devido ao consumo de produto estupefaciente?, como entende o recorrente que deveria ser ponderado. Entendemos que só perante os resultados do relatório médico, conforme supre se disse.
Que o arguido não estava “em condições de o fazer em segurança”, o exercício da condução, tem de ser facto apurado e, por conseguinte, constar da matéria de facto da acusação.
Assim, também entendemos que a presença de produto psicotrópico no corpo do condutor, a mesma tem de ser “perturbadora da aptidão física, mental ou psicológica” para a condução.
Não se apurando tal facto, apenas fica demonstrado que o arguido se encontra sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, o que não preenche o tipo de crime do art. 292 nº 2 do CP, mas preenche os elementos da contra-ordenação prevista no art. 81 do C. Estrada, porque, para tal, basta conduzir sob a influência de produtos psicotrópicos, “É proibido conduzir sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas”.
Concordamos com a fundamentação jurídica da sentença ao referir, “não ficou demonstrado que apesar da presença de cocaína (desconhecendo-se também em que concreta quantidade), o arguido não estivesse em condições de fazer com segurança aquela condução, motivo pelo qual, terá que ser absolvido do crime que lhe era imputado por não estarem verificados todos os requisitos objectivos de tal tipo legal de crime”.
O art. 292 nº 2 do CP não prevê o típico crime de perigo comum. Não basta a presença de substância psicotrópica no corpo, é necessário que a mesma influencie e torne o condutor incapaz de conduzir com segurança (aqui independente do resultado danoso que possa haver). Diferente é a previsão do nº 1, em que basta a taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2g/l, independentemente da influência que essa taxa de álcool exerça no condutor, ou mesmo que não afecte as condições de condução com segurança.
Face ao exposto, entendemos não merecer provimento o recurso, antes se mantém a decisão recorrida.
Decisão:
Acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em julgar improcedente o recurso interposto pelo Exmº Magistrado do Mº Pº e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.
Sem custas.

Jorge Dias (Relator)
Brízida Martins