Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
52/17.4PCCBR-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: CONTAGEM DOS PRAZOS DE ACTOS PROCESSUAIS
FÉRIAS JUDICIAIS
PROCESSO RELATIVO A ARGUIDO DETIDO OU PRESO
Data do Acordão: 01/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE COIMBRA – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 103.º, N.º 2, AL. A), E 104.º, N.º 2, DO CPP
Sumário: Correm em férias judiciais os prazos relativos a processos [artigo 104.º, n.º 2, do CPP] em que haja arguidos detidos ou presos [artigo 103.º, n.º 2, a)], independentemente de, no mesmo processo, existirem arguidos que não se encontrem nessas situações.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

No processo 52/17.4PCCBR do Juízo e Instrução Criminal de Coimbra, Juiz 1, Comarca de Coimbra em que são arguidos A... , B... , C... e D... , os dois primeiros sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva, o terceiro à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica e o último, ora recorrente, às medidas de coacção de obrigação de apresentação periódica a OPC e a proibição de contactar por qualquer meio os restantes arguidos.

Em 2 de Agosto de 2017, foi deduzida acusação contra o arguido/recorrente D... , a quem foi imputada a prática de um crime de roubo agravado na forma consumada, p. e p. pelos artigos 210º, nº 1 e nº 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f), um crime de roubo na forma consumada, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1 e nº 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f) e nº 4, e dois crimes de roubo na forma consumada, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, todos do Código Penal.

Considerando que a última notificação da acusação a arguido ocorreu em 29.8.2017, o prazo para requerer instrução terminava em 18.9.2017, para o caso de se entender que esse prazo corre em férias judiciais (cfr. fls. 36 destes autos de recurso).

Em 20 de Setembro de 2017 o arguido recorrente requereu a abertura de instrução.

Foi oficiosamente emitida guia no montante de 127, 50 €, para pagamento de multa pela prática do acto fora do prazo, ao abrigo do disposto nos artigos 107º-A do CPP e 139º, nº 6 do Código de Processo Civil, enviada à Defensora do arguido.

O arguido requereu dispensa do pagamento da multa, ao abrigo do disposto no artigo 139º, nº 8 do Código de Processo Civil.

Por despacho de 06.10.2017 foi indeferido tal requerimento e, em consequência, não foi admitido o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido, sendo do seguinte teor:

Fls. 723 a 727 e 728: Nos termos do artigo 139°, nº 8 do CPC, "o juiz pode excepcionalmente determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respectivo montante se revele manifestamente desproporcionado, designadamente nas acções que não importem a constituição de mandatário e o ato tenha sido praticado directamente pela parte".

Ora, "a exoneração ou diminuição da multa processual constitui uma providência extraordinária e não pode ser entendido como prolongamento generalizado dos prazos peremptórios estabelecidos por lei. O juiz deve atender à situação económica do requerente que tem que ser manifestamente insuficiente para se verificar o benefício indicado. O arguido vive numa situação modesta e difícil, a receber subsídio de desemprego, não se pode considerar esse circunstancialismo como de uma evidência de carência económica" - Ac. da RG de 7.10.2013, in jusnet.pt.

Também o TRL num Acórdão de jusnet.pt, decidiu que "ao interessado em 7.4.2011, cumprir in o

acto processual ainda que fora de prazo, cabe o pagamento de multa que pode ser reduzida ou até dispensada, desde que prove a sua carência económica.

o facto de dispor de apoio judiciário não o dispensa de apresentar tal prova".

Por último um Ac. do TC de 16.3.2006, in jusnet.pt, nos termos do qual "o facto de a parte beneficiar de apoio judiciário não o isenta do pagamento das multas processuais que são condição de validade dos actos praticados com inobservância dos prazos peremptórios, uma vez que estas multas não cabem no conceito de custas judiciais. A dispensa de multa tem carácter excepcional e visa a adequação da sanção processual para a prática tardia do acto, relativamente à situação de insuficiência económica do responsável, que a tem que comprovar e à relação entre o montante da multa e a repercussão do atraso no bom andamento do processo".

No presente caso, o arguido D... ainda nem beneficia de apoio judiciário. Apenas fez esse requerimento. Por outro lado, pelo facto de estar inscrito no centro de emprego não faz concluir, sem mais, pela situação de insuficiência económica que o impossibilite de pagar o montante em causa. O mesmo se diga da sua situação de doença.

Nestes termos, concordando com a promoção que antecede, indefere-se o requerido a fls. 723.

Assim sendo, por falta de pagamento da multa em causa para o qual foi notificado a fls. 721, não se admite o RAI de fls. 718 e seguintes do arguido D... .

Não se conformando com tal decisão, dela recorreu agora o arguido D... , condensando a respectiva motivação nas seguintes conclusões:

A. O presente recurso tem como objeto o despacho que não admite o requerimento de abertura da instrução de fls. 718 e ss. proferido nos presentes autos,

B. O Requerimento de abertura de Instrução foi considerado extemporâneo nos termos do 107.º - A do Código Penal porque o Recorrente não efetuou o pagamento da multa que levaria à sanação da extemporaneidade da prática do mesmo, pois

C. Salvo o devido respeito, o Recorrente não concorda com a apreciação e não admissibilidade do dito requerimento, pelo que

D. Interpôs o presente recurso com fundamento no artigo 407.º n.º 2 h) do C.P.P.

E. A notificação enviada a dar conhecimento da acusação e a dispor o prazo de 20 dias para requerer a abertura da instrução data de 03-08-2017.

F. A notificação presume-se feita no 3.º dia útil posterior ao envio, nos termos do artigo 113.º n.º 2 do C.P.P.

G. Acontece que, por se tratar de período de férias judiciais, o prazo iniciar-se-ia no dia 01- 09-2017, data de início do ano judicial.

H. Assim, o dia 20-09-2017 seria o último dia do prazo para o Arguido requerer a abertura da Instrução.

I. Efetivamente foi o que veio a acontecer.

J. Notificado para efetuar o pagamento da multa pela extemporaneidade, o Recorrente entendeu não ter de o fazer, por considerar estar dentro do prazo.

K. Assim, perante a não admissibilidade do requerimento, o Recorrente vem interpor recurso nos termos do artigo 407.º n.º 2 h) do C.P.P.

L. O Arguido ora Recorrente não está preso nem detido.

M. Não lhe é aplicável o disposto no artigo 103.º n.º 2 a) do C.P.P. "atos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas", pois o Arguido não se insere na exceção deste normativo.

N. É da opinião do Arguido que a norma em apreço, diga-se 103.º n.º 2 a) per si, deveria ser suficiente para que o Requerimento de abertura de instrução fosse admitido.

O. A não admissibilidade do Requerimento de abertura da Instrução, coloca o Arguido numa posição de inferioridade relativamente aos restantes arguidos,

P. Porquanto obriga-o a praticar os atos processuais como se estivesse detido quando efetivamente estava e está em liberdade,

Q. Esta obrigatoriedade é uma violação do seu direito à liberdade constitucionalmente consagrada no artigo 27.º n.º 2 da C.R.P.

R. A obrigatoriedade da prática dos atos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, que por norma deve ser efetuada à contrario do artigo 103.º n.º, 1 do C.P.P. dentro do período das férias judiciais, pode ser objeto de renúncia pelo seu beneficiário nos termos do artigo 107.º n.º 1 do C.P.P.

S. Não se pode conceber que um prazo que pode ser renunciado pela pessoa em benefício do qual foi estabelecido tenha que, de forma imperativa, ser aplicado a quem a ele não está submetido, diga-se um arguido em liberdade,

T. Isto, em consequência de uma interpretação restritiva da letra da lei.

U. Ora, é essa mesma literalidade que refere que o prazo que decorre em férias é referente a "atos processuais relativos a arguidos detidos ou presos" e não atos processuais em processos que tenham arguidos detidos ou presos.

V. Entendemos que a letra da lei não é clara, pois o que legitimamente se depreende é que o prazo decorre em férias apenas para os atos dos arguidos detidos ou presos, e não para os restantes.

W. Caso assim não se entenda, no entender do Recorrente, há uma clara violação do Principio da Igualdade consagrado no artigo 13.º da C.R.P. pois todos os cidadãos "são iguais perante a lei", na medida da sua diferença.

X. A lei processual penal que se aplica ao aqui Recorrente é a que se aplica aos Arguidos que não se encontram detidos ou privados da liberdade.

Y. O prazo para o Recorrente Requerer a abertura da Instrução é o prazo igual ao comum dos cidadãos em liberdade, ou seja, 20 dias, os quais são interrompidos no decurso de férias judiciais, nos termos do 103.º n.º 1 do C.P.P.

Z. Pugna-se assim pela aceitação do Requerimento de abertura da instrução apresentado, porquanto entrou em juízo dia 20-09-2017.

AA. Face ao exposto, o Arguido, ora Recorrente, considera que o requerimento de abertura da instrução foi indevidamente dado como não admitido, não lhe sendo aplicadas as disposições dos arts. 104.º, n.º 2, e 103.º, n.º 2, a), do Código do Processo Penal.

BB. Por conseguinte, e salvo o devido respeito, o Arguido, ora Recorrente, entende que a não admissibilidade do requerimento apresentado com fundamento na extemporaneidade, coloca-o numa situação de desigualdade para com os restantes Arguidos,

CC. Não podendo o Arguido crer que o facto de não lhe ter sido aplicada uma medida privativa da liberdade,

DD. O conduza, in fine, para um resultado menos favorável do que se lhe tivesse sido aplicada de tal medida.

Termos em que, e por tudo o mais que V. Exa. Doutamente suprirá, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser admitido o Requerimento de abertura da Instrução apresentado, de modo a cumprir as finalidades da instrução preceituadas no artigo 286.º do C.P.P.

Fazendo-se assim Justiça!

O recurso foi objecto de despacho de admissão.

O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo o seguinte:

1. Em 02.08.2017 foi deduzida acusação contra o arguido D... pela prática de um crime de roubo agravado, p. p. pelos artigos 210º, nº 1 e nº 2 b) em referência ao artigo 204º, nº 2 f), um crime de roubo, p. p. pelo artigo 210º, nº 1 e nº 2 b) em referência ao artigo 204º, nº 2 f) e nº 4, e dois crimes de roubo, p. p. pelo artigo 210º, nº 1, todos do Código Penal.

            2. Nos autos foram acusados outros três arguidos, sendo que em duas situações o recorrente agiu em coautoria com os arguidos A... e B... e numa outra ocasião em coautoria com aqueles e ainda com o arguido C... .

            3. Após o primeiro interrogatório judicial de arguido detido, em 09.03.2017, A... e B... foram sujeitos à medida de coação de prisão preventiva, C... à medida de obrigação de permanência na habitação e o arguido D... às medidas de obrigação de apresentação periódica e de proibição de contactos com os demais arguidos.

            4. Tais medidas de coação foram mantidas aquando do despacho de acusação, tendo as medidas detentivas, aplicadas aos arguidos A... , B... e C... , sido confirmadas por despacho judicial de 22.08.2017.

            5. O arguido D... foi notificado do despacho de acusação em 09.08.2017; tendo o arguido C... sido notificado apenas em 29.08.2017, o prazo para requerer a abertura de instrução só então se iniciou, o que aproveita aos demais arguidos, pelo que o prazo assim terminou em 18.09.2017.

            6. Embora o arguido D... não esteja preso ou detido, havendo nos autos outros arguidos nessa situação, também a ele é de aplicar o disposto no artigo 104º, nº 2 do CPP: “Correm em férias os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se os atos referidos nas alíneas a) a e) do nº 2 do artigo anterior”, preceituando o artigo 103º, nº 2 a) que “Os atos processuais relativos a arguidos detidos ou presos …” se excetuam do previsto no número anterior, que estabelece que os atos se praticam em dias úteis, às horas de expediente e fora das férias judiciais.

            7. As normas citadas não podem ser interpretadas como referindo-se a arguidos presos ou detidos, antes se aplicam aos processos com arguidos nessa situação e, por isso, aos arguidos que, no mesmo processo, se encontrem em liberdade; não havendo distinção de prazos em função da situação dos arguidos, sob pena de aqueles serem prejudicados no direito a uma justiça mais célere e a um tempo mínimo de privação da liberdade.

            8. A regra de que correm em férias os prazos relativos a processos com arguidos presos ou detidos, aplicando-se também aos arguidos em liberdade, não viola os seus direitos, nem ofende qualquer princípio constitucional, antes se justifica pela “defesa de valores constitucionalmente relevantes como a celeridade e eficiência do sistema penal, a liberdade do arguido e o interesse punitivo do Estado.” (cf. Ac. STJ de 29.01.2017, proc. nº 761/06- 3ª secção).

            9. A tal não obsta o facto de estar prevista a renúncia ao decurso de um prazo pela pessoa em benefício do qual o mesmo está estabelecido (cf. nº 1 do artigo 107º do CPP); os prazos processuais pressupõem a disponibilidade do direito pelo respetivo titular, pelo que a renúncia não se impõe aos outros sujeitos processuais.           10. Aplicando-se ao arguido D... a regra de que os prazos correm em férias, tendo o requerimento de abertura de instrução dado entrada em 20.09.2017, ou seja, no segundo dia após o términus do prazo, e sem que o mesmo tenha efetuado o pagamento da multa correspondente, deveria a secretaria notificá-lo para pagar a multa acrescida da penalização de 25%; o que foi feito.

            11. Ora, tendo depois o arguido requerido a dispensa de tal pagamento, não comprovou estar em situação de insuficiência económica que o impossibilitasse de efetuar o pagamento, limitando-se a juntar documentação referente à situação de desempregado e de doente e o requerimento de proteção jurídica que apresentou em 26.09.2017, mas nada concretizou quanto aos seus rendimentos e despesas, nem tal se pode concluir dos documentos juntos.

            12. Termos em que entendendo-se que o despacho recorrido não violou qualquer norma, deverá o mesmo ser mantido na íntegra.

            No entanto, Vossas Excelências decidirão, fazendo JUSTIÇA!

Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não ocorreu resposta.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, importando apreciar e decidir.


***

II. Apreciação do Recurso

Como é sabido, o âmbito do recurso delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação. Resulta das conclusões do recurso interposto e acima transcritas que se coloca para apreciação deste Tribunal a singular questão de saber se em relação a arguido em liberdade em processo com arguidos detidos não é aplicável a regra de que os prazos correm em férias judicias.

Apreciando:

No sentido de obter resposta positiva à questão suscitada, alega o recorrente que não efetuou o pagamento da multa por extemporaneidade da prática do acto em causa (requerimento de instrução) por entender que não tinha de o fazer, considerando que o prazo para requerer a abertura de instrução não correra durante as férias judiciais, pelo que, iniciando-se no dia 1 de Setembro de 2017, o arguido dispunha até 20 de Setembro para requerer a abertura de instrução, estando assim em tempo.

            Acrescenta que tendo-lhe sido aplicadas as medidas de coação de obrigação de apresentação periódica e proibição de contactos com os outros arguidos que foram objecto de medidas privativas da liberdade, não lhe é aplicável o disposto nos artigos 104º, nº 2 e 103º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Penal, defendendo que caso assim se não entenda, estará a ser colocado numa posição de inferioridade em relação aos restantes arguidos, pois que seria obrigado a praticar os actos processuais como se estivesse detido quando se encontra em liberdade, estando assim a ser violado o seu direito à liberdade.

            Mais alega que podendo haver renúncia à prática de actos processuais no período das férias judiciais por parte do seu beneficiário, nos termos previstos no artigo 107º, nº 1 do CPP, não concebe que esse prazo possa ser imposto a quem a ele não está submetido, a um arguido em liberdade e conclui que o prazo que decorre em férias é referente a “actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos” e não a actos em processos que tenham arguidos detidos ou presos.

Entendimento diferente viola, na sua perspectiva o princípio constitucional da igualdade.  A sua pretensão final é no sentido de que deverá ser aceite o requerimento de abertura de instrução apresentado.

            Vejamos.

Dispõe o nº 2 do artigo 104º do Código de Processo Penal sobre a epígrafe “contagem dos prazos de atos processuais” que “Correm em férias os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se os actos referidos nas alíneas a) a e) do nº 2 do artigo anterior”.

Por seu turno o artigo anterior, 103º, preceitua o seguinte:

1. Os actos processuais praticam-se nos dias úteis, às horas do expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judicias.

2. Exceptuam-se do disposto no número anterior

a) Os actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas.

            Resulta, assim, de forma cristalina da letra da lei que correm em férias judiciais os prazos relativos a processos (artigo 104º, nº 2) em que haja arguidos detidos ou presos (artigo 103º, nº 2, a)), independentemente de no mesmo processo existirem arguidos que não se encontrem nessa situação.

A tese do recorrente escamoteia, pois, completamente a previsão do artigo 104º do Código de Processo Penal, clarividente na sua referência a processos e não a actos, sendo certo que é neste preceito que vem previsto que os prazos correm em férias.

Aliás, também esquece o recorrente os ditames do artigo 9º do Código Civil quanto à interpretação da lei que, em caso algum pode conduzir a resultado que negue o sentido da própria lei.

No dizer de Inocêncio Galvão Teles (Introdução ao Estudo do Direito, vol. I, 11ª ed., pág. 248) a lei, em princípio, deve ser entendida da maneira que melhor corresponda à consecução do resultado que o legislador teve em mira (…) a lei está para a “ratio legis” como o meio para o fim, e quem quer o fim quer o meio, se portanto o legislador quis atingir certo resultado, quis naturalmente, o meio a que esse resultado conduz. É para a realidade que se legisla.

 Ora, a previsão em causa visa tornar mais célere a justiça penal quando existam arguidos privados da liberdade, finalidade que ficaria completamente inviabilizada se os arguidos em liberdade no mesmo processo pudessem praticar os actos processuais nos termos gerais previstos. Estaríamos perante uma norma inútil sempre que no mesmo processo existissem arguidos privados da liberdade e outros em liberdade e, neste caso, com desprezo da posição do arguido detido, embora o legislador tenha entendido que a sua privação da liberdade merecia uma justiça penal mais célere.

Cremos ser incontornável que as mencionadas normas legais se aplicam indistintamente a arguidos privados da liberdade e não privados da liberdade no mesmo processo.

Obviamente, que este entendimento não é susceptível de atentar contra ao direito à liberdade do recorrente, não se conseguindo entender tal alegação, como não viola qualquer preceito constitucional, bastando para tanto atentar no disposto no artigo 18º da CRP em confronto com o disposto no artigo 13º também da CRP dos quais resulta que a igualdade perante a lei não prescinde em caso algum da noção de proporcionalidade e está por esta limitada. Ofensivo do princípio da igualdade seria condicionar a celeridade do processo à existência ou não em processo com arguidos privados da liberdade de arguidos não privados da liberdade.

            E a tal não obsta o facto de estar prevista a renúncia ao decurso de um prazo pela pessoa em benefício do qual o mesmo está estabelecido (cfr. nº 1 do artigo 107º do CPP) também não se conseguindo alcançar em que medida esse regime contenderia com o entendimento em causa, quando está em causa realidade inversa à presente, mas que também se encontra consagrada legalmente em nome da maior celeridade do processo, podendo o arguido prescindir de prazos estabelecidos em favor do seu direito de defesa precisamente quando vislumbre mais favorável a resolução mais célere do processo.

           

Em suma, aplicando-se também ao arguido D... a norma do nº 2 do artigo 104º do CPP, conjugada com a da alínea a) do nº 2 do artigo 103º, correndo em férias o prazo para requerer a abertura de instrução, constata-se que o RAI do ora recorrente foi apresentado no segundo dia após o términus do respectivo prazo.

            Ora, tendo sido notificado para proceder ao pagamento da multa devida pela prática do acto fora do prazo legal, o arguido requereu a dispensa de tal pagamento, ao abrigo do disposto no artigo 139º, nº 8 do Código de Processo Civil, o qual foi indeferido, parte do despacho que não impugna em recurso, alegando, ao invés, que não havia lugar ao pagamento por ter praticado o acto tempestivamente.

            Assim sendo, não tendo o arguido efetuado o pagamento devido pela extemporaneidade do requerimento, não merece qualquer censura o despacho recorrido, devendo ser mantido.


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            III. Decisão

Nestes termos acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido D... e, em consequência, manter o despacho recorrido.

Pelo seu decaimento em recurso condena-se o recorrente em custas, fixando a taxa de justiça devida em três unidades de conta.


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Coimbra, 24 de Janeiro de 2018
(Texto processado e integralmente revisto pela relatora)

Maria Pilar de Oliveira (relatora)

José Eduardo Martins (adjunto)